Um Dia Qualquer. escrita por Hikari


Capítulo 34
Sonho da Meia Noite.




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Pov. Annie.

Com a ponta do dedo, toquei a superfície espelhada da água. De onde ela havia partido, várias figuras concêntricas ondularam até colidirem com a barreira concreta da banheira; ondas dos movimentos causados pelo meu corpo. Porém, mover-me dói. Afundara meus pés na água de uma maneira que não seria possível vê-la, pois observá-lo trazia-me uma lembrança incisiva, que deturpava minha mente com os fatos desorganizados responsáveis pela minha atenção. Não conseguia manter-me de pé por muito tempo, pois a pele que me sustentava havia sido descamada e queimada, incapacitando-me de qualquer tentativa febril de retornar a postura ereta.

Deslizei para baixo, submergindo-me o máximo que podia para dentro da água. Observei os circulares formatos na água túrbida até sumirem, e deixarem como traço apenas o líquido marcado, gravado pelo efeito de abrigar-me. Era como estar deitada em um campo de tormento, um lago audacioso de escárnio; minha própria recompensa. Embora, afinal, não tenha uma diferença extenuante em comparação com os dias atuais. Era como assistir a própria morte, mas de uma forma mais corrosiva e desafiadora.

Algo que tenho de denotar aqui, é: caso relembrasse daquela memória passada, poderia muito bem ter dito que não se passara de um aviso. Uma advertência ignorada deploravelmente. Talvez se houvesse tido o mínimo de percepção para evidenciar o fato que se passava comigo, talvez, talvez, não estaria aqui. Entretanto, ainda não chegamos nesse ponto.

Sentada naquela extremidade do amplo espaço do banheiro, onde jorrava das luzes um brilho suave de uma amarelo alaranjada nas lajotas do chão e nas paredes, e no pano branco arranjado para separar a banheira do resto do aposento, ponderei sobre como iria proceder o tempo dali em diante. Um desejo de simplesmente desaparecer consumia-me em trevas, mas tudo o que fiz foi repousar a lateral de minha cabeça na beirada da banheira, tragando um longo suspiro para meu interior. Meu corpo e os móveis espalhados irregularmente formavam silhuetas espectrais no chão ao meu lado; a insinuação de minha sombra, porém agora fatigada e esgotada, corrompida e enevoada, tremulava na direção ponteira da mira de meus olhos. Encarei-a por alguns segundos, tentando desviar a atenção da água e permanecer quieta; o que, obviamente, não estava dando muito certo. Minhas pernas ardiam como se eu estivesse a ponto de perdê-las, meu corpo alegoricamente queimava em um fulgurante e abrasador chamejo imaterial. Eu tremia, apesar de não estar frio. E, exatamente, não era culpa do gélido vento que adentrava pelas brechas nos contornos da janela e da porta; era uma razão incoerente, um motivo sacolejado por um temor irracional. Não sabia do que tinha medo, ou melhor – eu compreendia o que eu recusava a aceitar e saber. Talvez seja por isso que eu tremia.

Não entendia o porquê vinha tudo a recair sobre mim. No entanto, de qualquer forma, não havia alternativa a escolher para continuar a pensar sobre isso. Do que poderia ponderar se mal a causa era descoberta? O efeito de meu temor preocupava meu irmão, e eu conseguia visivelmente enxergar seu exaspero quanto ao meu comportamento quando voltávamos aos limites de Panem. Não estávamos localizados dentro da área, e fora apenas perceber que ultrapassáramos o ponto acessível de nossa Área após notar a longa distância que tivemos necessidade de percorrer até achegar-se ao parco vislumbre de casas ao longe, e da cerca protegendo os Distritos de más visitas de fora, o tempo já tardio me causara um espanto irrefutável. Obviamente o que acontecera não estava nos meus planejamentos, e não encaixava-se com meu claro labirinto o qual fora obrigada a atravessar, aquele que pensava ter desvendado. Mas estava enganada, apenas desnorteada. O mapa? Estava enterrado, em um solo profundo e mortiço, com a capacidade de afogar qualquer um que ousasse exercer suas forças para alcançá-lo, como areia movediça, ou como meus pensamentos.

Minha mão moveu-se vagarosamente, submergindo no líquido e concedendo respingos mancharem o chão do banheiro. Não era mais água – pois água é uma substância pura com o objetivo de nos limpar, nos saciar com a suavidade de seu toque, e era evidente sobre o fato de que onde eu estava imersa não era necessariamente um líquido digno a definir-se como “puro”, apesar de haver sua definição equivocada para isso. Ele condensava-se e grudava em minha pele, não auxiliando em minha tentativa de retirá-lo dali.

Eu nadava em meu próprio sangue.

Não que eu me importasse com isso, afinal, aquilo viera de mim. E não era, de fato, um mar total e absoluto preenchido pelo sangue vindo de meu corpo. Ele havia se misturado e mesclado com o que antes poderia se mencionar como a água da torneira – quente e reconfortante, calorosa e cálida, apenas com o intuito de mandar-me consolo e disciplinar as minhas cicatrizes as quais duvidava muito de a maioria conseguir superar o trauma e sumir. Teria os sinais de meus pesadelos por um bom tempo, e creio que nunca poderei escapar e ou evitar os pensamentos de um dia ter sido infringida por tais malefícios. Embora, de toda maneira, eu não ter esperanças de ver um futuro concreto para mim.

Meus cabelos estavam presos em um coque retraído, porém ainda conseguia usufruir dos fios soltos acima de minha nuca acariciar a pele de meus ombros. Ao afastá-los, porém, apenas criei uma coloração viscosa e ruborizada em minhas mechas escuras. Portanto, tentei ignorá-los. A única janela do banheiro permanecia aberta, a fim de espantar o odor metálico e acre do meu próprio tecido corrompido. Queria esquecer aquela desastrosa memória, contudo, ao mesmo tempo, eu não desejava. O que eu faria se simplesmente acordasse e não houvesse aquele massacrante fardo do deslize de meu controle em minha mente, e em minha pele, em suma? De fato não teria adquirido o que eu recebera não pela minha vontade individual, mas pelo simples princípio de ter passado por aquela experiência não muito receptiva; ou seja, eu poderia aprender um pouco mais sobre o que acontecia sobre mim.

Ou, bem, poderia ajuntar os aglomerados de tentativas frustradas em um bolo ainda maior em minha mente. No entanto, isso era a menos importante e menos significativa entre as consequências de que poderia vir a sobrepujar-me. Quem sabe, na próxima vez, eu não fosse capaz de parar? O que viria a acontecer comigo? De certa, não seria algo satisfatório ou proveitoso a mim. Minhas habilidades estavam além do que essa estranha indisciplina corporal e mental. Conscientizava-me disso.

Minha sombra deslocou-se, alongando-se e revirando-se quando encolhi-me para frente. Não me incomodei pela densidade mais tangível do líquido escorrendo pelas minhas costas, quando estas foram emersas, apenas afundei meu rosto naquele mar de sangue pegajoso. Ainda podia sentir a umidade aquosa, e tentei concentrar-me naquelas pequenas partes quase minúsculas em meio a tanta ‘vazão’ de meus ferimentos. Meu estômago se contraiu ao sentir inúmeras pontadas por todos os cantos de meus braços aos levá-los a minha cintura e enlaçar meu corpo, meus músculos pareciam amolecidas carnes desgastadas. O pior dano fora em minha panturrilha e em meus antebraços, onde levaram as maiores estocadas em minha armadilha pessoal. Fingi não incomodar-me com a dor, porém tal observação era fútil. Um grunhido estrangulado escapou de minhas cordas vocais, embrulhando-se em meio ao grudento nó preso em minha garganta. Meus olhos estavam fechados embora ainda pudesse presenciar a oferenda de uma seca e ineficaz friagem arrebatada na superfície do meu glóbulo ocular. Já haviam se esgotado as lágrimas. Terminara com a última gota na segunda remessa de água ensanguentada que deixei o ralo escorrer, até por fim encher a banheira com a terceira e última jogada de água quente que teria naquela noite antes de secar-me e me trocar.

As lembranças da noite ainda flamejavam como queimaduras em brasas em todo o meu consciente. Não interessava se estava de olhos abertos, ou cerrados. Ainda conseguia nitidamente esboçar as passagens do evento em rodopios pela minha cabeça, eram como relâmpagos: clarões vorazes e passageiros, constando-se nos céus como lampejos perscrutando o repouso noturno das estrelas. Embora ainda estivesse compenetrada em uma cena, a qual teimosamente recusava-se a deixar minha mente.

“-Como você pretende voltarmos para casa assim? –sussurro baixinho para meu irmão, insinuando não parecer tão ríspida como para mim soava. –Quer dizer, mamãe e papai sem a menor sombra de dúvidas irá nos interromper para saber onde estávamos. Não posso simplesmente caminhar até lá e dizer: “ah, como é bom vê-la, mãe, eu estava apenas sendo controlada por uma força estimulante que não consigo compreender, quase fui morta por isso! Mas não se preocupe, estou vendo minha morte por perto todo segundo, e não sinto absolutamente nada com esse fato!”.

Meu irmão guardara os medicamentos e embrulhara o restante do unguento. Meu corpo estava coberto de ataduras, algumas já encharcadas e causando peso para meu corpo, outras leves e inundadas de remédio o qual meu irmão fizera. Estava seguindo-o para fora da área onde desabara, onde nós ajeitamos o possível para esquivar nossos sinais de um dia tivermos estado lá. Fynn deu uma estocada e brecara bruscamente, fazendo-me cambalear e me apoiar em um tronco de árvore.

-Você... você não sente nada? –ele balbuciou, olhando-me de esguelha. Engulo em seco, concentrando-me em meus pés, cujo tato está sensível pela pele descamada e nova, considerando toda a camada natural ter sido destruída pelo “pequeno” incidente horas atrás.

-É só uma maneira de falar. –justifico, dispersando sua atenção. Ele volta a andar, prestando atenção em seus passos cautelosos e nos ruídos que apenas nós fazemos. Ocasionalmente um animal qualquer emite sons gorgolejantes para nossa passagem, reclamando por terem sido acordados rudemente no meio da noite.

-Respondendo a sua pergunta. –meu irmão começa, fazendo uma pausa quando notara minha respiração vulnerável, e meus passos cedendo a exaustão; meus pulmões puxaram ar em abundância, o que resultou em uma pontiaguda e uniforme dor em meu peito. Imaginara a parte externa do distrito, a rua deserta e a iluminação parca, e tão logo quanto tracei a lembrança em meu campo visual, ela sucumbiu à realidade latejante de minha aflição constante. A última coisa que pude discernir de meu irmão foi: –Não estamos indo para casa.”

Levanto-me da banheira abruptamente, causando o ruído trovejante da água escorrendo pelo meu corpo e colidindo com a banheira côncava. A inflexível sensação de frio investe sobre meu corpo, agredindo-me e fazendo-me ranger meus dentes. Não tremo, porém, quando alcanço a toalha e cubro-me, acobertando-me com ela nas costas. Meu irmão e Alex não aparentam estar perto quando encaminho-me vagarosamente para meu quarto improvisado em um dos incontáveis cômodos vazios de sua casa. O fluxo de minha respiração parece oca e incoerente, e emprego um inesperado esforço para me trocar sozinha.

Assim que ajeitei-me, com o cabelo molhado respingando água mesclada com uma coloração forte e rubra no piso, eu sustentei-me nas portas do armário, resfolegando e ofegando em vigorante agonia. Minha cabeça tombou para frente, imersa em um oceano opressivo pressionando-me para baixo. Tinha de me recompor para clamar pelas ataduras em meu corpo, mas tudo o que acompanhava-me era o almejado desejo de desfrutar de um descanso, embora tenha dormido na maior parte do dia que passara ali. Escorreguei minha testa para o lado, conseguindo deslumbrar pelo canto do olho a cama com lençóis brancos e limpos, estendidos pelo colchão; novos. Algo havia mudado desde quando despertei naquela mesma cama, horas atrás. Minha visão flutuou para mais acima, fitando o anoitecer. O anoitecer despontara, por fim. E passei um dia encarcerada na casa de Alex, o que não ajudava muito sendo meu aniversário, obtendo comigo de presente apenas o gutural cobertor de estrelas meticulosamente associadas nos céus, faiscando para mim sombriamente. Deixei um profundo suspiro libertar-se de meu âmago, e arrastei meus pés, forçando minhas pernas a cooperarem, mergulhando no travesseiro macio e reconfortante. Lembranças do dia que passara inundaram minha visão túrbida.

Após Fynn ter finalizado de repor minhas ataduras, ele guardara os medicamentos e arremessara-os no ombro esquerdo, apagara a fogueira com a sola dos sapatos, pisoteando-os e deixando nada mais que alguns galhos queimados. Auxiliara-me a andar, sustentando a maioria de meu peso, no ombro direito, com os braços enrodilhando minhas costas quando já não suportava meu próprio corpo. Não podia dizer-lhes os minutos, horas que se passaram até chegarmos na fronteira do nosso Distrito. Já tinha minha visão turva e apagada, embora conseguisse me guiar para a rota do caminho de papai e mamãe a partir daquele ponto inicial; porém Fynn alternou a passagem, levando-me para a direção contrária. Franzindo a testa, com os pensamentos destorcidos, apenas segui-o, recordando das palavras de Fynn mais cedo. Meu irmão encaminhara-nos para a casa de Alex, o que causara-me certo espanto. Relutara em continuar, mas quando minha força desvanecia aos nano segundos transcorridos e seu irmão é filho de Peeta Mellark quem lhe fora o instrutor de suas lições familiares, não tinha chances em contrabater e recuar-lhe o toque, ele arrastara-me para a porta de minha amiga a qual evitava por um determinado tempo, a qual não almejava rever no estado que me encontrava. Com o nó dos dedos, batera na porta da frente enquanto tentava escapar de suas mãos firmes, porém, obviamente, não conseguira, e uma Alex sonolenta, bocejante e irritadiça apresentara-se para nós. Seu rosto estava enrubescido de fúria, a voz prestes a gritar conosco em uma ira aterradora por termos a acordado de um sono aparentemente lírico, porém assim que havia me visto decaída nos braços de Fynn, o rosto do meu irmão uma máscara exasperada, e minha respiração resfolegante e áspera, sua boca escancarada paralisara-se, sem emitir sequer um arquejo. Logo depois de escutar sua pergunta mal formulada e um “Annie” surpreso e entrecortado, eu desvanecera pelas minhas forças gastas, sentindo-me pesada o suficiente para não mais mover-me, com minhas ataduras sufocando minha pele. Lembro-me de ter acordado não muito mais tarde – pela janela entreaberta ao lado da cama a qual repousava, com cortinas esvoaçando-se pela oscilação do vento, ainda apresentando uma negrume paisagem longínqua e fiz uma contagem, supondo estar inconsciente apenas por algumas horas –, tentei respirar aliviada, mas não conseguia. Não eram apenas os ferimentos que me perturbavam, porém sim as vozes berrando em minha mente, vindas de lugar nenhum. Elas deixavam-me atordoada e faziam-me perder o conhecimento de onde estava, meu raciocínio colapsava-se, e eu não podia fazer nada. Não queria detê-la. Elas sussurravam para mim maneiras de abrandar o exigente comando gritante em minha cabeça, porém eram apenas palavras impávidas as quais esquecia-me assim que meus olhos tornavam a abrir-se. Acabara desfalecendo pela segunda vez, no mesmo dia. Naquela tarde, fora enxotada da sonolência pelos raios do sol, e por um feliz aniversário. Não que eu desejava receber uma comemoração depois do que ocorrera, embora Fynn e Alex ainda ostentavam feições inquietas e agitadas, observando-me em cada passo que dava – se é que dei muitos; nada se passava de um borrão e mancha até o momento quando decidira lavar-me pela segunda vez. Não sabia onde Fynn e Alex haviam decidido ir naquele momento, e já havia bacias de água prontas para mim sem precisar avisá-los.

Recebi passivamente um grande puxão em meu crânio, fazendo-me recordar que o presente ainda não acabara. Infelizmente. Um longo e profundo suspiro acorrenta-se na metade do caminho para fora, transformando-se em um soluço sufocante. Hoje havia sido meu aniversário e a abertura para as comemorações que teriam nos próximos dois dias no Distrito. Achegou-se em minha mente a figura de minha mãe, e de meu pai; no sorriso cômico e irônico de mamãe ao mostrar-me o vestido que guardara para este dia. Eles, certamente, não devem ter ido, e não conseguia imaginar o que estariam pensando nesse exato momento a respeito de mim, e de meu irmão. Ainda não compreendia, também, como não vieram até Alex resguardar-me.

Pergunto-me se Fynn contara a eles sobre o que estava acontecendo comigo. Teria sido aquele evento na floresta o último grão de areia de minha ampulheta? Não que tal fato suscite em um dano incorrigível de forma como nunca poderia ocorrer; era inegável e destrutiva a explosão no final de meu cronômetro, já como a última porção de areia desvanecia velozmente em meu próprio tempo corrosivo.

Pare.

Levou um tempo por certo longo até por fim despertar das memórias e de meus pensamentos. Meus olhos foram vagarosos em obedecer-me e abrir-se em uma estreita fenda relutante. A luz artificial de um azul cinéreo e obscuro vinda do exterior da janela permitia que os contornos turvos dos móveis, em sombras vivazes, dançassem uma extenuante dança colérica para mim.

-Noite. –minha garganta seca tropeçou e ardentes lavas pareceram inundar minha garganta quando tentei sussurrar. Umedeci meus lábios, em uma fútil tentativa de escutar algo que não seja apenas gritos e ordens; uma voz, nem que seja a minha. –Mais uma vez. E você sobreviveu.

Pisquei repetidas vezes na tentativa de substituir os milhares de anéis circulares de uma coloração intensa para uma neutra, para clarear o espaço. Não me importava caso acabasse descobrindo minha visão enegrecida, por fim, à trevas límpidas. Desde quando a cegueira me incomodava quando tudo o que eu almejava fosse o vigente silêncio por ao menos dois segundos? Dois segundos de plena serenidade? É claro que não fui capaz de afastar a barreira de cores peculiares e escarnecedores, portanto apenas forcei-me a ignorá-las. Um desafio, de fato, esbravejante já como minha mente aparentava abrigar todas os insatisfeitos seres dessa época; gritando e sobejando de meus pensamentos, transformando-os em apenas borrões indistinguíveis e transtornados. Uma mancha de desespero em meio a pacífica onda de monotonia da noite a qual acordara.

Sem poder desfrutar, ou confiar, em minha visão por inteiro, tateei ao meu redor. Minha palma aconchegou-se no colchão confortável e de tecido suave e plano. Semicerrei minhas pálpebras e esforcei-me para vislumbrar a pequena área de onde me alojaram. A luz azulada provinha de um feixe sutil de uma lâmpada em minha lateral. Levantando os meus braços, joguei meu punho para meu lado, com meus dedos cercando ao redor do aparelho e virando-o para o canto oposto. A fachada de luminosidade abandonou-me e concentrou-se na parede contrária, onde encontrava-se uma cadeira vazia, simples e usual; um armário incrustado no concreto, as portas grudadas em sua extremidade. Pisquei mais duas vezes e girei meu pescoço para o outro lado, analisando a janela aberta, com as cortinas brancas flutuando à esmo pela correnteza do ar fresco e gélido, porém agradável, a qual infiltrava-se adentro. Não senti frio, com o vento lambendo minha pele e arremessando seu golpe em direção ao meu rosto, açoitando meus cabelos escuros os quais colavam-se em minhas bochechas, meu maxilar e minha testa, o suor acumulado rapidamente pregando-os ali, impregnando-os em minha pele e manejando-a a fim de dá-la a impressão notoriamente grotesca. Minha respiração saia indeterminada, pesada e flexível. Onde estava Fynn? E Alex? Pare, Annie. Durma; durma novamente. Balanço a cabeça, com aquela voz inerente ao meu raciocínio. Um fino timbre, circunspecto, agarrando-se a minha realidade, subitamente audível, intrigante e rígida. As vozes gritantes em minha cabeça haviam estancado, paralisadas em seu tempo e em seu espaço; e portanto eu desejava ardentemente seguir aquele conselho vindo da notável voz baixinha; aquela gradual voz a qual alteava-se conforme um tique-taque inabalável alegava para mim acordar.

Já não estou dormindo? Penso com uma resposta formulada em minha cabeça, porém, antes de poder ponderá-la, os berros e as lamúrias retornam, rasgando a harmônica voz a qual embalava-me em um novo sonho repleto de sintonia com o que quer que me fizera restituir a minha antiga linha de pensamento onírico. A dor extenuante aprofunda-se no fundo de meus olhos, espetando minha cabeça como minúsculas lâminas dilacerando cada partícula minha. Retraio-me involuntariamente, meus olhos circundando a minha frente, tropeçando ao quarto ausente de qualquer forma de vida, a não ser a minha. A sinfonia voltara a martelar com as constantes batidas indomáveis, retumbando pela minha mente como badaladas de um relógio antigo. As brasas formavam-se novamente pela minhas veias, correndo pelos meus membros como genuínas crianças em um divertimento atroz.

Em meio aos borbulhantes sussurros desconexos, acerados, comprimindo-me para o fundo de meu isolamento, escutei uma palavra. Apenas uma única e inconfundível palavra. Meu nome; proferido da voz de meu irmão.

Minhas pernas mexem-se antes de eu empenhar-me em comandá-las. Ela desliza para fora da cama e meus pés levemente afagam o chão liso e frívolo, meus dedos remexendo-se em divertimento, como se estivessem entorpecidos segundos atrás. Sento-me ereta, com os braços esticados em ambos meus lados, empenhando-me em me por de pé. Meus membros estavam entorpecidos, anestesiados, e um peso preponderante impelia meus calcanhares. Minha cabeça dava-me a sensação de ter explodido em faíscas escaldantes quando me levantei, por fim. Tentei caminhar, porém era dificultada pela falta de equilíbrio, e pelo meu corpo ferido e queimando. Minha noção de profundidade e da distância entre cama até a porta era restringida por facadas em meu cerebelo, entretanto eu simplesmente não poderia deixar-me cair no sono novamente. A escuridão oblíqua vinda de fora causava-me um alerta aflitivo de correr, fugir. Meus punhos cerraram-se e usei essa força limitada alimentada pelo pânico irracional para me afastar da janela ao lado da cama, fugir dela, a fim de alcançar a parede direcionada a porta, onde consegui firmar-me e sustentar-me. Apoiei-me na parede, e conforme me aproximava da porta semiaberta, os sussurros incoerentes transformavam-se em murmúrios até por fim tornar-se relevantes.

-O que aconteceu, Fynn? Eu sei que aconteceu alguma coisa. Algo perturbador; algo que você está escondendo. –as palavras vieram a mim como canções atordoantes. Meus dedos apertavam a extremidade da porta com um vestígio de um tremor, e não era capaz de enxergar o cômodo onde as vozes originavam-se. Havia um corredor distanciando-me deles, e as frases ecoavam no ar mórbido por onde minha respiração saía irregular. –Do que você tem medo? Eu nunca o tinha visto pálido como está agora. Você teme o que está acontecendo.

-Eu não estou com medo, Alex. –uma pausa se prolongou, prevalecendo em conjunto a uma tensão estarrecedora. O silêncio era quebrado por ondas de gritos melancólicos em uma agonia interminável que pareciam veicular sobre o espaço alongado do comprido corredor; contudo que ocorriam apenas em minha realidade paradoxal. Meu maxilar enrijeceu-se, e eu me forcei a concentrar. –Eu tinha. Mas não tenho mais. Você está certa sobre eu estar escondendo algo, e isso não significa que vou contar a você o que é.

Um ruído crepitante indicou a inquietação de alguém se movendo no piso. Eram pisos antigos, de madeira escura, que emitiam protestos a cada passo em falso. Conhecia a casa de Alex, apesar de tê-la visitado raramente. Fecho os olhos, encostando minha cabeça na concreta barreira que separava-me de meu irmão e de Alex; minha visão havia ficado túrgida, distorcida, como a superfície de um lago ondulando, quando uma pedra mergulha em sua paralisia pacata e imperturbável, enfurecendo sua placidez. Talvez um efeito dos medicamentos para cuidar de meus ferimentos, embora tenha-os livrado desde quando submergira na água da banheira, há algum tempo.

-Seus pais sabem? –indaga subitamente, com os rangidos do solo pausando. Meus músculos contraem-se, e um bolo de amargor escorre pelo meu esôfago, em contradição. Mas a resposta que meu irmão investe é simples, baixa e deduzível.

-Não.

-Claro que não sabem. –as passadas voltam a retumbar vagantes pelo corredor, e um sussurro ríspido alarga-se em minha direção. –Conte-me. Conte-me agora.

-Não. –assim que meu irmão retruca, posso notar sua voz cansada, e seu tom desgastado. Queria poder desintegrar cada lembrança que ele tinha desde o princípio, quando fui procurá-lo. Deveria tê-lo deixado na ignorância quanto à isso, não deveria tê-lo trazido para o meu degrau da escada infindável a qual levava-nos a um patamar indefinido, desconhecido, aterrorizante. –Não irei contar.

-Eu pensava que você era mais intrigante, Fynn... tudo o que basta é um mínimo de desconfiança. –Alex reclama com repreensão e um tom alarmado, evidentemente exasperada. Enrugo a testa, meus dedos afrouxando sua pressão rígida no aperto da porta. Ela prossegue: –Não vá pensar que você pode ficar calado quando Annie aparece em meio a madrugada encharcada em sangue na minha casa. Em seu próprio sangue. Muito menos quando tive de forçar-me a dizer a seus pais que ela havia ido comigo na comemoração. E nem mesmo tente escapar quando tive de passar o aniversário dela assistindo-a enquanto a própria vagueava no meu corredor como um fantasma. Lyra não saiu do quarto dela quando se deparou com a sua irmã andando pela casa, e depois perguntou-me se podia enxergar mortos. Você está me ouvindo, Fynn?

-Estou. E, na realidade, é o que eu pretendo fazer. –meu irmão revida com um tom calmo e ponderado, sua apatia refletida em suas palavras. Minhas pernas fraquejam, e posso senti-las combatendo com meus pés para manter-me segura e erguida, apoio todo meu corpo na parede as minhas costas, meus ombros expandindo um ardor o qual arrancou-me um grunhido baixo.

Viro o rosto para prestar atenção nas palavras, mordendo meu lábio inferior.

-Fynn... –ela soava abafada, meus ouvidos quase não mais captavam as palavras providas de sua boca. –Eu posso...

-É impossível. –interrompe-a meu irmão. Está determinado, confiante e sem relutar em pensamentos vagos, imprecisos ou, de fato, abstratos. Posso ter a impressão de sua fúria imersa em um cobertor de descrença a fim de esconder o que sempre eu soube que ele sentia. Sua ira e sua frustação; eu também as carregava constantemente comigo. –Nada, absolutamente nada que esteja em sua capacidade poderá ajudá-la, Alexandra. Tente, e verá.

Alex não apreciava ser chamada com seu nome inteiro. Poucos o sabiam, por uma razão coerente. Talvez fosse pois quem o havia dado fosse seu pai; e ela não o via desde quando completara oito anos, e ele nunca se incomodou de visitá-la, ou mandá-la um cartão de aniversário. Entretanto, não escutei o que eu esperava ser um berro estarrecedor de meu irmão; embora, talvez, eu apenas não o tenha notado. Não escutava claramente as frases as quais vinham com dificuldade para minha audição, eram apenas barulhos lancinantes distinguíveis em meio ao colapso de outras frases desconexas.

-Como você sabe que não relatarei isso para seus pais? –Alex parecia submergir de um oceano tempestuoso; um cicio provocador, inundado de ferocidade. –Você não teria outra escolha a não ser relatar à eles.

-Eu sei que você manterá isso oculto. –Fynn faz uma pausa, a qual aparentou ser para mim um interminável suspiro. Meus pés lentamente perdiam a aderência no solo e faziam-me escorregar pela parede, conseguia suster-me com meus dedos do pé, lutando para controlá-los. Escutei um sibilante vento cortar minha pele, e arregalei os olhos, virando abruptamente minha cabeça para trás. As cortinas feriam o ar, rasgando sua dimensão com o vento açoitando-o, escarnecendo-se de mim, ameaçando-me. Fynn completa –Afinal, foi exatamente por isso que vim. Você não dirá nada.

-Não é como se você me controlasse. –Alex surgia longínqua, e as pontadas agudas cintilavam pela minha visão mais uma vez. Cerrei meus olhos apertados, e o som do tecido denso e espesso da cortina arranhando-se preencheu minha audição, rindo e investindo para dentro de mim.

-Sim, de fato. –as últimas palavras sobressaem-se de Fynn, adquirindo uma distância, com murmúrios severos fechando as fendas atrás de si, isolando-me em uma clausura inescapável. –Porém, eu a conheço. Sei que não fará isso.

Elevando-se e ondulando, uma tortura angustiante acomete minha consciência, como da última vez. Tento repeli-la, arremessa-la para longe, contudo sou fraca, vulnerável. Sempre fui, apesar de tentar perpassar não ser. As provocações e as secas promessas de paz invadem-me, e tudo o que faço é deixar-me desabar. Minhas mãos correm depressa para meus ouvidos, tampando-os, pressionando-os, inúteis em sua tentativa de fuga. Um grito estrondeante ecoa pelo corredor; um grito permeando nos cantos e nas sombras, alastrando um desespero contagiante. E por fim, sinto o gosto de bile, metálico e acre dominar meu paladar. Minha garganta dói. Não conseguia respirar. Meus olhos ardiam e estavam úmidos. E naquele momento; naquele exato momento, eu pensei que fosse morrer.

Mas era evidente, claro, nítido, obvio. Naquele instante, logicamente, não para mim, uma mente obscura e genuína, vítima, como fantoche. Porém eu iria descobri-la mais tarde. A verdade, o fato, a motivação a qual me agarraria no final. A morte não é tão fácil assim. A morte não vem de modo singelo, gentil e simples. A morte não é assim. Ela não é bondosa, altruísta, misericordiosa ou compadecida. Pelo menos, não para mim.

***

Um campo aberto situava-se a minha volta. Não um campo, não. Era o fim do labirinto, aquele onde eu fugia, aquele que permanecia trancado, aquele impenetrável. O labirinto o qual achara entre intervalos frenéticos e tempestuosos dos pesadelos, sim, meus pesadelos restituídos do frio e congelante tempo, aquele tempo lúgubre, formado por teias pegajosas e traiçoeiras, as quais me arrastavam consigo. Onde eu perdi-me, onde eu fui enganada, onde eu fui tragada quando corria para escapar dos berros; meus próprios berros.

Minhas pálpebras pesavam, combatendo contra minha vontade para abri-las. Minhas mãos estendidas, mantive-as como orientação, guiando-me para frente, enquanto meus pés descalços tocavam o solo úmido do orvalho espalhado pela grama rasa a qual tateava, enroscando-se entre meus dedos, acariciando-o e segurando-o como dedinhos de criança em busca de um firme alicerce. Estava escuro, a penumbra arrastando-se para minha sensível consciência, e embora temesse tropeçar, o fresco vento o qual açoitava o meu rosto me incitava a prosseguir, dando-me empurrões bondosos a caminhar insistentemente.

-Annie. –uma voz escorregou pela correnteza e parei, espantada. Quem havia entrado? Onde poderiam ter achado minha entrada? Não havia uma. Não, pois eu as escondia. Impedia de qualquer um encontrar meu sagrado e secreto esconderijo, onde as árvores oscilavam serenas e cambaleantes, onde a amena e branda percepção de paz podia preencher minhas preocupações as quais corroíam-me metodicamente, cuidadosas e minuciosas. O sussurro, implacável e impassível, segura-me por trás. –Annie...

Minha cabeça gira velozmente na sua direção, e meus braços apalpam a frente vorazmente em rumo a algo para se sustentar. Porém nada está lá, apenas o vento, que atravessa minha pele e desliza em meu encontro, jocoso e brincalhão.

-Como você me encontrou? –minha voz tremula inquietantemente, e limpo a garganta, descobrindo-a com um nó sórdido agarrado a meu esôfago. Esforço-me para abrir os olhos, descobrir o desconhecido e achar-me na luz novamente. Porém, elas recusam-se a me obedecer, e compelem-se a estancar com mais firmeza e determinação. Trinco meus dentes, os quais sinto rangerem-se em frustração. –Quem é você?

Uma risada prolifera-se atrás de mim, e viro-me assustada. Minhas pernas arfam em vacilar, fazendo-me buscar forças para me equilibrar, recuando para meu tornozelo afundar na terra macia e arenosa, meus braços sacudindo-se em desespero e temor, vasculhando a área em minhas redondezas. Nada, nada e nada.

-Onde você está? –não passa de um murmúrio, porém ainda consigo transpassar minha voz para fora do profundo buraco negro mergulhado no poço rochoso de meu âmago conturbado. Elevo meu queixo, tentando demonstrar coragem, enquanto a única sensação concernente à minha valentia seja o rumor de meu coração descompassado, tentando afirmar-se e fingir harmonia. Ninguém entrava, e ninguém saía. E por que deveria? Apenas eu conhecia o labirinto. –Por que você está aqui? Vá embora!

Imobilizei-me, tentando escutar passos, uma respiração, um movimento. Porém, tudo o que fui capaz de distinguir eram as folhas se avolumando ao longe, finos e delicados ruídos clamando por atenção de pequenos seres que conviviam naquela floresta. Um silêncio recaíra, súbita e abruptamente, aparentemente sem desejar sumir por algum tempo. Um tempo não muito longo.

-Annie, você me chamou. –respondeu-me concisamente. Em minhas escápulas, um caloroso e inesperado toque fez-me sobressaltar-me. Meus calcanhares escorregaram pelo solo, e arremessei meu braço a frente, triunfando em conseguir apanhar algo na ponta de meus dedos. Cerrei o punho da mão livre, paralisando-a em seu tremor incorrigível. –E agora, você me encontrou. De novo.

-De novo? –eu soo hesitante, indecisa; a voz, de fato, era familiar, entretanto não a reconhecia como ela aparentava imaginar. Era como se houvessem garras as quais arrastavam minha lembrança concernente àquele timbre para dentro de uma caixa irremunerável, onde não poderia agarrar, ou ao menos espiar. O que minha cegueira não auxiliava. –Como você entrou?

Um suspiro audível escapa dele. Porém, desde quando o segurei, ele não desvencilhou-se de meus dedos. Sinto o sangue fugir de meu rosto enquanto empalideço. Sei de quando estou aqui, sei de quando caio na inconsciência; talvez isso seja uma válvula de escape, uma rota de divergência, uma esperança de compreensão formada por minhas próprias suposições ilusórias. Talvez eu queira que isso seja real; de ser verídico a minha prisão em uma área enclausurada, onde apenas eu tenha a existência, onde apenas vaguear por uma completa escuridão seja um motivo para continuar a dar passos, para poder reencontrar uma porta pela qual possa sair e acordar de um sono descomunalmente vagaroso.

Mas e ele?

-Annie, você realmente não se lembra de mim, lembra? –podia notar um ritmo suave e inquisidor em sua afirmação. Atenta, aproximo-me um passo. Arduamente escuto com a audição aguçada um calcanhar pousando no terreno a frente de mim, e estico o braço esquerdo, tateando, a minha altura, os arredores, esforçando-me para detectar um deslocamento no ar. Porém, nada encontro, embora os dedos de minha mão direita continuem fixamente e destemidos em seu aperto constante e assíduo.

-Por que você teme? –minha pergunta escapa, ininterrupta, de meus lábios semicerrados. Não mais sou capaz de escutá-lo, apesar de saber que ele me ouvira. Após uma pausa interminável, aparentemente, ele começa a caminhar. Sou forçada a acompanhá-lo, por uma motivação de ser guiada, de ser conduzida e retirada da completa devastação da escuridão em minha visão quebrantada e ineficiente.

Seus passos são ágeis e habilidosos, de tempos intercalados e esporádicos ele reduz sua velocidade, e arfo de modo mais vagaroso, sereno, substituindo o contrastado arquejo febril de minutos atrás. Não temos intervalos longos, entretanto; e o percurso esquematizado prossegue, reiniciando seu catastrófico labirinto e rede de teias onde não podia enxergar, onde apenas poderia discernir através da confiança em um desconhecido mal lembrado, em alguém a quem perseverantemente não hesitava ou titubeava. Quem essencialmente conhecia a rota a se seguir, a decisão a tomar e a travessia por onde atravessar.

Perdida em uma obscuridade inegável, inescapável e impossível de reverter; desnorteada em um avassalador e imperdoável sigilo e voraz sibilo dominante em minha audição a qual dispersava qualquer pensamento condizente ou sensato, eu pensei. Ponderei a respeito das memórias perturbadas da última semana. Amanhã. Não desejava acordar, não desejava encontrar a saída. Não, pois ao encontrá-la, entraria em um pesadelo hediondo o qual não haveria uma fresta aprazível por onde me espreitar a fim de esconder-me em um refúgio. Pois lá era a realidade; e a realidade é dura e cruel, ela é coerente e perita nas armadilhas asquerosas e sábias do corredor sem escape, sem aparente ordem de fuga.

Contudo, quando detemo-nos, pude compreender o que realmente é fugir. Como eu fazia, como eu obstinava-me a manter-me a fazer. A opção viável e fácil. A alternativa persuasível, a resposta almejada e a expressão imaginada. Temos de aprender o quão inútil é perder nosso tempo curto tropeçando em imagens falsas e inofensivas do que o despertar à consciência consiste. Ela não é, de fato, algo simples, medíocre ou desprezível. Nosso caminho íngreme tem muitas quedas, e muitas desistências. E em todo o início da travessia, o que eu pensava ser a fórmula de congelar o tempo, era apenas mais uma maneira de colidir com o fracasso, a queda da escalada. E não podemos nos manter firmes e enraizados em nosso trajeto caso não nos movamos, até alcançar o fim.

A verdade é que eu estava apenas nos primeiros de invariáveis passos que daria. E embora nos esforçarmos para tentar achar uma parada, um intervalo, uma brecha temporal para descansarmos, jamais o acharemos. Teremos de continuar, correr, escapar dos destroços e vestígios da batalha que constantemente iremos combater, que iremos enfrentar. A armadilha estará lá, e as obstruções não descansarão até o derrubar.

-O que você entende por temer? –ele retruca. Não tinha o dom da visão, entretanto podia compor o espaço onde estava postada. O vento rebatia em meu rosto, deslizando pelos contornos de minhas feições, emparedando minha pele e acariciando meu cabelo, os fios açoitando o fluxo da ventania, ciciando em meu ouvido. Perceptivelmente a camisa em minha mão fustigava o corpo de quem quer que me escoltara até o topo da trilha por onde dirigíamos. –Seria apavorar-me? Seria ansiar pela expectativa de um futuro? Seria, talvez, correr? Correr com os vestígios de minha energia para um longínquo e monótono recanto onde poderia me encolher e proteger-me? Temer seria apenas uma palavra com um mero significado transtornado em diversas linhas de raciocínio distintas?

Meus pés afundavam em uma poça úmida e fresca de uma rasa e submissa porção de água. Teria chovido? Não pudera desfrutar da queda das gotas e o bater de seu tato ao solo inédito e avulso. Meu pulso curva-se para dentro, o punho formado em minha mão esquerda tocando o suave e frívolo tecido do meu vestido.

-Temer não é sinônimo de ser frágil. Não a impede de encontrar sua resposta, por mais que ela esteja mergulhada no tormento confuso de uma amarga desolação sem letras. Você tem de persistir. –ele pausa, e seu peso oscila de lado. Lentamente sinto-o voltar seu corpo para mim. –Annie, o temor não é intransponível. Ela não é um fio inquebrável. Você pode rompê-lo com a esperança. A esperança, ela pode ser restaurada em você. E ela leva a coragem. E sabe a coragem? Ela derrota qualquer desânimo ou desespero.

Torci meu nariz, mordendo o interior de minha bochecha. Virei o rosto para o lado, notando a divergência dos sopros constantes do horizonte, tentando esconder minhas feições distorcidas involuntariamente. Uma garra afiada e consistente do exaspero agarrara-se em minha perspectiva cônscia. A paisagem era cinza, e os sonhos eram perturbadores castigos em transição a completa escuridão infindável e irreverente.

-A chama já apagou-se, você não entende? Eu a deixei escapar. –murmurei, quase inconsciente de minha participação. Apesar de não conseguir enxergar coisa alguma, a não ser a imersa e vasta quantidade de fragmentos despedaçados de uma iluminação apagada daquela barreira protetora de meu pesadelo, senti meu rosto esquentar em frustração ao sentir ser flagrada em minha hesitação, com uma ardência em minha nuca ao perceber ser agora seu alvo de atenção. Abaixei minha cabeça, com a centelha de determinação de não ser considerada covarde. –Eu não consigo acendê-la novamente.

Uma risada absorve minha audição, e meu peito enche-se de irritação e admiração. Meu punho contrai-se, e minha confiança reduz-se a um fio de fumaça dissipando-se na corrida do vento. Escuto seus passos aproximando-se de mim, e minha coragem esmaece como o metal desbotado de um parque infantil abandonado. Os meus dedos firmam-se na bainha de sua camiseta, e ela torna-se larga e relaxada quando a distância diminui.

-Não? Você não consegue? –uma palma calorosa pousa no topo de minha cabeça, e desliza pelo meu cabelo, desarrumando-o e fazendo-me inflar as bochechas a fim de reter meu espanto. –Continua pequena como sempre, Annie. Mas não esperava que sua inteligência permanecesse ingênua também.

E recebo duas cutucadas em minhas têmporas, enquanto arquejo pelo que acabara de ouvir. Sem palavras, minha boca continua escancarada em um equívoco inoportuno. Em meus ouvidos posso sentir o palpitar de meus batimentos, e em minha retina posso descrever o contorno de uma figura, a sombra de uma memória esquecida. Balanço a cabeça e tento dissolver aquela lembrança, que de alguma maneira evitava corresponder ao meu ameno toque sensível ao tentar alcançá-la.

“... pequena como sempre” uma voz mais suave ressoa em minha audição, com o mesmo tom e timbre vigorante da voz que replicava comigo nesse exato instante. Já ouvira-o antes, tempos e tempos atrás...

-Ah sim. Vou mostrar-lhe algo. –ele começa a afastar-se, e sou puxada com um tranco para frente, uma vez que sou conduzida apenas pelo tato, com minha mão fortemente agarrada em sua camiseta. Solto uma exclamação incoerente e furiosa, porém ela é logo detida quando aquela mesma mão vigente e reconfortante revolve a minha a qual guiava-me, escondendo-a em si. –Não se preocupe, você não precisa realmente da sua visão para encantar-se onde irei levá-la.

Apesar de querer protestar, esmaeci meu comentário ríspido e aquiesci silenciosamente, pressionando, insegura, sua palma e recebendo a retribuição do aperto, dessa vez firme e manso, confortando-me. De onde eu o conhecia? Como sua voz parecia tão familiar a mim? E como seu toque não me causa uma instintiva e involuntária sensação de reter-me e recuar? Se eu pudesse apenas vê-lo, ou vislumbrar por um instante seus olhos; algo impossível, de fato.

-Você consegue se lembrar de ser estupidamente empurrada para o chão por um pequeno garotinho no Distrito 12 quando você tentava encontrar Fynn, atrás de sua casa, anos, e anos atrás? –escuto-o perguntar após uma pausa. Embora vagamente possa escutar uma tilintante risada vinda de nenhum dos lados aparentes, algo impede-me de adentrar na área de meu passado, onde parecem estar acorrentados em uma cúpula de proteção e segurança no fundo de um oceano denso e intenso. Ao não responder de imediato, ele prossegue –Você havia estatelado em uma porção de folhas arranjadas em um canto, espalhando-as e tornando possível para que o vento os carregasse com ele. Tivemos de juntá-los novamente depois de sermos repreendidos, e apenas notamos após termos terminado que Fynn havia se escondido na folhagem. Acabamos por ter de juntá-las uma terceira vez depois que seu irmão correra de nós assim que tentamos agarrá-lo, dispersando aquelas fraquejadas folhas para os cantos do quintal. Apesar de termos sido obrigados a ter aquele tempo reservado à limpeza, foi quando eu pude escutar seu riso doce e harmonioso por mais tempo.

Um sorriso enviesado surgiu no canto de minha boca ao ser capaz de lembrar ligeiramente da sensação daquela recordação trancada em uma área remota e abandonada, contive-o assim que o percebi. Um nó em minha garganta fez-me engolir em seco e subitamente pensei estar andando constantemente em uma trilha no deserto.

-Como... como você...? –um suspiro pesado interrompeu-me, e ele estancou, fazendo-me paralisar. Suas mãos que acobertam as minhas aparentam esquentar, e sinto-os remexer em meus dedos, em um sentido uniforme e confortador, trazendo-me uma paz irrefreável e que há muito tempo perdera.

-Conheço-a mais do que você pensa, Annie. –ele murmura, baixinho, e sem mais justificativas ele prossegue, seguindo para frente. Uma sombra desce sobre minhas pálpebras fechadas e meus olhos caliginosos, posso sentir a diferença de temperatura, quando uma fresca brisa prorrompe pelo espaço ao meu redor, encontrando brechas para se esgueirar entre os fios de meu cabelo. –E embora eu quisesse que você recordasse de mim, talvez seja melhor assim. Talvez isso poderá mudar o que está prestes a vir...

-O que está prestes a vir? –atenta, retruco em alerta. Acelerando minhas passadas, achegando-me mais perto dele. –O que irá acontecer? Você sabe?

Um silêncio recai sobre nós, e não pressiono-o, embora meu rosto arda em frustração. Se pudesse recorrer a algo naquele instante, seria a uma resposta para minha pergunta. Não gostaria de acordar, e talvez o pesadelo não seja o sonho que agora tenho ao fechar os olhos, e sim aquela bolha escrupulosa de quando os abro. E não quero senti-lo de novo, não quero andar ali de novo; naquele pesadelo realístico.

-Chegamos. –meus pés descalços sentem a grama rasteira escasseando, e sinto o ruir de galhos de uma árvore englobando-me e engolindo-me. Um odor adocicado e almiscarado preenche meu olfato, e, apreensiva, dou alguns passos adiante.

-Onde nós estamos? –pergunto-lhe, confiante ao tê-lo acompanhando-me a frente. Estendo meu braço para frente, tateando avulsas sombras. As suas mãos deslizam para meus pulsos, e sinto a sintonia de minha pulsação. A ponta dos dedos de meus pés colidem com uma barreira, e paro. Pouso minha palma em uma superfície conhecida, rebuscada e com aparentemente algo gravado sobre ela. –O que é isso?

Ele solta minha mão, e por um instante penso estar pairando à deriva em um oceano longínquo e inalcançável, que aquela âncora segura a qual me agarrava flutuava, afastando-se, a cada passo apressando-se, tornando-se depressa. Embora não tenha durado um tempo demasiado longo, uma onda de pânico quase engoliu-me, espantando-me e criando-me uma pressão entorpecedora, que eletrizou minha pele instantaneamente. Conhecia aquela sensação... mas ela estava mergulhada e soterrada pela areia dos tempos, e portanto não conseguia submergi-la tão rapidamente. E antes que eu pudesse prosseguir meu pensamento, aquele mesmo toque surgiu no dorso de minha mão que repousava a superfície da madeira de uma árvore.

-Você não consegue ler? –ele ajustou meus dedos na madeira e começou a movê-los, possibilitando-me de sentir quais letras eram. Lentamente pronunciou em um tom suave perto de meu ouvido. –Nunca esqueça...

-Nunca esqueça de dizer adeus outra vez; respire fundo e suspire antes de correr; nossos passos transpõem a corrida vertiginosa que atravessa a rota distante; adeus, adeus, e iremos nos encontrar no horizonte gentil que nos banha até desaparecer; um dia, um dia verei seu sorriso outra vez... –sussurrei automaticamente, lembrando-me antes mesmo de finalizar meu contorno na primeira frase com a ponta dos dedos, meu tato encontrando o que anos atrás recordava-me vagamente de escutar. Balanço minha cabeça e retenho minha mão de seu incentivo a continuar, congelando-o no mesmo espaço. Aperto os olhos com força e uma terna queimação corrói o interior de meu peito, suprindo a sede da amarga e gélida satisfação de, ao menos, recordar-me daquilo. Era como se houvesse sido embalada e sufocada em uma areia movediça do meu passado, o qual recuava-se a meu toque e fazia-me engolir a escuridão e o oco vazio da fracassada tentativa de relembrá-lo. O poço gorgolejante ria de mim; aquele mesmo poço onde escondia e ocultava as verdades as quais buscava com fervoroso vigor.

-Então você ainda guarda essa memória... apesar de não lembrar de mim. –ele comenta, como se para si mesmo. Engulo em seco, uma vez que minha garganta aparentar estar há dias sem apalpar umidade. E escuto-o continuar, retirando delicadamente minha mão do tronco da árvore, e ajustando minha palma na sua esticada, como se as comparasse, ou preocupasse-se com algo a qual não enxergava. Ele solta uma doce e breve risada sem vivência. –Mas como disse. Talvez seja melhor assim.

Posso sentir o suave toque de seus dedos nos meus e quando ele ligeiramente retrai sua palma, tensionada. Sua mão era nitidamente maior que a minha, e envolveu-a assim que fechou-a em um punho. Não o respondo, e apenas sinto o calor que provêm de sua pele.

-Quem é você? Por que você age como se nos conhecêssemos há tanto tempo? E por que não me importo? Por que eu sinto como se um enorme buraco retalhado houvesse sido costurado e me reconfortado? –sussurro baixinho, torno-me para sua direção, e apresso um passo, podendo alcançar os pés dele, assim como os meus, descalços, e ele não recua.

Escuto seu suspiro, e nossas mãos entrelaçadas lentamente se desatam, embora eu tente interromper o processo e retê-la junto a minha. Seus pés são rapidamente movidos, acompanhando sua determinação repentina de afastar-se. Mordo meu lábio inferior, incapacitada de reagir, impaciente pelas perguntas não respondidas e por sua firmeza em pronunciar-se de maneira inesperada. Arfo em protesto e murmuro uma reclamação inaudível. Ele estanca a meio instante de separar-se a mim, quando consigo agarrá-lo pela bainha da camiseta, mais uma vez.

-Se quer manter-se inflexível, que assim seja. Porém, pelo menos, diga-me uma coisa, e assim deixarei você ir. –puxo uma imensurável quantidade de ar, estufando meu peito em perseverança e bravura. Sabia que ele podia soltar-se de mim a qualquer segundo, no entanto ele não o fez. O que me encorajou a prosseguir. Soltei o ar lentamente. –Iremos nos encontrar mais uma vez?

Ele não replica de prontidão, e imóvel penso que ele não se passava de uma mera imaginação que criara para não continuar em uma solidão imutável naquele mesmo campo, onde nada podia esperar, onde nada poderia especular, onde apenas aguardava para a próxima onda a me arrebatar. Entretanto, quando amenizava a pressão de minha mão em sua camiseta, e perdia minhas expectativas de receber uma oferta de promessa, ele retrocede, caminhando para mais perto até poder sentir sua respiração mesclando-se com a minha.

-Isso depende apenas de você, Annie. –seu toque traça uma linha fulgurante em meu rosto, e tão logo quanto essa sensação aconchega-se em mim, ela desaparece, esvaindo-se como névoa ao amanhecer, desvanecendo como o orvalho ao contorno do dia. Minha mente revolve-se de uma desorientação momentânea, e meus braços apegam-se a nada, ao ar dilatado.

-Ei! –grito, com meus batimentos cardíacos encarregando-se de uma corrida trovejante, galopando em meu peito em uma profusão de desespero e angústia. –Não! O que você quer dizer com isso? Eu mal me lembro de quem você é!

Mas sei que ele não está mais ali, e minhas palavras não o atingem.

Um exacerbado torpor de pavor envolve meus sentidos, e um desequilíbrio provoca-me derrubar. Apreensiva, avanço um passo, e cambaleio, deparando-me com a instabilidade de uma fina camada quebradiça, e fraca. A qual rompe-se ao mínimo do pontilhado de meu calcanhar, fazendo-me deslizar pelo ar e correr pelo vento e descer, descer e descer...

E aquela cantiga promulgou até minha audição, agarrando-se a mim e avisando que...

A escuridão apresentou-se,

E a apresentação alcançou os olhos exauridos, e o aguçado ouvido,

Os lábios murmuraram adeus, uma despedida refulgente,

E a despedida aprofundou na caverna inebriante, onde,

Onde a mão pôde levantar-se, os dedos enroscarem-se e finalmente,

Finalmente, finalmente...

Poder dar seu último suspiro, entrelaçando e conciliando o tempo despendido,

E as pálpebras cerraram-se, encontrando-se com a escuridão.

A escuridão sorriu...

E seus pontiagudos dentes racharam-se, rompendo o torpor acorrentado,

E por fim, o brilho floresceu, esmorecendo a névoa paralisante,

A palma escancarou-se, um movimento cintilou no canto das trevas,

E a escuridão escorregou para a brecha e a rachadura entreaberta,

Dizendo-lhe olá e adeus...

Adeus e olá.

“E era assim como eu me sentia, a escuridão apanhara-me e agarrara-se a mim para não cair; porém ela apenas afundou-me junto a ela. Sua mão pesada e pútrida não largara-se de meu calcanhar, e podia apalpar sua pressão, perturbar-me com seus desejos sombrios. Eu, Annie Mellark, estava a um passo de despencar para o inexplorável. E lá, aqui e em lugar nenhum, ficaria estagnada. Estagnada como o meu próprio sangue em minhas veias, assim que parei de respirar e passei a correr, meus pulmões ardendo e berrando, suando e ofegando, apressando-me e desacelerando-se, esvaindo-se como um fio d’água em um córrego seco, pelejando para a saída e por fim, desligando-se.

Até que ele chegou.

Aquele a quem não recordava-me. Porém, foi aquele a quem resgatara-me ao puxar-me para cima e desmanchar a corda negra e opressiva que me prendia. As misteriosas e meticulosas palavras; e o olhar amenizado e nutrido de esperança a qual escondia, a qual ocultava para não despertar. Para não despertar a fera. Para não recorrer a minha onipotente força irrefreável. Aquela à qual ele por tanto tempo protegera-me. Mas que, àquela Annie Mellark a qual já quase esquecera-me, não podia ao menos recorrer a seus piores pesadelos a fim de traçá-lo em um esboço para saber sobre o que sobreviria sobre si, sobre mim, sobre nós.

Eu sou fruto do que fizeram. Minha mente é a única peça quebrável e frágil a qual tento preservar, conservar, perseverar a não permitir que cede, a não deslizar em um passo e deixá-la fragmentar-se, estraçalhar-se, e perder-se para todo o fim inviável. Mas não temo, ou estremeço. Porque...

Porque ele cumpriu a promessa. E não me abandonou.”


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Notas finais do capítulo

Quem retornou? Hahahaha, sei que não sentiram minha falta, obrigada (thanks for YOUR consideration).
Espero que gostem! Meu personagem - semi-original - favorito logo irá aparecer, e ele achou uma rachadura para se espreitar e espiar a fanfic mais cedo! Ohhhw, mal vejo a hora de introduzi-lo.
Comentem, comentem, comentem, está bem? Pelo menos digam-me o que acharam desse capítulo, o que preciso melhorar, o que esperam, ou mesmo podem fazer apostas para descobrir quando irei postar o próximo capítulo! Amo vocês, queridos pacientes que aguardaram! Até os comentários.