The Curse - Red Apple escrita por Miss Stilinski


Capítulo 31
Capítulo trinta


Notas iniciais do capítulo

Olá, pessoal! Esse capítulo me custou várias semanas para passar pro computador, mas aqui está ele.
Lembrem-se, é uma visão do passado de Tiago e Branca de Neve. A primeira vez que eles e encontram. Por isso está em itálico ;)



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capítulo trinta

— Narrador —

Era final de tarde. O céu estava entre o azul e o laranja, indicando que, dali a alguns minutos, a lua iria aparecer. As flores caíam coloridas ao chão, e as árvores pareciam ser comandadas pelo vento quando, pelo menos, dez guardas passaram correndo pela estradinha que se abria por entre as árvores.

Mas, o que eles não sabiam, era que estavam sendo observados pelo garoto que procuravam. Ele se encontrava, rindo, pendurado em um galho de uma das imensas árvores. Ele deveria ter treze para quatorze naos, um tanto magricela mas que, com o passar do tempo, se tornaria forte, de cabelos rebeldes, olhos amendoados e o sorriso travesso. Não era primeira vez que o jovem Príncipe fugia e enganava os guardas que seu pai mandava procurá-lo.

Assim que os guardas passaram apressados, o Príncipe desceu — com cuidado — do galho de onde estava e seguiu para o lado oposto que os guardas do castelo. Ele odiava usar aquelas roupas e era obrigado a vesti-las quando estava sem casa — se é que ter um castelo poderia ser uma casa. Ele usava roupas comuns: uma calça, uma blusa branca e botas pretas. A única coisa que ele carregava para se proteger era seu arco e flecha.

Ele andou e andou, pensando que, no futuro, tudo aquilo seria dele. Não queria ter responsabilidades, então preferia não pensar e ser ele mesmo. Afinal, para se tornar Rei, faltava muito e, para isto, o pai deveria morrer. Algo que o Príncipe não queria que acontecesse nunca. Ele poderia aprontar todas, mas amava o pai. Assim como o rei, que era diferente de todos os que o Príncipe já ouvira falar. Ele demonstrava o seu amor e era forte ao mesmo tempo.

Não prestava atenção por onde andava. Até que se viu na entrada de um vilarejo; um vilarejo pobre, mas a aparência era limpa. Havia casinhas espalhadas, algumas tinham uma horta, outras tinham criadouros — ambos sem nada. Não havia ninguém ali e o Príncipe continuou a andar olhando para os lados, com a terra preta sujando suas botas. Preparou o arco e ficou à espera, parecia que tinha alguma coisa errada ai. Caminhou por entre as casas, todas de janelas e portas fechadas, atento a qualquer movimento.

De repente, ele ouviu um riso. Era distante, como um eco, mas, ainda assim, era algum sinal de vida. Olhou para onde pensou ter ouvido a risada e foi até lá. Contornou uma casa de aparência abandonada, indo para os fundos. Escondeu-se atrás de um barril e observou uma menina na horta de repolho e alfaces. Ela aparentava ter seus dezesseis anos, vestes de segunda mão, cabelos castanho claro e olhos surpreendentemente cinzas.

Ele a olhou, admirado. Não apenas por ela ser bela e ter um sorriso perfeito, mas por causa do que ela fazia. O Príncipe sempre soube que vivia num mundo mágico, onde havia fadas, princesas, bruxas, pozinho mágico... Porém, nunca presenciara a magia de perto. Ela estava sentada em um banquinho e, com o abrir e fechar de mãos, fazia um dos repolhos abrir e fechar. Ela girou os dedos e o repolho também girou, aquilo era divertido para a garota. E tornou-se divertido para o Príncipe também.

Era claro que a menina não queria que fosse vista. Garotas que faziam magia eram consideradas bruxas, e bruxa não era uma coisa boa. Mas ele não se importou. Continuou a sorrir com a menina, surpreendendo-se cada vez mais com a mágica dela. O Príncipe se ajeitou atrás do barril, mas escorregou e derrubou algumas garrafas de vidro, fazendo a garota assustar-se e levantar-se.

Quem está aí? — perguntou com a voz firme, mas o Príncipe não respondeu, com o coração martelando no peito por ter sido descoberto. — Eu estou avisando, se não aparecer, eu terei como aber onde você está. — O tom de voz dela assustou o Príncipe, mas este não demonstrou. Saiu de seu esconderijo.

Olá — sorriu ele e a menina deu um passo para trás, desconfiada.

Eu o conheço de algum lugar — não era uma pergunta. O Príncipe a olhou e fez uma mesura.

Mas eu não a conheço — retrucou o Príncipe, cortês, andando na direção da garota, cujo o olhar era desconfiado e confiante ao mesmo tempo.

Primeiro seu nome — rebateu ela, o olhando de cima, se afastando enquanto ele se aproximava.

Não sabe realmente quem eu sou? — perguntou ele, surpreso. Pelo silêncio da garota, o Príncipe considero como um não. — Meu nome é Tiago Hensel, Príncipe de Vitória. Agora que já sabe o meu nome, gostaria de saber o seu.

Marisa Dare. — Respondeu a garota. Tiago percebeu que Marisa não havia ficado constrangida ao saber que ele era um Príncipe; continuava a olhá-lo com desconfiança e superioridade. — O que Vossa Alteza viu?

Vi que você tem um dom — disse ele. Tiago podia ser tudo, mas sabia ser justo.

O que quer dizer? — Ela se afastou do Príncipe.

Você tem magia — respondei Tiago com admiração. Marisa percebeu o tom de voz dele e deu um pequeno sorriso, embora não confiasse totalmente nele.

Vossa Alteza não vai contar para ninguém, não é? — perguntou Marisa. — Sabe o que eles fazem com... bruxas. Eles queimam, eles enforcam.

Claro que não! — Tiago apressou-se a dizer. — Isso é incrível... eu nunca tinha visto nada igual! — Marisa sorriu, sua face ganhando um tom rosado.

O que Vossa Alteza faz aqui?

Estava cansado de ficar no castelo, então... eu vim parar aqui — Tiago deu de ombros e depois olhou em volta. — Onde estão todo mundo? Seus pais?

Marisa olhou para o outro lado, desconfortável, mas sabia que deveria responder. Afinal, ele era o Príncipe de que todos falavam e não deveria não responder a um membro da realeza.

Quando se tem poderes como os meus, há pessoas que têm medo — respondeu Marisa por fim. — Eles têm medo de mim. Eu sei.

Só porque tem magia?

Nem todos são como Vossa Alteza. Eu sou uma bruxa, minha origem é essa... Realmente não tem medo de mim? — Ela voltou a olhar para o Príncipe.

E por que eu teria? As pessoas me reverenciam porque eu sou o filho do Rei. Elas me tratam com diferença, acham que eu preciso de atenções porque sou o Príncipe e se não fizerem o que eu peço serão levadas à guilhotina. Acha mesmo que eu deveria temê-la?

Eu posso machucá-lo. — Afirmou Marisa, como se isso pudesse amedrontar o Príncipe. Mas Tiago riu e ela se surpreendeu.

Teria me machucado assim que me vira, mas me deixou viver.

Vossa Alteza não parece ter treze anos — observou Marisa, inclinando a cabeça.

É porque eu tenho quatorze — respondeu Tiago, arrancando uma risada de Marisa. Ele deu um sorriso ao vê-la sorrir. — Mas quantos anos você tem? 16?

Vossa Alteza é bom em palpite — Marisa sorriu.

Eu sei. Onde estão seus pais?

Eu só tenho meu pai — ela olhou para a casa. — Não sei onde está minha mãe... acho que ela morreu no parto. Meu pai nunca me falou algo concreto.

Ah... Sinto muito — ele coçou a cabeça.

Não sinta — e Marisa não parecia sentir muito. Um relâmpago soou ao longe e já havia escurecido.

É melhor eu ir andando — disse Tiago após um momento de silêncio. — Daqui a pouco os guardas vão ir aqui e eu não quero confusão.

Tudo bem — Marisa colocou as mãos para trás, parecendo ansiosa ai ver o Príncipe voltar pelo caminho que veio. — Vossa Alteza! — chamou Marisa com receio. Tiago virou-se para trás.

Me chame de Tiago.

Vai voltar a me ver, Tiago? — perguntou ela e o Príncipe sorriu. — Quer dizer...

Vou. Quantas vezes quiser — respondeu Tiago sorrindo sendo acompanhado por Marisa. Ele virou-se para o caminho de terra. — Até amanhã, Marisa. Tenha uma boa noite.

•••

 

Desde quando Vossa Alteza sabe sobre isso? — A voz de Marisa era carregada pelo sarcasmo. Tiago fingiu-se estar ofendido.

Eu sei de tudo, Marisa — disse ele, estufando o peito musculoso. Meses haviam se passado e, com o treinamento pesado em combate, Tiago havia adquirido músculos. — Inclusive pescar.

Eles estavam em um lago e tudo conspirava ao favor deles. A luz do sol iluminava o lago, a água era brilhante e sua marola quebrava na margem, onde as flores coloridas estavam caídas. As árvores balançavam com a brisa, as cores das folhas mudavam para o laranja e o verde deixando o ambiente ainda mais bonito.

A canoa deles dois estava bem no meio do lago, ambos tinham varas de pesca e riam quando Tiago não conseguia pegar algum peixe. Eles estavam fazendo aquilo só por diversão; e Tiago admirava ainda mais Marisa. Ela havia mudado nos últimos meses. Seus cabelos estavam mais longos, seu sorriso estava mais largo e seu olhar mais sedutor. Marisa estava linda e Tiago começava a gostar ainda mais dela.

Quer ver algo mágico? — sussurrou Marisa ao ouvido de Tiago, que sentiu o corpo tremer. Mas não de frio.

Eu sempre quero ver algo mágico — Tiago se inclinou para frente e Marisa sorriu com a aproximação a atenção de Tiago sobre si.

Marisa abriu as mãos, mas Tiago nada viu ali. Contudo, o Príncipe estava olhando para o lugar errado; não era para as mãos que ele deveria olhar e sim ao redor. Admirado, Tiago olhou para as árvores, que pareciam se curvar para eles, como se dessem permissão para que ele chegasse mais perto de Marisa.

As árvores continuaram em sua dança, a magia de Marisa parecia não ter fim. Tiago sorriu e chegou mais perto de Marisa, pegou o rosto dela nas mãos e a beijou. Ela ficou estarrecida, pois não esperava aquela atitude do Príncipe. Mas, assim que percebeu o que estava acontecendo, fechou os olhos e aproveitou o beijo. Sua magia agiu do modo que ela se sentia; as folhas coloridas caíram ao redor deles, como chuva.

•••

Eles estavam na grama verde do jardim do castelo de Tiago. Viam as formas das nuvens e riam com os formatos que formavam; era um momento que Marisa aproveitava com unhas e dentes. Era a primeira vez que alguém gostava dela sem temê-la. Tiago não tinha preconceitos e amava a magia que ela fazia, a estava sempre protegendo de tudo. E ela adorava aquilo nele.

Com um sorriso, Marisa transformou uma nuvem em um coração. Tiago abriu a boca para dizer a forma, quando percebeu que fora ela que transformara a nuvem. Ele sorriu para ela e inclinou-se para beijá-la, deixando cair pedaços de grama no rosto dela. Os dois sorriram, mas não pararam o beijo.

Tiago já tinha feito seus vinte anos e Marisa seus vinte e dois; a cada dia que passava, Tiago a achava ainda mais bela e fazia questão de dizer isto a Marisa. Ele pensava que ela poderia ser a Princesa, ele achava que poderia estar sem saber aquela bruxa. E o sentimento era mútuo. Marisa também o amava.

Você é a mais bela que eu já vi — disse o Príncipe com firmeza.

E você é o mais mentiroso — Marisa riu, dando um tapa de leve no braço dele. — Mas vou aceitar o seu elogio.

Não acha que eu mereço um elogio também? — perguntou Tiago, fingindo estar magoado. — Eu sou bem bonito.

Se Vossa Alteza sabe que é bonito, por que precisa que eu fale que és uma coisa que já tens ciência? — Marisa tocou o nariz arrebitado de Tiago.

É bom ouvir de vez em quando — respondeu ele fazendo um biquinho. Marisa sorriu e beijou os lábios projetados de Tiago, que a agarrou e não a deixou sair de seu abraço. — Eu estou apaixonado por você, Marisa.

Eu também amo-te, Tiago — ela fechou os olhos, se aconchegando nos braços dele. — Eu tenho que ir, Tiago. Meu pai está sozinho e você sabe que ele fica preocupado...

Claro, claro. Se eu não tivesse que ficar para essa reunião, eu a acompanharia até sua casa. — Ele a ajudou a ficar de pé enquanto Marisa assentia, compreendendo. Afinal, ele era um Príncipe. — Vem, vou mandar que preparem uma carruagem para você. Não quero que caminhe sozinha por aquela estrada sozinha.

Sabe que eu sei o caminho.

Sabe que eu não deixaria nem se não soubesse — rebateu Tiago, a guiando até os estábulos. Havia alguns guardas de prontidão, segurando suas espada ou seus arcos, vigiando os cavalos. — Por favor, preparem uma carruagem para esta dama.

Sim, senhor — disse um dos guardas, se afastando para preparar o que lhe fora mandado. Marisa e o Príncipe ficaram ali, perto dos cavalos — que logo foram levados —, de mãos dadas, observando o jardim de longe.

Eu gosto de macieiras. Acho tão bonitas — ela sorriu para Tiago. — Pena que eu não posso plantar uma lá na vila...

Então, sempre que vier aqui, uma maçã lhe será dada. — Garantiu Tiago, olhando a carruagem se aproximar. — Vejo você depois, está bem? — disse Tiago, a colocando na carruagem.

Tudo bem, Tiago — Marisa inclinou-se e o beijou, depois entrou na carruagem e o cocheiro partiu. Assim que a carruagem sumiu de vista, o Príncipe segui o caminho de pedras até o castelo.

Ele havia mudado nesses último anos. Estava mais maduro e responsável, embora sua personalidade não tenha mudado em nada. Passou pelos guardas, que fizeram uma reverência, e foi para a sala do trono, onde deveria encontrar o Rei Carlus, sei pai. Pensava em Marisa e como realmente gostava dela.

Tiago sabia o que o pai queria falar com ele. Por mais que o Rei mantesse a pose de governante sério, o pai e o filho não guardavam segredos, então o Rei Carlus sabia dos poderes que Marisa possuía. Ele pedira ao filho que tivesse cautela, pois, por mais que ela fosse boa, sempre se deveria desconfiar de uma bruxa. Tiago não gostava quando o pai falava daquele jeito, mas não o contestava. Afinal, ele deixara Tiago namorar uma camponesa. Marisa era realmente apessoa com quem ele queria casar.

Apesar de tudo isso, Tiago entendia o pai; bruxas vinham aterrorizando os vilarejos e as aldeias, sua mãe fora morta por uma, e Tiago liderava algumas das tropas do Rei — ele fora treinado para isso a vida inteira. Por isso, ele não insistiu que Marisa se mudasse para o castelo. Os tempos estavam sombrios e se Marisa assustaria com que ouviria dos guardas e dos criados; Tiago não queria que ela soubesse que caçava pessoas iguais a ela — embora soubesse que Marisa não tinha aquele ódio no coração como as bruxas. Tiago tentava deixar a alma dela limpa e inocente.

Quando ele chegou à sala do trono, viu o Rei em pé, olhando para as vidraças. Tiago sabia que, quando o pai ficava distante daquele jeito, tinha algo acontecendo. O Príncipe observou o pai, vendo o cabelos castanhos com fios grisalhos, os olhos azuis — tão diferentes dos de Tiago —, distantes e pensativos, a postura ereta e sempre atenta. Tiago sonhava em ser, um dia, como o pai. Ser um Rei justo e que se importava com seu Reino. Só que com um pouquinho mais de humor.

Queria falar comigo, pai? — Tiago quebrou o silêncio, achando melhor se pronunciar. O Rei saiu de seus devaneios para olhar o filho; seu olhar era cansado.

Sim, meu filho. — Disse o Rei e depois olhou para os guardas vigiando a porta. — Fechem a porta, por favor. E não deixem ninguém entrar. — Os guardas, imediatamente, fecharam a imensa porta e Tiago esperou que o pai voltasse o olhar para ele. — Tiago.

Sim, pai.

Você sabe que o que estamos passando — Tiago assentiu. — Pressinto algo ruim, Tiago. E não poso deixar que se arrisque demais.

O que quer dizer, pai? — perguntou Tiago, confuso.

Não vou lhe proibir de vê-la, porque eu sei que vai fugir para ficar com ela. — A voz do Rei estava pacífica,porém tinha autoridade. Tiago continuou a olhá-lo. — Mas peço que tenha cuidado. Provamos da magia o suficiente para saber que que não é confiável.

Marisa não nos machucaria — disse Tiago com firmeza.

O amor nos deixa cego, meu filho... não estou falando para que deixe de vê-la ou que não a traga mais aqui. Estou pedindo para ter cuidado. — Rei Carlus suspirou. — Eu me importo com sua vida. Eu me importo com você.

Eu compreendo, meu pai. Mas a magia de Marisa não nos fará mal. Até porque, ela nunca a usou na frente de ninguém. Ela sabe das consequências.

Rei Carlus assentiu, ainda desconfiado. Ele ficava feliz com a felicidade do filho, mas sentia arrepios toda vez que via Marisa. Não sabia o por quê, porém, não confiava nela; queria confiar, mas não conseguia. Não era preconceito, mas sabia — por experiência própria — que magia não era boa.

Espero que tenha razão, meu filho.

O senhor precisa de mais alguma coisa? — perguntou Tiago, um pouco desconfortável. Marisa era um assunto muito delicado e o pai sabia disso.

Fique no castelo hoje. Não precisa ir à caça — respondeu o Rei num tom definitivo. Tiago não ousava discutir com ele. — Por ora, estamos bem.

Sim, meu pai — Tiago fez uma reverência, abriu a grande porta e saiu, indo em direção de seu quarto.

•••

Naquele dia, o Príncipe decidiu que iria a pé até a casa de Marisa. Fazia muito tempo que não andava e, nos últimos tempos, o Rei o estava mantendo no castelo. Precisava de ar fresco e ir andando parecia revigorante. Ele havia comprado rosas amarelas — as favoritas de Marisa — na aldeia que ficava no próprio reino. Ele sentia saudade de ficar com ela e se comunicar por cartas não era a mesma coisa. Pelo menos Marisa entendia o que o Príncipe estava passando.

Estava no meio da tarde e era verão; tinha muita pessoas andando a cavalo, comerciantes ambulantes iam para a aldeia de Vitória, diligências entravam e saíam do reino e ele andava com roupa simples e comum pela estrada. Tiago estava feliz por ter saído do castelo. Fazia tempo em que ele não desobedecia as ordens do pai; talvez, dessa vez, o caso fosse mais grave. As bruxas, ao que pareciam, tinham dado uma trégua e pararam os ataques. A essa altura, Marisa sabia que bruxas estavam sendo caçada e Tiago queria se certificar de que a amada estivesse bem. E, só porque os ataques deram uma pausa e porque Tiago estava ficando louco preso no castelo, o Rei liberara o filho do confinamento.

Mesmo estando longe, Tiago cuidava e Marisa. Ele mandava maçãs e ajudaria a plantar uma macieira no pomar que eles dois criariam juntos. Sim, ele parecia um bobo apaixonado. Mas Marisa o encantada — literalmente. Com esse pensamento feliz, Tiago continuou o seu caminho.

Enquanto andava, Tiago começou a ouvir algo. Não era uma risada, como a que ouvira Marisa dar. Parecia que alguém estava chorando. Uma menina. O Príncipe não podia ignorar o choro, que se intensificava cada vez mais que Tiago avançava, por mais que pudesse se atrasar para encontrar, finalmente, Marisa. Desviou-se da estrada e se embrenhou na floresta, que estava linda. Coelhos, com seus filhotes, passavam pela grama seca; as árvores brilhavam de um verde intenso e vivo, como se estivessem renovadas; a folhas verdes cobriam o chão; o arbustos tinham flores amarelas, rosas, vermelhas e lilases, e deixavam um aroma comestível no ar. Tiago teria aproveitado mais, se o choro não tivesse ficado mais alto.

Ele abriu caminho por entre os belos arbustos, ouvindo a garota chorar cada vez mais alto. Poderia ter chamado algum guarda para ajudar, mas ele já estava muito longe do castelo e parecia desumano deixar quem quer que fosse sozinho; poderia estar em perigo ou machucado. E se fosse uma armadilha? Bem, Tiago já estava na metade do caminho e sabia lutar. Marisa entenderia a demora.

Finalmente, Tiago achou a garota que estava chorando. Parecia ter quatorze anos, tinha os cabelos negros e compridos, os fios saindo de sua trança, estava presa em algum tipo de corda e estava de costas para Tiago, de modo que ele não podia ver o rosto. Ele correu até a garota e ficou de frente para ela.

Ela estava chorando compulsivamente e seu rosto estava escondido, virado para o outro lado. A perna dela estava sangrando, presa em uma armadilha de urso. O dentes da armadilha estavam cravados na pele extremamente branca da garota e sangrava tanto que Tiago não conseguia ver a profundidade do ferimento. Deveria estar doendo tanto, que a garota nem percebeu que estava ali. Nenhuma vez, Tiago a ouvira gritar por socorro.

Ei — Tiago abaixou-se para ficar na altura dela, que o olhou assustada. Por um momento, o Príncipe perdeu a fala. Mesmo sendo muito mais nova do que ele, ela era linda, se não, perfeita. O rosto estava manchado pelas lágrimas, mas era branco e em formato delicado, os olhos eram de um mel diferente, como se fossem o néctar que as abelhas produziam, a boca tão vermelha que era impossível dizer que ela usava batom, os cabelos negros como a noite e a pele branca como a neve.

Tiago esticou a mão tentando se certificar se ela era real. Mas a garota se afastou e, ao fazer o movimento brusco, a armadilha cravou ainda mais na pele dela. Ela deu um grito agonizante e Tiago ficou desesperado. Não queria machucá-la de modo algum.

Eu não vou machucá-la, eu não vou machucá-la — disse Tiago desesperado, tirando o arco das costas e a espada da bainha. A garota ainda chorava, mas deixou que o Príncipe se aproximasse.

Quem é você? — perguntou a garota e Tiago ficou novamente sem fala. Se ela tinha aquela beleza irreal, a voz nada era comparada. Mesmo com a voz pastosa pelo choro, parecia a mais linda melodia. — Eu ordeno que me diga o seu nome!

Tiago Hensel, Príncipe de Vitória — respondeu Tiago, ainda aturdido, que nem percebeu que a garota havia sido insolente. — E o seu?

Branca de Neve, Princesa de Arcadia — respondeu a menina e Tiago ficou ainda mais encantado. — Agora pode, por favor, me ajudar?

Oh, claro que sim — Tiago pousou as flores amarelas no chão e foi até a Princesa. Ele a olhou. — Isso vai doer um pouco. — Branca de Neve assentiu, mais lágrimas escorrendo pelo belo rosto. — O que está fazendo aqui, Princesa? — Tiago tentava distrair a Princesa enquanto manuseava a armadilha.

Eu me perdi... Estava passeando com meus pais e... me perdi — respondeu Branca de Neve. — Meu pai deve estar desesperado.

Sei pai é o Rei, certo? — Tiago conseguiu remover um dos dentes da perna da garota que, como Tiago esperou, não sentiu nada.

Sim. Eu pedi para que ele me levasse em algum lugar diferente do que o castelo, já que eu não podia sair de lá — respondeu ela e Tiago retirou outro dente da perna dela.

Eu entendo como é isso... — comentou Tiago, tirando a atenção momentaneamente da perna dela. Os olhos da Princesa brilharam com as palavras dele.

Sério? — A voz dela ardia de compreensão.

Sim. Meu pai, o Rei, me manteve no castelo nos últimos dias... Mas eu até o entendo — Tiago voltou a se concentrar em tirar outro dente da armadilha.

Por quê?

Bruxas. — A resposta do Príncipe foi curta e direta. Ele sabia que ela estava com a expressão assombrada.

Ai, meu Deus! Meu pai vai querer morrer — exclamou a garota apavorada. — Eu fui tão estúpida.

Ei, eu estou aqui, não estou? — Tiago deu um sorrisinho. — Estará bem comigo... Agora, eu vou segurar isso aqui e você vai puxar a perna. Vai doer um pouco, mas terá de fazer isso ou continuará com a perna presa.

Branca de Neve assentiu.

Não olhe para baixo, olhe para mim, está bem? — perguntou Tiago e, mais uma vez, Branca assentiu. — Quando eu disser já... — Ele olhou para a armadilha. — Já!

Enquanto Branca de Neve tirava a perna — com uma certa dificuldade, pois estava bem machucada —, ela olhou para o Príncipe. Os cabelos castanhos estavam brilhando pelo suor, seu rosto estava contraído pelo esforço e ele mordia o lábio inferior de um jeito que mexeu com Branca de Neve. Branca sabia que ele era bem mais velho do que ela, mas, mesmo assim, não conseguiu evitar que o se coração disparasse. E não era só porque ele salvara a sua vida, era algo a mais que ela não sabia explicar.

Tudo aconteceu em breve segundos. Quando, finalmente estava liberta, Branca de Neve desviou o olhar de sua perna ensanguentada. Sentindo uma vertigem, ela olhou para as flores amarelas molhadas pelo seu próprio sangue e se perguntou se ele estava indo visitar alguém que amava.

Branca voltou seu olhar para Tiago, que sorria abertamente para ela e o seu coração parou por um momento. Ela sorriu e tentou ficar de pé, mas não conseguiu; antes que caísse, as mãos fortes de Tiago a segurou.

Acho que não consegue andar sozinha — comentou ele. — Vem, que eu vou te levar para o meu castelo. Daremos um jeito de descobrir onde seu pai está.

Não.. você tinha coisas mais importantes para fazer. Ela deve estar lhe esperando — Branca de Neve olhou para as rosas amarelas e manchadas. Tiago acompanhou o olhar da garota.

Marisa! Como ele pôde esquecê-la? Tiago voltou a olhar para Branca de Neve e viu o olhar dela inocente e envergonhado por alguma coisa. O que era aquilo que ele estava sentindo? Aquilo era errado! Por que estava tão perdido nela? Ela era só uma garotinha! Mas não conseguia deixá-la.. Tiago nunca se sentira tão mel. Parecia que estava traindo Marisa.

Ela vai entender — disse Tiago. Como abandonar uma garota de quatorze anos e ainda por cima uma Princesa?

Vai deixá-la esperando? Pode ser o amor da sua vida — ela falava com tanta intensidade, que Tiago podia sentir a vivacidade das palavras da Princesa. Ele já vira muitas garotas e mulheres (até mesmo Marisa) falarem de amor; mas nunca do jeito que Branca de Neve falava. Para uma menina de quatorze anos, ela falava como uma mulher de verdade.

Eu vou levá-la, depois me encontrarei com ela — disse Tiago, ma não tinha tanta certeza de seus sentimentos pela primeira vez. — Você precisa de cuidados.

Tem vezes que uma mulher não entende... você a ama? — Branca de Neve o olhou com a mesma intensidade que as palavras.

Você parece muito mais velha do que é — brincou Tiago, desviando do assunto. — Quantos anos você tem?

Farei quinze em breve — respondeu a Princesa. — Eu leio muito. Passo a maior parte do tempo lendo.

Isso é interessante... Tiago estava fascinado por aquela garota. — Vamos, antes que isto infeccione. — Ele tocou no braço dela e sentiu uma corrente elétrica perpassar pelo seu corpo e ele olhou para baixo. Balançou a cabeça, não podia olhar para como ela estava vestida, e a pegou no colo, aquele choque passando pelo rosto do corpo e o aquecendo de uma maneira diferente.

Branca segurou no pescoço dele. Com uma mão, ele embainhou a espada e pediu que ela segurasse o arco; aquilo estava totalmente errado. Era inapropriado sentir-se atraído por uma garota de quatorze anos... Ao menos, era isso que ele sentia, pois sabia que a tradição dele era diferente das dos outros reinos. Ele não se casava com desconhecidas, muito menos crianças. Mas ali estava ele, sentindo algo indevido pela Princesa de Arcadia. Tudo estava for dos eixos.

Mal sabia ele que sua vida estava prestes a mudar drasticamente.

Ao chegar ao castelo, Tiago viu — com certo alívio — uma carruagem diferente da do Rei. Branca de Neve exclamou, dizendo que era do pai. Tiago sorriu e não pôde evitar de abraçar a garota, que devolveu o abraço com igual entusiasmo. Eles ficaram daquele jeito por um tempo, até que o Príncipe percebeu que estavam juntos demais e disse que estava na hora de ver aquele machucado. Branca de Neve assentiu veemente, ainda estava doendo.

Ele avistou uns guardas mais próximos e pediu que ele arranjasse o melhor curandeiro da aldeia, enquanto Branca o observava. Ele falava com uma autoridade moderada, e ela viu que ele tinha nascido para liderar enquanto ela, um dia, teria de governar e sabia que não conseguiria como seu pai. Mas Tiago... Tiago era diferente. Ele conseguia comandar sem ser rude e conseguia ser simpático e bom. Branca de Neve nunca admirada tanto uma pessoa em toda a vida. O guarda saiu imediatamente, sem questionar o por quê de o Príncipe estar carregando uma garota com a perna e vestido ensanguentados.

Tiago correu até a sala do trono, pedindo que os guardas lhes dessem licença e adentrou o imenso salão. Logo avistou o pai, mas este estava acompanhado por um homem e uma mulher vestidos com roupas elegantes. A mulher tinha os cabelos da mesma cor dos de Branca de Neve; eles estavam de costas, conversando com o Rei Carlus. Pareciam agitados, ansiosos. E Tiago sabia o por quê.

Pai — chamou Tiago e todos se viraram. Os pais de Branca de Neve quase choraram de alívio quando a viram no colo do Príncipe. O Rei Carlus correu até o filho, assim como os pais de Branca de Neve.

O que houve, Tiago? — perguntou o Rei depressa.

Eu a encontrei no meio da mata. — Respondeu Tiago e viu o olhar dos pais para a perna da filha. — Não se preocupem, já pedi que achassem o melhor curandeiro. Ela vai ficar bem.

O Rei de Arcadia pegou a filha do colo do Príncipe, que sentiu um vazio nos braços quando Banca foi com o pai. Ele olhou para os braços, mas depois balançou a cabeça. Branca de Neve lhe devolveu o arco e as flechas e Tiago a agradeceu, confuso. Ele continuou a olhá-la, mas sta não pôde ver; os pais verificavam se era grave os ferimentos. Tiago não percebeu, mas o Rei Carlus o observava olhar a Princesa de Arcadia.

Tiago falou rapidamente o que acontecera e disse que tinha de ir. Branca tinha um olhar decepcionado, mas perguntou se ele voltaria cedo. Tiago sorriu, disse que sim e saiu, pedindo licença. Sentiu que algo havia ficado para trás, naquele sala do trono. E não era sua espada.

Talvez fosse o seu coração.

•••

 

O que foi, Tiago? Está tão distraído... — perguntou Marisa, tentando fazer com que Tiago contasse o que ela havia visto enquanto ia pegar água no lago.

Nada... quero dizer, eu encontrei uma menina ferida. Ela era a Princesa de Arcadia! Isso é tão estranho — mas não era sobre isso que ele estava falando. Era a primeira vez que em que ele sentia o poder de Marisa; parecia irradia dela, como uma masa de fúria.

Ela era bonita — disse Marisa, não era uma pergunta, porém. Tiago a olhou, com a testa franzida. — Er... eu vi você a carregando...

Ela estava ferida — interrompeu Tiago, mas Marisa continuou como se não o tivesse escutado.

... e ela era muito bonita.

Ela é só uma criança, Marisa! — exclamou Tiago, irritado. — E estava ferida. Eu não a salvei por que ela bonita — era uma meia-verdade. Contudo, ele teria salvo mesmo se fosse feia, esquisita... Tiago sempre salvaria qualquer um que precisasse e Marisa sabia disso.

Mas ela te olhava com admiração! — rebateu Marisa, controlando seus poderes.

Eu a salvei! Como queria que ela me olhasse? — Ele nunca pensou que discutiria assim com Marisa. E por causa de uma coisa boba.

Mesmo assim. Não precisava... — Marisa parou no meio da frase, mas Tiago estava irritado, queria saber o que ela ia falar.

O quê? O que eu poderia fazer, Marisa? O quê?!

Deixasse que os ursos a comessem! — exclamou Marisa e Tiago a olhou de boca aberta, espantado, surpreso.

Ele se levantou da cama de Marisa, ainda sem acreditar no que ela havia lhe dito. Ele desceu as escadinhas para o térreo, com Marisa em eu encalço. Mas Tiago estava muito irritado com a atitude dela. Uma coisa era ficar com ciúmes por que a Princesa era bonita, outra era desejar a morte da garota porque era bonita. Tiago não aceitou isso muito bem.

Tiago, Tiago! Espere! — gritava Marisa, segurando o vestido enquanto corria para fora de casa, onde Tiago já estava.

Eu estou cansado, Marisa. Se não viu, eu vim lhe ver todo sujo, só para não deixá-la esperando — disse Tiago de costas, prestes a entrar na carruagem real. — Mas... estamos de cabeça quente. Conversamos depois.

Me desculpe, Tiago — implorou Marisa, com lágrimas nos olhos. — Eu não...

Sim, teve, sim — interrompeu Tiago, sabendo o que ela ia falar. Ele subiu na carruagem. — Depois nós conversamos. Quando você estiver mais... calma. Até, Marisa.

Tiago mandou a carruagem seguir em frente, deixando uma Marisa mais furiosa do que antes.

•••

Quando Tiago chegou em seu castelo,viu que a carruagem do Rei de Arcadia permanecia ali. Ficou aliviado por saber que eles ainda estavam no castelo; Tiago sabia que ão deveria sentir-se daquele jeito, mas sentia que podia desabafar com uma menina de quatorze anos.

Seu pai estava sentando à mesa, na companhia do Rei e da Rainha de Arcadia, estavam tendo uma conversa obre paz e bruxas — algo que Tiago estava tentando esquecer; brigar com Marisa não o fazia bem —, quando notaram sua presença.

Ah, Tiago! — disse a Rainha de Arcadia. Ela lembrava Branca de Neve. — Você saiu tão rápido, que nós não pudemos lhe agradecer devidamente.

Tiago corou. Ele não fazia muito isso, mas a Rainha era tão parecida com a filha, que Tiago sentiu-se envergonhado.

Não foi nada. De verdade.

Devemos muito a você, jovem Príncipe — disse o Rei de Arcadia. — A todos vocês... Nosso reino sempre estará disposto a ajudá-los. Temos uma dívida.

Não será necessário... — interveio o Rei Carlus, mas o Rei de Arcadia (cujo o nome Tiago desconhecia) interrompeu.

Eu estou falando sério.

Senhor...? — Tiago deixou a frase no ar.

Henry White — respondeu o Rei. — E essa é minha esposa, a Rainha Melinda White.

Senhor White, eu fiz o que deveria ser feito. Mas quero ver como está Branca de Neve. — Tiago ficou com medo que o Rei Henry ficasse desconfiado. Estava enganado.

Ah, a minha filha pediu para que a levassem à biblioteca — o Rei sorriu. Era visível o amor que ele sentia pela filha. — Ela me perguntou quando você voltava. Bem, acho que ela adorará vê-lo. — Henry enrubesceu e virou-e para o Rei Carlus. — Acho que me empolguei demais.

Rei Carlus riu.

Sem problemas, Henry. Tenho certeza que meu filho também está ansioso para encontrar Branca de Neve que, aliás, é um belo nome.

Er.. então, se não se importam, eu... eu vou vê-la — disse Tiago, não entendendo o que o pai queria dizer. — Com licença. — ele fez uma reverência e se foi.

A noite já estava caindo quando Tiago achou a biblioteca. Ele nunca fora de ler e nunca tinha estado lá; ora, ele tinha criados suficientes para virem até ali e escolher uma história para ler para ele. Mas, ao ver o imenso aposento — maior até que seu próprio quarto —, percebeu que estivera errado esse tempo todo. Havia um gigantesco tapete persa estendido por toda abiblioteca; havia estantes e mais estantes abarrotadas de livros; tinha livros em prateleiras incrustadas à parede, uma imensa escada levava a parte mais alta destas; havia uma outra escada em espiral, com o corrimão feito a ouro, que levava a um segundo andar, onde se encontrava um grande divã preto perto de mais prateleiras cheias de livros. O Príncipe olhou para uma mesa grande com velas recentemente acesas, uma cadeira, algumas poltronas e um enorme sofá vermelho, onde havia uma menina sentada lendo um dos tantos livros da biblioteca. Tiago desviou o olhar para a grande janela de vidro, que dava para uma sacada.

Branca de Neve não havia percebido que Tiago estava ali, admirando tudo. Estava tão absorta em sua leitura, que nem o ferimento a incomodava mais. Tiago gostou de ver aquela cena, perguntando-se se Maria também costumava ler. O que será que ele não sabia sobre sua amante? O que mas ele não tinha consciência sobre Marisa? Pela primeira vez, ele sentiu medo de Marisa.

Deixando aquele pensamento para depois, Tiago sentou-se ao lado da Princesa, que nem percebeu que ele estava ali. Ele se sentiu tão à vontade, tão confortável perto dela, que não falou nada para interromper a leitura de Branca. Parecia que, mesmo a conhecendo muito pouco, sabia mai sobre ela do que sobre Marisa. O que era estranho.

Eu nunca vim aqui — comentou Tiago, encostando a cabeça no encosto do sofá. Branca de Neve levantou o rosto para olhar o Príncipe, que olhava a perna dela enfaixada.

Você está perdendo muita coisa. Isso aqui é maravilhoso! — Ela sorriu e Tiago a acompanhou; gostava do sorriso despretensioso dela.

E sua perna?

Ah! — Branca olhou para a perna enfaixada, esquecendo-se de que não podia mexer. — Bem, terei de ficar aqui por um tempo... mais precisamente até quando os pontos fecharem. Como o meu reino é muito distante, se eu for agora, corro o risco de os pontos se abrirem no meio do caminho.

Eles ficaram em silêncio. A Princesa viu que Tiago não falaria nada, se concentrou — ou tentou — novamente no livro. Tiago estava bem próximo dela; ela podia sentir a perna dele encostar na perna boa dela. Ela já havia visto e convivido com plebeus e alguns Príncipes em seu reino, mas nunca sentiu o que estava sentindo pelo Príncipe... comprometido.

Seu pai foi muito gentil em no deixar ficar aqui — disse ela, que não aguentava mais o silêncio de Tiago. Ela gostava da voz dele, era baixa e rouca.

Ele é bom — Tiago sorriu. — Fico feliz que esteja aqui. Na maioria das vezes, eu fico sozinho nesse castelo.

E a sua namorada? — perguntou Branca de Neve com uma dor no coração. Tiago suspirou e a olhou.

Posso? — Ele apontou par o colo dela e ela assentiu. Não se importou de deitar a cabela na perna boa de Branca de Neve e nem que a conhecera naquela manhã; sentia que a conhecia há muito tempo, afora a atração que aquela garota exercia sobre ele. — Nós brigamos.

Por quê? — perguntou Branca, acariciando os cabelos de Tiago. Ele fechou os olhos, apreciando o carinho.

Coisa estúpida — Tiago deu de ombros. — Sei lá... eu sempre pensei que a conhecia e hoje tudo... — Ele não completou a frase.

Vai ficar tudo bem, Tiago — garantiu Branca com um peso no coração. — Ela te ama.

E seu eu não... e se eu nunca... Será mesmo que eu não fiquei encantado apenas porque ela é... mágica? — Tiago fez essas perguntas mais para si mesmo, do que para Branca de Neve.

E desde quando achas isso?

Tiago a olhou e, nunca soube o por quê, disse a verdade:

Desde hoje de manhã — o coração de Branca acelerou. — Quando eu... quando eu a impedi de cair no chão.

Eles ficaram em silêncio, apenas se olhando. Ela se sentia lisonjeada, mas culpada; ele se sentia bem perto dela, mas confuso. Ele nunca fora de trocar Marisa por ninguém e, agora, ele conheceu Branca de Neve. E tudo estava mudando.

Eu só tenho quatorze anos, Tiago — argumentou Branca baixinho. Ele se levantou e segurou o rosto de Branca de Neve nas mãos. Ela tinha os olhos sinceros, algo que Marisa nunca demonstrava perto de outras pessoas.

Eu sei, eu sei, estou confuso demais... não quero que pense que isso é...

Não penso em nada, Tiago. — Ela olhou para a janela. — Acho que é melhor irmos nos deitar. Pode me ajudar?

•••

Não aguento mais, pai — disse Marisa com a voz embargada. Estava deitada em sua cama e seu pai estava sentado na cadeira de balanço. — Ele não vem aqui há dois dias!

Minha filha... ele ficou com raiva por você ter dito aquilo — respondeu Milo Dare. — Você gostaria que ele desconfiasse de você, de seu julgamento?

Mas eu não gosto dela, pai!

Ela é só uma criança, Marisa. Nem a conhece. E, daqui a pouco, ela voltará para o seu reino — retrucou Milo.

Isso a fez se sentir um pouco melhor.

•••

Tiago cuidava de Branca de Neve com cuidado. Ele sentia algo irremediável toda vez que olhava para a Princesa. Fazia mais de duas semanas que ele não ia à casa de Marisa; mas estava se comunicando com ela através de cartas. Apesar dessa atração inexplicável entre ele e Branca de Neve, Tiago ainda era arrebatado por Marisa. Cada dia que se passava, Tiago ficava mais e mais confuso.

Suspiro enquanto olhava a imagem de Branca de Neve andar pelo jardim, perto da macieira, pela janela de seu aposento. Ela já conseguia andar, mas mancava e os pontos ainda não estavam prontos para serem retirados. Ele sabia que, mais dia, menos dia, Branca iria embora de seu reino. E Tiago já sofria com sua partida.

Ele, então, decidiu ir até Branca de Neve. Cada segundo que passava, era menos tempo ao lado da Princesa. Passou pelos guardas, pelos Reis e a Rainha e correu até chegar a garota que ele temia perder. Viu-a passear calmamente, observando tudo com olhar brilhante; ele adorou vê-la daquele jeito.

Posso lhe mostrar um lugar? — pergunto Tiago, ao ouvido de Branca de Neve. Ele estava agindo de forma incoerente e como se fosse adolescente... Mas não e importava.

Branca deu um pulo no mesmo lugar pelo susto, se desequilibrando por causa da perna machucada. Tiago se assustou e a amparou antes que caísse.

Perdão — disse o Príncipe. — Eu não queria assustá-la— ele ainda a segurava e Branca de Neve tinha plena consciência disso.

Tudo bem... Então, o que quer me mostrar? — Ela tentou pensar direito. Tiago sorriu.

Surpresa — ele respondeu e Branca revirou os olhos, sorrindo, permitindo que Tiago lhe vendasse. Ele estava sendo muito gentil com ela, que cada vez mais sentia algo que não era tão inocente assim.

Ele pegou a mão de Branca de Neve e a conduziu por algum caminho desconhecido por ela. O toque dele sem sua mão era quente e maravilhoso; aprecia emitir leves choques, a aquecendo de um jeito que Branca de Neve desejava jamais esquecer.

Ele a levou e, durante alguns minutos, Tiago não disse nada. Alguns pensamentos passavam por sua cabeça, ligados à Marsa, de quem sentia falta e queria conversar. Ele olhou para Branca de sentiu que tudo estava mudado, que seus sentimentos estavam sendo arrebatado por uma menina de treze anos. Por que tinha que se daquele jeito? Por que ele não podia simplesmente amara Marisa para sempre?

Mas, ao olhar para Branca de Neve, ele soube que nada seria igual. Nesses últimos dias, ele tinha se aproximado de Branca de uma tal maneira que, agora, ele não conseguia imaginar sua vida sem ela. Aquilo era tão confuso! Mesmo assim, ele a levou adiante.

Tiago Hensel jamais levara qualquer pessoa àquele lugar. Nem mesmo Marisa. Porém, sentia que devia levar Branca de Neve até ali, antes que ela partisse. Ele parou e retirou a mão dos olhos dela, que admirava o local embasbacada.

Eles se encontravam no topo de uma das torres do castelo, com um enorme jardim repleto de flores coloridas. A metade da torre era descoberta, como uma espécie de sacada; havia um grande balanço de frente para o céu azul sem nuvens, onde poderiam olhar o jardim e sentir o vento que soprava ais forte ali em cima. Tiago sempre ia ali para pensar, mas nunca levara nem mesmo o pai à torre... era um local onde ele e a mãe costumavam ficar. Na época, só havia aquela cadeira de balanço.

Tiago colocou as mãos para trás e a observou. Ela encarava tudo de uma maneira que Marisa, às vezes, não era capaz de fazer.

Eu pedi que fizessem isso aqui quando a minha mãe faleceu — sussurrou Tiago, passando a mão em uma das rosas que haviam ali. — Eu nunca trouxe ninguém aqui.

Branca virou-se para olhá-lo, com um brilho nos olhos. Mas Tiago olhava para além dela, lembrando-se uma época que nunca mais voltaria. Havia um olhar de tristeza nele, que fez Branca pegar a sua mão. Ele a olhou e deu um sorriso triste, a conduzindo até a cadeira de balanço.

Branca aconchegou a perna machucada e depois deixo que Tiago a aninhasse em seus braços. Aquilo era errado para ambos, porém maior do que eles. Não havia como explicar, aquilo simplesmente era.

Por que está me mostrando isso? — perguntou Branca depois de um tempo de silêncio.

Eu senti... senti que você deveria ver, antes que parta — respondeu ele. Branca o olhou.

Mas é óbvio que isto...— ela apontou para o céu abeto e as flores — era um lugar especial só para você. Por que compartilhou comigo ao invés com a sua namorada?

Você é especial, Branca de Neve — disse Tiago com sinceridade.

Ah, Tiago! — Como uma menina podia ser tão intensa, pensou Tiago. — O que está acontecendo? Eu sou só... uma menina!

Como eu queria voltar a ser menino outra vez! — Ele suspirou, passando a mão no rosto branco de Branca. — Como eu queria ter a sua idade novamente e, então, nada pareceria ser... errado.

Os olhos dela encheram-se de lágrimas ao ouvir as palavras de Tiago. Ela pegou as mãos dele e beijo a palma; Tiago apenas a olhou, sentindo o lábios macios de Branca contra a sua pele formigando.

O que dizer com isso, Tiago? — As vozes deles não passavam de sussurros, como o vento que ali soprava. Cada palavra era importante demais para que fossem ditas em voz alta; tinham medo de que pudessem escutá-los.

Acho que... acho que temos alguma ligação — ele franziu a testa. — O que eu quero dizer é... há uma grande probabilidade de que eu... de que eu esteja a amando.

O silêncio que se instaurou ali foi intenso. Lágrimas escorreram pelos olhos claros de Branca de Neve enquanto Tiago tentava limpá-las.

Perdoe-me. Eu não queria assustá-la — pediu o Príncipe, mas ela balançou a cabeça.

Não é isso... Eu... eu também amo você. Mas...

Mas...? — instou Tiago.

Você gosta dela — ela não sabia o nome de Marisa, mas sabia que ela era importante para Tiago.

Ele virou o rosto para o outro lado; aquilo era verdade. E a verdade sempre o machucava. Então por que ele achava que Branca de Neve valia mais?

Vendo que Tiago realmente se sentiu culpado, Branca pegou o rosto dele nas mãos para que ele a olhasse. Os olhos dele estavam tão carregados de dor, que Branca de Neve teve a necessidade de extinguir aquilo. Então, ela encostou seus lábios nos dele.

O coração de Tiago pareceu que ia explodir de tanta... paixão. Uma parte de si, dizia que aquilo era errado; já a outra, tinha vontade de voltar às antigas tradições, para que, aquela parte, parasse de sentir-se culpada. Mas aquilo estava numa parte bem escondida de sua mente, porque Tiago só sentia o goto do beijo de Branca. Era um gosto diferente do de Marisa. Era... melhor.

Ele abraçou o corpo pequenino de Branca de Neve, sentindo coração dela bater no contra o seu no mesmo ritmo. Suas mãos enrolaram-se nos cabelos dela, apertando seu corpo contra o dele, sentindo aquele amor intenso queimar-lhe as veias. Ele a amava e a queria para sempre. Mas nada duraria tanto assim; nem mesmo eles dois.

Quando se separaram, as lágrimas de Branca se misturavam com as dele, mas se mantiveram abraçados. Aquele beijo era uma despedia e Branca sabia que nunca iria amar outra pessoa, sempre seria Tiago. Não amaria mais ninguém.

Tiago... descubra o que você quer, quem você é e volte para mim — disse Branca de Neve. — Eu vou estar esperando por você. Sempre.

Eu te amo, Branca. Vai ser sempre você, não importa a nossa escolha.

Eu amo você também, Tiago. No meu coração, jamais haverá outro.

•••

Eu te amo, Branca...

Eu amo você, Tiago...

NÃO! — gritou Marisa Dare para o espelho. Pegou o castiçal mais próximo e o arremessou na janela de seu quarto.

Aquele espelho era estranho, mas Marisa sempre o tivera. A mãe dela, por algum motivo, deixara aquele objeto esquisito no fundo do porão de sua casa. Ele não apenas mostrava o que acontecia no presente e as profecias do futuro, ele também falava e era a consciência de Marisa. Quase como se... como se Sebastian via como ela era.

Ela não gostava de pensar nos habitantes de sua vila. Tinha aquele espelho como seu amigo, seu companheiro mágico — Marisa amava eu pai, mas ele não tinha poderes; Milo era sua ligação mais forte com os mortais —, já que não tinha ninguém para partilhar seus segredos... Até que Tiago aparecera. Por alguns anos, Marisa fora feliz, como nunca tinha sido. Mas, então, Branca de Neve surgiu e roubou Tiago dela. Isso Marisa jamais toleraria.

Maria não sabia o que fazer. Sentia uma fúria tão extrema, que sua magia estava começando a ruir seu muro de controle; o mesmo muro que Marisa conseguira construir quando viu que sua magia era negra e que poderia machucar Tiago. Mas essa era ela. Essa era sua essência. Tiago era dela, mas ele não achava mais isso... Então por que esconder o que não deveria ser escondido? E havia sido Tiago quem disseram que a magia era quem ela era... Se soubesse apenas a metade...

No início, Marisa queria ser boa. Queria ter amigos, família, um amor verdadeiro. Porém, no fim, ela sabia que nunca seria assim. Sua mãe era da mesma forma e morrera queimada. Marisa não queria ter o mesmo fim estúpido; era criança na época em que sua mãe morrera. Ainda não entendia nada, mas, quando atingiu seus quatorze, soubera que seu destino estava traçado. Tiago apenas lhe dera uma vã esperança de que ela poderia mudar, poderia ser boa. Contudo, ao vê-lo com Branca de Neve, sentiu sua magia negra começar a corroer seu escudo e percebeu que não poderia ser uma bruxa branca.

Ainda com o ódio queimado suas veias, Marisa Dare pediu que o espelho lhe mostrasse a coisa mais preciosa — mais preciosa até que Tiago — de Branca de Neve e o espelho lhe disse que era a família de Branca. Sebastian mostrou a mãe — terrivelmente parecida com a filha — e depois mostrou o pai — que tinha apenas os olhos iguais.

Marisa deu um sorriso diabólico. Ela começaria pela mãe. Branca de Neve nunca seria feliz.

•••

O clima no Reino de Vitória estava de luto. O Rei de Arcadia tinha as olheiras profundas e sua expressão era cheia de dor. Branca de Neve agarrara-se em Tiago e não o deixava partir para lugar nenhum, como se fosse perdê-lo também. Rei Carlus, por sua vez, sentia-se culpado. Ele sabia como era perder alguém amado, mas aquilo acontecera em seu reino, em suas terras.

A Rainha de Arcadia havia ido, no dia anterior, passear pelo bosque, encontrar e explorar a beleza rara que o Reino de Vitória tinha. Ele tinha ido sozinha e fora brutalmente assassinada por uma bruxa das trevas. Os vestígios eram óbvios demais e o Rei Carlus — para provar a qualquer custo que não ia deixar aquilo barato — mandara seus melhores soldados seguir o caminho que a trilha de magia havia deixado.

Tiago se sentia mal pelo pai. Ele sabia que o pai era uma pessoa justa e leal, um verdadeiro Rei, que julgava com o coração e cabeça em perfeito equilíbrio. Ter uma Rainha de outro reino assassinada em suas terras lhe deixava frustrado, determinado e um pouco louco. Tiago o entendia. Queria muito saber quem havia matado Melinda White.

Branca de Neve ainda não conseguira se recuperar e ele tinha que ir até Marisa. Sabia que ela não o aceitaria, mas precisava falar com ela, explicar tudo e —ele não conseguia entender — ver se ela precisava dele. Tiago havia muito amado Marisa e ainda sentia algo especial por ela. Sua aura poderosa, sua voz cortante e sedutora, seu modo de agir, o jeito que ela falava que o amava... Ainda abalava o Príncipe. E embora Tiago tivesse certeza que amava Branca de Neve de verdade, ele sentia algo inexplicável por Marisa. Então, deixar Branca de Neve, seria um sacrifício.

Tiago explicou para Branca que teria de ir e ela tentou não argumentar. O Príncipe beijou a testa de Branca de Neve e partiu, sozinho. Sentiu um vazio no peito ao deixar a Princesa naquele castelo imenso e ainda com aquela dor de ter perdido a mãe. Tiago sabia bem como era; não conseguira esquecer a morte da mãe; mas tentava seguir em frente.

Ele pegou o próprio cavalo — Baco¹ — e saiu do castelo, seguindo o caminho tão conhecido. Tiago pensava que, quanto mais se aproximava de Branca de Neve, mais coisas terríveis acontecia com a Princesa. Em seu íntimo, Tiago temia que todas aquelas desgraças que acontecera à Branca de Neve fosse por sua culpa. Ele tinha de acabar com aquela dor, com aquelas coisas ruins ele queimaria todas as bruxas que conseguisse encontrar.

O caminho para avila de Marisa apareceu e Tiago viu a diligência dos soldados de seu pai ali, vazia. Ele franziu a testa e desceu de Baco, o ancorando à uma árvore. Ele sempre levava alguma arma para todos os lugares que ele ia e hoje era apenas uma espada. Tiago fora treinado para estar sempre preparado.

Com cautela, o Príncipe caminhou pela vila sem moradores. Pela primeira vez, ele sentiu medo de estar ali sem proteção; podia sentir que algo muito macabro estava ali. De repente, Tiago ouviu um barulho vindo logo mais adiante. Rezando para que não fosse na casa de Marisa, ele foi até lá. Claro que ele estava engando.

Como da primeira vez, Tiago foi por trás da casa de Marisa, sentindo o coração afundar no peito, uma dor inexplicável ao ver a cena. Marisa estava se levantando, sua roupa e mãos estavam sujas de sangue, e ela carregava algo nas mãos. Então Tiago olhou para o chão e sentiu-e enjoado e incrédulo: todos os soldados de seu pai estavam mortos. Uma poça de sangue sujava os pés de Marisa e seus olhos, geralmente cinzas, estavam injetados e vermelhos. Uma aura poderosa envolvia Marisa, deixando Tiago — pela primeira vez — apavorado.

Marisa — ele arfou, a voz carregado de dor. — O que você fez?

Marisa o olhou e, por dois segundos, ele pensou tê-la visto vacilar. Mas logo seus olhos vermelhos tomaram conta e ficou o o olhando, sem saber o que fazer. Depois deu uma gargalhada de congelar os ossos.

Ora, descobriu que eu existo, Príncipe? — perguntou ela com a voz gélida, sem emoção. Imediatamente, Tiago sentiu-se mais do que culpado.

Ele saiu de onde estava e foi até Marisa; a dor que ele estava sentindo era tão aguda e intensa, que Tiago não era capaz de formular uma frase coerente. O que ela era? Ele olhou para o chão e seus olhos marejaram: alguns daqueles soldados eram seu amigos.

O que você fez, Marisa? — repetiu Tiago. — Por quê?

Me diga uma coisa, Tiago — ela ignorou as perguntas dele. — Você sentiu saudades de mim? Você me amou?

Por que está me dizendo uma coisa dessas? Claro que amei — disse Tiago, ofendido.

Marisa deu um sorriso amargurado.

— Amou.

E Tiago percebeu que havia dito no passado. Ele já havia perdido a maior parte de seu encanto por Marisa quando esta disseram que queria a morte de Branca; ele não sentia nada tão forte por Branca de Neve, mas Marisa fora, com aquele instinto assassino, que afastara Tiago dela mesma.

Quando ia me contar, Tiago?

Eu... eu vem aqui para isso. Eu estou confuso, Marisa. Eu gosto de você, mas...

Mas ama. — Completou Marisa e Tiago ficou mudo. — Mas isso não vem ao caso, Tiago. Eles iam me matar! Sou uma bruxa. Você fez a sua escolha e eu fiz a minha.

Não precisava ser assim. Por que fez tudo isso?

Eu sou uma bruxa! Não sou igual a minha irmã, não sou igual a você! — exclamou ela, visivelmente sem remorso. — Sabe o que aconteceu nesta vila? — Ela não precisou da resposta de Tiago. — Eu os matei. Todos.

O olhar de Tiago endureceu. De todas as coisas que Marisa dissera, aquela fora a pior de todas. Ele a analisou melhor — os olhos vermelhos, a pele acinzentada, o vestido imundo de sangue — e viu que nunca a conheceu de verdade. Ele se encantara porque ela era diferente e porque ela parecia ser alguém amável, com medo do mundo cruel.

Como? — sussurrou Tiago.

Eu não tinha controle dos meus poderes. Por muito tempo, eu sento como se estivesse viva... mas, quando você apareceu, eu senti a necessidade de mudar — respondeu Marisa.

Então, como pôde? — Ele não conseguia entender.

Não é da minha natureza ser... boa.

A respiração de Tiago e acelerou e a raiva tomou o lugar da decepção.

Eu deveria matá-la — grunhiu.

Em depois segundos, Marisa estava em frente a Tiago, segurando a espada. Ela empurrou o punho para o Príncipe, com a lâmina em seu coração. Os olhos de Tiago estavam arregalados, cheios de surpresa e temor. Como ela chegara ali tão rápido?

Mate — disse Marisa. — Mas tem de tirar o meu coração. Só assim Vossa Majestade conseguirá me liquidar.

Tiago forçou a lâmina no ponto entre as costelas do lado esquerdo de Marisa. Mas, ao olhar nos olhos dela, lembrou-se da garota que ele amou durante anos. Lembrou-se dos dias que ficaram em um barco; dos beijos trocados nos jardim do castelo... Ele não conseguiu fazer o que deveria ser feito.

Ele fechou os olhos e desviou o rosto. Abaixou a espada e não a olhou para ver sua expressão; Tiago não queria ver que ela fora sua fraqueza, que não podia fazer aquilo... E ele sabia que iria se arrepender para sempre.

Vá embora daqui, antes que eu mude de ideia. — Ordenou Tiago ainda sem olhá-a. — Nunca mais volte! Eu não quero vê-la nunca mais.

Tiago não precisou olhar para saber que Maria se fora para sempre. Sentiu uma dor imensa ao perceber que Maria não era quem ele pensava que fosse. Era como se ele tivesse amado outra pessoa.

Abriu os olhos e viu seus guardas reais, mortos, e seu coração apertou. Tiago caiu de joelhos na imensa poça vermelha, colocou a cabeça entre as mãos e chorou.

•••

Merda, merda, merda — xingava Tiago, que tentava escalar uma árvore com apenas algumas flechas que ele tinha em sua aljava.

Toda vez que Tiago estava em perigo, o Príncipe de antiga Vitória lembrava-se do dia em que mandara Marisa Dare embora. Os soldados de seu pai o encontraram e em estado de choque nos fundos da casa de sua ex-namorada. Quando ele chegara ao castelo, a única lembrança de que Branca de Neve estivera ali, fora sua carta de despedida. Não ter se despedido dela havia sido pior do que descobrir que Marisa era uma bruxa das trevas.

Depois daquilo, seu reino e ele nunca mais foram os mesmos. Muitas bruxas atacaram seu lar e Tiago vira o próprio castelo e o pai ruírem, e apenas ele sobreviveu àquilo. Apenas ele mantinha o sangue nobre dos Hensel, mas não se gabara por isso. Tiago tornara-se um caçador de bruxas e muito bem sucedido.

Ele conseguiu, finalmente, subir na árvore. Sentou-se em um dos galhos mais altos e observou tudo ali de cima. Desde que chegara àquele reino, Tiago não conseguira descobrir o seu nome. Mas, ao ver, a paisagem dali de cima, soube que aquele reino, um dia, fora um belo e próspero lugar. Agora, tudo parecia cinza e sem vida, e Tiago sentiu-se péssimo ao ver aquilo. Vitória era um lugar belo; doía lembrar-se de casa.

Tiago nunca se esquecera de Branca de Neve. Às vezes, pegava-se pensando neles dois e no beijo que haviam trocado. Tiago tentava não ficar preso no passado, mas era inevitável esquecer-se da Princesa de Arcadia; ela ainda ardia em seus braços e seus lábios queimavam os dele. Tudo isso era apenas sua lembrança, porém muito vívidas.

Mas agora ele estava sendo perseguindo por um bando de homens de capas pretas. Tinham tudo quanto era rama e só morriam se Tiago os acertava no coração ou na testa. Aquilo era frustrante para Tiago, ele só tinha duas flechas sobressalentes. Tiago estava ficando sem opções, quando ouviu os Caçadores chegando.

Dali da árvore, Tiago os viu brandindo as espadas e também seus arcos e flechas. Tiago resmungou.

Ah, cacete! — E tentou raciocinar rápido, apurando mais os ouvidos.

Ele ouviu algo a mais, do lado da estrada, na floresta. Parecia um canto, onde vozes de homens se sobrepunha a de uma mulher. Ele reconhecia aquela música. Os Caçadores estavam se aproximando, o avistando ali em cima, e Tiago xingou xingou mais uma vez. Ele atirou uma flecha na testa do líder, que caiu ao chão, e depois amarrou uma corda em sua última flecha. Tiago jogou-se de costas da árvore e mirou a flecha no tronco da mesma. Ele segurou firme a corda, indo para baixo sem um modo de parar. Então, a corda arrebentou e ele caiu em cima de algo macio. Ao longe, ele pôde ouvir os Caçadores berrarem com fúria.

Tiago gemeu, rolando de lado e de olhos fechados. Depois, os abriu e viu sete anões o olhando surpresos e raivosos.

Anões! — exclamou Tiago, admirado. — Meu Deus, vocês são raros!

E você caiu em cima da nossa amiga — retrucou um dos anões de aparência zangada. Tiago olhou para a garota caída e sentiu sua respiração e o coração falharem.

Um dos anões a ajudava a se levantar; seus cabelos eram grandes e negros como o ébano, a pele branca como a neve e os lábios tão vermelhos quanto o sangue — e Tiago vira muito sangue para saber que a comparação era válida —, seu rosto era perfeito, assim como o copo coberto por uma capa bege, e os olhos eram da do mel. E ele nunca se esqueceria daqueles olhos e Tiago quase morreu de felicidade.

Olha por onde você caí — disse a mulher, porque era isso o que ela era agora, irritada. Foi o mesmo modo insolente que ele a ouvira dizer pela primeira vez.

Branca? — arfou Tiago, seus olhos ardendo. Ela o olhou melhor e seus olhos se arregalaram.

Tiago? Tiago Hensel! — O coração dela disparou de um modo desesperado e ela se lançou contra o corpo do Príncipe, que gemeu, mas sentiu que fosse a primeira vez que ele conseguia respirar direito em muitos anos.

Ah, Branca de Neve... — Ele inspirou o cheiro dela; Tiago se sentia feliz e completo, a saudade de seu reino, de seu pai e de toda a sua vida, foi extinguida assim que Branca de Neve o beijou.

Ao longe, eles ouviram a voz dos Caçadores. Branca de Neve ficou tensa e ajudou Tiago a se levantar, olhando para os anões que, mesmo desconfiados, assentiram.

Vamos, vamos para um lugar seguro — disse ela e o conduziu pela floresta que ela parecia conhecer bem.

Branca, o que houve com o seu castelo? — perguntou Tiago, olhando para os lados, atento a qualquer sinal de perigo. Muitos anos fugindo e seus sentidos de alerta aumentaram; Tiago nunca mais foi o mesmo.

Ele olhou para Branca de Neve, que tinha a expressão dor e tristeza. Tiago percebeu que ela parecia mais velha para a idade que tinha, que ela havia perdido sua inocência há muito tempo e isso o entristeceu. Não era justo que ela perdesse tudo também; Tia havia cometido muitos erros. Imediatamente, se arrependeu de ter perguntado.

Aqui não — respondeu ela por fim, passando a mão no peito distraidamente. Tiago observou-a com mais atenção. Tudo nela parecia mais maduro; o jeito como ela nadava, o modo como falava e agia, o corpo já não era tão pequeno e frágil, era mais atraente e esguio, os cabelos estavam maiores e já não tinham mais as tranças. Ela mancava quase que imperceptivelmente; Tiago sorriu ao se lembrar de tê-la salvo.

Ele nada falou. Apenas ficou a olhando abobadamente, percebendo que a seguiria para qualquer lugar. Os anões o olhavam, tentando descifrá-lo, tentando descobrir quem ele era.

Tiago olhou para a floresta esquisita, sentindo que aquele não era o seu lugar. Ele ignorava a dor que sentia nas costas por ter caído de mal jeito e decorava o caminho quando olhava para Branca de Neve.

De repente, eles se embrenharam mais na floresta. As árvores ficaram mais juntas e a luz do dia se extirpara, deixando-s na escuridão. Mas eles pareciam estar acostumados àquela escuridão e logo viu alguma coisa minúscula ao longe. Tiago os observou seguirem para lá.

O que parecia ser minúsculo, era uma casa adequada para os anões, fazendo Tiago ficar impressionado. Ele os seguiu, ainda espantado, mas sorrindo. Há quanto tempo ele não via uma casa? Não dormia numa cama? Os anões foram na frente, deixando Branca de Neve e Tiago para trás. Ele pegou a mão dela.

Ela o conduziu para dentro da casinha, onde tudo era apropriado para os anões. Camas pequenas, essa pequena e tudo o mais. Tiago se perguntou onde Branca dormia; ele, então, olhou para cima e viu que tinha um segundo andar, onde havia uma cama em tamanho normal. Ele se imaginou deitado ali, com ela. Balançou a cabeça e se concentrou no que deveria perguntar.

O que houve aqui? — perguntou Tiago.

Muitas coisas, Tiago Hensel — respondeu um anão de aparência sábias. — Muitas coisas ruins, as quais nem mesmo nós pudemos evitar.

Tiago olhou para Branca, que estava quieta, e depois para os anões.

Eu só conheço um tipo de coisa ruim: bruxas — disse Tiago, procurando ajuda com o olhar. Branca de Neve se mexeu em seu lugar.

Na verdade, apenas uma bruxa — falou Branca. — E ela é minha madrasta. Sabe aqueles Caçadores lá fora? São designados para me matar.

Por quê? — Tiago não conseguia entender. — E qual o nome dessa bruxa? Eu venho caçando-as por todos os reinos pelos quais eu passo. Eu posso matá-la.

Eu não sei o porquê, Tiago — ela suspirou. — Só sei que ela matou meu pai, tomou o meu reino e mandou me matar. Os poderes dela me assusta; Marisa é poderosa, até mesmo para você...

O coração de Tiago deu um salto. Ele sabia que se arrependeria de não ter feito o que era certo. O medo o invadiu, será que ele conseguiria acbar com o que havia começado? Ainda assim, tinha de continuar.

Marisa? — arfou. — Marisa Dare, é esse o nome?

Como sabe? — perguntou Banca de Neve, estreitando os olhos. Ele a olhou com mais intensidade e Branca compreendeu.

Eu a conheço — a respiração dele estava acelerada.

Como assim? — perguntou um dos anões. Tiago, ao responder, olhava para Branca:

Marisa era minha amante. — Disse Tiago com pesar. Todos ficaram em silêncio. Tiago tinha a consciência de que Branca o olhava com rancor, mas nada adiantara. Marisa estava ali, em Arcadia, procurando vingança. E Branca de Neve era o preço...

A imagem se dissolveu e Tiago Potter caiu no chão.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 


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Notas finais do capítulo

N/A¹: Baco, deus do vinho e das festas, em sua forma romana. Dioniso em sua forma grega. Sim, eu estou lendo muito Percy Jackson e estava sem criatividade para criar nomes.

Espero que gostem e...
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