Guardiã do Rei escrita por Miss America


Capítulo 40
E o Destino se Cumpre


Notas iniciais do capítulo

Quem diria que terminaria o último capítulo na sala de informática da minha universidade. O tempo voa, não é? E voltamos a Guardiã do Rei como era: capítulos que vocês são capazes de terminar de ler em um dia. Kkk
Oi gente. Tudo bem? Ok, ok, sei que estão ansiosos, então os deixarei ler. Espero que aproveitem o último capítulo de GdR, e saibam que muitas respostas ainda estão por vir na próxima temporada. Mas, falando dessa aqui ainda, espero do fundo do meu coração que tenham gostado. Eu sempre tento meu máximo, mas vocês são meus juízes finais, e eu confio plenamente no que me disserem.
Essa é a última vez que aparecerei nas notas, então já queria agradecer de antemão todo o cuidado e amor que tiveram comigo através desses cinco anos e quarenta capítulos de história. Vocês são parte das melhores pessoas que cruzaram meu caminho nesse período, e espero poder fazer jus a tudo o que vocês sempre acreditaram que Guardiã do Rei era, através de seus reviews e recomendações. Muito obrigada. É tudo que posso dizer por agora.
Bem, voltarei apenas para responder os reviews, mas estarei comemorando com vocês lá na minha página do Facebook. Ao longo da madrugada (homenagem ao fato de GdR ter sido postada pela primeira vez de madrugada) postarei curiosidades, agradecimentos e até um pedacinho da próxima temporada. Podem ir me visitar por lá. c:
Agradecimentos: https://www.facebook.com/notes/miss-america/guardi%C3%A3-do-rei-agradecimentos/435335103510743/
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Agora, o capítulo. Odiei o título, é claro, mas ele faz mais sentido do que parece. E estou ouvindo Mercy, é claro.



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O sol cegou Annabeth por um instante, até ela perceber que ainda estava viva.

— Percy — murmurou a si mesma, com o queixo incapaz de se erguer. Ela continuava em pé sobre a pilha de cinzas de cães infernais, olhando para o alto céu, adaga pendendo do braço abaixado. O sol lhe parecia tão acolhedor quanto uma grande bola de fogo prestes a atingi-la pareceria. — O que você fez?

Ela sobrevivera ao castelo. Sobrevivera a Dern e Luke Castellan. E agora sobrevivia à Batalha dos Cento e Vinte Anos.

Mas a profecia não permitiria um raio cair duas vezes sobre o mesmo lugar, certo?

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Seis horas depois, ao meio-dia, no Castelo

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Quando Percy entrou na Biblioteca, encontrou Annabeth sentada, de costas para ele, visão fixa na mesa à sua frente. Os ombros estavam caídos e a cabeça levemente baixa, olhando para os dedos unidos sobre o colo. Percy parou à soleira da porta e a observou suspirar. Era impossível tentar adivinhar o que se passava em sua cabeça quando ele nem sabia o que se passava na sua própria.

A comemoração dos semideuses ainda era audível, mesmo vários minutos depois de Percy ter aparecido à Sacada para saudá-los após a Batalha. Todos brandiram suas espadas e escudos ao vê-lo, fascinados pelo herói que terminou sua Batalha em menos de um dia inteiro. De repente, era se como aquele príncipe odiado e fraco de antes nunca houvesse existido. Como se seus antepassados jamais tivessem criado a Lei, e como se estivesse tudo realmente bem... quando Percy sabia, profundo em seu ser, que nada estava.

Ele entrou silencioso. Viu Quíron encostado à janela, assistindo os semideuses retornarem felizes ao Acampamento. Nenhum deles ainda havia visto Annabeth. Ninguém sabia que ela sobrevivera. Era essa a explicação que agora eles precisariam encontrar, unidos na Biblioteca, para recontar lá no Acampamento. Tudo isso ainda antes de os mortais despertarem do efeito de Morfeu por completo.

Até lá, tudo era silêncio. Tão silencioso quanto Annabeth e seu olhar vazio, conforme observou Percy enquanto se sentava ao lado dela. Doía-lhe pensar que esteve tentando salvá-la todo esse tempo, mas sua falta de palavras agora lhe fazia parecer tão morta quanto ele antes temia.

Quíron se afastou das cortinas azuis e caminhou com seus cascos sobre os tapetes macios até chegar neles. Seu rosto ainda tinha alguma sujeira, e sua aljava estava vazia, mas o mestre não parecia cansado. Parecia... preocupado. Seu silêncio somou-se ao de Annabeth e tudo isso fazia o Biblioteca ser um cemitério. Percy estava quase acreditando que, se eles não dissessem nada logo, os livros gritariam.

Então o olhar de Quíron saiu de Annie e veio para ele. O centauro molhou os lábios antes de falar.

— Essa é... geralmente, a parte mais difícil de toda a Batalha para mim — começou. — É quando eu fico dolorosamente confuso entre congratular o herói e consolá-lo pela perda de seu guardião.

Percy não pôde evitar olhar para Annabeth quando ele disse a última palavra. Ela estava com os olhos cinza focados apenas em Quíron.

— Pensava que seria maravilhoso ver os dois unidos aqui — Quíron sorriu, mas não era de alegria. — E, agora, pela primeira vez, meu pedido foi atendido. Mas eu me sinto pior que todas as vezes de antes.

Sua voz ficou ecoando por longos segundos na sala, batendo em seus ouvidos e voltando cada vez mais alta. Estranhamente, ela foi silenciada pelas baixíssimas palavras de Annabeth ao seu lado.

— O complexo de herói subiu demais à cabeça de Percy. Eu aceito uma parcela da culpa nisso.

Toda a tensão que Percy carregava em si até aquele momento explodiu de uma vez, como uma das bombas de gás de Hefesto.

— Eu estava tentando salvar você! — gritou para ela, virando todo o corpo em sua direção.

Ela fez o mesmo.

— Nem todas as decisões da Batalha pertencem a você, Percy! — era como se Annabeth tivesse usado toda a sua força restante naquele grito, pois sua respiração saiu totalmente de ritmo.

Era a primeira vez que Percy via seu rosto desde que voaram em Blackjack juntos, antes de ela vestir seu capacete de metal. Desde que haviam se acertado, lá nos telhados.

Annabeth sabia que ele pensava justamente nisso, já que baixou rapidamente o olhar.

— Você não tem metade da ideia do que é ser uma Guardiã — dizia e mordia o lábio inferior ao mesmo tempo, tentando recuperar o autocontrole de antes. — Eu passei os últimos seis meses protegendo você e me preparando para a Batalha, me preparando para... o que viria. Isso era tudo o que minha vida era. E você simplesmente ignorou isso. Tudo isso — quando ela olhou para ele de novo, seus olhos estavam molhados.

Percy sequer havia percebido antes, mas estava balançando a cabeça negativamente conforme Annabeth o observava.

— Não — retrucou. — Sua vida pode ser bem mais que isso, Annabeth.

Ela o olhou como se ele tivesse contado uma piada sem graça. Encarou Quíron e depois Percy de novo, e então pareceu decidir que aquilo era ridículo. Fez-lhe uma cara feia.

— Cale essa boca.

— Você sabe que eu tenho razão.

— Tem sim. Minha vida pode ser vinte e sete dias mais longa e eu posso passar todo esse tempo me preparando mentalmente para morrer de novo. Você tem toda razão.

— Você é inteligente, Annabeth. Sabe que podem existir outras opções!

— Todas elas terminam com a minha morte! É tudo o que sei.

Você sabe que eu tenho razão.

Annabeth riu e desviou o olhar. Então a risada sumiu, e ela continuou encarando o vazio à sua direita. Percy sabia que ela avaliava o que ele havia dito, e aquilo lhe causava um terrível desconforto. Não é como se ele estivesse cem por cento certo de tudo o que havia feito nas últimas horas, mas, de qualquer forma, era tarde. Na verdade, a todo segundo era tarde. Só lhe foram dados vinte e sete dias com ela, e ele não poderia perdê-los pensando naquilo que não tinha volta.

No entanto, ela parecia estar vivendo outra realidade. Mesmo assim, não o respondeu. Nem quando o olhou outra vez.

— Percy — Quíron o chamou. O mestre estava mais calado do que de costume. — Quando você abriu mão da Batalha por Annabeth, devia saber o que estava fazendo.

O menino rolou os olhos com a pergunta implícita.

— Eu não sabia! Pela milésima vez, eu não fazia ideia do que estava acontecendo.

— Saberia se tivesse me levado junto — Annabeth finalmente disse.

Percy lhe encarou pelo canto do olho, mas Quíron apenas ergueu as mãos em apaziguamento.

— Chega, já basta disso — decretou. — O que está feito, está feito. Obviamente Cronos o enganaria. É por isso que heróis não partem sozinhos para a Batalha — disse, olhando sério para Percy. Depois levou a mão direita aos olhos e os esfregou, tentando aliviar o próprio estresse. — Está feito.

Annabeth respirou fundo e soltou o ar de uma vez, irritada.

— Então vamos ensaiar o que dizer aos semideuses. Um jeito de explicar que não, Percy não enfrentou Cronos, foi quase isso. Eu não morri, mas é quase isso. A Batalha acabou, ou quase isso. Que podemos guardar as armas por enquanto, mas só por enquanto.

Percy apoiou a testa nas mãos e fechou os olhos com força, tentando calar Annabeth em sua cabeça. Ele buscava por uma solução entre os milhões de pensamentos que atravessavam sua mente, ao mesmo tempo em que um relógio gigante contava os segundos em seus ouvidos. Tinha a impressão que essa era a única chance de impedir a Batalha de recomeçar: convencendo Annabeth e Quíron. Mas o tempo corria, e ele não chegava a conclusão nenhuma.

Não percebeu que Quíron o olhava até o centauro lhe dizer.

— Está tudo bem, Percy?

Percy ergueu a cabeça aos poucos para Quíron, dois metros acima dele. Sua boca era seca.

— Só estou tentando pensar em outra opção.

— E o que seria essa outra opção?

— Não sei ao certo, mas deve haver outra forma de terminar as coisas.

Ele ouviu quando Annabeth riu em desprezo ao seu lado. Era como se ela preferisse estar morta do que naquela Biblioteca.

Mas Percy continuou.

— O que lhe faz pensar nisso, garoto? — Quíron inclinou um pouco a cabeça, tentando alinhar-se à lógica do semideus.

— Ora, me foram dados os vinte e sete dias. Cronos realmente me deu a chance de uma segunda Batalha. Isso não é somente por tortura. Não há um ganho específico nisso, ou não para ele. Foi uma decisão rápida demais, como se Cronos soubesse exatamente o que fazer quando me visse.

Ao seu lado, Annabeth o olhava, mesmo com relutância.

— Não é possível que eu seja o único herói que pediu pela vida de sua Mão — falou mais alto, sentando na beirada da cadeira. — Por que ele me deixou ir tão fácil? Porque ele sabe que posso fazer algo que mudará a Batalha, e talvez ele ganhe algo com isso, ou acredite que possa ganhar. O ponto é: há algo que eu posso fazer.

Quíron ficou em silêncio, pensando naquilo. Mas Annabeth, não.

— O que você quer mesmo fazer, Percy? — perguntou, mas não era de forma amigável.

— Pelos deuses, Annabeth! — Percy olhou para ela. — Eu quero salvar você!

— Ah, breve-rei... — ela lhe sorriu, ignorando toda a raiva que ele tentou usar contra ela. — Você não pode.

Annabeth dizia isso com tanta certeza que era quase como se ela quisesse mais convencer a si mesma do que a ele.

E isso fez sentido.

— Não — Percy respondeu. — Há uma forma. Eu consigo ver isso. Todas as vezes eu olho para você, eu vejo isso. Você sabe de alguma coisa, filha de Atena — ao dizer isso, ela começou a negar veemente com a cabeça. Parecia nervosa. — Coloque para fora.

Seus olhos cinza não largavam dos dele. Mas ela não dizia nada. Percy a pressionava suavemente com seu olhar, e ela poderia crer que isso doía tanto nele quanto provavelmente doía nela.

— Basta — Quíron interrompeu a conversa silenciosa. Seu rabo de cavalo chicoteava o ar, agitado, e ele trotava de um lado para o outro enquanto falava. — As paredes desse castelo já ouviram mentiras demais pelos últimos cem anos. Eu não vou mentir mais uma vez.

O herói e a guardiã olharam para o mestre, novamente unidos por alguns segundos pela mesma curiosidade. Quíron então parou de caminhar. Pareceu subitamente decidido, embora temeroso.

— Percy está corretíssimo — confessou. — Cronos apenas lhe deu essa chance porque, de fato, existe outra opção. E ela se chama Súkurys.

Annabeth recuperou a fala antes de Percy.

— Quíron, não — ela disse, olhos arregalados. — É arriscado demais. É longe demais. Percy não pode nem mesmo chegar perto.

— Pensei que não poderíamos tomar decisões um pelo outro — Percy criticou.

— Você não sabe do que está falando, Percy!

— Deixem-me terminar! — Quíron intrometeu-se, para o desagrado de Annabeth. Ele sabia disso. — Annabeth, minha querida, eu sei muito bem de quem estamos falando — sorriu. — Agora tenho minha memória de volta.

A menina cruzou os braços.

— Já nos disse. Agora pode explicar a Percy por que não podemos ir atrás da Súkurys.

— O que é isso? — Percy pediu a Quíron.

O centauro ficou triste de repente.

— Súkurys é uma planta. Ninguém sabe sua forma, pois é única no mundo. Quero dizer que só há uma plantada em todo o mundo — diante dos olhos confusos de Percy, o mestre continuou. — Ela é tão perigosa quanto especial, já que foi criada pessoalmente por Zeus. Ela é nutrida pela vida de sua filha Thalia, que morreu há muitos e muitos anos em campo de batalha.

— Zeus não soube lidar com a perda — Annabeth continuou, mesmo que de má vontade. — Thalia era sua única filha, e permanece a única até hoje. Ele não aceitou sua morte, mas sabia que não podia quebrar as regras — frisou essa parte para Percy —, e, por isso, fez nascer essa planta no lugar onde ela caiu.

Percy estava surpreso, mas ainda nem tanto.

— E o que eu faço com isso?

— Você teria que encontrá-la primeiro, é claro — Annabeth explicou com pouca delicadeza —, o que é quase impossível. Depois, deve saber que Zeus a protege dia e noite. Boa sorte tentando se aproximar dela sendo filho de quem é.

O herói olhou para Quíron em busca de socorro.

— O que tem de tão importante nela?

— Quase nada — Quíron sorriu de leve. — Ela apenas é capaz de alterar o destino inteiro da pessoa que beber de seu cálice.

A força daquelas palavras fez Percy jogar o corpo para trás, recostando-se na cadeira.

— Era essa a opção que procurava, Percy? — Quíron pediu.

Era. Era mais. Era ainda melhor. Era tudo e mais um pouco que ele tanto buscou nos próprios sonhos desde que soube que Annabeth era destinada a morrer.

— É loucura — ela o despertou de sua epifania. — É uma completa loucura. E só temos vinte e sete dias. É impossível.

Quíron não parecia tão inclinado a concordar com ela dessa vez.

— Annabeth, pense bem.

— Annie, é nossa única chance — Percy ao seu lado implorou. Um único sim dela era tudo o que precisava. — É a resposta para o que está acontecendo agora.

O olhar dela viajava de Percy a Quíron e todo o caminho de volta, enquanto as pernas sacudiam em ansiedade.

— Não, Percy, não...

— Você me disse que nosso destino é inquebrável. E se isso for o nosso destino?

Di Immortales, Percy. Você já me provou errada lá no campo de batalha. Já fugiu de seu próprio destino e agora quer que eu fuja também?

— É salvar sua vida!

— É mudar toda a história da Batalha! — ela gritou de volta.

Percy não respondeu da mesma forma.

— E por que não?

Annabeth era ofegante e analisava Percy atentamente, com os olhos irrequietos sobre ele.

— Não posso deixar você fazer isso.

— Annie...

— Não posso. Era para eu morrer. E não fazer você morrer por uma causa perdida.

Ela colocou as mãos sobre o apoio da cadeira, se ergueu e saiu da sala de uma vez. Percy ficou olhando para o lugar vazio que ela deixou durante um longo período.

Depois, olhou para Quíron. Ele olhava para a porta por onde ela saíra.

— Você acha que eu tenho alguma chance de encontrar essa planta?

Os olhos castanhos do centauro eram bondosos, como o sacerdote Bernard sempre fora.

— Sinto que seu maior obstáculo nesse momento tem cabelos loiros e uma mente dura como aço. Responda-me você.

.

.

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Trinta minutos depois, na sala do Trono

 

Percy caminhou ao longo do comprido corredor de pedra que levava ao trono vazio. Em menos de uma hora os mortais voltariam a acordar, e ele voltaria a ser rei. Mas a vida jamais voltaria a ser como era.

Caminhou em círculos, olhando para as pedras, olhando para o telhado abobadado. Girava em seu próprio eixo, tentando lembrar-se de como era a vida antes da Batalha. Antes de saber que era um semideus. Não conseguiu. Tudo eram sombras e fantasmas quase tão antigos quanto as memórias de Quíron.

Ele então parou diante do trono. A luz do sol que atravessava os vitrais coloridos do castelo o iluminavam com tons de azul e laranja, e ele não parecia tão desconfortável quanto realmente era. Percy então subiu os dois degraus, aproximou-se dele e se sentou.

Sua visão agora era a de um governador sobre seu reino. E seu reino dormia. Tudo era silêncio, mas o silêncio de uma falsa paz. Quando acordassem, Percy tinha muitas explicações a dar. E, não importava o que realmente havia acontecido horas atrás no mundo sobrenatural: nesse mundo, Percy ainda era rejeitado por seu próprio povo como rei. Embora quisesse muito fugir dali e viver sua simples vida de semideus, Percy sabia que essa era sua outra metade. Sua metade humana, e que lhe era de grande responsabilidade. Ele pensou na coroa que nunca conseguiu vestir, lembrou-se dela sendo mantida centímetros acima de seus cabelos por Fritz enquanto Annabeth arruinava sua coroação. Mas era tudo o que importava naquele momento.

E aquele momento acabou. Agora, o que importava outra vez era o reino, e ele tinha como dever retornar a essa realidade.

Percy ajeitou-se no trono algumas vezes, até se sentir confortável. Não ficou tão confortável quanto gostaria, mas seria algo a que se acostumar. A conversa de meia hora antes ainda rodava em sua cabeça, com nomes gregos indo e voltando e o rosto inseguro de Annabeth flutuando em sua frente. Relutantemente, olhou à sua esquerda.

O trono menor e vazio de sua mãe estava lá, olhando-o de volta. Por um breve momento de terror, Percy temeu que ficasse vazio para sempre. Que ele reinasse sozinho para sempre.

Olhou outra vez para frente. Ao longe, no portal de entrada, uma silhueta se aproximava aos poucos. Quando a luz a alcançou, revelou a face de Annabeth.

Ela vinha a passos lentos, com o braço direito sobre a cintura, a mão presa ao outro antebraço, esfregando-o de maneira tímida. Ela usava um vestido tão cinza quanto seus olhos, e os cabelos estavam meio presos. Ela caminhou até ficar a mais ou menos cinco metros de Percy, que sentia o coração acelerar. O trono vazio ainda era uma possibilidade.

Annabeth o analisou da cabeça aos pés, como da primeira vez que se viram. Então suspirou.

— Algumas pessoas juram que o círculo é a forma mais perfeita que existe, pois começa e termina no mesmo lugar — disse. Para seu bem-estar, Percy sabia muito bem do que ela falava.

Ele no trono. Ela chegando ao reino. Como começou.

­— O que você acha? ­— Annabeth lhe perguntou. Ela balançava o corpo levemente de um lado para o outro.

Percy colocou o queixo sobre a mão e o cotovelo sobre o apoio do trono.

— Eu discordo. Nada termina da mesma forma que começou.

— Talvez esteja certo. Não acho que sejamos os mesmos.

— Eu sei que eu não sou.

Ela arqueou uma das sobrancelhas.

— Jura? E quem você é agora?

Percy pensou por alguns segundos antes de responder.

— Não. Você primeiro ­— retrucou, para a surpresa dela. — Você sempre pareceu saber muito mais de mim do que eu sabia de você.

Um sorriso, que provocou outro em Percy. Não era apenas um elogio. Era um fato. E ela se divertia com ele.

— Muito bem. Quando entrei pelos portões de sua cidade, eu era uma semideusa recém-saída do Acampamento Secreto, que nunca havia visto o mundo mortal a mais de onze metros de distância de nossas fronteiras ­— contava, e seus olhos não focavam apenas em Percy, mas em toda a construção ao redor. Ela estava vendo suas memórias. ­— Tinha um coração ansioso e um desejo por fazer tudo certo, tudo perfeito. Achava que nenhum perigo era tão grande quanto as pessoas o pintavam. Acreditava que minha sabedoria bastava ­— terminou, sacudindo os ombros levemente.

Percy assentiu.

­— E agora?

— Agora sei que, na verdade, nunca se sabe tudo. Nunca. Sempre vai existir mais alguma coisa inesperada. E, o mais doloroso — ela focalizou nele outra vez, mas sua face era tranquila ­—, eu posso prever os meus erros, mas nunca os dos outros. Ou seja, nem tudo depende apenas de mim, por mais errado que isso me pareça.

Annabeth esperava calmamente uma reação de Percy. O que ela lhe disse não era uma surpresa, mas ela definitivamente não estava tão irritada quanto na Biblioteca. Parecia ter refletido no assunto.

— Duras lições.

— De fato. E agora, posso conhecer as suas?

Percy a estudou. Lembrou-se da garota com o véu na igreja, depois a garota com as xícaras de chá quebradas, e depois a garota o visitando em sua cama, após seu acidente. Depois, a garota discutindo com ele nos campos de treinamento, pousando uma adaga sob seu pescoço para então jogá-lo ao mar com ela, e depois colocando-se entre ele e o temido Fritz. Por fim, lembrou-se dela nos telhados, com sua expressão altiva e cabelos louros trançados, levando-o à guerra.

Agora ela estava ali, em pé, depois de todo esse tempo. A prisioneira, a guardiã.

Todas as suas mudanças envolviam ela.

— Eu era um garoto cujo destino já havia sido traçado — começou, e ela prestava atenção. — Isso não me dava espaço para outros sonhos. Não acreditava ser possível escapar ao meu próprio destino... ­— um sorriso de canto ­— até agora. Sou o capitão de meu próprio navio. Essa foi a minha maior descoberta. Posso mudar, e mudei.

— Ainda está mudando, você quis dizer — Annabeth pontuou. Era óbvio que hora ou outra voltariam ao assunto da Biblioteca.

— Creio que cheguei em um ponto onde só a minha vontade não basta ­— disse, e Annabeth continuava impassível ao observá-lo. — Ainda estou esperando uma única palavra de minha guardiã.

Ela baixou o olhar para mexer na manga do próprio vestido.

— Pensei que não se importava com as minhas opiniões.

­— Gosto de ouvi-las antes de decidir.

Segundos depois ela ergueu a cabeça com um suspiro irritado. Olhou para ele.

— Não creio que deveria segurá-lo de alguma forma.

Algo em suas sobrancelhas franzidas e lábios finos fechados fez Percy refletir. Era o único sinal positivo que ela havia dado até então, mas ele não ficou tão satisfeito quanto esperava. Como poderia aceitar uma decisão como aquela, que parecia simplesmente querer abrir mão dele? Como ele poderia sacrificar aquela doce visão de Annabeth tão fácil assim?

Ele ficou em pé. Ao fazer isso, a expressão de Annabeth alterou-se ligeiramente. Talvez não esperasse por isso.

— Não é sobre me segurar ou me deixar ir, Annabeth — respondeu, e deu um passo à frente. Depois outro. Aos poucos. —É sobre eu querer que você faça parte das minhas decisões, uma vez que não fiz isso antes.

Outros dois passos. Annabeth dividia-se entre acompanhar o seu aproximar e procurar por um significado escondido em suas palavras.

— É sobre você fazer parte da minha vida. Sobre você ser a guardiã do rei para sempre.

A distância entre eles agora compreendia menos de dois metros, e diminuía lentamente. Ela estreitou os olhos para ele.

— Você quer dizer para o resto dos meus vinte e sete dias de vida?

— Para sempre.

Cinquenta centímetros. Percy sentia-se tão seguro do que dizia quanto nunca esteve antes. Já Annabeth parecia tão desconfiada dele quanto sempre esteve.

— Você já me fez duas perguntas até agora. A qual delas espera que eu responda sim?

Annabeth complicava tudo, mas Percy ainda não via a separação entre permitir que ele busque a planta e fazer parte de sua vida. Em breve, ela também não veria.

— Responda sim àquela que lhe convir.

Os olhos de ambos não se afastavam nem por um momento. Percy acompanhava conforme Annabeth tomava o fôlego diversas vezes, como se houvesse algo na ponta da língua para dizer, e desistisse no último segundo.

Após segundos de ensaio, ela pareceu encontrar a resposta certa.

— Sim — disse. — Sim para as duas.

Foi a vez dela de dar um passo para mais perto dele enquanto Percy sentia o coração se afogar num mar de plenitude, em meio à tempestade.

— Sim, Percy ­— continuou Annabeth. — Você pode ir, e eu o seguirei aonde quer que vá, como sua guardiã.

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* * *

So don’t say your goodbyes. It’s just a moment of change.

A história continua em A Gota Púrpura.

Em breve.

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