Guardiã do Rei escrita por Miss America


Capítulo 38
Nunca Antes, Nunca Depois


Notas iniciais do capítulo

Eu queria tanto ver a cara de vocês quando surge "Guardiã do Rei ATUALIZADA" nas suas atualizações.
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OLAAAAAAAAAR
Que saudades de vocês!!!
Olha só, eu não morri.
Sim, acreditem se quiserem: eu não parei de planejar GdR desde maio do ano passado. É que muitas coisas mudaram na minha vida: estou em outra cidade, estou na faculdade, estou cheia de responsabilidades. Lembro de ter dito algo sobre demorar para postar o próximo capítulo, mas nem eu imaginava que seria tanto rsrsrs
Agora sem blábláblá e vamos pra história: estamos em guerra!
Esse capítulo foi muito hard de escrever. Sério. Mais hard ainda foi encontrar um título pra ele. Mas, no momento em que odiei o título, soube que era esse mesmo o ideal.

Tá, eu vou deixar vocês lerem primeiro e conversamos mais lá embaixo. Divirtam-se! :D



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Percy acordou com um balde de água fria sobre sua cabeça. Literalmente.

Ele ergueu a cabeça, sentindo suas dores se dissiparem conforme abria os olhos. Quando uma mão se estendeu em sua direção, Percy recuou. Mas ela era tão real e palpável quanto o terror, as chamas, a ventania e os demônios que rugiam ao seu redor.

— Sou eu, Percy. Quíron. Levante-se!

Foi a força do braço do centauro que o colocou em pé para um dia interrompido por um terrível eclipse. As palavras haviam sumido desde que viu a si mesmo e a Annabeth caindo do céu, com semideuses ao lado de barracas de guerra e fumaça girando e girando. Graças aos deuses a água apagou de sua memória o impacto da queda e todas as suas consequências.

— Onde ela está? – gritou sobre o barulho do vento nas árvores.

O centauro parecia ter se esquecido brevemente de que ele estava ali, já que seus olhos mapeavam o ambiente buscando por qualquer outra coisa.

— Annabeth?

— É claro.

— Foi recolhida por três filhos de Apolo. Precisa se recuperar.

Percy imediatamente repreendeu-se por ter se esquecido de sua fragilidade. O quão ferida deveria estar? E soava cruel recuperar-se de uma queda para, logo depois, adentrar uma guerra. Refletiu, enquanto observava a fenda da qual escaparam, que sua Guardiã precisava ser guardada por alguém.

Muito provavelmente ele.

Quíron escutou seus pensamentos.

— Você não deve esperar – avisou, esticando o braço até uma bolsa presa a seu dorso e retirando de lá a mesma espada reluzente que o menino vira pela primeira vez após a queda do Pico Inglês, muito tempo atrás. Aparentemente Annabeth e ele gostavam de cair de lugares altos. – A primeira formação para a luta já está marchando. Sinto que Annabeth não possa acompanhá-lo agora.

Ao pegar a leve arma, Percy sentiu-se coroado em seu título de Herói. Tudo o que vivenciara até então, durante sua curta vida de dezesseis anos, culminava ali. Sacerdote Bernard não era mais um humano, Annabeth não era mais uma mera prisioneira e nem ele, Perseu Jackson, era apenas um príncipe atemorizado. Tudo começava de novo ali, em Quíron lhe presenteando com seu futuro.

Ele também sabia que, mais tarde, acabaria ali.

Percebendo o silêncio do garoto, o mestre suspirou em compaixão.

— Você é um bravo jovem, Percy – assegurou, sua voz quase abafada por gritos de guerra vindos do sul. Seu rosto era quase indistinguível naquela noite adiantada. – Não tenha medo do que as próximas horas lhe escondem. Você, sem dúvida alguma, está pronto para elas.

— Gostaria de poder mudá-las – segredou, com os olhos fixos na inscrição dourada de Anaklusmos que iluminava seu rosto.

Quíron sorriu de leve.

— É um sentimento universal.

Percy arrancou Tesouro da bainha e a lançou longe, encaixando Anaklusmos em seu lugar. No entanto, não era suficiente. O resto de suas roupas ainda não servia para uma Batalha.

— Pegue – Quíron atirou outra bolsa de seu dorso aos pés dele, acompanhada por um barulho de metal. – O resto de sua armadura. Precisei separá-la das demais, já que todos estavam muito ansiosos e fizeram uma bagunça na barraca. Está com cota de malha por baixo da roupa, certo? Ótimo, seguiu meu conselho. Agora é mais fácil.

O homem-cavalo se aproximou alguns centímetros e pousou uma mão em seu ombro. Percy olhou bem em seu rosto e viu que, apesar de cansado, um brilho havia se renovado em suas feições, como se litros de nova sabedoria houvessem sido derramados sobre ele recentemente.

— Seja forte, rapaz – a mão pousada apertou-o com firmeza. – Você não imagina quantas vidas serão salvas hoje.

Percy quase retrucou que ele sabia o nome de qual se perderia, mas preferiu manter-se calado.

— Annabeth logo virá ao seu encontro – Quíron o confortou... ou tentou. – Mas lembre-se: você está pronto.

Ambos se encararam por alguns instantes. Percy se esforçava em demonstrar tranquilidade como forma de agradecer o apoio, mas seus pensamentos o traíam e escapavam de sua mente para o ar.

— Gostaria que pudesse mantê-la longe de mim para sempre – confessou para logo se arrepender, mas era tarde.

Mesmo assim, a frase não pareceu abalar o centauro. Este se afastou e se virou na direção contrária para partir. Antes, porém, deixou um último aviso.

— Apenas lute, Percy – um sorriso diferente surgiu. – Você nunca pode prever o final da Batalha.

O garoto poderia jurar tê-lo visto piscar um dos olhos antes de cavalgar para longe.

Enquanto a conversa ainda ecoava em sua mente, Percy olhou para o campo à sua frente. Não havia lua ou estrelas, mas apenas uma neblina espessa para contrastar com aquela escuridão. Era frio e nenhum cobertor parecia ser capaz de esquentá-lo. Ele se sentiu solitário.

Vestiu a armadura acompanhado de lembranças de Annabeth em sua cabeça. Sua voz, sua risada, seu toque. Ainda assim, a vontade de mantê-la viva era maior do que a falta que ela lhe fazia agora. Uma determinação de gosto amargo lhe preencheu, e ele pousou a mão direita sobre o cabo de Anaklusmos. Estava correndo para a Batalha sem sua guardiã.

Ele só podia pedir que os deuses fossem misericordiosos. Pelo menos dessa vez.

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— Às vezes, ser um deus só deixa as coisas piores do que realmente são.

— Ah, cale essa boca, Poseidon – rosnou um Dionísio encharcado. Dele saía o aroma de parreiras regadas pela chuva. – Não sei por que nos perguntamos tanto tempo de quem o garoto era filho. O nível de maturidade no qual ele estacionou entrega o jogo de bandeja.

Os outros nada disseram. Poseidon tentava não rir da situação que deveria ser tensa, mas aquela era a primeira vez que ria em décadas. Ao seu redor a Sacada pingava água do mar, que evaporava antes de cair no chão, retornando para casa.

Ele poderia secar os deuses também, mas não sentia muita vontade.

— Nós o perdemos para a Batalha, certo? – Deméter fazia flores surgirem toda vez que abanava as mãos. – Maldito. Sequer tinha herdeiros.

— Então Percy é tudo o que queriam – Poseidon balançou a cabeça, ponderando os fatos. – Alguém que dominasse um reino, para que pudesse ser dominado.

Os deuses se entreolharam hesitantes. Ninguém parecia disposto a concordar, mas muito menos a desmenti-lo. Poseidon andou ao lado de cada um, fixando-se em seus olhos como se buscasse uma pequena planta em um deserto seco. Um sinal de vida em meio a tanta confusão.

— Um pensamento mortal. Não percebem? – Infelizmente, suas questões soavam retóricas. – Tornaram-se mortais!

Diante de suas reações, Poseidon concluía que deveria estar falando qualquer outro idioma, menos grego antigo. Impotente, ele tentava encontrar uma solução, enquanto ouvia o som da guerra se iniciando em algum lugar atrás dele.

— O que... aconteceu a vocês? – perguntava ao silêncio.

No meio do silêncio, alguém lhe respondeu.

— Bah, Poseidon. Não vê? – Zeus abriu caminho entre Hera e Ares. – Cem anos depois, sua reputação ainda não foi reconstruída. Pare de nos atormentar com seus contos sem sentido.

O deus dos céus endureceu a posição e o desafiava com ela, como em uma ordenança silenciosa de partida. Assim como da última vez. Mas Poseidon tinha que fazer com que essa vez fosse diferente.

— Irmão, este não é o Olimpo. É o reino do meu filho. Nós dois temos a mesma quantidade de poder aqui.

— Tolo – cuspiu. – Pode se orgulhar de tê-lo tirado de nossas mãos, mas o lança à própria sorte em uma guerra que sabe ser mortal. Todos nós sabemos como elas sempre acabam.

Poseidon desejou estar segurando seu tridente. Aquela conversa geralmente não terminava bem.

— Zeus, esqueça Thalia.

— Nós poderíamos viver em paz! – esbravejou e raios o acompanharam. Ninguém ousava interrompê-lo. – Os mortais têm um ponto. Eles não lutam guerras sobrenaturais inúteis. Eles não perdem seus filhos como nós perdemos.

— Zeus...

— Cale essa maldita boca, Poseidon. Você não entende, mas, sinceramente, espero que um dia entenda.

Zeus respirava com dificuldade, segurando lágrimas de raiva. As piores. Seu punho estava tão cerrado quanto o do deus do mar. Poseidon tentava ignorar o repúdio de Zeus contra Percy, lembrando-se da dor que o irmão enfrentava há séculos. Ainda assim, já era tempo daquilo terminar.

— Você está indo longe demais, Zeus. Pensamentos mortais — relembrou. – Você está terrivelmente fraco, irmão. Deixe-me ajudá-lo.

— Ajudar-me? – Zeus riu em escárnio. – Você não passa de um ingrato. Ingrato por tudo o que o destino e nós tentamos lhe oferecer.

Poseidon continuou calado. Decifrar a mente daquele ser era como um quebra-cabeça cujas peças se transformavam a cada dois segundos.

— Se fosse sábio o suficiente, nos agradeceria. Perseu não teria que morrer em Batalha agora.

— Na verdade, fico feliz em perceber que o Oráculo sabia o que estava fazendo quando o escolheu – Poseidon retrucou. – Ele não só escolheu um bom herói, mas também o subtraiu das mãos de vocês.

— Um sacrifício.

— Uma vitória. É tudo o que reconheço.

— Sim, Poseidon, sim – o outro balançava a cabeça seguro demais de suas próprias convicções. – Vamos esperar até o dia em que as profecias o alcancem também, irmão. Então estarei ansioso para ouvir seus nobres discursos outra vez.

Aquele era o soco de Zeus em forma de palavras. Quase forte o bastante para fazê-lo perder momentaneamente o equilíbrio. A profecia. Essa palavra assombrava Poseidon há anos. Poderia o irmão saber dela? Poderia ele estar falando...

— Silêncio – Afrodite ergueu uma mão ligeira ao ar. – Silêncio.

Apesar do pedido prontamente atendido, ela não disse coisa alguma. Pelo contrário: parecia estar ouvindo alguma coisa. Seus olhos fecharam-se pacíficos, e ela sorriu.

— O que diabos está acontecendo, Afrodite? – atacou Zeus, mas foi repreendido por Ares.

— Espere um pouco! Estou tentando ouvir também – reclamou o deus da guerra, em um tom bem mais grave que sua antecessora.

Apesar de contrariado, Zeus obedeceu. Poseidon e ele observavam enquanto os outros deuses fechavam seus olhos e relaxavam suas expressões, como se fosse a primeira vez em anos que o faziam. Poseidon não sabia do que se tratava, mas parecia bom. Encaixava-se no que a coruja lhe dissera minutos antes.

— Eu ouço... meus filhos – Afrodite declarou, para a surpresa de ambos. – Eles oram. A mim. Novamente.

Poseidon deixou toda sua tensão partir em suspiro aliviado. Seu punho se abriu e os músculos cederam. A solução existia. Atena tinha razão.

O milagre atingia a todos. Ares engoliu em seco. Dionísio pousou uma mão sobre o peito.

Poseidon torcia internamente para que Hefesto e até Hermes pudessem sentir o mesmo naquele momento. Seu olhar, no entanto, viajou até o irmão furioso à sua frente. Seu coração afundou.

Zeus parecia mais irritado que antes.

— Do que estão falando? Que orações são essas? Quem as faz?

Deméter abriu seus olhos e sorriu para ele.

— Nossos filhos, Zeus. Aguarde mais um pouco e logo ouvirá os seus também.

A frase foi o gatilho. Todos despertaram do transe e olharam para o senhor dos trovões, até mesmo Poseidon. De Deméter, o olhar de Zeus pousou nele, como se a culpa inteira lhe pertencesse.

O silêncio no vazio era perturbador. Zeus fazia relâmpagos piscarem em seus olhos azuis escuro, endurecendo seu maxilar e cenho. Todavia, nenhuma proteção que criasse esconderia a ferida que Poseidon era capaz de enxergar a metros de distância.

Deméter também se deu conta do erro que cometera no mesmo instante em que o fez. Sua boca pendia entreaberta e suas mãos balançavam a esmo no ar, tentando reconstruir um castelo de cartas invisível. Ninguém sabia como ajudá-la, simplesmente porque não havia ajuda possível.

Zeus molhou os lábios com frieza antes de se manifestar.

— Eu não tenho filhos.

No outro segundo, Zeus e Hera se desfizeram em uma nuvem de ozônio.

Algum tempo depois, Dionísio concluiu:

— Eles voltaram para o Olimpo – o deus olhava para a mancha negra que o pai deixara no chão ao partir. – Não acho que causarão mais problemas hoje.

— Gostaria que ele pudesse ouvir também – Deméter finalmente colocou as mãos inquietas no rosto, entristecida. – Fazia tanto tempo que estávamos adormecidos. Ele precisa tanto dessa canção para despertar.

— Mas ele tem razão – Ares se aproximou, fechando ainda mais o círculo dos deuses na Sacada. – Não há quem ore por ele.

— Na verdade, outros semideuses podem orar por ele – Dionísio explicou. Poseidon via que isso lhe era importante. Seus dois filhos haviam sido executados meses antes pela Lei.

Ele provavelmente ouviu os filhos de Deméter, que gostavam dele.

— Então nós precisamos fazer com que orem por ele – disse Afrodite.

— Não é necessário. Os semideuses eventualmente orarão por ele, mas ainda estão em pouco número e enfrentando uma Batalha. Nossa recuperação está sendo lenta. Zeus precisa de ainda mais ajuda – Dionísio bufou. – Seu nível de loucura foi alto demais. A dele será ainda mais lenta.

— O que nos resta, então...?

— O que nos resta é fazê-los sobreviver – interferiu Poseidon, materializando seu mapa pessoal da Batalha diante dos outros. – Precisamos garantir que vençam mais essa vez, para que voltem a orar. Percy será um bom rei e extinguirá a Lei, mas é importante que sobrevivam para isso.

O deus colocou o mapa sobre o apoio de pedra da Sacada e foi cercado pelos demais. A folha de papel reluzia em tons dourados, com marcações bruscas em azul. Ao olhar para os outros, viu neles sua última esperança. Não haveria mais nada a tentar se os perdesse.

— Nós vamos trazer Zeus de volta à sua consciência. Tudo depende de nosso empenho nisso. Estão preparados para retornarem a seus filhos?

Ainda inseguros, a resposta demorou a sair. No entanto, foi positiva.

— Ótimo – Poseidon pressentia uma virada no jogo, mas sabia que ainda era cedo para conclusões. Por isso, tentava sufocar a alegria recém encontrada. – Aqui estão marcados os pontos em que seus filhos estão. Nós já fizemos isso outras vezes. Vocês sabem o que fazer – sorriu. – Não vamos decepcioná-los de novo.

Satisfeitos, cada deus preparava-se para partir. No último segundo, porém, Poseidon os fez ficar.

— Apenas uma coisa antes de irem – pediu, enrolando o mapa com cuidado. – Por favor, não esqueçam.

Todos pararam para escutar. Poseidon asseverou a expressão.

— Ajudem seus filhos. Mas, vocês sabem... não ajudem como Zeus ajudou.

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Annabeth jogaria a taça de néctar longe, se não fosse aquele o precioso néctar que ela precisava tomar.

— Desculpe-me, Annabeth – Peter, o filho de Apolo, alternava olhares entre ela e a taça enquanto tentava impor sua melhor voz de médico oficial de batalha. – Foram ordens de Quíron. Vocês sofreram uma queda de pelo menos quarenta metros. Tiveram muita sorte que os filhos de Deméter tenham feito o possível para amortecer o impacto na grama, mas ainda assim...

— Eu sei, eu sei – levou a taça aos lábios para um último gole e depois a pousou na mesinha ao seu lado. – Eu imaginei que voar no Blackjack seria arriscado, mas não tínhamos tempo.

Havia muitos conjuntos como aquele, de uma cama e mesinha improvisados, espalhados pela barraca de atendimento médico. Vê-las ainda todas vazias lhe trazia uma sensação de paz temporária. Olhou novamente para Peter só para notar que seu rosto combinava com o tom de branco pálido que coloria quase tudo ao redor deles. Ele olhava para sua única paciente do modo que Annabeth se lembrava de vê-lo olhando para todos os que se machucavam no Acampamento, embora, dessa vez, as mãos tremessem e a respiração parecesse fora de ritmo.

Efeitos da guerra.

— Aparentemente, causo mais problemas a Percy do que realmente o ajudo.

— Não diga isso. Ninguém poderia prever que a Batalha começaria aqui.

Annabeth encheu os pulmões como se estivesse se preparando para dizer algo terrível, mas murchou no último segundo. Encarou Peter mais alguns segundos com as sobrancelhas franzidas de preocupação e depois olhou para as próprias mãos unidas sobre o cobertor.

— Eu só queria que tudo saísse perfeito. Que Percy estivesse bem. Que tudo acabasse bem.

— Resumindo, você só queria salvar o mundo sozinha – Peter encolheu os ombros e riu timidamente, numa tentativa de não deixar Annabeth irritada com sua opinião. Bem, não havia como, de qualquer maneira. Ele tinha razão. Ela não discutiu.

Peter deu a volta em sua cama para alcançar a taça deixada vazia. Próximo a ela, aproveitou para segredar-lhe um pouco mais de suas opiniões.

— Acho que, sinceramente, você fez um ótimo trabalho – sussurrou, fazendo-a sorrir um pouco. – Fez tudo o que estava ao seu alcance, e isso já é muito. As coisas não saírem como o planejado não significa que não tentamos. Significa apenas que não estamos no controle de tudo.

— Palavras gentis. E verdadeiras – Annabeth divertiu-se com a ideia de que ele parecia poder curar qualquer ferida, mesmo as não visíveis. – Vou lembrar-me delas, obrigada.

Satisfeito, Peter se afastou novamente.

— Entendo sua preocupação com Percy. Prometo que dentro de algumas horas você já estará boa o suficiente para ajudá-lo. Se pudesse, aplicaria mais néctar e a deixaria melhor em minutos, mas você entraria em combustão, muito provavelmente...

— Está tudo bem – assegurou, e seu olhar antes perturbado descansou na vista da janela. – Eu acho que... que você tem um ponto interessante.

O garoto interrompeu o caminho que fazia até o lado de fora para ouvi-la.

— Eu tenho tentado demais... na verdade, eu tenho controlado tudo demais – ela piscou algumas vezes. Lá fora, o rugir de uma Batalha recém começada estava abafado. – E não é esse o meu trabalho. Sabe... – roçou a mão pelo cobertor felpudo, e se sentiu em seu chalé. – Meu trabalho não é salvar Percy. Meu trabalho é deixá-lo lutar. É isso o que o sacrifício da Mão sempre foi. Uma última chance de deixar o Herói fazer seu papel. Eu deveria ter entendido isso há muito tempo.

— Annabeth...

— Você tem razão, Peter. Fiz o que esteve ao meu alcance, e agora ele está aqui. Sendo o Herói. Ainda vou me recuperar para encontrá-lo, mas... – ela recostou no travesseiro com calma, sentindo os músculos relaxarem – ...eu devo saber que ele não está perdido sem mim. Nós temos papéis diferentes aqui... e ele está apenas cumprindo o dele.

Peter continuou parado ao pé de sua cama, com a boca entreaberta, congelado.

— Ah, então... você não quer tentar outra dose... certo?

Annabeth olhou para ele e sorriu.

— Não. Esperarei um pouco mais, conforme me recomendou.

O jeito que ele suspirou aliviado não foi nada discreto.

— Ótimo – começou a gesticular enquanto refazia seu caminho para fora da barraca. – Estou contente, de verdade. Estava preocupado. Quíron tinha sido tão claro, estava com medo de causar uma discussão entre vocês em plena guerra... ah, fique aí. Eu volto rápido.

Ela o acompanhou com o olhar até ele ir embora. Ele virou à esquerda numa velocidade média. A última coisa que viu foi seu rosto espichado na porta prometendo trazer uma refeição para ela em pouco tempo.

Quando teve certeza de estar sozinha, jogou as cobertas para o lado e escapou pela janela.

A barraca da enfermaria tinha sido instalada muito próxima de outra que guardava as armaduras. Antes de sair havia pegado sua capa da invisibilidade que estava pendurada ao seu lado da cama, então pôde atravessar a distância sem se preocupar com olhares alheios, mesmo que os efeitos de sua queda ainda estivessem presentes e a deixassem lenta. Não conseguiu ter uma maior visão do campo de batalha, mas viu semideuses armados correndo em grupos ao longo da fenda. O guincho de uma Fúria ressoou atrás dela e logo cruzou seu céu, formando uma breve sombra sobre Annabeth e que desapareceu com uma flechada. Ela correu.

Alcançando o tal lugar, viu como as espadas estavam todas jogadas na porta de entrada como uma armadilha perigosíssima e espalhafatosa, provavelmente deixada por meio-sangues desesperados. Desviou com cuidado para chegar até os baús com as cotas de malha, as botas e os capacetes. Aos tropeços, vestia tudo com pressa e espiava pela porta vez ou outra para certificar-se de como estava o mundo lá fora. Agarrou uma braçadeira e a colocou no lugar correto. Enquanto fazia isso, as lembranças do Acampamento vinham à mente.

O som do metal, o cheiro de terra queimada no ar. Quíron esbravejando ordens e comandos estratégicos para um bando de crianças. Annabeth adorava os treinamentos. Havia um tom de heroísmo e adrenalina que a fascinava. Jamais poderia imaginar que, em uma guerra de verdade, a única coisa que sentiria era medo. Assim como os outros que deixaram a barraca de armas naquele estado.

Ao pegar o capacete, seu reflexo tremulou no aço. Olhos cinza arregalados, pele suja, cabelos enrolados ao topo da cabeça com pouco cuidado. Lembrou-se do reflexo que ela viu no espelho do quarto nos fundos da igreja em que ficou quando veio ao reino. Em pânico, sem ideia de por onde começar. Com medo de falhar. Graças aos deuses, encontrou Quíron lá. Mesmo quando era só Bernard, já era seu amigo. E a acompanhou ascendendo de empregada à dama de companhia e à conselheira... à fugitiva. À Mão. Se não fosse por Quíron, ela nem teria saído de dentro daquele quarto.

Tudo isso parecia ter acontecido milhões de anos atrás.

— Eu realmente espero que aquelas palavras tenham sido sinceras, Annabeth Chase.

Annabeth girou para trás. E, novamente, lá estava Quíron.

O centauro tinha os braços cruzados, mas uma fisionomia serena. Ela sentiu o ímpeto de defender-se aos gritos, mas, no fim, apenas olhou para o capacete que segurava.

— Eu não mentiria no que toca à segurança de Percy.

— Sei que não. Mas não parece se importar muito com a sua.

— Não é como se fizesse alguma diferença agora – argumentou, só para ver que não abalara nem um pouco o conselheiro. – Nós dois... sabemos como isso acaba.

Quíron se aproximou e a olhou diretamente nos olhos.

— Não me referia à sua saúde física, mas mental. À essa altura, você já deve ter aprendido sua lição. Você não controla nem as pessoas, nem as circunstâncias.

Um nó se formou na garganta dela. Annabeth era finalmente confrontada com seu erro mais óbvio, e estava disposta a reconhecê-lo. Mas não queria necessariamente colocar isso em palavras, então manteve-se em silêncio, deixando as últimas de Quíron ecoarem solitárias.

— Mas nem eu – continuou ele, olhando pela janela – sou capaz de interromper uma profecia. Ainda mais a profecia da Batalha.

Ele a olhou novamente com sua expressão paterna.

— Por mais que doa, está na hora de deixá-la ir. Vá encontrar Percy.

Annabeth relaxou os ombros, por fim. Receber uma última bênção do mestre era tudo que lhe faltava. Quíron percebeu e sorriu.

— Isso sempre esteve no seu caminho, não?

— Eu não tenho dúvidas.

— Muito bem. Você sabe quais as peças de uma armadura ideal – o centauro dirigiu-se à saída. – Vou deixá-la sozinha agora.

Annabeth havia virado de costas para continuar se vestindo, mas parou ao ouvir Quíron outra vez.

— Eu gostaria de poder avisá-la para tomar cuidado... mas não creio que surtiria efeito.

A garota tentou rir para se livrar da sensação ruim que preencheu sua garganta.

— Ah, não se preocupe. Estou com minha capa de invisibilidade. Provavelmente alcançarei Percy em poucos metros...

Ela se interrompeu ao ver que Quíron ria.

— Sentirei sua falta – declarou, junto à porta. Sua voz soava bem mais baixa que o normal. – Você sempre foi uma das minhas favoritas.

Alguns segundos de inocência depois, ela percebeu o que ele queria mesmo dizer.

— Por favor – ela baixou o capacete ao chão e foi na direção de Quíron –, você não pode estar falando sobre isso. Não agora. Nós ainda temos tempo. Nós… vamos nos ver de novo.

A complacência no olhar dele era o que a matava. Não discutia, não respondia a seus sorrisos. Apenas a observava em silêncio.

— Quíron!

— Não, querida. Nós não temos mais esse tempo.

— Mas eu...

— Mesmo assim, agradeço que, quando o tivemos, você o aproveitou um pouco comigo.

Com os olhos ardentes, ela deu passos cambaleantes para trás. A realidade havia lhe atingido com a força de mil ondas e a afogava nelas.

Quíron também lutava contra as ondas, mas as dele escaparam pelos olhos. Não havia disfarce nele. Talvez porque aquela não fosse a primeira vez que enfrentava essa cruel despedida.

A mente de Annabeth não formava pensamentos, deixando-a silenciosa. Seus olhos estavam fixos no mestre, que já partia.

— Eu tenho muito orgulho de você, e sei que sua mãe também – ele atravessou o portal e, de longe, virou-se para ela. – Obrigado por tudo, e... adeus, Annabeth Chase.

Após deixá-la sozinha no barracão de armas, Quíron cavalgou para o oeste. Ela continuava lá dentro, sentindo-se mais solitária que nunca.

Pegou o capacete do chão e olhou-se nele novamente. Não viu mais a prisioneira do reino nem a conselheira confusa. Viu apenas aquilo que ela era destinada a ser: uma Guardiã, uma Mão.

Vestiu a peça e imediatamente sentiu-se invisível, mesmo que a capa responsável por isso estivesse dobrada sobre uma caixa ao seu lado.

— Hora de encontrá-lo, Herói – avisou para ninguém a não ser ela mesma. – Pela última vez.

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Apolo não conseguia tirar os olhos da imagem em forma de prato que Iris formava do campo de batalha. Na região mais próxima de onde ele estava, via o castelo pela frente sobre o Pico, a floresta e o mar abaixo e o caminho para o Acampamento Secreto. Para o lado direito do castelo, estavam eles – os temíveis adolescentes semideuses. Um pequeno e quase ridículo amontoado de pontinhos pretos correndo em círculos, tentando salvar um bando de barracas velhas. Seguindo à direita, havia a longa descida que levava à cidade.

Preenchendo a outra metade do prato que estava longe dele, as ruas de pedra e as construções empilhadas estavam sufocadas por uma nuvem espessa e negra, de onde saíam cães infernais, fúrias e toda sorte de seres das profundezas que não tinham nenhuma simpatia pelos deuses ou por seus filhos. Todos eles tinham uma única direção: a base inimiga.

— Espero que Morfeu tenha conseguido chegar a tempo — Ártemis murmurou para ninguém em especial. Ela também tinha sua atenção totalmente focada no prato de fumaça.

— Não há motivos para se importarem com mortais. Eles definitivamente não se importavam com nossos filhos — Nemesis fungou para a outra, mas Ártemis sequer piscou.

— A cada um a Batalha que lhe é devida — respondeu. — Essa não é a deles. Ainda.

A pequena Barraca do menor ainda conselho de guerra tornou a ser silenciosa. Apolo sabia as razões para isso enquanto assistia a guerra no prato se desenrolar a passos mais rápidos do que podiam acompanhar. A linha de frente era vulnerável, as caçadoras nas árvores eram um número pequeno demais para o que ataque fosse realmente eficaz, seus próprios filhos tinham que escolher entre curar ou lutar e os deuses menores, por mais que se esforçassem, não conseguiam preencher os lugares dos Olimpianos no clássico plano de Batalha. Não era a mesma coisa. Ah, e claro: havia brechas para todos os lados.

Esse era com certeza o maior problema.

— Ali está Percy — os olhos ágeis de Ártemis acompanhavam um pontinho preto em especial se deslocar pelo mapa. Havia uma espécie de áurea azul em torno dele, indicando seu título de Herói. — Ele está correndo para a linha de frente, logo no início da descida para a cidade. Quantos semideuses há lá?

— Em torno de quinze — respondeu Apolo. — Cinco são arqueiros, então são dez para luta corporal.

— Haha, o garoto vai virar pó antes de encontrar Cronos — a deusa da vingança abandonou o prato com um bufar entediado e passou a acompanhar a batalha pela janela, com braços cruzados. — Que desperdício.

— Se acha que pode fazer algo mais importante, vá lá fora auxiliar os outros deuses — Héstia interveio, lançando um olhar pesado para Nemesis. Ela estava silenciosa em seu lugar desde o início da reunião. Suas sobrancelhas eram caídas e os cantos da boca inclinavam-se para baixo.

— Infelizmente Nemesis tem razão — Ártemis balança a cabeça. — É perigoso demais colocar Percy nessa posição sem maiores reforços — ela olha para Apolo. — E se unirmos as caçadoras com seus filhos arqueiros? Dos muros do castelo eles poderiam fazer uma cobertura e...

— Mas você acabou de enviá-las para o Bosque — relembrou Héstia, o que Apolo achou muito bom, já que estava completamente sem ideias. — O Bosque está tão enegrecido quanto a cidade. De nada adianta Éolo soprar essas nuvens se não houver quem destrua as feras quando aparecerem.

— Eu sei, eu sei! Mas só dezesseis pessoas não são capazes de assegurar as oito brechas da linha de frente — a Lua uniu as mãos na frente do rosto como em uma prece a quem estivesse disposto a ouvir. — E as crianças de Hefesto? Elas são fortes.

— Estão armando armadilhas — Apolo aponta para o prato. — As armadilhas são eficientes, mas isso significa que devem ser rearmadas constantemente.

— A saída está aberta — Nemesis avisa da janela, olhando fixo para fora. — Onde estão as princesinhas de Afrodite e as agricultoras de Deméter?

— Foram para a entrada do posto avançado de nosso campo. Estava sendo atacado por cães infernais.

— Você precisa mandá-las de volta. Ou então precisaremos lutar nós mesmos.

— Certo. Não. Enviarei Clarisse e seus irmãos para lá.

Melhor não — a voz de Iris surgiu de dentro do prato e assustou Apolo, já que nem na sala ela estava. O deus admitiu que seus nervos não estavam respondendo bem aos eventos daquela noite. — Se tirá-los de onde estão, a rota de abastecimento fica desprotegida. E lá é um caminho fácil para o castelo.

— E o trecho do rio? Há vários filhos de Hermes lá, talvez possa retirar alguns — enquanto a irmã fala, Apolo consegue ver os músculos de suas mãos saltarem, como se estivessem se agarrando às últimas esperanças. — São crianças bastante ágeis para andar pela rota.

E também ágeis para lidar com a correnteza — o tom de voz de Iris é seco e firme. — Desculpe Ártemis, mas só temos um filho de Poseidon. Fora ele, ninguém mais consegue lidar tão bem com a água quanto os filhos de Hermes.

— Mas o rio está seguro!

Por quanto tempo? É o nosso único caminho garantido de entrada e saída do campo de Batalha. Se o perdermos, ficaremos cercados. Deixe-os lá. É o meu melhor conselho.

Assim que Iris se calou, uma pequena explosão brilhou no mapa, perto de onde Percy e os companheiros da linha de frente se encontravam.

— Nona brecha — contabilizou Héstia. — Uma armadilha falhou. Três baixas.

O grupo de pontinhos pretos se espalhou ainda mais para garantir as fronteiras, mas isso significava um semideus para resguardar até oitenta metros quadrados de terra. O esforço era inútil, mas, dentro de uma sala vazia de fé como era a que Apolo estava, ninguém ousou fazer-lhes qualquer crítica.

Nemesis afastou-se lentamente da janela para se juntar a eles novamente. Olhou para o prato com olhos estreitos por alguns segundos antes de fechá-los, como se para apagar a realidade.

— Não queria admitir, mas o resto dos olimpianos estão fazendo falta. Especialmente Atena.

Atena, lembrou-se Apolo. Ela estava com Hermes no momento em que Cronos ascendeu para a Batalha. Um arrepio lhe percorreu da cabeça aos pés.

— Concordo — Ártemis falou em um sussurro. Ela já não olhava mais para o prato desde a explosão. Olhava apenas para baixo. — Mas esse é o nosso grupo, e é com ele que devemos lutar. Precisamos adaptar a guerra a quem somos.

Ao erguer a cabeça outra vez, a deusa segurou o prato com as mãos e o girou, trazendo a região do castelo para perto de onde ela estava e apontando a cidade para Apolo. As sobrancelhas não estavam franzidas com seriedade ou os lábios cerrados em decisão. Sua expressão era mais a de um filho de Hécate testando um novo feitiço.

Se não desse certo, ela sabia que seria a primeira a explodir.

— Precisamos reduzir nosso campo.

— O quê? — Nemesis a encarou. — Isso é para a morte das crianças ser mais rápida? Que generoso de sua parte!

— Sei que é arriscado, mas de nada adianta mantermos todo esse espaço se não somos capazes de defendê-lo por completo!

— Ambas têm bons pontos — Héstia considerou e olhou para Ártemis. — Minha cara, não sei o que maquinou em sua cabeça, mas você não terá mais que uma chance. Se der errado, a morte de todos será inevitável.

— Seremos queimados dentro do castelo — Nemesis ajudou.

Ártemis olhou para Apolo, acima dela. Ele tinha tantas dúvidas quanto as outras deusas, mas alguém precisava ficar ao lado de Ártemis. Ela suava e era ofegante como quem correu milhas sem nenhum descanso – o que ela provavelmente faria, se fosse de alguma utilidade agora.

O deus tomou um fôlego corajoso.

— Você quer usar as muralhas do castelo, certo?

A irmã deu o vislumbre de um sorriso.

— Exatamente. O bosque é grande e traiçoeiro demais e a rota termina no castelo, de qualquer maneira. Unindo todos os arqueiros nas muralhas, acredito sermos capazes de proteger a convergência das duas entradas.

Ela rodou o prato. Posicionando-se ao lado de Ártemis, Apolo agora via o rio que atravessava a floresta e todo o caminho para o Acampamento.

— Podemos tirar a atenção dada ao rio. Se não houver quem matar lá, monstros não perderão tempo cruzando as águas. Haverá maior fluxo no castelo, sim, mas pelo menos estaremos em maior número. E a ideia não é nos defendermos para sempre. Teremos que atacar em algum momento. Ao fazer isso, recuperaremos o rio.

Sua mão apontou para onde a explosão havia acontecido.

— Próxima ao castelo. Viu? É um terreno de interesse de ambas as partes. Uma linha de frente concentrada aqui descarta a probabilidade de explosões em outros lugares — o dedo indicador apontou para a entrada do campo de barracas deles. — Afrodite e Deméter tornam-se a segunda linha. E onde mais faltar pessoas, armadilhas de Hefesto serão úteis.

Apolo notou pelo canto do olho que Nemesis e Héstia se entreolhavam silenciosas. Ao serem observadas, endireitaram-se em seus lugares.

— Estamos mesmo diminuindo nossos números — Héstia disse a Ártemis. — E não creio que existam medidas seguras dentro de uma guerra. Qualquer decisão terá grandes consequências para todos.

— A única coisa que precisamos garantir é que conheçamos todas as entradas do castelo — Nemesis avisou. — Se ele será o foco, os inimigos também o estudarão.

— Basta o tempo necessário para todos estarem dentro das muralhas — Ártemis afirmou. — Estaremos de olho. E assim que a defesa se estabelecer, precisamos responder com um ataque. Só assim não seremos totalmente cercados.

Apolo sorriu para Ártemis, que já parecia um pouco mais segura. Era cedo demais para perder a cabeça. A Batalha estava só começando.

No mesmo instante, o prato voltou a falar.

Já posso espalhar as ordens? — Iris foi urgente.

— Positivo. O primeiro objetivo é sobreviver e não deixar brechas.

Antes que a deusa encerrasse sua advertência, o prato tremeu e a imagem piscou diversas vezes. Instintivamente, Apolo segurou a mão de Ártemis.

— O que diabos aconteceu, Iris? — ela se aproximou rapidamente do prato como se pudesse fazer algo por ele. No entanto o prato apenas se agitava diante dela, incontrolável.

Desculpe, Ártemis — a voz de Iris falhava conforme a imagem tentava se reestabelecer. Soava assustada. — Mas uma brecha já foi aberta.

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— RECUAR! — alguém gritou atrás de Percy. — RECUAR!

— O que houve? — um dos meninos à sua direita gritou em resposta enquanto Percy buscava com os olhos quem deu a ordem. Havia correria e fumaça para todos os lados.

O portador da mensagem correu na direção dele e agarrou seu ombro com força, respirando pesadamente e se apoiando no próprio joelho.

— Furaram... uma fronteira... e estão... dentro... de nossa base — o garoto moreno e de pele bronzeada apontava para o local do ataque, mesmo que Percy não fosse capaz de ver coisa alguma. — Estão... perto da... barraca... de armamentos.

Percy tentava apoiar o menino conforme ele contava a história. Ninguém mais se aproximava deles para que não perdessem a visão dos ataques fronteiros e Percy gostaria de poder fazer o mesmo, mas o mensageiro não largava seu ombro e isso o preocupava.

— Mas não é possível que alguém tenha se ferido, certo? — perguntou, tentando não se deixar dominar pelos pensamentos mais pessimistas do fundo de sua mente. Sua voz saía metalizada pelo capacete. — Todos já estão em campo, ninguém mais precisava se armar. Certo? Certo?

Quando o garoto – que, pelas feições, era muito provavelmente um filho de Hefesto – finalmente recuperou o fôlego e hesitou para falar, alternando olhares entre o rosto de Percy e Anaklusmos em sua mão direita.

Percy o chacoalhou com força o bastante para derrubá-lo, se não fosse tão musculoso.

— Ninguém está ferido, CERTO?

— Ficamos sabendo do ataque por um grito — contou, mais preocupado com Percy do que temendo pela própria vida. — Quem estava mais perto... relatou ser de uma menina.

Percy o empurrou com força para poder correr na direção do ataque, mas o garoto não o soltou.

— A ordem é recuar, príncipe! — ele prendia Percy pela armadura com dificuldade já que, apesar de ser forte, Percy era o único armado. — É uma matilha de dezoito cães. Você não vai conseguir! Alguém pode me ajudar a segurá-lo?

A luta corporal foi inevitável. Percy o derrubou ao chão, tentando causar-lhe alguma ferida não mortal com Anaklusmos, mas o rapaz o fazia girar pela grama como uma pedra sem limo. Ele o tinha pelos braços e Percy o tinha com o pescoço a centímetros da ponta de sua espada. Eles se afastaram da linha de frente, o que significava que ninguém poderia perder tempo apartando a briga.

A paciência do príncipe ia diminuindo a cada segundo, assim como a distância de sua arma para o rosto do filho de Hefesto. Em uma das voltas, as costas do garoto rolaram sobre uma pedra um pouco pontuda demais e ele se contorceu, dando a vantagem necessária para que Percy conseguisse frear a descida e ficar por cima dele, com Anaklusmos em horizontal em sua garganta.

— O que diabos está fazendo? Por que não quer me deixar ir? — berrou contra o rosto do rapaz, que fechava os olhos para se proteger.

— Nunca lhe disse isso para que corresse até lá, estúpido — retrucou e teve seu estômago pressionado pelo joelho do outro. — Ah, desgraçado. Só não te esgano porque realmente precisamos de você.

Percy pressionou a espada e um talho pequeno se abriu.

— Então por que me contou? Você acha que não sei que se trata de Annabeth?

— Justamente por isso! Achei que devia saber que não tem mais uma guardiã. Foi só um ato misericordioso, seu idiota.

Suas palavras tiveram a força de um soco no estômago de Percy, que encheu sua boca com um gosto amargo. Mas ele continuou onde estava, controlando os movimentos pesados do garoto.

— Vocês não fizeram nada por ela? NADA?

— Fazer o quê? Quando chegamos não havia sinal dela. Só uns VINTE CÃES INFERNAIS querendo nos comer vivos. Você até pode ser príncipe, mas aqui nessa Batalha somos todos a mesma coisa. E todos queremos sobreviver — cuspiu no capacete de Percy, mas o filho do mar estava ocupado raciocinando, tentando imaginar a cena.

— Nenhum sinal dela? O que quer dizer?

— Quero dizer que não encontramos nem os ossos, maldito. Só manchas de sangue, se isso tem alguma utilidade. De nada adianta voltar lá. Precisamos RECUAR!

Ele repetia a palavra recuar sem parar, mas Percy não escutava mais. Não porque estava abalado ou em choque. Não porque foi tomado por raiva ou revolta. Outro sentimento o preenchia, na verdade.

Por baixo do capacete, ele sorria.

— Nem sinal dela?

— Não, agora SAIA DE CIMA DE MIM!

Percy se levantava ainda quando o montador de armadilhas o jogou para o lado, passou a mão no pescoço e percebeu o sangue. Murmurou mais algum xingamento antes de repetir:

— Recuar.

— É — disse Percy, levantando-se. — Recuar.

Encarou o menino por mais um breve momento antes de disparar em direção ao ataque. Pôde ouvir quando o outro gritou mais uma vez “maldição!”, já que levá-lo vivo ao castelo era provavelmente a missão que o impediu de matá-lo ali mesmo.

Entretanto, Percy sabia que Annabeth não havia morrido ainda. Já bastante longe dele, virou-se de costas e o viu na distância – uma coluna alta e escura paralisada pelo cansaço.

— A capa! — acenou com os braços para ele.

— O quê? — a pergunta quase não o alcançou, mas ele viu a silhueta se inclinar em confusão.

Percy sorria.

— Ela está usando a capa! — respondeu, virou outra vez para frente e continuou a correr.

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Conforme se aproximava do local, via que era o único correndo naquela direção. Todos os outros faziam o caminho contrário, empurrando-o ou fazendo-o tropeçar. O que ficava para trás eram apenas barracas em chamas, flechas fincadas no solo e poeira de monstros derrotados. Havia sangue também, mas Percy preferia não saber de onde eles vertiam.

Finalmente, ele escutou os rosnados.

A metros de onde ele estava, uma barraca em particular era rasgada ao meio pelos dezoito cães que lhe foram informados. Eles erguiam a cabeça e aspiravam o ar buscando pelo cheiro de Annabeth, mas eram incapazes de encontrá-la – assim como Percy. Ele continuou escondido atrás de um tronco caído, sozinho e impossibilitado de atacar dessa forma. Se ao menos ele a visse, poderia ajudá-la a encontrar uma saída.

No entanto, tudo era parado como águas profundas. Talvez essa fosse a estratégia dela: ficar em silêncio até que eles desistissem de encontrá-la.

Ou... talvez ela estivesse mesmo...

Percy foi trazido à realidade pelo zunido de uma flecha que cravou a terra a poucos centímetros dele. Todos os cães olharam para o lugar de onde a flecha havia vindo e, assim como Percy, viram Annabeth sobre o galho de uma árvore, com uma capa marrom amarrada no pescoço e com o capuz jogado para trás, carregando um arco nas costas e uma adaga na mão direita. Ela olhava para onde a flecha tinha caído quando avistou Percy.

Então ela gritou:

— Percy, corra! É uma armadilha!

Bastante discreta, obviamente.

Percy balançava a cabeça como um pai indignado com a falta de cuidado da filha quando enfim compreendeu o que ela queria dizer. Foi o espaço de tempo mínimo necessário para que ele se jogasse para a direita antes que a bomba de fumaça ardente explodisse, fazendo os cães choramingarem e se afastarem desnorteados.

Percy rolou para detrás de uma barraca médica e imediatamente sentiu os olhos arderem como pimentas — o que parecia ser mesmo o ingrediente daquela aberração vinda do chalé de Hefesto. Ele gemia e apertava as mãos imundas contra o próprio rosto, numa tentativa vã de melhorar e poder ajudar Annabeth.

Não podendo ver coisa alguma, somente ouviu quando ela se aproximou a passos leves sobre a grama e puxou seu rosto contra a luz. Esfregou um pano úmido em suas pálpebras, fazendo a sensação de ardência desaparecer imediatamente.

Ao abrir os olhos, a primeira coisa que viu foi o rosto pálido e os olhos atentos de Annabeth. Ela sorria para ele.

— Olá.

— Oi.

— Que bom que apareceu. Mas já imaginava que viria.

— Como puderam te abandonar aqui?

— Eles não sabiam que eu estava viva. Então partiram.

— Viria até se houvessem apenas ossos.

— Você tem algo de Nemesis, não é?

— Quem?

— Esqueça. E levante-se. Precisamos correr.

Ela o ajudou a ficar em pé e eles olharam para trás. A bomba ainda fazia efeito, o que era ótimo para os planos de Annabeth.

— Estão quase se recuperando — ela disse em tom urgente. — Vamos!

Eles pularam armações de barracas quebradas, armas abandonadas, peças de armaduras retorcidas e pequenas chamas lá e cá. Ainda não eram perseguidos, mas precisavam muito ganhar tempo e alcançar os outros semideuses para poderem destruir todos os cães.

Percy olhava de relance para Annabeth durante a fuga. Parecia bastante saudável para alguém que caíra de um Pégaso algumas horas antes.

— Você estava na enfermaria, certo?

Ela o encarou rapidamente.

— Você quer conversar agora?

— Temos alguma vantagem. Quero saber como você está.

— Contra pernas de cães infernais não temos nenhuma vantagem nunca — retrucou enquanto saltava sobre flechas fincadas no solo. O vento revirava seu cabelo e era incrível que ela pudesse enxergar alguma coisa.

— Ok, mas você está melhor, não é? — Percy insistia com paciência, embora não precisasse tanto assim da resposta enquanto via Annabeth revirar os olhos.

— Sim, sim. Ótimo tratamento do chalé de Apolo.

— Você ficou lá até agora?

WOOOF!

Não era necessário olhar para trás para saber que a matilha havia se refeito dos efeitos do gás e agora os perseguia em alta velocidade. Percy não queria admitir, mas Annabeth tinha razão: com poucas passadas os cães já os havia alcançado com facilidade. Ele podia quase sentir o hálito de carne putrefada que saía das bocas abertas e presas expostas.

— O que era aquilo? — perguntou a Annabeth, esbaforido.

— Bomba de gás de pimenta em conserva e... outras coisas — ela retorceu o nariz em uma careta engraçada. — Testavam muito essas bombas no Acampamento, em briguinhas bobas entre os chalés de Hermes e Hefesto. Estavam armando aquela quando o ataque ocorreu. Só faltou o disparo.

— Onde você estava?

Ela correu alguns metros em silêncio antes de responder.

— Perto.

Percy mordeu o lábio, sentindo o corpo queimar em exaustão e as pernas correrem em um ritmo já automático.

— Olha, Annie...

— Percy, luzes! — Annabeth apontou para cima e viu as lanternas dos semideuses que já haviam chegado ao castelo. — Grite por socorro, agora!

Sobre as muralhas havia um festival delas, piscando e se movimentando rapidamente como um espetáculo de estrelas cadentes. Era realmente noite agora e não apenas um eclipse mais longo que o normal. Não havia lua ou estrelas – apenas as lanternas dos sobreviventes, e Percy queria acreditar que esse era um bom sinal.

Ambos gritaram em uníssono diversas vezes. Sabiam que eram ouvidos, mas a resposta demorava a chegar. Em uma guerra de seres sobrenaturais, tudo pode ser uma armadilha. A desconfiança não era abandonada nem agora.

Mas ainda bem que Quíron os reconheceu.

— Percy! — chamou, surgindo na muralha, muito mais alto que os outros. — Annabeth! Aguentem firme, estamos chegando em vocês!

Percy poderia até correr mais alguns metros e acreditava que Annabeth também. O problema é que esses metros não existiam. O portão estava cada vez mais perto e ele não queria ser o culpado por vazar a única segurança que eles tinham agora.

Flechas não poderiam ser lançadas. Nem pedras nas catapultas. E o grupo armado não chegaria a tempo. Percy conhecia o castelo o suficiente para saber disso.

Ele olhou para sua guardiã.

— Annabeth, precisamos virar e atacar.

— Pare de falar besteiras, estamos quase chegando no castelo!

— Esse é justamente o problema! Não podemos deixar que entrem!

Ela ponderava o que ele havia dito depressa enquanto corriam. Seus olhos não acompanhavam mais a trilha, mas giravam ao redor, como se procurasse algo dentro de seu próprio cérebro. Então ela balançou a cabeça em negativo.

— Annabeth...

— Percy, eu sei, mas somos em dois! O que espera que façamos?

O garoto pousou uma das mãos sobre o cabo de Anaklusmos, fazendo-a arregalar os olhos.

— Se compreendo bem meu inimigo e toda a história das Batalhas — começou, de queixo firme e olhos estreitados — a última coisa que ele quer é nossa morte. Ele precisa de nós... vivos.

— Isso é muito arriscado — ela comentou entre saltos.

— Eu sei.

No outro segundo, Percy puxou a espada e, junto com Annabeth, girou para trás e rasgou o primeiro cão que viu. Ela fez o mesmo com a adaga e se abaixou. A correria parou instantaneamente, assim como os gritos das muralhas.

Tudo se calou para assistir os outros dezesseis cães infernais cercarem Percy e Annabeth com rosnados e curtas investidas. Embora próximos, nenhum ousava atacá-los fatalmente.

— Ótimo — Annabeth havia se colado às costas de Percy para que conseguissem acompanhar todos os movimentos de todos os cães. — Isso vai durar a noite inteira.

— Pelo menos não estamos mortos.

— Ainda. Vão nos segurar aqui até que Cronos venha pessoalmente te buscar.

Sem movimentos bruscos! — Quíron avisou da muralha. Ele estava sozinho, aparentemente tendo enviado os outros para resguardar o resto do castelo. — Eles podem não atacá-lo, Percy, mas não pouparão Annabeth se ela se afastar de você.

Percy engoliu uma maldição. Sua boca era seca.

— Estou bem, Percy — ela assegurou e havia mesmo confiança na voz dela.

Na posição em que estão, não podemos usar arqueiros. Os cães ouvirão as flechas sendo posicionadas — Quíron suspirou em cansaço. — Desculpe, Percy. Não há muito o que podemos fazer sem causar mais danos do que auxílio.

— Obrigado por tentar, Quíron. Continue defendendo as muralhas — Percy gritou, e então voltou a falar baixo com Annabeth. — Se tiver alguma ideia brilhante, a hora é essa.

 

— Nós estamos ferrados.

— Bastante acolhedor.

O castelo estava a metros deles, mas o círculo da morte em que se encontravam não os deixariam ir tão rápido assim. O tempo escorria depressa e ele sabia que Annabeth estava em um risco bem maior que ele.

Percy começou a tentar se lembrar do rio para trazê-lo até ali como tinha feito com os deuses, mas algo chamou sua atenção antes que pudesse se concentrar. Pequenas ervas daninhas brotavam silenciosamente do chão, como se escondidas, e enrolavam-se de leve nas pernas dos cães, que não notavam coisa alguma.

Isso devia ser coisa de sua cabeça.

— Annabeth, você está vendo o mesmo que eu?

— Ervas daninhas?

— Exatamente.

Ela soltou ar pelo nariz, o que indicava que ria em um momento bem inoportuno.

— Eu não sei se isso é muito bom ou muito ruim, mas pior do que estamos...

As ervas daninhas apertaram-se com força e puxaram os cães para baixo. Eles choraram e se contorceram, mas as ervas daninhas não se rompiam – pelo contrário, afundavam-se no solo e os puxavam com elas. Nem Percy nem Annabeth conseguiam reagir.

Matem-nos! — Quíron ordenou. — Deméter não pode fazer mais que isso por vocês!

Ambos fizeram conforme o ordenado, brandindo suas armas contra os cães impotentes. Em segundos, cada um foi virando uma nuvem de poeira e deixando apenas o eco dos latidos amedrontados para trás.

Ao terminarem, encararam um ao outro com corpos estremecidos e armas ainda precariamente erguidas.

— Não era Deméter que queria escravizá-lo agora de tarde? — Annabeth tinha um corte sangrando na testa, pingando sobre a sobrancelha erguida. As palavras eram entrecortadas pela respiração pesada.

— Ela e mais metade dos deuses, sim — Percy não evitou sorrir. — Dizem que os maus tempos mudam as pessoas.

Uma coruja cortou o céu, bem próxima a eles. Piava alto, fazendo tanto ele quanto Annabeth acompanharem com cabeças erguidas o seu voo angustiado pelo céu noturno. A ave então se inclinou para baixo e desceu em alta velocidade, como numa queda suicida. Antes, porém, que tocasse o chão, uma luz cinza a envolveu, brilhante o bastante para fazer Percy fechar os olhos por uns segundos.

Quando a luz se apagou, tudo o que ele viu foi uma mulher alta de cabelos escuros e vestes longas e fluidas. Ah, e seus olhos... eram como os de Annabeth. Cinzas e sábios, porém duros.

Ela correu na direção deles e, com uma mão nas costas de Percy e outra nas de Annabeth, os empurrou para frente por todo o caminho até o portão do castelo, sem dar espaço para perguntas ou qualquer outra reação.

— Entrem agora no castelo e não saiam de lá até que decidamos o que fazer — sua voz era gentil, mas havia desespero nela também. Os portões já estavam abertos quando se aproximaram e se fecharam logo que os cruzaram.

Todo o castelo estava muito diferente do que Percy era acostumado. Parecia assombrado, todo escurecido e cheio de ruídos horríveis como gritos de guerra e som de aço contra aço. Havia barricadas e armas espalhadas pelo chão, e o portão principal de entrada no castelo, logo após a ponte sobre os jardins de sua mãe, estava totalmente aberto. Dentro do gelado salão, no entanto, não havia uma só alma.

Foi lá dentro que a mulher os deixou com um empurrão final.

— Sei que há muitas coisas passando em suas cabeças agora —começou, inclinando-se na direção deles, como se contasse um segredo. — Muitas dúvidas e muita vontade de sanar todas elas, mas antes precisamos de planos.

Percy olhou para Annabeth pelo canto do olho, e viu que havia tanto terror como fascinação em seu rosto causados pela figura diante de seus olhos. A Batalha, porém, não deixaria que nenhum deles expressasse por completo todos os sentimentos que gostariam.

Ele voltou a olhar para a deusa. Ela continuou:

— Apolo e Ártemis já estão aqui dentro, vocês devem encontrá-los. Mas não saiam do castelo enquanto eu não retornar. Algumas coisas precisam ser explicadas antes que prossigamos. Coisas sérias — ao se certificar que os dois a haviam entendido bem, seu rosto se anuviou, ela endireitou o corpo e, com um aceno breve de cabeça, virou para trás e começou a andar na direção da saída.

Antes que ela realmente deixasse o salão, Percy se atreveu.

— Senhora Atena — tentou, levantando estupidamente uma das mãos. Ao ver que a deusa parou para olhá-lo com serenidade, suspirou secretamente aliviado. — A senhora Deméter está mesmo do nosso lado agora?

Com o corpo meio voltado para trás e meio para frente, Atena ergueu o queixo para olhá-lo de cima.

— É isso que descobrirei — resumiu, e então partiu como uma coruja noite adentro.

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A cena do lado de fora do castelo se assemelhava bastante com os quadros que Atena viu a mortal Rachel pintar muitas vezes durante seu tempo no Conselho Real.

Fogo trazido por Ares o circundava, criando uma arena de batalha pessoal na qual ninguém entrava ou saía. Muralhas de espinhos venenosos brotavam do chão até as alturas, e lá em cima estavam também as estruturas de catapultas gigantes demais para terem sido construídas por minúsculos semideuses. Luzes predominantemente rosas piscavam contra o céu negro enlouquecidas, confundindo fúrias e fazendo-as se chocarem umas contra as outras.

Atena olhava ao seu redor sem saber por onde começar. Para sua mente estratégica, nada aquilo era inteligente. Apenas um caos absoluto, de guerreiros esfarrapados tentando as últimas ideias de sobrevivência que conheciam. Os outros deuses estavam lá, sim, mas, se ainda estivessem tão desajuizados quanto os vira antes, não lhe dariam ouvidos quando tentasse reordenar seus ataques.

Salvar Perseus faz parte do objetivo, mas mantê-lo trancado dentro do castelo como uma pedra preciosa não é a finalidade da Batalha. A deusa sabedoria balançou a cabeça e molhou os lábios. Havia trabalho a ser feito. E se Hermes havia sido sincero a ela, essa batalha não seria tão simples quanto as outras.

— Não se preocupe com eles — alguém a surpreendeu pelas costas. — Voltaram ao normal.

Ao virar-se, viu Poseidon em um gibão verde, com seu tridente diminuído e enfiado como uma espada na bainha de sua cinta. Suas linhas de expressão eram evidentes e os olhos se escondiam sob sobrancelhas unidas, que tentavam proteger sua visão de toda a poeira que havia no resto do rosto.

Atena soltou o ar que prendia.

— Como Apolo?

— Creio que juntamente dele.

A lembrança das vozes de seus filhos ecoou em seus ouvidos outra vez. Ela sorriu largamente.

— Isso é... brilhante, Poseidon. Brilhante. Muito obrigada.

No entanto o sorriso não foi correspondido. O ar gelado da noite parecia ter congelado as feições desanimadas de Poseidon, que manteve o olhar fixo nela.

— Isso não é tão bom quanto parece.

Atena voltou a franzir o cenho, espelhando o deus do mar.

— O que há mais de errado?

— Zeus. Nem céu nem inferno ajudarão agora.

— Não é possível!

— Faz sentido, Atena. Não há quem feche os olhos por ele. Sua mágoa já se tornou raiva há muito mais tempo do que podemos consertar em questão de minutos.

Ela afastou o olhar para os arredores calamitosos, agoniada pela falta de soluções. Tudo o que Poseidon queria dizer estava implícito ali. Não haveria mais ajuda. A Batalha nunca esteve tão equilibrada quanto dessa vez. E por quanto tempo duraria isso? Hades já os havia abandonado. Agora Zeus. Esses eram péssimos sinais. E ainda...

— Onde está Hermes? — a voz de Poseidon soou mais caridosa que antes. À sua esquerda, Atena pôde ver uma fúria despencando do céu a alguns metros de distância deles. A torre vigia comemorou.

Segundos depois, ela lhe retornou o olhar.

— Ele precisa de um tempo sozinho — mordeu o lábio inferior. — Não disse exatamente quanto.

A mão de Poseidon viajou ao seu tridente.

— Então isso é tudo o que temos — o puxou da bainha e ele se transfigurou para seu tamanho normal. O deus olhou para sua arma e depois para o chão de grama queimada. — Vamos terminar isso de uma vez. Estou exausto.

Atena focou em um ponto distante dele, refletindo em suas últimas palavras. Esperanças esgotadas. Interessante.

— Foi como ele me disse — murmurou, mas Poseidon a ouviu.

— Quem?

— Hermes, antes de partir. Disse-me que essa Batalha não seria como nenhuma outra até hoje — ela olhou de relance para Poseidon e viu que sua expressão mudara — e tampouco haverá outra assim.

Poseidon segurava o tridente com uma força desnecessária e bufou uma nuvem branca de ar para fora de sua boca. Atena o encarou.

— Algo errado?

— Como disse, estou cansado — respondeu e seu tom era condizente. Soava como uma desculpa verdadeira, afinal. — Pergunto-me os motivos dele lhe dizer isso. De qualquer forma, espero realmente que não haja outra Batalha como essa.

— Também espero — Atena sentiu uma pontada no peito ao observar o deus, mas a ignorou. Depois de tudo o que vira Poseidon fazer por Perseus nos últimos dezesseis anos, era difícil duvidar de sua palavra – ou talvez ela apenas estivesse cheia de ver traidores em todos os lugares.

E se por qualquer razão houvesse algo a ser descoberto, só havia uma maneira de descobri-lo.

— Eles estão todos na mesa de Conselho — ela segurou nas saias para partir. — Um ataque menos espalhafatoso e mais eficiente deve ser planejado. Mas, novamente... obrigada.

Poseidon apenas concordou com a cabeça. Atena se virou e começou a caminhar na direção da entrada do Salão, ouvindo os passos do deus dos oceanos bem atrás de si. Ela engoliu em seco.

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— Esse era o plano — explicou Ártemis. — Não tínhamos muitas opções.

O plano movimentava-se ao redor deles. Semideuses e caçadoras atravessavam a largas passadas os corredores do castelo, acompanhados por lobos, falcões e espadas. Discussões sobre quem atacava e quem descansava eram ouvidas. Zunidos de flechas pela janela eram frequentes, assim como explosões, capturas ou lançamentos de pedras provenientes das armadilhas dos filhos de Hefesto. As chamas de Ares ainda crepitavam longe deles e, embora não fosse real, Percy podia ouvir o som de um enorme relógio de ponteiros sobre sua cabeça e a de Annabeth.

O castelo havia se transformado em um centro de comando de guerra.

Dentro da intacta sala do Conselho Real estavam Annabeth, Atena, Apolo, Ártemis, Dionísio e... ele. Seu pai. Poseidon, na cadeira exatamente oposta à sua. Percy evitava o contato visual, mas de vez em quando a curiosidade era maior. Então encarava por breves segundos aquele homem alto, forte e de cabelos e olhos muito parecidos com os seus. Assustou-se ao vê-lo pela primeira vez, lá na Sacada Real, pouco antes de molhar todos os deuses com água salgada, mas agora apenas o estudava. Percy sabia quem ele era naquele momento. Mas o mais estranho é que aquele homem sabia quem ele era desde o dia em que nasceu.

Não houve cumprimentos, apenas um aceno de cabeça por parte do deus. Mesmo agora não conversavam. Quando iriam? Bem, ele precisava sobreviver à Batalha primeiro para poder responder a essa pergunta mais tarde.

Ao ser flagrado pelo pai, Percy despertou instantaneamente e voltou-se para a conversa outra vez.

— É compreensível — Atena ponderou, ocupando a antiga cadeira de Edward Marxton. Annabeth lhe dissera algo sobre isso ainda no Acampamento. — Mesmo assim, um pouco tardio. A antiga base foi atacada através de uma brecha. De onde surgiu?

Todos os presentes olharam para uma imagem tremeluzente que saía da mesa principal. Tinha o formato de uma circunferência cortada ao meio, cuja parte de baixo foi retirada e deixaram apenas a de cima apoiada sobre a mesa. Ele era capaz de ver desde a grama até as nuvens negras do céu.

Apolo apontou para um amontoado de árvores bem afastado da descida principal para a cidade, à sua direita. Percy o reconheceu como o lugar em que encontrou Annabeth no meio dos cães.

— Aqui. Revirando alguns mapas da sala, descobri ser uma rota de abastecimento desativada. Estivemos protegendo apenas a atual e sequer sabíamos da existência dessa.

Na imagem, as árvores do local se dobraram para o lado, abrindo caminho para revelar que, realmente, existia uma estrada de pedra ali. Agora era coberta por mato e praticamente invisível.

Atena demorou um pouco para falar.

— Bem, isso não importa mais. O relevante é que vocês conseguiram manter muitos semideuses vivos e refugá-los no castelo não é uma má ideia. As paredes de pedra dessa construção foram feitas para isso.

— Maaas — disse Dioníso — não ficaremos aqui dentro para sempre. É isso o que quer dizer?

— Exatamente — respondeu-lhe Atena, desfazendo a imagem do campo de batalha com as mãos e abrindo um mapa da cidade em sua frente. Era mesmo o mais útil, já que a cidade na imagem estava toda afundada em escuridão. — Infelizmente os olimpianos demoraram demais para adentrar a Batalha e isso nos atrasou. Faz parte do plano clássico evitar que Cronos consiga dominar muito espaço.

— Temos que fazê-lo recuar — Poseidon interveio, e Percy lembrou-se brevemente do semideus perturbado que viera lhe trazer as notícias sobre Annabeth. — Precisamos manter suas forças sob controle até que o Herói possa lutar diretamente com ele — o deus completou a frase sem olhar para o filho.

— E agora todos os mortais estão correndo grandes riscos — a Sabedoria prosseguiu. — Mortais são geralmente usados como chantagem contra nós. É parte de nosso trabalho protegê-los dessa guerra da qual não têm culpa.

— Então vamos atacar a cidade — Ártemis disse e foi apoiada pelos outros, exceto Atena.

Ela corria o dedo pelo mapa que observava.

— Ainda não — o dedo parou sobre um ponto específico e bateu duas vezes de leve nele. — Primeiro, caso algo dê errado, eles precisam de uma rota de fuga. E creio que seja o Bosque.

— O Bosque foi muito atacado antes — Apolo tinha uma expressão chocada. — É uma área complicada de resguardar!

— Se não houverem semideuses lá, não haverá monstros. Fixarei Hefesto para cuidar do Bosque — então ela se virou para Percy e Annabeth. — Vocês sabem qual a nossa função aqui, não é?

Percy não fazia ideia, mas Annabeth se endireitou na cadeira.

— Vocês não podem matar — explicou. — Somente garantem o campo de guerra necessário para batalharmos. Um passo a mais que esse e uma maldição pode recair sobre qualquer um de nós.

Por algum motivo estranho, a sala aquietou-se por alguns momentos após ela terminar de falar. Annabeth olhou preocupada para Percy, o que fez Atena se corrigir.

— Certo — disse, mandando olhares significativos aos outros deuses. — Podemos tanto favorecer a Batalha protegendo bons locais de guerra quanto deixá-los em más posições. Mas nosso objetivo aqui é e sempre será o primeiro — assegurou com um sorriso rápido.

Percy apertava o cabo de Anaklusmos enquanto tentava não demonstrar que seu queixo tremia e que suor brotava em sua testa ao mesmo tempo, nem que cada corte em cada centímetro de sua pele ardia incessantemente durante cada longo segundo que se arrastava naquela sala. Mas a cada momento em que bisbilhotava Annabeth pelo canto do olho, via que ela também não conseguia disfarçar o terror, apesar de manter uma cabeça erguida e um pescoço duro.

Ao se lembrar que o sofrimento dela era provavelmente muito pior que o seu, Percy largou Anaklusmos.

— Então a ordem é retornar pelo Bosque caso algo grave aconteça — oficializou Ártemis para os dois semideuses. — Estaremos aqui por vocês.

— A segunda pergunta — Atena devolveu o mapa para a mesa e encarou a todos. — Até onde pressionar Cronos?

— Se pudéssemos empurrá-lo para fora da cidade...

— As fronteiras estão longe demais. Ele já está dentro do perímetro da cidade e lá ficará — Atena parecia irritada. — E se trata de uma grande cidade. Precisamos pará-lo em um único ponto.

Percy lembrou-se de algo. Abriu a boca antes de qualquer outro.

— A praça — sugeriu. — É larga e, devido às várias fontes de água construídas em volta, não há casas muito próximas.

— Você consegue guiar sua tropa até lá, Perseus? — Atena inclinou-se sobre a mesa em sua direção. — Consegue fazer as forças de Cronos recuarem até lá?

Olhando fixo nos olhos da deusa que, apesar de cinzentos, nem de longe eram tão gentis quanto os de Annabeth, Percy sentiu-se profundamente provocado. Não eram apenas perguntas de segurança. Eram desafios. Intencionalmente ou não, Percy sabia que Atena falava com ele dessa forma por um simples motivo: ele era o herói. E estava cansado de se sentir acuado, protegido, escondido. Finalmente alguém o estava tratando com a responsabilidade que lhe era devida.

Enchendo o peito de ar novo, Percy estreitou os olhos de volta para a deusa.

— Naturalmente, senhora Atena — concordou, e sua voz saiu tão firme quanto o necessário. — Chegaremos até lá antes de o sol raiar outra vez.

Atena limitou-se a movimentar o queixo em aprovação antes de se recostar outra vez na cadeira. Percy sentiu os olhares dos outros sobre si, mas não se intimidou por nenhum. Dali em diante, ele seria aquilo que as profecias lhe haviam destinado a ser.

— Muito bem — continuou Apolo. — Temos ao total oitenta e três semideuses e vinte e sete caçadoras, não contabilizando vocês. Quantos irão à cidade?

— Deveriam vir todos — Annabeth respondeu. — Já é um número pequeno demais para dividir.

— Se todos forem, não haverá quem lute aqui e proteja o castelo. Não podemos mantê-lo para vocês. Alguns deuses serão enviados junto.

— Mas não há como lutar em menor número!

Todos olharam para Atena, que ergueu as duas mãos vazias.

— Ambos estão certos — declarou. — Temos um erro no raciocínio.

— O que fazemos? — Ártemis pediu.

— Trocamos de plano.

— Mas...

— Não há o que fazer. Estamos sem tempo.

— Espere — Dionísio, até então entediado, tinha as duas sobrancelhas erguidas e um sorriso largo no rosto. — Há o que fazer. Tenho uma ideia.

Atena não parecia tão feliz.

— Dionísio, cada segundo que passa é desvantajoso para nós — seu tom era tão urgente quanto a frase exigia.

O deus ergueu a mão direita para o alto.

— Serei o mais rápido que puder — insistiu e Atena rolou os olhos. — Mas enviem todos os semideuses. Ouviram? Todos — ele estralou os dedos e desapareceu numa nuvem lilás com aroma de uvas.

— O que ele vai tentar? — Poseidon perguntou, verbalizando o pensamento de todo mundo.

Percy prestou atenção na deusa. Atena voltou a olhar o mapa com uma determinação menor que antes, como se tentasse encontrar uma resposta melhor para Poseidon do que a que tinha mesmo que dar.

— Eu sei o que ele vai fazer — disse, finalmente jogando o mapa para o lado de Apolo e apoiando a testa na mão. — Não é a ideia mais segura e eu nem o deixaria partir, se pudesse impedir. Mas o mesmo que disse a ele vale para mim também. Estamos sem tempo.

Ela ergueu a cabeça de novo e colocou as duas mãos na mesa, olhando fixamente para cada um enquanto falava.

— Vamos continuar com esse plano, mas teremos que fazer alterações. Dionísio trará ajuda, mas é uma ajuda instável. Isso significa que todos os deuses deverão permanecer aqui.

Annabeth preparava-se para protestar ao lado de Percy quando Atena aparentemente previu o que ela ia dizer.

— Isso também significa que todos os semideuses deverão ir — disse, fazendo Annabeth recuar um pouco. — Vocês estarão em maior número, mas sem nosso auxílio. Estaremos apenas no castelo — seu olhar pousou em Percy. — A escolha é de vocês.

Os semideuses se encararam, entretanto Annabeth não precisou dizer nada. Percy já a compreendia apenas observando as nuances de suas delicadas feições.

Ele se virou para frente.

— Vocês ficam. Nós vamos em maior número.

A deusa continuou o olhando por alguns segundos como se se certificasse de que Percy não mudaria de ideia. Diante de sua expressão firme, ela acenou outra vez com o queixo e voltou a se dirigir aos outros.

— Assim que a Batalha se concentrar no perímetro da praça citada por Perseus, nós deixamos o castelo e avançamos para continuar protegendo-os. Apolo será o responsável por prestar atenção no sinal emitido pela tropa.

— Positivo — ele respondeu.

— Ótimo. Alguma dúvida?

— Apenas um conselho — pediu Poseidon, que olhou para Annabeth e Percy. Percy endureceu as sobrancelhas, mas Poseidon era tranquilo. — Prestem atenção em tudo o que houver ao redor de vocês. Nem todas as lutas que enfrentarão usarão armas. Vocês devem ser fortes também aqui — apontou com o dedo indicador para a própria cabeça. — E não se esqueçam de sua missão. Ela é tudo o que importa agora para vocês e as gerações que virão.

Sua voz imponente ecoou nas paredes e voltou para eles, solitária. Aquelas palavras pareciam uma bênção que já era repetida há milhares de anos, e Percy sentiu-se parte de uma história ao ouvi-las. Quantos outros já as ouviram antes?

— Hora de partir — interrompeu Ártemis. — Ordens precisam ser repassadas e vocês precisam de armaduras novas.

Cadeiras foram empurradas e todos se levantaram e saíram aos poucos. Poseidon não tentou conversar mais após o conselho, tomando o caminho esquerdo do corredor para acompanhar Apolo. Ártemis seguiu na direção contrária. Os últimos da fila única para atravessar a porta eram Annabeth, Atena e Percy.

Ao aguardar que ambas saíssem antes, Percy ficou sozinho na sala de Conselho. Olhou para a cadeira em que esteve sentado e só então percebeu que era a cadeira que Dern Castellan ocupava. Ao se recordar das diversas reuniões e discussões que ali enfrentou, Percy não pôde evitar desejar ter sido mais forte, mais seguro. Annabeth sentava-se logo de frente para Dern, onde Poseidon estava. Ela esteve ali todas as vezes em que fora convocada e lutou para protegê-lo, arriscando tudo que tinha – o que já não era muito. Quão estúpido ele fora.

Percy prometeu a si mesmo uma única coisa: tudo isso seria pago.

— Seu pai lhe deu um ótimo Conselho, Herói — a voz de Atena soou bem atrás dele. Percy olhou para frente e a encontrou na soleira da porta sozinha. Provavelmente já havia mandado Annabeth na frente para buscar novo equipamento. —Uma mente sã é sua melhor espada. E posso lhe garantir... — ela suspirou e, por um breve momento, parecia distante dali — Cronos pode ser muito traiçoeiro.

A expressão de Atena era indecifrável para Percy. Estaria ela pensando apenas em Annabeth ou em algo muito mais distante daquela conversa? Ou, talvez, tudo ao mesmo tempo? Era difícil e perturbador tentar adivinhar. Havia um misto de tristeza, cansaço, preocupação e raiva estampados em seus olhos, mas sua posição ainda era tão serena que causava desconforto.

Ela percebeu que Percy a analisava. Endireitou o corpo para frente e se despediu.

— Não perca Annabeth de vista — foi a última coisa que disse antes de sair.

Ele a observou desaparecer no longo corredor. Então olhou para trás mais uma vez, apoiando a mão direita no umbral da porta, relembrando as ordens que lhe foram dadas. Sobre a mesa, o mapa aberto por Atena ainda repousava lá na mesma posição. Era amarelado, com antigas marcas de dobras e tinta preta e vermelha marcando locais há muito tempo conhecidos por Percy. Datava de sessenta anos atrás. Sessenta anos de intacta arquitetura, prestes a ser destruída por ele.

Pensando em atacar minha cidade, Perseus?

Percy olhou ao redor, assustado. Mas não havia ninguém mais por perto.

Parece-me um bom momento para começarmos a conversar, então.

— Quem está aí? — Percy gritou para o silêncio. — Quem fala?

 Ah, não, não. Não é dessa forma, herói. Nós dois sabemos quem eu sou.

A respiração de Percy ficou mais lenta e mais profunda, e suas batidas cardíacas vinham até os seus ouvidos. Devagar, ele retirou a mão do umbral e a trouxe para sua bainha.

Ele pôde quase ver a boca que falava abrindo um sorriso.

Nós dois sabemos onde estou.

Venha me encontrar.


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Notas finais do capítulo

Desculpa, gente. Saibam que eu não esqueço vocês. É que eu quero escrever capítulos decentes, mas GdR ficou uma bagunça só por causa da época em que escrevia sem planejar. É muito difícil ter que consertar tudo em três ou quatro capítulos, porém quero e preciso fazer isso para podermos partir para a segunda temporada sem maiores problemas.
Sim, teremos segunda temporada! Temos até trailer (quase). Mas não será postada tão em breve. Quero terminá-la antes de começar a postar, ou pelo menos chegar perto disso para evitar outros hiatos desnecessários. Sobre ela, só posso dizer uma coisa: FEELS!

O capítulo: esse 38 foi um saco pra escrever. Nunca escrevi capítulo de guerra, não tinha ideia de como guerras funcionavam e precisei reler O Último Olimpiano inteirinho pra ter uma ideia do que fazer. Pesquisei, estudei e até mapa desenhei. Tudo o que acontece no cap foi desenhado num mapinha que no capítulo foi homenageado pelo "prato" de Iris (lembram do escudo vídeo em Manhattan?).
Quanto aos personagens: poderia ser melhor. Eu literalmente sorteei Nemesis e Héstia pra contracenar com Apolo e Ártemis, pq não sei quantos deuses menores incluir na guerra sem ficar cansativo e sobrar personagem (porque personagem sobrando é uma droga). Mas ao mesmo tempo eu queria entregar logo um capítulo pra vocês e, como sei que o 39 vai dar um giro de 180° na Batalha, decidi deixar as coisas mais simples.
Ah, sim, o 39. O que dizer do capítulo 39? Ele já está na metade. Notaram que nesse cap em especial o único POV a se repetir foi o do Percy? Isso é uma pista. O que mais? Bem, teremos Rachel trazendo notícias tensas para um dos deuses, o movimento de ataque dos semideuses (e mais participação deles na Batalha!), a volta de simpáticos amiguinhos dos meio-sangues, um personagem inesperado revelando carregar um segredo alarmante envolvendo Percy e Annie, Cronos surgindo em "pessoa", sinais de novos personagens da segunda temporada e uma terrivelmente arriscada decisão do Herói.
Vai ser loooouco.
Porééém vocês precisam antes terminar as doze mil palavras acima, pq provavelmente virão mais doze. Sério. Sei que os caps estão gigantes e que não costumavam ser assim, mas não há motivo em picar tudo em mil capitulozinhos. São vários POVs pra escrever, por isso ficam longos.

Tá, já pedi desculpa, já critiquei o cap atual, já falei do próximo... ah, estou com uma ideia aí. Não é história, é um modo de me comunicar com vocês pra avisar que não morri. Criei uma página no Facebook com o nome de Miss America pra postar novidades por lá, trechos de capítulos novos, notícias e tudo isso. O objetivo não é ganhar vários likes e ser famosinha, é só pra poder manter todos aqui informados do que estou fazendo. Às vezes eu faço isso pelo meu twitter, mas 140 caracteres é pouco demais pra quem escreve carta nas notinhas rs
Eu não postei nada ainda lá, tá tudo parado pq queria postar esse cap antes. Vocês não precisam curtir nem nada se não quiserem pq, como disse, não é a finalidade da página, mas saibam que, caso eu suma de novo (tomara que não aconteça, mas vai que), vocês podem correr lá que eu deixarei algum aviso.
Eu adoro essa história, esse site, esses leitores e nunca os abandonarei por nada.


E esse cap foi especial para a marimorgenstern, que teve a paciência e o carinho de me mandar uma mp durante meu hiato e que também recomendou a fic. Muito obrigada pela atenção, fofa ♥

Por hoje é isso, pessoal. Até o cap 39! :)


p.s.: https://www.facebook.com/nyahmissamerica/



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