2012 escrita por Mallagueta Pepper


Capítulo 25
Serviço de espionagem




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No capítulo anterior, Carmen se deu conta de que não podia confiar em seus pais e decidiu que daria um jeito de cuidar de si mesma e do seu primo.

Amandinho estava na varanda da sua casa jogando cartas com seus principais aliados. A música tocava a um bom volume, mas sem atrapalhar a conversa. Eles fumavam, tomavam cerveja e comiam do churrasco servido pelos seus capangas.

Um deles, depois de colocar uma carta de baralho sobre a mesa, contou um caso bem estranho que tinha acontecido em seu território.

– Aí o barraco se despedaçou todinho, caiu tudo!

Os outros três levaram um susto e Armandinho perguntou.

– Como assim caiu? Tava chovendo?
– Que nada! O sol tava estourando as mamonas e não caiu nem um pingo de chuva! Mas o barraco despencou assim mesmo! Acho que isso já aconteceu umas cinco ou seis vezes, perdi a conta.
– Eu heim! – outro traficante falou tomando um gole da sua cerveja. – Lá na minha favela não tá tendo isso não. Só que o povo anda reclamando que tá aparecendo trincas nas paredes de todo mundo. Lá em casa apareceu algumas.
(Armandinho) – Que estranho, aqui em casa tem aparecido também, mas nenhum barraco despencou aqui não.

O terceiro traficante também disse.

– Outro dia, não sei se foi porque eu tinha chapado o coco, mas acho que senti o chão tremendo...

Os outros dois riram.

– Ih, vai ver você bebeu todas mesmo. Hahaha!

Armandinho continuou jogando, procurando disfarçar o estranhamento. Algumas vezes, ele também teve a impressão de ter sentido o chão tremer, mas foi algo tão fraco que ele pensou que não fosse nada. E se fosse?

“Que bobagem... o que poderia ser?”

Ele voltou a jogar cartas com os aliados e procurou não pensar mais naquilo. O que lhe preocupava, contudo, era sua filha andando com aquele rapaz almofadinha e ele ainda não sabia o que fazer. Por um lado, o rapaz era bem educado, bonito e tratava sua filha muito bem. Por outro lado, ele realmente achava muito estranho um rapaz como aquele se envolvendo com o trafico de drogas. Ele não parecia ser aquele tipo de pessoa.

“Eu acho que vou colocar alguém atrás dele pra ficar de olho. É mesmo, devia ter pensado nisso antes! Vai que ele é algum informante da policia!” apesar do rapaz ser jovem, ele não descartava hipótese alguma. Se fosse o caso, bastava um tiro na nuca daquele almofadinha para resolver tudo.

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Era domingo e a turma toda estava reunida na casa de Carmen, que por ser mais espaçosa foi escolhida para aquela grande reunião. Depois, eles iam dar uma festinha entre amigos.

Franja informava seus amigos os resultados das suas pesquisas de monitoramento do sol e atividades sísmicas.

– E é isso, pessoal. A quantidade de neutrinos tá aumentando, o campo magnético continua enfraquecendo e o número de terremotos nos outros países não diminui de jeito nenhum!
(Magali) – Aqui no bairro diminuiu, né?
– Eu não contaria com isso. Os tremores acima de três diminuíram mesmo, só que ainda continua tendo os de dois, dois e meio...
(Cebola) – E aí, galera? Vocês estão conseguindo juntar toda a grana?

As opiniões ficaram divididas. Somente poucos tinham conseguido todo o dinheiro. Tirando Titi, Franja, Toni, Carmen e seus primos, o resto ainda não tinha conseguido o necessário para salvar suas famílias. Nem mesmo Irene e Denise, apesar do trabalho intenso das duas.

(Cascuda) – O problema é que a gente tem tio, primos, um monte de parentes!
(Tikara) – O pior é que eu ainda tenho família no Japão e passagem pro Brasil custa muito caro! Não vou conseguir esse dinheiro nunca!
(Keika) – E nem eu! O que a gente faz? Será que o Japão vai ser muito afetado?
(Franja) – Olha, o Japão está situado no cinturão de fogo. Normalmente isso já é ruim, mas nesse caso vai ser pior ainda. Se não forem os terremotos, serão os tsunamis.

Keika começou a soluçar, pensando nos parentes que ainda viviam no Japão e as outras garotas tentavam consolá-la.

(Mônica) – Fica assim não, amiga! Por que você não tenta avisar pra eles?
(Marina) – É mesmo! Aí eles podem vender tudo o que tem e vir pro Brasil.

Ela enxugou as lágrimas e tornou falar, com a voz ainda embargada.

– Eu tentei, mas ninguém acredita! Acham que eu fiquei louca de tanto treinar com super sentais!
(Tikara) – Nós estamos pensando em voltar ao Japão para ver se conseguimos salvar nossos parentes de lá.

O resto da turma ficou assustada.

(Cascão) – Ficou doido, véi? Vocês vão morrer! – (Pedala!) – Ai!
(Mônica) – Cascão, não fala assim!
– Foi maus...
(Mônica) – E os seus pais?
(Keika) – Nós conseguimos o suficiente para comprar as passagens para eles. No começo de maio a gente embarca para o Japão e vamos tentar salvar nossas famílias usando a nave da equipe.

Cascão arregalou os olhos.

– Que irado! Por que vocês não dão uma carona pra gente também? – (pedala!) – Ô Mônica, qualé!
(Tikara) – Nossa nave não foi projetada para voar longas distâncias. Eu já entrei em contato com o resto da equipe para eles fazerem as adaptações necessárias e chegando lá, a gente ajuda com o resto.
(Franja) – Eu tenho alguns projetos de motores no laboratório que podem ajudar.

Ao ver o olhar ameaçador de Mônica e sua mão pronta para lhe dar mais um tapa, Cascão acabou desistindo de soltar alguma piadinha sobre os inventos do Franja.

Os outros continuaram conversando e dizendo as mesmas coisas: que ninguém tinha conseguido o suficiente para salvar a família toda.

(Magali) – Se fosse só para nós e nossos pais, daria tranqüilo, mas eles não vão querer ir embora e deixar os parentes pra trás!
(Cascão) – Cara, tá foda demais! Eles não escutam e acaba tudo ficando na mão da gente!
(Aninha) – Eu não sei o que fazer, já estou me matando de trabalhar e não é o suficiente!

A ver que todos estavam ficando desanimados, Cebola procurou levantar o moral dos amigos antes que eles acabassem jogando tudo para o alto e desistindo.

– Pessoal, calma lá! A gente tá juntando dinheiro pra ajudar, não pra comprarmos tudo sozinhos! Quer dizer, os pais de vocês devem ter algumas economias no banco, não devem?

Eles pensaram um pouco e Lucas falou.

– Os meus tem sim uma conta no banco.
(Dorinha) – Acho que os meus também...
(Quim) – O meu pai tem credito em banco e pode pegar um empréstimo fácil.
(Mônica) – Os meus pais também! Quem não tiver economias, pode pegar emprestado mesmo. É chato dizer isso, mas eles nunca vão ter que devolver o dinheiro, né?

Os outros disseram coisas semelhantes e Cebola voltou a falar.

– Então, gente? É claro que vamos continuar batalhando e juntando cada trocado, mas quando chegar a hora, eles vão colaborar também!

Com aquilo, o moral da turma se elevou. Cebola estava certo, ainda havia esperanças para todos. Vendo que o pessoal estava mais animado, Carmen resolveu mostrar uma coisa a eles.

– Pessoal, olha aqui minha nova lista de sobrevivência!

No início, ninguém deu importância imaginando que ela ia falar apenas de cremes, maquiagens e outras futilidades. Mas à medida que ela foi lendo os itens da sua lista, todos ficaram surpresos quando viram que eram itens reais de sobrevivência e somente um pequeno estojo de manicure e um pote de hidratante corporal. Como ela conseguiu evoluir tanto em tão pouco tempo?

– Eu pesquisei um monte na internet. Em todo lugar, eles ensinam a fazer kits de sobrevivência e eu peguei esse aqui que foi feito pra durar 72 horas.

Cebola deu uma olhada na lista e perguntou.

– Como você escolheu esses itens?
– Foram os que mais apareceram nas listas de sobrevivência. O resto eu fui colocando de acordo com o espaço da mochila.
– Você já tem mochila?
– Tenho sim, vou mostrar!

No chão, embaixo da mesa, ninguém tinha visto uma mochila de tamanho razoável que Carmen tinha deixado ali mais cedo. E a surpresa foi maior ainda quando ela abriu a mochila mostrando seus bolsos e compartimentos, todos preenchidos com itens de sobrevivência.

– Tem um kit de primeiros socorros com curativos, algodão, faixas, aspirina, analgésicos, tem inaladores pro Fabinho...

Realmente era muita coisa. Canivetes, facas, pederneira, fósforos e uma lanterna a dínamo que ela mostrou a todos.

– Essa lanterna aqui dura um tempão sem pilhas, ó! E a luz é boa. Também tem fita crepe, uma muda de roupa, saco de dormir e comida liof... liofitizada, liolizada...
– Comida liofilizada. – Cebola completou.
– É, isso!
(Cascão) – Já vi anunciando em sites de esportes e aventuras. Esse troço é caro!
– Mas gasta pouco espaço e exige pouca água pra preparar. E falando em água, tem que ter cloro em gotas pra purificar a água. Vocês sabiam que bastam duas gotas por litro de água? Esse vidrinho pode durar bastante.
(Cebola) – Comprimidos de cloro não seriam melhores?
– As cartelas rendem pouco e também podem custar caro. Esse vidrinho aqui dá pra purificar trezentos litros de água.

O susto foi geral. Carmen fazendo cálculos e contas? E falando sobre aqueles itens com tanto conhecimento? Aquilo sim era bizarro e assustador.

(Cascuda) – Isso é legal, mas a gente tá custando a juntar o dinheiro, não vamos conseguir comprar kits pra toda família também.

Carmen pensou um pouco e tornou a falar.

– Vocês podem usar as mochilas da escola. Alguns itens a gente já tem em casa. E outros são baratos. Comida liof... liof...
(Cebola) – Liofilizada.
– É... esse troço é caro mesmo, mas tem uma receita de pão da sobrevivência que dura bastante tempo e alimenta bem.
(Quim) – Se é pão, eu posso fazer!
– E eles também recomendam barras de cereais. Tem muita receita disso na net também...
(Quim) – Que eu também posso fazer. Com o que tem lá na padaria, eu posso fazer pra todo mundo.

O tempo correu e Carmen foi orientando o resto da turma, dando dicas e mostrando formas de substituir os itens mais caros por outras alternativas mais baratas. Quando chegou perto da hora do almoço, os empregados foram servir os salgadinhos e outros quitutes que ela tinha providenciado para aquele dia. Assim que teve uma chance, Toni falou.

– Valeu por me deixar convidar aquela minha amiga. Ela é nova por aqui e não tem amigos, sabe.
– Tudo bem. – ela falou dando de ombros. Embora tenha ficado um tanto frustrada de ver o garoto mais bonito da turma junto com outra garota, Carmen estava ocupada demais para se preocupar com aquilo.

Não demorou muito e todos arregalaram os olhos quando o mordomo apareceu sendo acompanhado por uma figura totalmente espalhafatosa, escandalosa e de voz estridente. Magali engasgou com o pedaço de pizza, Cascão teve que virar de costas para não cair na risada e Cebola precisou tampar a boca da Mônica para que ela não acabasse falando demais.

– E aí, gente? Como vai? Eu tava louquinha pra conhecer os amigos do Toninho!

Toni tremeu de raiva quando viu Cebola se acabando de rir do seu novo apelido. Ele se esforçava para sorrir e aparentar naturalidade mas por dentro morria de vergonha por ser visto com aquela aberração.

Denise levantou uma sobrancelha, olhando aquela garota de cima abaixo. Olhando mais de perto, ela achou aquele rosto muito familiar. Seria mesmo quem ela estava pensando?

Valeska olhava ao redor, maravilhada com o luxo daquela casa que era maior e melhor do que a sua. A piscina era enorme e os jardins pareciam saídos daqueles filmes americanos que ela assistia. Ela comentava sobre tudo, mal disfarçando a inveja. E para piorar, Carmen era tudo aquilo que ela sempre quis ser: loira natural, filha de pessoas ricas e importantes, morando na parte nobre do bairro em uma mansão de verdade e não em cima de um morro da favela. O sentimento de antipatia foi quase imediato, embora ela tentasse disfarçar.

Carmen logo percebeu o comportamento falso daquela garota. Claro, ela estava acostumada a lidar com aquilo quase o tempo inteiro. Não havia como enganá-la. Mônica também não tinha gostado dela, que falava demais e parecia querer flertar com todos os rapazes da turma.

– Se essa árvore de natal se engraçar com o Cebola, eu arranco a maquiagem dela com as unhas!
– Calma, amiga! Respira bem fundo! – Magali falou tentando acalmá-la antes que uma tragédia acontecesse naquele jardim.

“Então essa dentuça é a abelha rainha por aqui?” Valeska pensou observando como o resto da turma tratava Mônica. Ela tinha sido alertada que era Mônica quem mandava ali, sendo seguida pelo Cebola. Ninguém entrava naquela turma sem a aprovação dela. “Humpt! Ela vai ver só uma coisa, agora tem uma nova rainha no pedaço!”

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Ele olhava a festa bem escondido entre os arbustos. Valeska se divertia entre eles e tudo parecia normal, para seu alívio. Seu chefe tinha mandado ficar de olho em sua filha e naquela turma para que não acontecesse nenhum imprevisto. Entrar naquela mansão sem ser visto tinha sido bem fácil, já que ele estava acostumado com esses serviços de infiltração e espionagem.

“É... acho que não tem nada de interessante pra ver aqui. Melhor vazar antes que alguém me veja.” Ele ia sair do seu lugar e logo abaixou-se novamente quando viu a garota loira que parecia ser a dona da casa passando ali perto com uma grande mochila. Junto dela, tinha outra também de cabelos ruivos e arrepiados.

– Carminha, essa mochila é muito pesada?

As duas pararam e Carmen colocou a mochila nas costas de Luisa.

– Ai, nossa! É pesada mesmo!
– E não é? Todos os dias eu acordo cedo e faço caminhadas com ela nas minhas costas. É difícil sabe? Mas eu estou me acostumando. Vou ver se consigo carregar ela com o Fabinho no colo também. Vai que dá um terremoto aí!

O sujeito apurou os ouvidos, achando aquela conversa muito estranha.

– Ih, vai ter que treinar muito mesmo. Ele é pequeno, mas tá ficando pesadinho! Bom, se o Lipe estiver por perto, ele pode levar o Fabinho.
– Até que seria bom. O meu medo é dar um terremoto enquanto a gente estiver na escola. Já pensou?
– Será? O Franja falou que tudo vai acontecer em julho.

Carmen coçou a cabeça um pouco e falou.

– Engraçado... ele falou que não ia dar pra ver os jogos olímpicos, né? Mas a cerimônia de abertura vai ser no dia 27, quer dizer, no fim de julho. Então vai ser bem no finalzinho, talvez no início de agosto.
– Ah, é. Sei lá, ele deve ter falado julho pra gente não se atrasar demais. Só não sei como convencer nossos pais a saírem daqui...
– Nem eu. A gente vai ter que convencer eles antes que comecem os terremotos, né?
– Pois é. Ainda bem que a gente conseguiu juntar todo o dinheiro. Viu só como o resto da turma tá passando o maior aperto?

As duas seguiram conversando e o sujeito saiu do seu esconderijo com a pulga atrás da orelha. Do que aquelas duas estavam falando afinal de contas?


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