Human Nightmare escrita por Leonardo Franco


Capítulo 3
Lia


Notas iniciais do capítulo

NOTA: Os capítulos são independentes. Ou seja, quando Lia termina de contar uma parte, na próxima vez que ela voltar a contar, volta na parte em que ela parou, independente do tempo decorrido nos outros capítulos de outros narradores.



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Sinceramente? É, eu não gosto muito da minha filha. Na verdade, não consigo nem chama-la de “minha filha” direito. Às vezes até penso que devem ter trocado ela no hospital, e me pergunto se ela saiu mesmo de mim. Bem, não parece. Não somos nem um pouco parecidas: tanto na aparência física, quanto na personalidade. Acho que só fiquei junto com ela até hoje por Martin; se não fosse por ele, ela já estaria em um orfanato, ou algum lugar parecido. Provavelmente na porta de alguém.

Esperei até ter certeza que estava sozinha na casa, e depois corri para o depósito, onde estavam algumas caixas minhas. Desembrulhei duas garrafas de vinho, que estavam dentro de várias blusas, secretamente guardadas e escondidas de todos. Era um segredo meu essa parte de beber. Acho que Martin nunca desconfiou que eu bebesse.

Beber me fazia esquecer de tudo. Eu sempre me escondia das pessoas para fazê-lo. Esse vício começou a muito tempo atrás, na época em que eu ainda era solteira. Muitos gostavam de sair para festas e baladas para encontrar amigos e dançar, enquanto eu gostava de ir para poder beber. A sensação era tão boa, que eu podia passar o resto da minha vida ali, sentada na melhor poltrona do mundo, de frente para uma janela anormalmente grande, que dava diretamente para o nada. Mas sempre havia algo que me impedia de ficar aqui: ou era a Krista, ou qualquer outro problema na minha vida. Os momentos silenciosos da casa eram de longe os melhores.

Olhei para a escada, que havia perdido os primeiros degraus mais cedo, impossibilitando qualquer um a subir. Eu precisava buscar minhas malas, que estavam sobre a cama, para colocar algumas roupas para lavar. Pensei em como queria ficar o resto do dia sentada ali, com a garrafa em uma mão e o copo em outra, e em como eu precisava terminar de arrumar as coisas. Então, decidi ir atrás de Martin, que havia saído para o jardim, para ver se ele conseguia consertá-la. Claro que eu não iria fazê-lo.

Levantei da poltrona e escondi minha garrafa novamente. Lavei o copo e o guardei. Saí para o jardim e dei uma olhada rápida no local. Martin não estava em nenhum lugar visível. Olhei para a parede da casa. Ela tinha pequenas camadas de sujeira e várias folhas secas grudadas. Havia um buraco aberto na única janela dali, por onde, provavelmente, entrava grande parte da sujeira que estava nas paredes internas. Voltei a olhar pra longe e vaguei meu olhar até pousá-lo em uma casa. Ela estava distante, e eu não tinha reparado nela até agora. Era grande, com os tijolos a mostra, como naquelas casas famosas de filmes. De repente, assim que meu olhar desceu um pouco, avistei os corpos no chão, e meu coração deu um salto.

Olhei hesitante para a direita e depois para a esquerda, a procura de alguém. Não havia outras pessoas ali; não por enquanto. Com passos lentos e com as pernas tremendo, fui para perto dos corpos, para ver se eles estavam vivos. Mas eles não estavam. Fiquei desesperada e lágrimas se formaram em meus olhos. Tropecei em meus próprios pés ao levantar da grama e corri para dentro da casa, chutando grama para todo lado e levando muita sujeira comigo. Fui até o telefone; precisava ligar pra polícia. Disquei, mas o aparelho não emitia nenhum som de chamada. Peguei meu celular e tentei ligar, mas estava sem sinal. E eu estava sozinha em casa, com duas pessoas mortas do lado de fora, e o assassino estava por aí. Um dia normal na minha vida.

Subi para meu quarto e tentei diminuir o pânico. Não havia nada que eu podia fazer: não tinha como ligar para ninguém, pois estava sem meios de fazê-lo; não podia ir até a cidade, já que Krista levara o carro para algum lugar, e nossa casa ficava distante do centro urbano para eu ir a pé. Fiquei deitada na cama, até eu ouvir passos no andar debaixo. Fiquei paralisada um momento; respirei fundo várias vezes e tentei ignorar o barulho, mas não podia. Pulei da cama o mais silenciosamente possível. Fui até a porta e passei para o corredor.

Eu não podia descer a escada. Não por causa dos degraus: eu os havia consertado de algum modo, mas o problema era que a escada rangia demais, por ser antiga. Parei na grade de segurança e olhei para baixo. Não tinha ninguém ali, mas um rastro escuro saia da porta de correr e cessava na porta da cozinha. Como não vi ninguém, desci, não me preocupando com o barulho. No pé da escada percebi que meu improviso tinha sido desfeito. Eu tinha colocado algumas caixas mais resistentes para poder conseguir subir, mas elas estavam agora espalhadas pela sala, distantes da parede. Tive que pular para baixo, o que fez mais barulho do que eu esperava.

Passei pela porta de correr para o jardim, e vi que o rastro vinha da direção da casa distante. Ele cobria a grama de um jeito estranho, e ao me aproximar mais um pouco do líquido, percebi que era sangue. Comecei a tremer, e ao tentar voltar para a porta, algo me impediu. Ao levantar a cabeça, vi um pequeno machado ensanguentado no canto da porta. Ele estava ali um minuto antes, mas eu não tinha visto quando saí. Meu coração deu outro salto, e dessa vez pulou cada vez mais rápido. Seja lá quem fosse que estava com aquele machado, acabara de entrar na casa. E agora já estava saindo.

A porta da cozinha, visível de onde eu estava, começou a ranger, e lentamente começou a abrir. Vi um vulto saindo por ela, mas não identifiquei quem era. Não tive tempo. Virei para trás e corri, sem nem ao menos esperar para ver quem iria sair daquela porta.

Entrei na floresta que ficava em frente à casa, do outro lado da estrada. Escondi-me atrás de uma árvore e olhei para trás. O machado não estava mais lá, e também não vi quem o levara. Eu arfava rapidamente, quase não conseguindo respirar. Sentei e encostei-me ao tronco da árvore. Respirei fundo e tentei me acalmar; só precisava esperar Martin chegar para poder entrar na casa novamente. Puxei meus joelhos para cima e os abracei, tentando silenciar minha respiração.

Mas antes de Martin chegar, uma sombra passou pelo chão ao meu lado. Levantei a cabeça rapidamente, e a primeira coisa que vi foi o machado. Fiquei parada, ali sozinha, olhando para o machado. A pessoa que o segurava ainda não tinha me visto, então não me atrevi a fazer nenhum movimento. Minha respiração ofegante me entregava, mas o homem, mesmo assim, não me viu. De repente, vários barulhos ecoaram ao mesmo tempo. O barulho de diversos passos vindo em minha direção, diretamente na minha frente; o barulho do machado caindo a meu lado e de mais passos. Logo depois, veio o som de um tiro ao longe.

O homem com a arma saiu de trás da árvore que estava na minha frente e olhou pra mim. Ele aparentava ser jovem, mas seu rosto mostrava uma expressão madura, que chegou a me surpreender. Ele levantou a arma e apontou. Senti um movimento ao meu lado, mas não desviei o olhar. Ouvi o barulho alto da arma ser disparada, e só tive tempo de fechar meus olhos.


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