Human Nightmare escrita por Leonardo Franco


Capítulo 2
Krista


Notas iniciais do capítulo

Os capítulos são independentes. Ou seja, quando Krista termina de contar uma parte, na próxima vez que ela voltar a contar, volta na parte em que ela parou, independente do tempo decorrido nos outros capítulos de outros narradores.



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Meu quarto iria ficar perfeito. Tinha a tonalidade perfeita, os meus móveis perfeitos e a vista perfeita. Só não quis demonstrar tanto entusiasmo pro meu pai porque ainda tinha a esperança de voltarmos para o centro. Mas já tinha quase toda a certeza de que ficaríamos aqui por um longo tempo.

Terminei de comer a pizza e subi, pois meu quarto ainda estava desorganizado. É claro, no final do dia ele ainda estaria desorganizado, mas com certeza mais apresentável. Comecei pela tintura: ela era perfeita, mas estava descascada e apagada. Consegui um balde de tinta da mesma cor, que meu pai encontrou no porão. Cobri todos os poucos móveis que já estavam ali com jornais, e comecei a pintar. O cheiro era forte, mas eu aguentava.

Depois que a parede secou, posicionei os móveis nos lugares certos. As poltronas do lado da minha estante enorme de livros, a mesinha com o computador embaixo da janela, a cama de casal “king size” na parede mais distante da porta.

Com tudo no lugar, e todas as roupas e acessórios já dentro das gavetas e armários, liguei o computador. Ele era um pouco antigo, daqueles que demoram pra ligar e fazem muito barulho. Bem, pelo menos a internet era rápida. Minha amiga, Lisa, estava online, então comecei uma chamada de vídeo com ela.

– Lisa? – chamei. Sua internet era mais lenta que a minha, e a câmera dela não tinha a resolução muito boa. Lembro-me disso por que sempre passávamos trotes virtuais em nossos colegas, e nunca conseguiam descobrir quem era graças à câmera ruim.

– Oi Krista! – a voz dela estava tremida, meio que resfriada.

– Você tá bem?

– Mais ou menos...

– O que aconteceu?

– Meus pais saíram agora a pouco, e não consigo ligar pra eles. Minha mãe estava doente, estavam indo pro hospital. Eu tô preocupada com eles Kris.

– O que sua mãe tem?

– Ela estava com uma febre muito alta. Nenhum remédio resolvia, então meu pai decidiu ir com ela ao médico. Meu irmão foi junto com eles, mas ninguém atende o celular.

– Lis, eu sinto muito, eu... Que barulho é esse? – olhei para trás. Passos surgiam cada vez mais alto, mas o som parecia vir de um lugar distante, não de dentro da minha casa.

– Tem alguém vindo – Lisa disse.

– Vai ver são seus pais.

– Eu vou lá ver, espera – ela levantou e saiu do meu campo de visão. De repente, alguns segundos depois, ela gritou e algo caiu em cima da câmera, fazendo que nossa chamada fosse interrompida.

Eu comecei a suar frio. Minha amiga acabar de ser assaltada ou algo do tipo. Precisava ir urgentemente até lá, mas não sabia como: meu pai não ia me deixar sair de casa antes de terminar de arrumar tudo. Mas não havia tempo para isso. Levantei e derrubei a cadeira do computador, mas nem me preocupei em arrumá-la; saí em disparada para a garagem. Sabia que meu pai iria me deixar de castigo por sair sem sua permissão, mas eu sabia que algo tinha acontecido, e tinha que ajudar Lisa.

As chaves estavam penduradas na porta, bem escondidas. Peguei a do carro e o controle remoto do portão. Abri a porta e sentei. Respirei fundo; não podia dirigir aflita, algum acidente poderia vir a acontecer. Liguei o motor e abri o portão. Caí na estrada.

A cidade estava anormalmente vazia. Isso nunca acontecera antes, era praticamente impossível. As lojas 24 horas estavam fechadas ou abandonadas; os carros parados no meio da rua, sem ninguém dentro; bicicletas e skates nas calçadas, sem ninguém por perto; papéis por todo lugar. Isso era bem estranho.

Como tantas folhas foram parar ali? Porque tantas pessoas deixaram seus carros no meio da rua, com grande probabilidade de serem assaltados? Porque as crianças deixaram suas preciosas bicicletas largadas? Como isso tudo aconteceu em menos de um dia? Não fazia muitas horas que havíamos deixado a civilização, e quando saímos, tudo estava perfeitamente normal – ou aparentava estar.

A casa de Lisa ficava a algumas quadras da minha antiga casa. Eu sempre estava lá, pois erámos melhores amigas. Era difícil dirigir em meio a tantos carros que não deviam estar estacionados onde estavam. Enquanto desviava-os, liguei o rádio pra ver se falavam de algo que estava acontecendo. Nada. As transmissões foram cortadas por algum motivo, e eu ainda não sabia o porquê.

Parei o carro e, quando saí, verifiquei bem se estava trancado. Deixei as chaves no meu bolso, de um jeito que seria fácil de pegá-las; algo estava acontecendo ali dentro – ou já havia acontecido – e se eu precisasse fugir, já estava tudo preparado.

A porta estava trancada. Talvez, os pais de Lisa tivessem trancado quando saíram, para a segurança dela. Mas, acho que isso não resolveu. Porém, não encontrei nenhum sinal de arrombamento ou algo. Dei a volta para entrar pelos fundos, pois ela mantinha uma chave extra escondida de baixo de um vaso de plantas; o terceiro contando da esquerda para a direita. Entrei.

Estava tudo quieto. O ar estava fresco, porque Lisa era muito calorenta e sempre deixava vários ventiladores ligados. Procurei-a pela sala, cozinha e banheiros do primeiro andar, mas não encontrei ninguém. Comecei a ficar realmente preocupada. Cheguei ao pé da escada e olhei para cima. Conseguia ouvir uma respiração fraca, vinda de algum lugar, mas não conseguia identificar de onde. Respirei fundo e subi.

O quarto estava vazio. A tela do computador ainda mostrava a minha imagem – meu Deus, como eu estava horrível – gerada pelo impacto. O computador estava travado: não realizava mais nenhuma função. A câmera jazia no chão, quebrada. A respiração ficara mais forte no segundo andar, mas não vinha do quarto.

Só havia mais três cômodos: o banheiro, o quarto dos pais e o quarto do irmão de Lisa. O som não vinha do quarto dos pais, tampouco do banheiro. Só sobrava uma porta no corredor, uma porta com uma placa enorme escrita “André”, o irmão de Lisa. Ela estava aberta, mas lá dentro tudo estava escuro. Entrei e percebi que, ali, a respiração era ainda mais alta. Alguém estava lá, em algum lugar: ou embaixo da cama, ou atrás da porta, ou dentro do armário. De repente, a porta do armário começou a se abrir.


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