Um Dia Qualquer. escrita por Hikari


Capítulo 27
Extra - It’s Valentine’s Day!




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Pov. Fynn.

Você não faz ideia da sorte que tem ao não ter pais como os meus. Bom, pelo menos na parte da época do dia dos namorados. E no que eles falam. E agem. Sério. É uma tremenda sorte da qual você pula, saltita e joga confetes para os ares por não ter que presenciar toda aquela ‘amável’ demonstração de afeto desnecessário – pelo menos, para mim, é claro. Do que muitas pessoas discordam, dizendo o quanto eu estava sendo bobo e tolo por pensar desse jeito, afinal, como minha irmã e naturalmente toda a população existente nesse Universo “eles são um casal, não são? Precisam homenagear um ao outro e comemorar o dia deles!” como falam para mim normalmente. Quero dizer, como falam para mim sempre considerando as minhas reclamações diárias. Não é por mal, é apenas... hm, não sei. Um insulto para todos aqueles seres solitários que tem que conviver com um casal completamente transbordando do mais puro amor. Oh, o amor. O que é isso afinal? Iludir a pessoa para comprar presentes a mesma e depois jogá-la em um depósito de lixo dizendo “Não sou eu... é você”. Ou é o contrário? Bom, não importa. O que eu disse anteriormente não é uma mentira, é a mais pura verdade. Até pode ser que eles tenham que mostrar sentirem-se felizes por estarem juntos e tudo e tal e blábláblá, mas... Eles fazem isso o dia todo! Todo dia! Todo segundo, milésimo, minuto! Bom... fazer o que, certo? Estamos em uma sociedade capitalista, e provavelmente eles só estão dizendo isso para arrecadar dinheiro dos pobres coitados maníaco-apaixonados para presentear a amada/amado quando na verdade estão apenas ajudando a corromper mais ainda a mente insana e desprezível dos seres humanos deploravelmente irracionais o suficiente para não serem capazes de pensar em...

Espera. Perdi... perdi o fio da meada. Meleca, enfim. Não importa, acho que não daria nada. Provavelmente. Ah, não importa, não importa mesmo.

Geralmente, é aquela coisa de sempre. Falsidade pra lá, falsidade pra cá. Olha! Uma flor. Pra mim? Que adorável. Muito adorável. E o chocolate? Oh, muito obrigado! Um chocolate! Mas que amor. Vamos lá, comer todo o pacote e engordar até não conseguir mais passar pela porta! Ou se não vamos apenas encher a pança para ficar diabético e morrer tragicamente in – oops – feliz de ingerir açúcar em excesso. Maravilha. Maravilha. É o país das maravilhas, não é? Um completo país das maravilhas, só falta a Alice aqui porque o Chapeleiro Maluco e o Gato Risonho já apareceram. De forma metafórica, mas não importa. Não importa.

Também acho que aquele chá da tarde do próprio Chapeleiro estava com alguma substância inconveniente para o corpo dos nossos adoráveis humanoides. Alguma poção do amor ou poção da inversão de humor e sentimentos, alguma molécula da fórmula que compõe a flecha do amor do Cupido. Hoje, por exemplo, eu não acordei com uma travesseirada na cabeça, muito menos um oceano derramando-se no meu rosto e quase afogado por ele. E nem fui quase queimado pela minha irmã, Annie, pelo seu café da manhã – acidentalmente (ou é o que ela diz, ou seja, é totalmente consciente e planejado). O que é algo estranho, muito bizarro. Mas tudo o que acontece nesse dia é estranho e bizarro. Tudo.

É como se o mundo virasse do avesso por um dia inteiro. E, quando falo isso, eu tenho que admitir que passar 24 horas sem toda a sanidade das pessoas ao meu redor é peculiarmente...  sinistro.

Não importa. Não importa. O dia tem que ser vivido de qualquer jeito. Não, realmente, não importa. Talvez devesse parar de pensar nessas coisas, afinal, isso não iria modificar nada. Então não importa.

Depois de tomar o café da manhã incrivelmente silencioso e tranquilo, observando as expressões serenas e alienadamente repletas de dispersão, eu levei meu prato a pia tomando o maior cuidado ao tocar meu pé no chão. Por falar nisso, nesse agradável clima perturbado de completa essência indignada de minha pessoa é como se a gravidade também fugisse dos pés das pessoas, elas pareciam quase como se flutuassem no ar do jeito como andavam tropeçando nas coisas e batendo a cara no vidro quase translúcido das portas e janelas de... vidro, uai, porque de pedra não vai ser.

Ordenando para o campo gravitacional da Terra manter a minha estabilidade do chão e não desaparecer eu girei nos meus próprios calcanhares e encarei a cena a minha frente. Urgh, eu queria poder me teleportar para uma Galáxia distante onde não precisaria aturar todo esse dia rastejante.

Meu pai havia preparado a comida favorita da minha mãe na madrugada e acabara não dormido quase nada de noite. Não, não era ensopado de carneiro com ameixas secas, só para constar e deixar claro como a noite e seco como a água. Agora ele ficava estudando minha mãe enquanto ela comia, fazendo-a mais rir do que digerir o alimento.

Minha irmã estava com uma cara igual a que você ficaria se fosse assistir uma pessoa rasgando o pescoço da outra com uma serra enquanto você come pipoca com ketchup – você também pode optar por escolher pela pessoa tirar as próprias vísceras com as mãos enquanto você come macarrão com molho de tomate. Ou seja, ela estava atônita. Apavorada, e, além de tudo, incredulamente surpresa, com a mente vagando para a Terra Média de outra realidade paralela onde provavelmente estaria roubando o anel do Smeagol para poder ser capaz desaparecer de nossa vista, ou não, o anel poderia corrompê-la... na verdade, prefiro achar que ela estava apenas a procura da capa da invisibilidade escondida em algum lugar desse planeta. Pelo menos, era o que parecia já como minha adorável maninha ficava fitando um bilhete fixamente; perplexa e com a boca aberta. Depois de mais ou menos cinco minutos da mesma maneira abobalhada, segurando o papel com uma mão e deixando o garfo com omelete mexido cair com um tinido de volta no prato com a outra, ela concentra toda a sua atenção no papel, fechando a boca, franzindo a testa e levando-a levemente para mais perto do rosto, examinando-a minunciosamente. Fico curioso para saber o que estava escrito com as letras pequenas e bem-traçadas de alguém, porém não foi possível distinguir muita coisa já como Annie mexeu-se rapidamente, fechando o recado dentro das mãos e rindo sozinha, distraidamente. Com o cenho fechado eu vi seu rosto ficar totalmente enrubescido, seus olhos começarem a brilhar em uma explosão de alegria incontrolável ao tempo que se curvava para frente e chacoalhava os ombros na crise repentina de risos que ela teve. Engoli em seco. De quem quer que seja aquele bilhete – ou o que estava escrito nele – estava espalhando a doença dos animais aparentemente fofinhos e ironicamente perversos em sua maldade de fazer tudo ficar belo e fofo com aquela grotesca forma sentimentalista do amor e afeição de pessoas... Aquilo não podia se espalhar nem chegar a mim. 

Inclinei-me para frente penosamente devagar. Fingi estar pegando o prato de Annie para poder “lavar” enquanto espiava as palavras gravadas no papel, agora semiaberto pelos espasmos risonhos da minha irmã e estava prestes para ler e... Levei um soco tão forte na cara que quase fui parar do outro lado do espaço. Está bem, não chegou a ser exatamente um soco, mas faltava uma diferença da distância que meus pais estavam – que não era longe – para ser.

-Ei, que agressiva! Hoje é o dia dos namorados, Annie. Um dia especial. Não devia tratar os irmãos desse jeito. –pisquei para ela soltando um sorriso irônico pelo canto dos lábios. Não pude conter. Eu posso não ter conseguido ler a mensagem, mas li de quem era. –Hm, abóbora, certo? Quem será que é a abóbora? Vamos ver... Will... Will... Will... Tantas alternativas! Está mais difícil do que saber o que o papai está pensando nesse momento, e, nossa! , eu acho que nunca vou poder adivinhar...

Talvez eu tenha exagerado um pouco. Está bem, talvez eu exagerei mais de um pouco. Mas não importa. Não importa. Ah, além do mais, meu pai agora está me olhando com uma expressão peculiar, quase como se estivesse me dizendo “qual o seu problema? Enlouqueceu?” sendo que tudo o que eu queria dizer era especialmente isso só que dirigindo a eles ao invés deles se dirigirem a mim. Mas depois logo se voltou para mamãe, dando-lhe um beijo na testa e sussurrando algo que a fez sorrir.

Apesar de ter dito tudo aquilo, Annie pareceu não ter se abalado. Ela continuava com o sorriso estampado no rosto como se ele houvesse sido costurado pela mãe-sinistramente-medonha-aracnídea da Coraline (do Neil Gaimen, conhecem?), aquela do desejo tétrico de enfiar um botão no lugar do olho. Como um boneco aterrorizantemente traumatizante.

-Ok, Fynn. Eu também te amo, maninho.

Será que isso não é um pesadelo? Porque... bem, quer dizer.... Ela me ignorou? Ou pior ainda, ela disse que me ama? Eu não escuto isso desde quando eu tinha, vejamos, dez anos. Ou será menos?

Estou vendo que terei um longo dia.

Suspirei, agarrei a mochila da cadeira e a coloquei nos ombros. Será que eu sou o único normal por aqui? Talvez o planeta estivesse planejando algo contra mim, me deixando na mais pútrida infelicidade anestésica, sendo, basicamente, o único ser vivente que é ignorado por toda a família e comunidade. 

Passei pelos meus pais apavorantemente embriagados de amor. Nossa, que profundo que fui. É mais fácil dizer que eles estão sendo o que eles são exatamente como sempre foram. Dã. Por que fui me remoer tentando procurar a palavra certa? Nem precisava. Pffffft.

 -Senhores pais, queiram ter, pelo menos, um momento de atenção ao querido filho de vocês? Depois eu prometo que deixarei os dois em total paz e conforto para fazerem o que bem quiserem. –pigarreei com a mão cobrindo a boca, eu quase morro engasgado por um sufoco súbito e tenho um nano ataque cardíaco.  

Meus pais viram a cabeça para me olhar, mas mesmo assim continuam mandando olhares de esguelha um para o outro. Não sei o que é pior: ver que naquele momento, para os meus próprios pais, ser o filho dos dois é tão importante quanto um grão de areia no meio de uma praia, ou, ter a impressão que o seu lugar não é naquele planeta e ninguém está dando a mínima para isso.

Limpo a garganta novamente e vejo por cima dos ombros do meu pai a minha irmã levantando-se vagarosamente com o sorriso alucinantemente assustador de estar tão alegre. Eu realmente preciso saber o que estava escrito naquele bilhete. Ela vem ao meu lado e tropeça a meio caminho nos próprios pés, ela apoia-se na mesa e começa a rir novamente. Desconfiado. É tudo o que posso dizer que estou. Eu estou com uma certeza absurda de que tudo isso é algum plano ominoso da Medusa por seu desastre amoroso com Poseidon, além de ser plano das cobras no cabelo da Medusa por terem sido tiradas do seu recanto sibilante e reconfortante do Além para aparecerem na cabeça de uma mulher revoltada.

-Nós estamos indo. –aviso aos meus pais, que assentem distraidamente com a cabeça. Tento novamente. –Nós – enfatizo, apontando para mim e Annie – estamos – sinalizei com a mão aberta em gestos amplos – indo – caminhei no mesmo lugar para destacar a ação – para a escola – e finalmente fiz uma pequena encenação de uma corda sendo colocada em meu pescoço e de um deplorável ato de asfixia. Vendo que eles apenas assentem novamente com a cabeça, pegando a mão um do outro e entrelaçando os dedos enquanto sorriem para si mesmo eu solto um profundo suspiro angustiante. Estou sendo desprezado pelos meus próprios pais. Como se não bastasse com todas as forças sobrenaturais e paranormais (não importa se são a mesma coisa, ok?). –Vocês vão mesmo ficar parados aí? Nem um abraço de despedida? Não?

Minha mãe finalmente reage, ela levanta-se carregando meu pai junto e anda até mim, dando-me um caloroso e demorado abraço com um dos braços enquanto meu pai me abraça com o outro braço do lado oposto.

-Desculpa, querido. Tenha um bom dia. Nós te amamos. –ela diz no meu ouvido. Bom, pelo menos eles me amam. Meu pai dá uma risada e eles se afastam, meu pai dando-me um largo sorriso ao mesmo tempo dizendo:

-Eu sei que tem um conquistador nato dentro de você, garotão.

Arqueio as sobrancelhas. Mais estranho ainda. E suspeito. Ele quer que eu siga seus passos... Será que devo me sentir honrado ou desafiado? Hm, melhor não pensar nisso.

Minha irmã chega, por fim, ao meu lado, depois de cinco tropeços seguidos e um abraço repentino em meu cachorro sonolento que estava dormindo no chão, sem a menor vontade de abrir os olhos para ver quem havia sido o responsável por aquele ato. Meus pais abraçam-na do mesmo jeito e ao invés de meu pai repetir as mesmas palavras, ele diz:

-Annie? Estou vendo alguém apaixonado aqui?

Foi como se ela recebesse um choque elétrico que a acordasse de algum sono induzido pelo próprio Morfeu. Ela deu um pulo tão alto que poderia bater a cabeça no teto se se empenhasse um pouco mais de esforço. Ela balança a cabeça vigorosamente e gagueja:

-Pa-pai! Não! O quê? Eu-eu não! –ela bufa, fazendo um gesto indiferente com a mão. –Até parece. Ei, por que você e a mamãe não voltam a se encarar e voltam para a sua própria Matrix particular, huh?

Minha mãe gargalhou abertamente e minha irmã virou-se, agarrando a maçaneta da porta e saindo, abafei uma risada que saiu mais como um ronco de um porco e a segui, acenando para os meus pais ao mesmo tempo. Annie parecia agitada e apressada, andava rapidamente como se tivesse alguma emergência no outro lado.

-Calma, calma, Annie. O humor mudou rápido, não é? –a segui com passos pesados, por acaso eu já mencionei que a minha irmã poderia vencer o Flash em uma corrida?

Minha irmã não respondeu pelo caminho inteiro, decidi parar de falar para poupar minha saliva e a deixei se acalmar sozinha, as suas feições se atenuaram aos poucos até estar a Annie dispersa de novo. O que eu fiz? Agora eu a havia feito voltar para o País das Maravilhas! E ela deve ter tomado o chá do Chapeleiro pela segunda vez porque o efeito já estava notável.

 Depois de ter me deixado na escola e seguido seu rumo normalmente, tive que encarar. Estava sozinho. Completamente sozinho nesse mundo insano. Respire, Fynn. É só aguentar 1440 minutos. Só isso. Ou melhor, menos de 1440 minutos já como a maior parte da manhã havia se passado.

Fui para a aula, tentando ignorar todo aquele clima “adorável” e borbulhante do “amor” pairando no ar. O que raios era aquilo? Uma praga? Bem provável, a praga se alastrava em todo lugar e tinha até contaminado Colin e Jason que estavam preparando cartinhas para aquelas garotas que eles não paravam de falar na última semana. Mas que... que... que... ?  O que é isso?

-Fynn! –Jason me chama, sorridente. Ele parecia ter tomado uma daquelas anestesias de dentistas, parei de me aproximar, coisa que não adiantou muito já como ele fez o ‘favor’ de vir até mim. –Fynn. Cara. Olha, posso pedir uma coisa a você?

Abri a boca prestes a dizer “Não” quando ele prosseguiu:

-Sabe aquela garota? Aquela de cabelos enrolados e pretos rindo com as amigas e olhando diretamente para você?

Girei a cabeça e olhei com a menor discrição possível para a garota que ele apontava. Ela realmente olhava para mim. A garota apenas riu mais ainda e começou a cochichar com as amigas. Levei um beliscão no braço e encarei Jason furiosamente.

-Ai! –reclamei, abismado.

-Não é pra olhar!

Rolei os olhos. O que ele queria? Eu não era vidente e por acaso eu tinha que saber de quem ele falava antes de ele dizer o que queria que eu fizesse. E já tinha um leve pressentimento sobre o assunto.

-Está bem, agora escuta. Escuta atentamente. –Jason disse devagar, cauteloso, curvando-se para frente como se fosse contar um segredo. Arregalei os olhos e fiz sinal para ele continuar. Eu tenho que confessar que me decepcionei com o resto. –Eu quero que você entregue isto a ela.

Ele coloca em minhas mãos a carta na qual estava escrevendo momentos antes. Fitei a carta, depois fitei meu amigo, depois a carta e depois Jason novamente.

-O quê?

Jason resmungou alguma coisa incompreensível e me empurrou.

-Vai logo! Por mim, certo?

Não tive outra opção senão seguir em frente. Droga, sabia que deveria faltar na escola hoje. E por que raios ele disse para eu fazer aquilo por ele? Por acaso ele realmente pensou que iria me incentivar? Não importa. Nada importa hoje. É só... deixar tudo passar e fazer o que tem que ser feito.

A garota agora estava histérica, o que me assustou um pouco. Eu franzi a testa enquanto ela dava risadinhas com as amigas e finalmente parei a uma distância consideravelmente longe dela, estendi o papel.

-Hm. Olha, meu amigo...

Ela não me deixou terminar porque já havia tirado a carta da minha mão e a rasgado para ler o que estava dentro, esperei por uns dez segundos antes de virar-me e tentar ir embora. Mas ela me impediu e fui obrigado a voltar-me para ela.

-Quem é Jason? –ela pergunta pasma e depois sacode a cabeça. –Ah, se for você que...

-Não. – cortei-a depressa. Era isso que ela pensava? Ok, eu nem sabia quem aquela garota era. Apontei para o meu amigo, Jason que andava de um lado para o outro hiperativo e quando me viu mostrando-o para a garota, ele acenou animadamente. –É ele. Ele parece gostar bastante de você.

Eu apenas estava tentando ajuda-lo. Mas o que ele quer que eu faça? Ele simplesmente me empurra para lá com o intuito de eu entregar a carta naturalmente para a garota e ir embora sem ao menos explicar-me alguma coisa, não era minha culpa.

A garota desvia o olhar para mim, para a carta, depois para mim de novo e para Jason, depois para a carta, para Jason e para mim. Ela estreita o olhar para Jason e para a carta e dá as costas, andando pelo corredor adentro com as amigas zumbindo ao seu lado. Dou de ombros e volto para Jason, que estava arrasado, estava apenas faltando ele se jogar no chão e chorar como um bebê, o que ele realmente fez.

Colin estava tão absorto na sua própria carta que não tinha notado eu chegando. Após ele ter visto a cena passar na sua frente ele me olha, depois olha para a carta e para Jason estatelado no chão, e por fim segura os dois lados da carta e a rasga ao meio, despedaçando-a até que não sobra nem um pedacinho de papel grande o suficiente para ler o que antes estava escrito nele.

Olho-o confuso e ele me explica sucintamente:

-Desisto.

Levamos Jason para a sala, ambos ajudando-o a se apoiar enquanto andava. É, trágico dia. Balanço a cabeça pensando em minhas próprias teorias feitas por mim e confirmando-as verdadeiras. O dia dos namorados era o pior – e com a maior taxa de suicídios – dia do ano.

Quando adentrei a sala e depositei Jason na carteira com a ajuda de Colin, eu pude finalmente me espreguiçar e tirar a tensão dos meus músculos. Não havia quase ninguém na sala. Provavelmente porque estavam ocupados demais no corredor fracassando repetidamente em suas tentativas de conquistar os seus parceiros e/ou parceiras.

Então meu olhar pousou na pessoa ao meu lado, a garota que havia pensado a semana inteira, aquela que tinha me contado sobre os segredos de fora de Panem e aquela na qual eu mostrei todo o Distrito mesmo sabendo que ela já o conhecia, aquela que eu tinha chegado a conversar a tarde inteira sem perceber o tempo passar, aquela que... Aquela que estava olhando para mim com uma expressão divertida e quase sarcástica. De uma maneira jocosa e empolgada, o sorriso irradiando um brilho só seu que poderia iluminar toda a escuridão a meu ver. Espera aí, o que raios eu estou pensando? Balanço a cabeça pela milésima vez naquele dia e retribuo o sorriso.

-Bom dia, Fynn. –ela diz com a voz suave. Eu fico um tempo observando-a sem perceber que estava boquiaberto, fui desperto pela sua risada e me empertiguei, balançando a cabeça de novo.

-Bom dia, Chloe. Dormiu bem? –pergunto, imediatamente me arrependendo do que fizera, os sintomas... Os sintomas... Eu estou contaminado. Preciso tomar banho em ácido e beber água radioativa para me curar. Não posso deixar meus pensamentos continuarem daquele jeito.

Porém, ela não me responde. Ela apenas continua sorrindo, um sorriso menor, mas do mesmo modo tranquilizador e calmo. Pergunto-me o que ela estivera fazendo noite passada, quando voltara para casa depois de eu a ter levado na Biblioteca do 12. 

Não importa, Fynn, não importa! Lembre-se de quem você é, Fynn! Não se deixe levar pelo lado negro da força... É isso o que eles querem. Certo. Sou resgatado pela voz do professor que entra na sala e viro-me para frente, no entanto minha mente continua centrada em outro lugar. O que raios esse dia infeliz fez comigo?

***

Depois da aula eu posso finalmente soltar um suspiro aliviado. Poderia dizer que a aula não fora de todo tão ruim, mas aí eu estaria mentindo. Mas... do que eles falaram mesmo? Teve poucas aulas, se querem saber. Os professores estavam agindo estranhamente como todos naquele dia e a professora de Astronomia havia relatado sobre toda a sua vida amorosa com o seu marido e sobre como eles brigaram e se separaram e blábláblá. Parei de escutar depois do segundo gato de estimação que perdera depois de ter comprado toda uma família felina para substituí-lo. Assim como tinha parado de escutar em todas as outras matérias.

Céus, aquilo era realmente medonho. O dia estava acabando com a mentalidade de qualquer um.

Eu e Chloe estávamos seguindo nosso caminho para casa de novo, não esperei minha irmã. Eu começara a voltar sozinho depois daquele incidente com o pé dela, embora alguns dias ela insistisse em ir me buscar. Aquele não era um deles.

Por um segundo, analisei tudo o que poderia estar acontecendo no Distrito naquele instante. E tudo levara a um único ponto: todos estavam acompanhados. Annie estava na companhia de alguém (quem será? Não precisem responder, foi uma pergunta retórica), meu pai e minha mãe obviamente estavam juntos, meus amigos deveriam estar com a família, mas não estavam sozinhos, os amigos da minha irmã, Cam e Melanie estavam precisamente com alguém (para não dizer ambos juntos, eu conseguia enxergar a relação dos dois de longe mesmo que escondessem), e até Alex, a velha Alex, estava com alguém, minha irmã me disse sobre algum garoto que se encontrara com ela, eu estava feliz por isso, digo, por ela estar bem com... bem, com essa pessoa. Viu só? Todos. E se eu voltasse para casa e ficasse criando poeira no sofá assistindo meu cachorro dormir eu iria ficar maluco. Definitivamente. E foi exatamente por essa razão – nada mais, nada menos – que reduzi meus passos, enrolando para chegar ao caminho onde eu e Chloe nos separávamos para cada um seguir o próprio curso. Não queria que aquele momento chegasse.

-Você não acha que o dia está... diferente? –Chloe me surpreende com a pergunta, olho para ela observando o céu e aceno positivamente com a cabeça. Eu carregava a sua bolsa e estava impressionado por ela parecer não estar pesando nada se comparada a minha.

-Eu estou pensando nisso a manhã inteira. –suspiro, pesadamente. Ela franze a testa, sabia que devia estar pensando em algo... que já devia ter algo em mente. Porém, apenas aguardei, desfrutando do momento que poderia ter ao seu lado. Se você refletisse bem até o Haymitch estava fora. Eu iria me matar naquele mesmo momento. –Eu odeio hoje.

Chloe ri fracamente e me dá um empurrão de leve com os ombros, ela tinha prendido os cabelos longos e estava com uma blusa de frio, apesar de não estar tão frio assim. Suas mãos estavam aconchegadas dentro do calor dos bolsos da blusa e por isso não tive a oportunidade de pegá-las. Eu estava criando coragem para fazer aquilo há quase um mês, quase um mês. E era naquela semana que ocorreria o grande evento. E eu iria convidá-la para ir comigo. Hoje? Espera. Não! Fynn, pare. Pare.

-Por quê? Você odeia terça feiras? A maioria odeia, mas não acho tão...

-Não, o problema não é terça. –sorrio para ela pela sua teoria, Chloe me encarava curiosa.

-Então, o que é?

Respiro fundo, voltando-me para frente. Chuto uma pedrinha e a escuto chocar-se em algo metálico.  Inspiro e expiro até poder pronunciar:

-Bom, é o dia específico que todos estão comemorando. –levantei os ombros, sem jeito. –Sabe.

Paro de falar ao ver que Chloe estancou no mesmo lugar. Por um momento fico desnorteado e então percebo que chegamos à parte que tínhamos de nos separar. Meu coração pareceu afundar, mas... Bom, não importa, não é? Estou sendo encarado por uma garota que deve me achar um completo idiota por estar pensando daquele jeito, ou talvez até alguém que queira atenção. Não, que raiva. Eu não queria nada disso.

-O dia dos namorados? –ela pergunta, por um momento, reflexiva. Aceno com a cabeça e ela fica quieta. Assim como eu.

Para minha surpresa, depois de alguns minutos, Chloe apenas ri como se achasse graça da minha expressão. Fico preso no mesmo lugar por um instante, sem entender muito bem o que se passava. Ela diminui a risada e empurra uma mecha de cabelos soltos para trás da orelha.

-Mas Fynn... por que você não gosta do dia de hoje? –eu não preciso responder, porque ela acena com a cabeça um minuto depois de estudar minha expressão. –Entendo. Bom, encare hoje como um dia de... encontros. E, não, não é só encontros de... bem, encontros. –ela dá de ombros, desviando o olhar para o horizonte ao nosso lado. –Também pode servir para as pessoas não ficarem sozinhas. Ficarem ao lado de alguém. Se reunirem e se entenderem. Hm, não sou a melhor pessoa para explicar isso, mas... Ele não precisa ser comemorado somente pelos casais, sabe? Bom, ele foi criado para eles mas... Quem disse que quem não tem um par tem que ficar sozinho?

Ela volta a olhar para mim e vejo o sorriso sereno de sempre. Não parece preocupada como antes era perceptivelmente atormentada por rodadas constantes das ondas de aflição que sentia. Nem parece estar contaminada com aquela praga terrível do dia. Suspiro pesarosamente. Infelizmente vou ter que me manter criando mofos em um sofá na sala com apenas a memória de seu rosto reluzindo em meus pensamentos, e não poderei continuar com sua presença como gostaria.

-Bom, isso não se aplica a mim. Não terei ninguém ao meu lado hoje. –resmunguei fazendo uma careta.

Chloe me olha com mais intensidade e poderia ficar horas ali contemplando seu olhar, mas aí eu sou distraído pelo largo sorriso que aparece em seus lábios. O tempo para por um segundo e posso escutar a palpitação do meu coração nos meus ouvidos. Será... que era assim que meu pai se sentia quando olha para minha mãe? Ah, não, aqueles pensamentos de novo. Espante-os, Fynn. Espante-os.

A garota a minha frente sacode a cabeça, rindo baixinho. Ela posta as mãos ao lado do corpo e aproxima uma delas da minha, entrelaçando seus dedos nos meus. Ela... ela estava fazendo o que eu planejava fazer a mais de duas semanas. Fiquei embasbacado e atordoado por um segundo.

-Eu posso ficar ao seu lado. –ela afirmou, decidida. O sorriso alastrou-se pelo seu rosto inteiro e pude vê-la como meu próprio sol mantendo-me quente e vivo. Eu... Não. Eu não pude conter um sorriso e muito menos uma risada que veio do fundo da minha garganta.

Antes que eu pudesse fazer mais nada, Chloe esticou-se e se inclinando me deu um beijo, na bochecha. Uma onda eletrizante passou pelo meu corpo e eu praticamente não podia entender mais nada dos meus pensamentos, todos se amontoando e embaralhando meu cérebro.

Sua mão apertou a minha com mais firmeza e eu assenti animadamente. Temi que fosse animado demais, mas quem se importa? Tudo o que eu sabia era que aquele dia talvez não fosse tão ruim assim. Talvez, bem talvez, ele poderia se tornar um dos meus dias favoritos.

-Obrigado, Chloe. –digo enquanto ela me guia para longe de nossas casas. O que eu recebo de volta? Um dos melhores presentes que poderia receber. Eu recebo a sua completa felicidade. 


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Notas finais do capítulo

Gostaram? Eu amei escrever esse capítulo extra. *---* Não se sintam tímidos! Mandem suas opiniões. (:



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