Acordei sentindo um calor insuportável. Eu havia dormido com pijamas bem quentes – porque estava frio, ué! –, então quando acordei parecia que estava num forno.

Levantei e, quando vi que todas estavam dormindo – Merlin, que milagre! –, caminhei preguiçosamente até o banheiro e fui me arrumar. Depois de vinte minutos já estava pronta. Passei em frente às camas das meninas e Lily se remexia, provavelmente acordando.

— Ai, Isabelle, que susto! — ela colocou a mão no peito e me encarou estranhamente.

— Que foi?

— É só que você... acordada... estranho! — falou pausadamente. Apenas concordei com a cabeça e saí do quarto rindo.

Desci as escadas cantarolando a música que meu pai costumava cantar com Sirius. Ai, música chata!

— Bells? — escutei alguém me chamar num tom incrédulo. Virei-me e encontrei Remus sentado lendo um livro.

— E aí, Rems? — falei me jogando ao seu lado.

— Por que está acordada tão cedo?

— Também não sei... tá aí, boa pergunta!

Ele sorriu e voltou a ler o livro. Argh, ele e suas atitudes nerds. Fiquei olhando para o seu rosto para ver se ele parava um pouco para me dar atenção, mas ele parecia bem interessado no livro. Revirei os olhos e arranquei-o da sua mão.

— Ei! — ele protestou.

— Ah, me poupe, Aluado — resmunguei — Pare de ser tão nerd!

— Eu não sou nerd! Sou só... responsável — ele exclamou indignado tentando pegar o livro das minhas mãos.

— Ser responsável é diferente de ser nerd. Remus, Remus... é melhor aceitar. Não adianta ficar negando...

— Tudo bem então — ele parou de tentar pegar o livro e se ajeitou na poltrona — Sou nerd. Feliz?

— É... um pouco — eu disse sorrindo inocentemente para ele.

— Agora, como um verdadeiro nerd, eu preciso desse livro. Sabe, eu preciso disso para viver.

— Argh, seu chato — resmunguei jogando o livro em cima dele — Nem sabe brincar.

Ele agarrou o livro e o abriu, procurando imediatamente a página em que tinha parado. Fiquei observando seus olhos cor de âmbar se mexerem da esquerda pra direita, quase comendo o livro.

— Uau, impressionante! — ele exclamava de vez em quando, virando a página com excitação.

Aposto que eu estava com a maior cara de bunda. Claro, eu fui trocada por um livro! Um livro! Meu melhor amigo me trocou por um objeto!

— Diz Alu...

Peter parou no meio do discurso e ficou me encarando assustado. Eu acho que ele estava tendo uma discussão interna – deveria ele falar quando eu estivesse por perto ou não? – já que James não deve ter "dado permissão" ou algo do tipo. O Rabicho é um idiota... Só faz tudo que James manda como um cachorrinho.

— Oi, Rabicho, o que foi? — Remus perguntou gentilmente.

Rabicho ficou olhando de Remus para mim por um tempo que me pareceu quase dez minutos, e eu acho que, se chegasse a passar mais tempo, os neurônios dele iriam explodir. Sorte a dele que James – a consciência dele – chegou bem na hora.

— Bom dia Aluado, Rabicho... — ele falou acenando enquanto descia as escadas do dormitório masculino com Sirius nos seus calcanhares. Ele olhou para mim pensativo, mas depois balançou a cabeça negativamente e se sentou do outro lado de Remus — Lendo de novo? Não cansa?

— É, Aluado — concordou Sirius acenando a cabeça e se sentando no braço da poltrona de James — Vamos nos divertir! Que tal azarar uns sonserinos? Eu sei que você vai gostar!

— Ficar só estudando não faz bem, cara — prosseguiu James na sua tentativa de converter Remus para o lado dele — Vamos aproveitar a vida, nunca se sabe quando vai ser o nosso último dia...

— Principalmente com esse Lord Voldemort ficando mais forte a cada dia — disse Sirius por fim.

— Vocês não vão conseguir — falei convicta.

— Você escutou alguma coisa, Sirius? — perguntou James, maldoso.

— Não... e você, Peter? — perguntou Sirius, entrando na brincadeira.

— Eu? Ah... — ele tremeu um pouco e continuou — Eu não escutei nada também.

Credo, eles têm mesmo dezessete anos?

— Idiotas — murmurei me levantando estressada e empurrando Sirius do braço da poltrona. Ele caiu no chão e soltou um palavrão horroroso — Parece que ninguém te derrubou também, não é, Sirius?

Tá, eu nunca tinha percebido o quão chatos esses dois idiotas eram quando queriam. Agora entendo o ódio profundo de algumas pessoas por nós. Mais precisamente, James, Sirius e eu. E isso só porque nos divertimos. Esse povo é muito sem graça.

Ok, confesso que já azarei algumas pessoas que não fossem da Sonserina. Mas, ah... eles deveriam levar menos a sério esse tipo de coisa, sabe? Se todos soubessem brincar, se divertissem ou pelo menos aceitassem que nem todos têm o mesmo tipo de brincadeira, eu não teria cumprido trezentas e sessenta e seis detenções. Claro que o número das detenções diminuiu muito desde que Remus virou monitor, mas em compensação, James sofreu muito na mão da Lily.

Sem perceber, eu já estava sentada na mesa da Grifinória no Salão Principal comendo uma torrada. Ok, quando eu comecei a ficar no modo automático? Sabe de uma coisa, isso é culpa de James e Sirius. Sempre é!

Assim que terminei o café, rumei para a próxima aula, que era Trato das Criaturas Mágicas, uma das minhas matérias preferidas. Quando já estava bem perto de lá, percebi que estava muito cedo, então fui até a faia à beira do lago, onde os patetas, Remus e eu geralmente sentamos para fazer nada.

Sentei à margem do lago, tirando meus sapatos e colocando meus pés na água gelada. Em meio aos meus devaneios, eu me lembrei de uma coisa bem constrangedora que aconteceu aqui há uns quatro anos.

Estávamos no terceiro ano. James e Sirius não paravam de falar de como aquela garota do segundo ano ou qualquer outra garota de Hogwarts era linda e beijava muito bem. Eu estava me sentindo excluída ultimamente, porque não tinha dado meu primeiro beijo ainda.

Remus era o único que continuava não me excluindo. Peter não se preocupava com essas coisas... ele só se preocupava com a comida.

Depois de aguentar o resto da semana com James e Sirius falando dessas idiotas, nós fomos até uma árvore às margens do lago. Peter estava no dormitório procurando o livro de poções dele.

— Ih, cara! Não é aquela Louise Daniels da Corvinal? — perguntou Sirius a James. James encarou a garota e sorriu maroto para Sirius.

— Aposto que eu consigo convidá-la primeiro para um passeio em Hogsmead!

— Apostado — eles sorriram e correram em direção à garota, que desaparecera virando à direita.

Suspirei. Eles sempre fazem isso. Estão nos trocando por garotas idiotas.

— Já estou farta disso — falei bufando e cruzando os braços, encarando o lago.

— Ah, isso é temporário, Bells, logo eles vão voltar à realidade. Eles só estão felizes e se sentindo meio diferentes...

— É, pode ser — eu disse me sentando embaixo da árvore. Remus sorriu e se sentou ao meu lado, começando a ler um livro — Ei, Remus.

— Oi? — ele se virou para mim.

Respirei fundo, eu tenho que contar. Ele é um dos meus melhores amigos. Encarei os pés com vergonha e inspirei fundo antes de dizer:

— V-você acha que uma menina que já está no terceiro ano e nunca beijou na vida é ridícula?

O silêncio pairou por uns segundos, o que me deixou ainda mais nervosa.

— Bells — ele me chamou tocando no meu braço. Eu respondi, mas não olhei em seus olhos por pura vergonha — Olha pra mim.

Eu ergui meu olhar e fiz o que ele pediu. Ele sorriu fraco.

— Você não é ridícula.

— Como sabe que eu nunca...

— ...beijou? — ele completou minha fala. Ele adorava fazer isso — Sei identificar pessoas na mesma situação que eu.

— Quer dizer que você também nunca...? — perguntei espantada. Como? Ele é um garoto muito legal, doce e inteligente. Sem contar que é lindo. Não era possível que nenhuma garota naquela escola não tivesse sequer reparado nele.

— É — falou olhando para o lago. Eu juro que pude ver as bochechas dele corarem.

— Ah... hum, certo — eu costumava dizer esse tipo de coisa quando estava nervosa.

Depois de um silencio horrível, olhei para ele, que ainda olhava para o lago. Ele nunca beijou ninguém, nem eu. E bem, ele é o meu melhor amigo...

— Remus — chamei-o, ficando de frente para ele — Bem, e-eu estava pensando... já que eu nunca beijei ninguém e nem você... bem, poderíamos resolver isso. C-como amigos, é claro! Só por experiência...

Ele me olhou assustado. Aposto que não esperava por isso. Na verdade nem eu.

— V-você quer que...

— Tudo bem, foi uma ideia bastante idiota, eu sou idiota, não deveria ter proposto isso — balbuciei, já me levantando.

— Não, espera! — ele me puxou pelo braço e eu caí ao lado dele — Eu... eu acho que pode ser uma boa ideia, sabe?

— Você acha? — perguntei, ainda envergonhada, evitando olhar pra ele — Ou você está dizendo isso para não me deixar...

Fui interrompida por algo estranho. Era Remus me... me beijando? Pra dizer a verdade, só selamos os lábios. Me lembro de ter ficado bastante assustada, e só depois percebi que estava de olhos abertos, fechando-os em seguida. Eu me separei dele meio assustada.

— R-Remus, e-eu... — respirei fundo tentando não olhar para ele — Acho que foi uma experiência, hum, realmente boa, e eu tenho que... você sabe, ir. Ah, e não conta pro Sirius nem pro James. Principalmente pro Peter, ele é um fofoqueiro!

Levantei num salto, deixando-o ali parado e encarando o lago.

Nossa, cara, isso faz muito tempo! Me lembro que fiquei três dias evitando o Remus. Foi meio estranho porque ele era – e ainda é – meu melhor amigo, quase um irmão para mim. Mas aí resolvemos "esquecer" aquele acontecimento e voltamos a nos falar como antes, como se nada tivesse acontecido.

Ouvi o sinal tocar e coloquei rapidamente os sapatos, peguei minha mochila e fui até a orla da floresta, onde teríamos uma das melhores aulas, na minha opinião.

(...)

— Desisto! — gritei enfurecida.

Meu grito ecoou pelo Salão Comunal. Algumas das poucas pessoas – e isso incluía os três patetas e Remus – olharam assustadas para mim. Fui até os meus dois lindos amigos, um irmão idiota e o garoto que se comporta como um rato e falei cruzando os braços:

— Tudo bem, vocês venceram!

— Como assim? — perguntou Sirius confuso.

— Desisto, eu desisto! Não consigo ser uma Lily da vida. Não dá! — falei sem olhar nos olhos deles. Aposto que James está com aquele sorrisinho triunfante e irritante que só ele sabe fazer. Não precisava olhar para ele para saber.

Pois é, fazia quase duas semanas que eu estava nessa de "vou ser mais responsável", mas simplesmente não havia dado certo. Toda vez que eu vinha da biblioteca, pegava Sirius e James azarando alguém ou irritando o seboso e eu sempre tinha que me conter para não largar os livros ali mesmo e correr atrás deles e pedir desculpas, mesmo sem ter culpa.

— Espere aí! — disse James em tom falsamente incrédulo — Isabelle Dorea Potter está desistindo de algo? — ele sorriu, mas logo seu sorriso se desmanchou e ao seu lado um Sirius eufórico começou a comemorar.

— Isso! Bells, você esta sempre me ajudando... financeiramente, claro — ele se virou para James e esticou a mão — Vamos, cara! Dez galeões. Rá, sabia que ela ia desistir!

— Mas será possível — exclamei irritada — Que vocês estejam sempre apostando?

— E o Pontas sempre perdendo — Sirius falou, recebendo os galeões de um James não muito contente.

Olhei para Remus, que parecia meio triste e abatido. Ele suspirou murmurando "Eu sabia" e voltou a ler um livro. Por Merlin, será que ele nunca para de ler? Olhei para Peter, que estava roendo as unhas enquanto olhava para James e Sirius, que discutiam algo sobre eu demorar muito ou não desistir.

— Então... — disse James quando parou de discutir com Sirius — Quer dizer que desistiu mesmo dessa coisa louca de ser "mais responsável"?

— Não só desisti, como vou voltar a ser aquela Isabelle de antes, lembram? — sorri maldosa e senti o olhar preocupado de Remus sobre mim — O pesadelo do ranhoso!