2012 escrita por Mallagueta Pepper


Capítulo 22
Preparando-se para o fim




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No capítulo anterior, Ângelo ficou furioso por causa dos seus amigos, mas D. Morte o ajudou a olhar o problema por outro ângulo.

As duas estavam dentro do quarto de Carmen contando o dinheiro que tinham conseguido até aquela data. Luisa contava o dinheiro enquanto Carmen fazia as anotações.

– Acha que vai dar? – Carmen perguntou.
– Com o dinheiro que o Lipe e eu ganhamos naquele concurso de patinação, mais o que você já juntou, vai dar sim.
– Ai, que bom! Eu vou querer primeira classe e...
– Ô Carmen, pra primeira classe não vai dar não, tá doida?

A loira arregalou os olhos.

– Então a gente vai ter que ir de classe econômica? Ai meus sais! Eu não sei se vou sobreviver a isso!
– Bah, não vem com esse drama não porque você vai ter que se acostumar com isso e com muita coisa.
– Humpt! Eu não me preocuparia. O Papi tem muito dinheiro no banco, a mammy disse que ele tem até barras de ouro!
– E daí?
– Daí que a gente pode guardar esse dinheiro e quando tudo acabar, vamos reformar nossa casa e comprar tudo novinho! Não é o máximo?

Luisa balançou a cabeça negativamente com a ingenuidade da sua prima que ainda não tinha percebido a gravidade da situação.

– Carminha, acho que não vai dar não!
– Claro que vai! E eu vou querer um guarda-roupa novinho! Vou comprar tudo no shopping!
– Que shopping?
– Ora, o shopping do limoeiro, onde mais?
– Sua tonta, quando tudo isso acabar, o shopping vai estar todo destruído!
– Destruído? Não pode ser!
– Pode sim! Vai ter terremotos, não vai? Talvez até tsunamis! Todos os shoppings serão destruídos. E quer saber? Tudo vai ser destruído e você não vai ter onde comprar nem roupas, nem sapatos e acho que nem mesmo comida!

O rosto de Carmen perdeu as cores.

– Quer dizer que não vai mais ter salão de beleza?
– Não.
– Nem lojas de roupas e sapatos?
– Também não.
– E SPA cinco estrelas? Pelo menos isso vai ter, não vai? Diz que sim!
– Não, Carminha. Não vai ter mais nada disso. Nem lojas de roupa, sapatos, bolsas, nem salão de beleza, nem nada! Vai acabar tudo e... Carminha? CARMINHA? Ai, essa não!

O rosto de Carmen foi ficando vermelho e depois levemente arroxeado.

– Lipeeee! Ajuda aqui!
– O que foi? – o rapaz perguntou aparecendo na porta do quarto.
– A Carminha esqueceu de respirar outra vez!
– Que droga! Vamos, respira criatura! Respiraaaa! – os dois a sacudiram várias vezes até que finalmente Carmen conseguiu respirar fundo e recuperar o fôlego.

Ao verem que ela tinha voltado a respirar novamente, Felipe quis saber.

– Ô Lu, o que você andou falando pra ela?
– Falei a verdade, que os shoppings vão ser destruídos.

Ela parou ao ver que Carmen estava prestes a ter outra crise e Felipe resolveu dar um ponto final naquilo.

– Tá, não fica repetindo toda hora que ela já entendeu.

Quando terminaram de contar todo o dinheiro, Felipe colocou tudo em um saco plástico e guardou no fundo falso de uma das malas de Carmen.

– É isso aí, a gente já tem a grana mas é bom continuar juntando.

Carmen torceu o nariz.

– E por quê?
– Porque o preço das passagens pode aumentar.
– Sei lá, viu... nem sei por que a gente tá fazendo isso. Nossos pais são ricos, esqueceram? Eles podem até alugar um jatinho pra levar a gente.

Luisa respondeu.

– Quando a bomba estourar, a gente não sabe se vai dar pra pegar dinheiro no banco. E se não der? Vamos comprar passagens com o quê?

Seu irmão concordou.

– É isso mesmo! Na hora, a gente vai precisar de ter o dinheiro na mão, pra não ficar na mão. Hahahaha!

Os dois riram e só Carmen ficou com aquela cara de que não entendeu nada e eles deixaram quieto. Ela sempre demorava um pouco para entender as piadas.

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Jeremias conferiu o visual, ajeitou a roupa e deu uma cheirada rápida nas axilas para checar se o desodorante ainda estava dentro do prazo de validade. Tudo ok, ele entrou na loja como quem não queria nada e foi até o balcão onde Aninha estava atendendo.

– Posso ajudar em alguma coisa? – ela perguntou em tom de gracejo, sabendo que ele não estava ali para comprar nada.
– Pode sim. Que tal ir ao cinema comigo hoje a noite?

Ela ficou surpresa com a forma direta com que ele tinha feito o convite e tentou se esquivar.

– Você sabe que eu ainda gosto do Titi... e ele é o seu melhor amigo!
– Aquele ali? Pfff! Ele deve estar por aí com alguma outra garota. Você sabe disso.

O rosto dela anuviou-se. Era verdade. Depois que ficou sabendo do que estava para acontecer, ele passou de paquerador para mulherengo inveterado. Ela mesma já o tinha visto beijando outra garota e se as suas amigas não estivessem por perto, Aninha teria armado o maior escândalo. E mesmo assim, ela ainda gostava dele.

– Na boa, vocês dois nem estão namorando, estão?
– Não...
– Beleza! Se ele é livre pra ficar com quem quiser, você também é! Vai ficar aí se guardando enquanto ele apronta todas?
– Sei lá, um dia ele se cansa disso...

Ele balançou a cabeça.

– Acho que não. Uma vez galinha, sempre galinha. Ele é assim desde criança e se não mudou até agora, não muda mais. – se tinha uma coisa que Jeremias conhecia bem era a atitude infiel do amigo. Aninha certamente não devia saber nem a quinta parte do que ele aprontava quando ela não estava por perto. Fidelidade nunca tinha sido o forte de Titi e não havia como aquilo mudar a curto prazo.
– Eu achei que ele flertava com todas, mas no fundo gostava só de mim...
– Quem ama de verdade, não trai, Aninha. Pelo visto, você nunca foi suficiente pra ele, mas pode apostar que pra mim você tá na medida certa.

Ela deu um sorriso com aquela quase declaração e por fim decidiu dar uma chance a ele.

– A que horas a gente vai?

O rosto dele se iluminou.

– Às sete horas eu passo lá na sua casa, beleza? Aí a gente pega um cineminha e depois come alguma coisa.
– Tá marcado então!

Jeremias deu um beijo no rosto dela e saiu da loja mal disfarçando o contentamento. Finalmente ele ia ter a tão sonhada chance com Aninha!

– Hum? – ela virou-se rapidamente, pensando ter visto um vulto preto do seu lado. Como não tinha visto nada, Aninha voltou a trabalhar normalmente ignorando que ainda estava sendo observada.
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No refeitório da escola, Carmen comia enquanto fazia algumas anotações em seu caderno. Maria quis saber.

– O que você tá anotando aí?
– Itens essenciais de sobrevivência.

O resto da turma parou de comer e ficou prestando atenção.

(Mônica) – Itens de sobrevivência? Quais?
– Coisas de suma importância, querida! Por acaso vocês não sabem que quando tudo isso aqui acabar, os serviços mais importantes e essenciais entrarão em colapso?

Eles não sabiam o que era mais estranho: Carmen ter pensado em algo que nem mesmo Cebola tinha pensado antes ou ela conhecer o significado da palavra “colapso”. Aquilo só podia ser um sinal dos tempos!

(Keika) – E o que você já anotou aí? De repente a gente devia montar uns kits de sobrevivência também!

Carmen pegou sua lista e começou a ler em voz alta.

Creme hidratante para mãos, corpo e rosto.
Sabonete esfoliante
Hidratante noturno
Xampu, condicionador e creme para pentear.
Máscara facial hidratante
Creme para os pés
Kit de manicure e pedicure
Esmaltes nas minhas cores preferidas
Protetor solar por causa dos bichinhos do sol
Estojos de maquiagem, com pincéis, rímel, lápis e curvex.

– Curvex? Que troço é esse? – Cascão interrompeu.
– Curvador de cílios, ora! Você acha que meus cílios se curvam sozinhos? Continuando, também estou preparando vários óleos corporais, mascaras para hidratar os cabelos, sais de banho, um massageador corporal de madeira e também, deixa eu ver...

Eles não sabiam se davam risadas ou se lamentavam a burrice daquela criatura. Por um instante, eles pensaram mesmo que ela estivesse fazendo algo inteligente.

(Cebola) – Ô Carmen, você não acha que essa sua lista não está, tipo assim, cheia de supérfluos?
– Cheia de quê?
– De coisas que não são essenciais de verdade!
– Claro que não! E olha que eu ainda precisei cortar muita coisa pra deixar só as mais importantes!
(Cebola) – Tá, me diz então como essas coisas poderão salvar a sua vida!
– Salvar a minha vida?
(Cebola) – Claro! Na situação em que a gente vai estar, acho que comida desidratada seria uma idéia muito melhor do que um estojo de maquiagem. Comprimidos de cloro para purificar a água valem bem mais do que essa bobajada de creme pros pés.
– Levar comida pra quê? Não é só ir comprar no supermercado?

Ele respirou fundo para não perder a paciência e voltou a falar.

– Você ainda não percebe? Quando tudo acabar, não vai ter supermercados, nem lojas, nem... – ele parou quando Felipe começou a acenar pedindo para que não falasse mais nada. A última coisa que ele queria era que Carmen tivesse outra crise.
(Mônica) – Olha, Carmen, o que o Cebola tá tentando falar é que não vai ter mais nada, tudo vai se acabar!
– É por isso mesmo que eu tenho que juntar muito hidratante! Não quero que minha pele fique ressecada! E eu preciso da minha mascara hidratante noturna para ter meu sono de beleza!

Eles desistiram de discutir com ela e resolveram deixar quieto. Se ela não queria enxergar, paciência. Ainda assim Cebola acabou gostando da idéia de montar um kit de sobrevivência.

– Como a gente vai montar esse kit? – Mônica perguntou enquanto os dois voltavam para a sala.
– Vamos pesquisar na internet, deve ter alguma coisa. Acho que vamos precisar de mochilas especiais.
– Ih... será que é bom gastar dinheiro nisso? Deu tanto trabalho pra juntar!
– É... Vamos pesquisar primeiro pra ver se vai dar. Se não der, paciência.

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Longe do colégio, depois da hora da saída, Denise e Irene estavam em uma rua deserta e fingiam estar apenas conversando. Um carro parou perto delas e Denise abriu a porta.

– E então, meninas? Trouxeram a mercadoria? – o motorista perguntou.
(Denise) - Aqui está.

Ele pegou as duas sacolas, checou o conteúdo rapidamente e deu um envelope para cada uma. Irene saiu de perto, mas o homem pediu a Denise que ficasse mais um pouco.

– Sabe, os meus clientes gostaram muito de você e da sua amiga.
– Ah, é?
– Sim. Parece que sua amiga não está muito interessada, mas você pode achar que é um bom negócio. Eles oferecem muito dinheiro.

Denise acabou se interessando.

– Tipo assim... quanto dinheiro?
– Já me ofereceram cinco mil. Eu fico com três e você com dois.
– Como é? – ela se indignou. – Escuta, por acaso o corpo não é meu? Por que eu tenho que ficar com a menor parte?
– Porque o clube é meu. – O homem falou um tanto grosseiro. – E você só terá acesso aos meus clientes através de mim.
– Pois eu não vou querer. Ah, me poupe! Aquela modelo leiloou a virgindade por mais de um milhão e você quer me dar só dois mil? Eu valho muito mais do que isso!

O rosto do homem mostrou pura surpresa e depois contentamento.

– Então quer dizer que você nunca... que você ainda é... ora, ora, ora! Então isso muda muita coisa! – ele disse coçando o queixo e olhando para ela com um brilho estranho nos olhos.

Irene ouvia a conversa e ficou preocupada. Será mesmo que Denise precisava fazer aquilo? Só com aquele trabalho, já dava para juntar o dinheiro necessário. Não precisava apelar para outros meios.

– Você aceitaria se submeter a um exame ginecológico?

Ela levou um susto, pois só tinha ido a ginecologista uma vez. O homem explicou.

– Você sabe, os clientes pagam muito bem, mas precisam ter certeza de que não estão comprando gato por lebre.
– Tem jeito de ser mulher?
– Vamos lá, garota! Vai ficar cheia de pudores agora?

Seu estômago se contorceu um pouco. Seria mesmo boa idéia?

– Só vou aceitar se for pra ganhar muito dinheiro. Por mixaria eu não quero, prefiro deixar como está mesmo.
– Eu te garanto que nós dois vamos lucrar muito. E então?
– Está bem, mas veja só: se você me oferecer ninharia, então nada feito.

O homem concordou e foi embora feliz em saber que ia realizar um bom negócio. Aquela ruivinha não sabia do sucesso que fazia entre os clientes que tinham adorado aquelas marias-chiquinhas, que lhe dava um ar infantil e ao mesmo tempo sedutor.


– Denise, você não devia fazer isso!
– E por que não? Se ele me oferecer um bom dinheiro, eu não vou negar!
– Mas você nem sabe com quem vai ser, já pensou?

A jovem engoliu em seco, pois não tinha mesmo pensado naquilo. Ainda assim ela não deu o braço a torcer.

– Eu já juntei uma boa grana, mas ainda não vai dar pra toda minha família. E acho que você também não conseguiu tudo o que precisava pra salvar a sua.
– Isso é, mas sei lá... não sei se ia conseguir fazer isso não, credo!
– Ele nunca te ofereceu?
– Já, só que eu nunca aceitei. Não tenho coragem.
– Pois eu tenho e vou arriscar.

As duas foram embora conversando e não viram que Ângelo as observava a distância. Ele balançou a cabeça negativamente e decidiu que estava na hora de ter uma conversa com aquelas duas e também com Toni e Titi. Aquilo não podia continuar do jeito que estava.


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Notas finais do capítulo

E aí? Estão gostando da história? Não deixem de comentar, beleza?