Human Nightmare escrita por Leonardo Franco


Capítulo 1
Martin


Notas iniciais do capítulo

Os capítulos são independentes. Ou seja, quando Martin termina de contar uma parte, na próxima vez que ele voltar a contar, volta na parte em que ele parou, independente do tempo decorrido nos outros capítulos de outros narradores.



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Estacionei o carro em frente à caixa do correio e desci. Olhei para a casa. Ela estava bem destruída, por ficar tanto tempo sem cuidados, exposta ao vento e à chuva. A tintura branca já estava toda descascada; algumas das janelas do segundo andar estavam quebradas; a porta da frente estava entreaberta, pois a tranca estava quebrada. Tinha muitos outros defeitos, mas nada que eu não conseguisse consertar.

Lia - minha esposa - parou do meu lado na calçada e jogou as malas no chão.

– Sério que vamos morar nisso? – ela disse

Eu odiava isso nela. Era sempre arrogante, esnobe, egoísta. Pra ela, nada estava bom, nunca. Se eu escolhesse algo, era ruim; e eu passei quase vinte anos da minha vida aguentando isso. Mas, no fundo – bem lá no fundo – eu gostava dela. Gostava não, amava. Ela era desse jeito, mas sabia ser doce e gentil quando queria; embora nunca quisesse.

– É, parece que você vai ter que se contentar com “isso” – enfatizei bem a última palavra, com um grande sorriso no rosto. Eu sempre fazia isso: encarar o que ela fazia e dizia com humor; embora quase nunca funcionasse.

– Ou devo me contentar com a casa dos meus pais – ela disse. Pegou as malas e entrou. Sempre que algo não estava bom, ela dizia que ia para a casa dos pais. Mas nunca o fez: ela detesta os pais. Peguei algumas caixas no carro e entrei também.

Bem, não posso dizer que a casa não valia o preço que paguei. Me ofereceram um preço tão absurdamente barato que eu deveria ter imaginado que ela viria assim. Claro que aceitei, sem nem pensar duas vezes: já tinha um tempo que eu estava querendo mudar. Centro de cidade grande é o pior lugar que você pode morar – os barulhos, a movimentação e o perigo sempre me afligiram.

Coloquei as caixas no chão, perto da lareira, e comecei a andar pela casa. Fui anotando mentalmente os defeitos para, mais tarde, tentar consertá-los: a escada estava com o corrimão quebrado e vários degraus afundados; a tintura interior também estava descascando; o lustre principal não acendia; as janelas de trás também estavam quebradas. Parecia que a casa havia sido assaltada.

O segundo andar estava consideravelmente melhor que o primeiro. Encontrei dois cômodos bem espaçosos que seriam ótimos quartos: ambos com vista pro grande jardim e as montanhas distantes. Ainda estavam sem nenhum móvel, pois os caminhões de mudança ainda estavam por vir. Um dos quartos era rosa, o que pensei ser perfeito para Krista. Fui procurá-la.

Encontrei-a no carro, com o vidro abaixado. Ela estava ouvindo música, como sempre estava. Abri a porta do lado oposto ao que ela estava e sentei do seu lado.

– Lá em cima tem um quarto perfeito pra você – disse. Eu estava fazendo de tudo pra tentar agradá-la, pois ela não queria se mudar. No centro, ela tinha um namorado, amigas, inimigas, um quarto perfeito e a vida que toda garota sempre quis ter: eu a amava mais do que tudo, por isso, ela sempre tinha (quase) tudo o que queria. – Ele é rosa e é bem grande, acho que você vai gostar...

– Obrigada pai – ela olhou pra mim e sorriu, mas pude ver que seus olhos estavam inchados e vermelhos. Durante toda a viagem eu consegui ouvi-la chorar, mas não disse nada; Lia iria conseguir implicar mais ainda. Cheguei mais perto de Krista e abracei-a.

Os caminhões da mudança pararam atrás do carro. Descarregaram tudo bem rápido, isso porque deixaram todas as caixas e móveis no primeiro andar. As camas, armários, escrivaninhas e computadores, nós que tivemos que levar. Lia não levou nada, – é claro – enquanto Krista e eu subíamos tudo.

Móveis no lugar, caixas encostadas na parede. Tudo em ordem. Fui olhar como estava Krista, em seu quarto. A escada rangia a cada passo, e eu afundei mais uns dois degraus. A porta do quarto rosa estava aberta – também estava com a tranca quebrada. Acho que a prioridade agora na casa eram as trancas: privacidade. Ela não estava ali no quarto; encontrei-a na cozinha.

– Gostou do seu quarto? – perguntei. Ela se virou e vi que estava montando uma pizza. Ela limpou as mãos e me abraçou.

– Amei pai! Obrigada, de verdade – ela disse. Isso me animou bastante, por que achava que ela não iria quere ficar. Mais cedo, eu tinha dito a ela que, se não gostasse da casa, poderia morar com meus pais, no centro da cidade. Eles moravam bem perto de nós, o que eu gostava; iria até sentir falta deles. Deixei Krista terminar a pizza e fui para o jardim.

O jardim era bem grande. Claro que nem tudo ali era meu, mas ele se misturava com os gramados das montanhas e ia longe. Uma cerca branca de um metro de altura separava o meu terreno dos outros, mas mesmo assim, dava a impressão de que ela ia até onde a vista alcançava. Perto da casa, havia vários vasos de plantas, só com a terra. Acho que seria um ótimo passatempo para Krista, plantar várias mudas naquelas dezenas de vasos.

A parte de trás da casa também estava bastante mal cuidada. Não podia culpar ninguém: a casa não tinha moradores desde muitos anos. Talvez por isso estivesse tão barata. As paredes de trás, além de descascadas, estavam sujas. Imundas, na realidade. Não conseguia definir de onde viera tanta terra: todos os terrenos que rodeavam a casa eram gramados perfeitos. Voltei a olhar as montanhas, à procura de alguma casa. Havia apenas uma, a uns duzentos metros ao leste. A partir daquela casa, conseguia ver um homem vindo em minha direção.

Um não; dois. Eles andavam mancando, quase se rastejando. Fui me aproximando dos vizinhos novos: talvez eles tivessem nos visto chegar, e estavam vindo dar as boas vindas. Mas antes que conseguisse chegar realmente perto deles, outra pessoa me chamou a atenção: um homem, vindo também da casa, chegou correndo perto dos homens, com uma pá na mão, e acertou-os, bem na cabeça.

Meu coração parou por alguns instantes. Não é todo dia que se vê um homem matando outros dois, bem na sua frente. Os homens caíram no chão, e o baque surdo me trouxe de volta a realidade. Mas, mesmo assim, não consegui correr. O homem da pá me olhou e começou a rir. Depois, veio andando lentamente até mim. Esperei minha morte, quieto.


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Notas finais do capítulo

Eu reescrevi o primeiro capítulo.