2012 escrita por Mallagueta Pepper


Capítulo 29
A dor da primeira perda




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/279654/chapter/29

No capítulo anterior, Toni acabou pagando alto preço por sua teimosia e Ângelo não teve outra opção a não ser presenciar o seu triste fim.

15 DE MAIO DE 2012

Durante três dias, Toni foi procurado sem nenhum sucesso. Cebola apenas tinha dado a informação de que ele estava namorando uma garota que morava no morro da favela e nada mais. Quando descobriram que era a filha do traficante Armandinho Ribamar, o alerta foi geral e as esperanças de encontrarem aquele rapaz vivo diminuíram drasticamente.

Por terem sido os últimos a verem Toni antes de ele desaparecer, Cebola e Mônica foram interrogados freqüentemente, o que foi um verdadeiro teste para os nervos dela. Cebola era mais controlado e conseguiu contar toda a história omitindo a parte em que Toni fazia negócios ilícitos. Já Mônica teve que reunir todo seu autocontrole para não acabar falando o que não devia.

- Cebola, por que a gente não fala a verdade pra eles? O Toni pode tá correndo perigo!
- Porque se descobrem que ele tava mexendo com drogas, vão querer saber demais e podem atrapalhar os nossos negócios!
- Mas ele tava fazendo isso pra salvar a família dele!
- Exato! Só que nossos pais não acreditam que algo vai acontecer no fim de julho, entende? Se descobrirem que o Tonhão se encrencou por causa disso, vai dar o maior rolo pra todo mundo!
- Que coisa feia! Vai deixar o Toni sem ajuda pra salvar a nossa pele?

Ele balançou a cabeça e segurou a namorada pelos ombros, falando com a voz séria.

- Olha, Mô, eu sei que você tá preocupada com o zé ruela do Tonhão, mas se tinha que acontecer alguma coisa com ele, já deve ter acontecido. Agora a gente tem que se salvar e salvar nossas famílias!
- Mas...
- Se nossos pais descobrirem o que estamos fazendo, a gente pode até acabar perdendo o dinheiro que já juntamos!
- Isso não! Deu muito trabalho!
- Então? O melhor é a gente ficar de bico calado! Tudo o que eu podia falar, foi falado. Contar que o Tonhão mexia com drogas não vai mudar nada, então é melhor deixar quieto!

Ela acabou concordando, ainda que a contragosto. Na escola, o clima era de preocupação e medo. Licurgo mal conseguia dar aulas direito, pensando no que pode ter acontecido com o rapaz. E para piorar, Ângelo tinha desaparecido. Ninguém sabia que ele fora proibido por Serafim de dar notícias do paradeiro do rapaz. As coisas precisavam acontecer naturalmente.

Seus pais sofriam angustiados sem saberem se ele estava vivo ou morto e diante das estatísticas de tantos adolescentes mortos, eles só podiam esperar pelo pior.

Todos da turma também estavam apreensivos sem saber o que tinha acontecido com ele.

- Eu ainda acho que a gente devia ajudar a procurar! – Mônica dizia mal contendo a ansiedade e Cebola sempre discordava mal contendo seu ciúme.
- Nem pensar! Isso é trabalho da polícia, não nosso! Já pensou se eles pegam a gente também?

Finalmente, três dias depois de ele ter desaparecido, o corpo dele foi encontrado em início de decomposição por causa do sol forte. Ir ao IML reconhecer o corpo do próprio filho foi a coisa mais difícil que seus pais fizeram em suas vidas. A mãe dele quase desmaiou ao deparar-se com o corpo do seu filho, antes tão belo e cheio de vida, que estava começando a apodrecer.

Com o coração em pedaços, só restou a eles providenciar o enterro do próprio filho, coisa que nunca imaginaram fazer um dia.

Quatro homens carregavam o caixão, com os pais do lado e demais parentes em volta. Mais atrás, toda a turma acompanhava o cortejo fúnebre ainda oscilando entre a tristeza e a descrença. Era tão difícil acreditar que aquele rapaz tinha morrido! Ainda mais daquela forma tão estúpida! Até então, era inimaginável para aqueles jovens comparecer ao enterro de um deles. Normalmente eram de pessoas mais velhas, não de alguém da sua idade.

Mesmo com o triste desfecho, a turma resolveu não falar nada sobre seu envolvimento com drogas. Se contassem tudo, poderia matar seus pais de tristeza e ainda criar problemas para eles. Aquele acabou ficando como mais um crime sem solução, já que na favela ninguém falava nada, não havia testemunhas e Armandinho já estava longe com sua filha e seus capangas de maior confiança.

Conforme havia prometido, Ângelo pegou o dinheiro de Toni da sua gaveta e o entregou para Mônica.

- Quando chegar a hora, você devolve pra família dele.
- Pode deixar. Mas por que ele pediu pra ficar comigo?
- Junto do dinheiro tem uma lista.

Ela abriu o papel e viu vários nomes anotados. Todos tinham um circulo, indicando que para aquela pessoa, já havia o dinheiro da passagem. Três nomes chamaram a sua atenção. Era seu nome e o dos seus pais.

- Nossa! Eu não acredito! Ele estava juntando dinheiro pra mim também?
- Pois é...

Cebola fechou a cara e manteve-se em silêncio. Ele também estava juntando o dinheiro para a Mônica, mas ainda não tinha conseguido toda a quantia para salvar ela e seus pais. Faltava apenas o dinheiro para uma passagem. Então aquele loiro-burro-narcisista gostava mesmo dela? Embora não desejasse a morte do rapaz, seu lado negro não deixou de ficar aliviado por ter um concorrente fora do seu caminho. Ninguém ia tirar a Mônica dele.

D. Morte acompanhava tudo de longe, junto com Ângelo que ainda parecia meio traumatizado com a tragédia. Tinha sido muito difícil para ele encarar os amigos e ver aqueles olhares acusadores em seus olhos, como se ele tivesse falhado em sua missão de proteger a turma.

- Estou preocupada com você.
- Vou ficar bem, D. Morte. Pelo menos ele foi pra um lugar bom.

Ela só balançou a cabeça afirmativamente, com os olhos fixos nas duas pessoas que pretendia levar dentro de um tempo. Aquele caso também ia ser muito difícil. 

__________________________________________________________

Depois do enterro, a turma foi se dispersando. Denise seguia com Irene, ainda chorando um pouco a perda daquele bonitão sem que ela pudesse ter alguma chance com ele. Titi estava mesmo perdido, ele só pensava na Aninha e nem lhe dava uma chance.

(Irene) – Eu... nem sei o que dizer, coitado...
(Denise) – Coitado mesmo...
– Agora eu tenho que ir pra casa, hoje a tarde vou levar a mercadoria pra eles.
– Não acha que tá na hora de se aposentar não? Depois daquele dia, eu não quero mais saber daquele povo de jeito nenhum!
– Ainda não dá, não juntei todo o dinheiro. Com o pagamento de hoje, vou chegar perto dos três mil!

Denise balançou a cabeça.

- Você não tem seu emprego?
- Só pagam meio salário mínimo.
- Estamos no meio de maio, você ainda vai receber o salário desse mês e o do próximo. Dá um salário mínimo inteiro. Não ajuda?
- Ajuda, mas não é suficiente. Preciso de pelo menos cinco mil.

A outra ficou em silêncio, entendendo bem a situação da amiga.

- Sabe, estou pensando em aceitar a oferta deles...
- Como é? A louca! O que deu em você?
- Em uma única noite, vou conseguir tudo o que eu preciso e muito mais.
- E você quer mesmo fazer isso?

Irene voltou a chorar mais ainda.

- Não, eu não quero! Mas se não fizer, não vou conseguir o dinheiro que preciso pra minha família! Você fez e se deu bem.
- Gatz, eu me dei bem por pura sorte, foi isso. Com você não vai ser a mesma coisa. Você vai ter que fazer aquilo com quem pagar mais!
- Eu... eu... ainda vou pensar um pouco...

__________________________________________________________

- Puxa, Carmen, que pena... você tava de olho nele, né?
- Estava, Aninha, mas ele se enrabichou com aquela baranga de segunda categoria, paciência! Vai ver foi morto por algum ex-namorado ciumento. Agora a gente tem que ir lá pra casa. Vou precisar de ajuda pra arrumar as mochilas pro pessoal.
- Eu ainda tenho que trabalhar...

Carmen pensou um pouco e perguntou.

- Quanto ainda falta pra você juntar?

Aninha fez os cálculos de cabeça e respondeu.

- Mil e seiscentos reais...
- Eu vou dar um jeito nisso.
- Sério? Carmen, não precisa...
- Preciso sim. Com você por perto, eu me concentro melhor pra fazer as coisas.
- Engraçado, pensei que fosse amiga da Denise...
- E sou, mas pra isso você é melhor do que ela porque me incentiva a economizar ao invés de gastar feito maluca. Anda, vamos que a gente tem muito que fazer. Também tenho outra idéia e vou precisar da sua opinião.
- Qual?
- É o seguinte.

As duas foram andando até o carro dos pais de Carmen, onde o chofer já esperava. À medida que ouvia, Aninha foi ficando impressionada com aquela idéia que parecia boa e ao mesmo tempo maluca. Será mesmo que Carmen estava disposta a fazer aquilo?

__________________________________________________________

Magali olhava em silêncio enquanto Mônica contava o dinheiro conseguido por Toni. Ela se sentia anestesiada, como que fora da realidade. Era como se seu subconsciente tivesse bloqueado os acontecimentos para que ela não sofresse demais. A ficha ainda não tinha caído para ela.

- Que droga, errei a conta de novo. Eu não tô com cabeça pra mexer com isso!
- Então deixa quieto, Mo! Também fiquei super bolada.

Mônica parou de mexer com as notas e ficou olhando o vazio.

- Ah, se eu pego quem fez isso! É capaz de eu quebrar essa pessoa todinha até não sobrar nada!
- Aposto que foi aquele traficante.
- Estranho... por que será que ele fez isso?
- Deve ser porque o Toni estava namorando a filha dele.
- Será? É tão estranho! A não ser que o Toni tenha aprontado alguma. Mas ainda assim, precisava matar? Eles são mesmo uns monstros!
- Você ficou triste com a morte dele, não é? Acho que ele gostava mesmo de você.
- Pois é... dá pra acreditar que ele até juntou dinheiro pra mim e pros meus pais? Agora fiquei com peso na consciência!
- Não foi culpa sua, Mo! Ele fez porque quis!
- Coitado do Cebola, tá morrendo de ciúme!
- Ele é ciumento mesmo. E você não fica nada atrás, né?
- ...
- Ele juntou todo o dinheiro pra família dele?
- Pelo que está na lista, juntou. Até que não era tanta gente assim. Agora todo mundo vai ter sua passagem.
- E o dinheiro que ele reservou pra você?

Ela teve um sobressalto. Até então aquilo não tinha lhe passado pela cabeça.

- Magali, eu não posso... ele morreu por causa desse dinheiro!
- É por isso que você deve aceitar a sua parte, ele juntou pensando em você!
- Talvez fosse melhor deixar pra família dele...
- Eles já têm o necessário. Com esse dinheiro, você vai poder comprar passagem pra mais três parentes seus!
- Ainda não sei... o Toni não falou nada pro Ângelo sobre isso!
- Mas ele falou pra dar o dinheiro pra você, não pro Cebola. O seu nome e o dos seus pais estão na lista e ele sabia que você ia ver, então o Toni queria sim que você ficasse com esse dinheiro.
- Será?
- Claro!
- Então vou ficar com ele, mas o resto vou guardar muito bem pra devolver a família dele depois.  

__________________________________________________________

Licurgo andava de um lado para outro, quase perdendo seu resto de insanidade. Como aquilo foi acontecer?

- Por que não me falaram antes? Eu teria tentado conversar com aquele rapaz!
- E-eu nem pensei nisso, foi mal! E também o Toni não quis ouvir ninguém!

Ângelo tentava acalmá-lo antes que ele tivesse um ataque de loucura.

- Aposto que aquela aberração não te deixou ajudá-lo, não foi?
- Peraí, a D. Morte não é nenhuma aberração!
- Não, é um monstro! Ela leva as pessoas que amamos sem pensar no sofrimento dos que ficam! – ele falou alto, mais para si mesmo do que para Ângelo. Por instantes ele ficou perdido em seus pensamentos, lembrando de coisas que não queria lembrar.

Ele ainda se lembrava do dia que ela tinha sido levada. D. Morte estava perto e ele viu quando aquela monstra tocou-a com sua foice, levando-a para sempre e ignorando seus apelos. Claro que parte daquilo era culpa do seu ID, o Dr. Bikuri, mas ele ainda poderia ter tido uma chance de salvá-la se aquela criatura não tivesse entrado no meio e estragado tudo.

Foi com muito custo que Ângelo conseguiu acalmá-lo. Ele sentou-se no sofá, com a cabeça entre as mãos. Mesmo imaginando que nem todos daquela turma iam se salvar, ele ainda tinha esperanças de que ninguém acabasse ficando para trás. Ele estava errado. A morte não era somente uma hipótese. Era algo real que rondava a todos.

- Existe mais alguém da turma que andou se desviando?

Ângelo hesitou um pouco. Era mesmo necessário falar sobre aquilo?

- E então? Quem mais andou aprontando o que não deve?
- Irene, Denise e Titi.

O rapaz explicou para Licurgo o que os três estavam fazendo, mas ressaltou que Titi havia largado o emprego e não mexia mais com aquelas coisas. Denise também tinha se aposentado. Somente Irene ainda continuava fazendo aquilo porque não conseguiu juntar todo o dinheiro de que precisava.

- O problema é que ela anda pensando em fazer o mesmo que a Denise, sabe...
- Isso é ruim!
- É mesmo. A Denise se salvou porque teve ajuda, mas eu não sei como vai ser pra Irene!

Licurgo pensou um pouco, coçou o queixo e por fim tomou uma decisão. Em uma caixa guardada dentro da geladeira, atrás da torta de abobora com rosbife, tinha muitas notas de cem. Ângelo ia perguntar por que ele estava guardando dinheiro na geladeira quando Licurgo tirou algumas notas, contou e perguntou ao rapaz.

- Você tem como entrar em contato com a Denise?


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!