Human Nightmare escrita por Leonardo Franco


Capítulo 4
Acampamento




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/279494/chapter/4

MARTIN

O homem com a pá parou na minha frente.

— Que cara é essa, amigo? – ele disse. Eu tentei dizer algo, mas não consegui. O pânico que devia ter me atingido antes, chegou atrasado, e eu comecei a tremer.

— V-você ah... a-acabou de matar a-aqueles, aqueles... – antes de eu terminar de falar, ele começou a rir. Ele levantou a pá e a fincou no chão, se apoiando com o cotovelo sobre ela. Deu uma olhada rápida na casa atrás de mim e começou a falar.

— Muitas pessoas, assim como você, ainda não sabem o que aconteceu. Cara, imagino o que teria acontecido se eu não tivesse chegado à tempo...

— Aqueles dois homens ainda estariam vivos, talvez – eu disse com toda a força que consegui reunir.

O cara se assustou. Ele tirou a pá do chão, virou de costas e saiu andando.

— Amigo – ele gritou – se você acredita que aquilo são pessoas, boa sorte, mas eu é que não vou ficar perto de você!

— O que você tá dizendo? – saí andando atrás dele, sentindo as pernas tremerem – É claro que são pessoas! O que mais poderiam ser? Animais?

— Praticamente – ele arfava – Mais para canibais, isso sim. – ele parou e olhou pra trás – São zumbis. Isso é tudo que eu posso te dizer.

— Como assim, zumbis? Você quer dizer, pessoas que morrem, e que, que voltam? E que atacam outras pessoas e as matam?

— E as comem, sim, basicamente.

— A-as comem?

— Amigo, olha, eu não sou a pessoa certa pra te explicar isso, tá? Vem comigo, que eu te levo até minha filha, ela sabe de tudo sobre isso – dito a última palavra, ele se virou pela última vez e subiu a colina.

Penetramos na floresta cada vez mais. Em certo momento, olhei para trás e já não consegui mais ver a casa. Peguei um galho grosso que estava no chão, e fui tentando finca-lo em cada árvore em que passávamos. Cada vez que um entrava, pegava outro do chão e ia tentando de novo, marcando o caminho de volta. Antes de eu pegar o quinto graveto, o homem parou. Percebi que estávamos em uma clareira pequena, e uma música leve chegava até mim.

— Não atirem, sou eu! – ele disse. De repente, a música parou e vários gritos cortaram o ar.

— PAPAI! – gritavam várias crianças. Todas elas abraçaram o homem e se afastaram correndo. Passados alguns segundos, a música voltou, e eu vi uma linda garota tocando uma arpa dourada. Ela tinha os cabelos loiros presos em um rabo-de-cavalo comprido, que caía sobre o ombro. Ela usava um vestido azul, que estava todo sujo e amarrotado, mas que não atrapalhava a beleza dela. O homem percebeu que eu estava olhando para ela.

— Bonita, não? Mas ela não disse nada desde que a encontramos. Não sabemos nem seu nome! – ele disse, indignado – A encontramos na beira da estrada, sozinha. Como estávamos em um grupo, decidimos trazê-la junto.

— Um grupo de quantas pessoas? – perguntei, contando os que estavam perto de nós – Uns doze, contando as crianças?

— Doze? Amigo, vem comigo – ele disse, e saiu andando. Essa história de me chamar de amigo toda hora já estava irritando. Ele passou por algumas roupas penduradas nas árvores, e depois por um grande pano branco, abrindo passagem para uma clareira maior.

Quando entramos, não pude segurar, e meu queixo caiu. Entres as árvores havia pelo menos umas cinquenta pessoas, e todas elas estavam fazendo alguma coisa. Umas crianças corriam atrás de outras, alguns homens carregavam sacos grandes, várias mulheres carregavam bolsas e acessórios para todos os lados.

— Sabe, hoje muita coisa mudou. O que estamos fazendo aqui é uma medida de segurança muito simples e fácil de ser realizada. Tá vendo ali – ele apontou uma mulher colocando várias latas de alimentos dentro de um pano amarelo – Aquilo, amigo, é a medida. Nós deixaremos tudo dentro desses lençóis, de um modo bem fácil de ser retirado se necessário. Cada pessoa tem um, e elas colocam o que quiserem dentro, sabendo que terão que carregar até termos um novo lugar seguro, como esse.

— Por que você considera esse lugar seguro? – perguntei.

— Bem, primeiro por que é no meio do nada. Zumbis são atraídos principalmente pelo som, e algumas vezes pelo cheiro de carne. Aqui, o som que vem de fora é abafado pelas árvores, e não conseguimos ouvi-lo, e a mesma coisa de dentro pra fora. O cheiro das árvores, da terra e de tudo mais, cobre o nosso. Segundo por que é mais fácil se esconder em meio a tanto mato, se é que me entende.

— Não seria mais fácil ficarem todos dentro das suas próprias casas?

— Sim, óbvio. Mas uma gente retardada começou a assaltar as casas, e a matar os moradores. Levavam tudo, literalmente. Essas pessoas aqui – ele olhou com grande afeto para o acampamento improvisado – tiveram que sair correndo de seus lares.

— Papai! – gritou uma menininha, e ela pulou nos braços do homem. Ele a rodou no ar, dando gargalhadas, e a colocou de volta no chão.

— Ei... nossa, acabei de perceber que ainda nem sei seu nome – eu disse, e era verdade.

— Me desculpe, me chamo Sebastian.

— Martin – nós apertamos as mãos, o que foi engraçado, pois nós nos conhecemos fazia algum tempo já – Todas essas crianças são mesmo suas?

— Claro que não – ele riu alto – Eu disse pra elas que, se quisessem, podiam me chamar assim, pois seus pais verdadeiros poderiam passar um tempo maior fora, agora.

— Por quê?

— Eles estão lá fora, fora desse acampamento. Estão dispostos em pontos estratégicos, cada um com um sinalizador. Quando eles virem uma quantidade de zumbis que eles não conseguirão abater, eles disparam o sinalizador e correm para ajudar a levarmos os panos.

— Mas como vocês vão conseguir ver os sinalizadores, no meio de tantas árvores?

— Pelo barulho. Adicionamos algumas baterias extras nos sinalizadores e os deixamos “elétricos”. Quando disparados também enviam um sinal para aquele computador – ele apontou um notebook sobre uma pedra, no centro de tudo.

As ideias de Sebastian me surpreendiam cada vez mais. Para ele ter conseguido tudo isso em poucas horas, que foi o tempo que demorou pra tudo acontecer, ele teria que ter imaginado isso bem antes. Aí me lembrei de um detalhe.

— Sebastian, você disse que sua filha saberia me explicar sobre o que aconteceu – lembrei-o. Ele olhou para mim com um sorriso no rosto.

— Ah sim, já estava me esquecendo, venha comigo, amigo.

Passamos pelo notebook sobre a pedra e seguimos reto atrás de um homem que estava colocando mais latas dentro de um dos panos. Dessa vez, não me preocupei em marcar o caminho, pois só seguimos reto. Andamos pouco até pararmos. Dessa vez o homem não disse nada. Só apontou para cima.

Lá, entre os galhos mais altos, e quase imperceptíveis, havia uma tenda lilás. Sebastian nos guiou até um tronco de árvore bem grande, e bateu três vezes. Como se fosse por mágica, uma corda com vários nós caiu na nossa frente. Ele pendurou a faca que segurava no cinto, se agarrou na corda e começou a subir. Quando percebeu que eu não estava o seguindo, ele olhou pra baixo e disse:

— É melhor começar a subir se quiser falar com ela, pois ela não vai descer – disse com um riso final.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!