Um Dia Qualquer. escrita por Hikari


Capítulo 21
Arco e flecha. II


Notas iniciais do capítulo

Continuação do anterior!
Desculpem pela divisão, não podia ter mais que 20.000 palavras (eu acho que era isso), sacanagem, não é? hahahahaha
Espero que gostem da continuação.
NOTAS FINAIS!



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POV. Annie.

Acordei dez horas como se não houvesse se passado um segundo desde que fechara os olhos. E não me impressionava olhando o tempo que dormi. Nem sabia como havia acordado direito. Mas achei melhor já levantar, não conseguia voltar a dormir quando acordava.

Estava andando – ou melhor, se arrastando feito uma lesma sonâmbula - tão tranquilamente pelo corredor da casa que ao escutar passos atrás de mim imediatamente fui tomada pelo meu instinto protetor, e quando o sujeito foi ter a proeza de ir me cutucar no ombro eu agarrei sua mão e, sem pensar duas vezes, torci-a e antes da vítima ter tempo de ao menos respirar dei uma brusca cotovelada na sua barriga, sustendo a maioria da minha força, que não era pouca, do mesmo jeito que meu pai ensinara a fazer quando tinha seis anos de idade.

E foi pelo gemido surpreso que me fez despertar e ver a realidade.

Não era nenhuma “ameaça” para mim, não era meu irmão, como pensara.

Afinal, como eles poderiam ter entrado ali?

Bom, meu irmão eu não duvidava, mas naquele momento eu tinha minhas suspeitas de ele estar querendo aprontar algum comigo por toda a confusão de madrugada, ou de estar acordado, no mínimo, pelo tempo que enrola para levantar e também pelo horário que fora dormir.

–Ah não, me desculpa! –desatei a falar quando dei meia volta e me deparei com o Will caído incapacitado no chão com a mão machucada apertada com força contra a barriga na qual também havia se retraído pela minha cotovelada... hãm... inesperada e nem um pouco acolhedora.

E também percebi nesse meio tempo em que o observava que aquela era a segunda vez que machucava aquela mesma mão dele. Nossa, que coisa. Eu e essas manias super agradáveis de cumprimentar alguém com um “bom-dia”.

Ajoelhei-me ao seu lado e estava estendendo o braço a ponto de pegar sua mão para tentar fazer algo para amenizar a dor quando ele me deteve e rolou para o outro lado.

–Não encosta em mim. –falou baixinho, mas pude notar o tom brincalhão que até em situações desse tipo ele empunha.

Rolei os olhos e o virei novamente para mim, escutei seu grunhido de protesto e peguei sua mão delicadamente para não a machucar – pelo menos não mais do que já estava – e estudei-a atentamente para ver se não a havia quebrado.

–Que bom... -suspirei, para meu alívio tivera a sorte de não ter realizado tal ato, talvez seja porque eu ainda esteja cansada ou coisa do tipo.

–O que foi? Conseguiu destronca-la? –Will tem a decência de perguntar, retorno meu olhar para ele com uma pitada de deboche e respondo:

–Infelizmente não. –o que, na verdade, não era um tão infortúnio assim, minha expressão fica totalmente preocupada ao perceber que ele está franzindo a testa e contorcendo o rosto enquanto tento mexer sua mão de um lado para o outro. Tentando convencer e reconfortar tanto ele quando eu, digo sem muita certeza do que fazer: – Você está bem, desculpe por isso, não tive intenção...

–Está bem, está bem. Não precise se preocupar tanto, estou ótimo. –ele sorriu ao ver o jeito como eu o encarava, tentou demonstrar o que falava ao tentar se levantar; coisa que ele não conseguiu e se desiquilibrou no meio tempo da subida, e quando estava caindo pude chegar a tempo de reduzir o impacto da batida por rastejar direto no local onde sua queda estava destinada a terminar, fazendo-o desabar bem na minha barriga (arquei com aquilo sendo uma revanche) tossindo e contraindo a barriga.

–Obrigado. –conseguiu sussurrar com a voz rouca e voltou a tossir, fiquei mais aflita ao vê-lo desse jeito... Como eu podia ser tão distraída e cabeça-dura por bater em qualquer um que me desse um susto?! –Ainda bem que tem alguém como você para me segurar, não é? –diz rindo e engasgando-se, olhei com cara feia para ele e pousei minha mão em sua testa suada, jogando seus cabelos que teimavam em recair no rosto para trás, ele fechou os olhos e respirou fundo, sorri, mas logo o fiz desaparecer do meu rosto para incorporar uma expressão séria a fim de que ele entendesse o recado que precisava dar.

–Você tem que prestar mais atenção nas coisas, Will! Não pode sair assim me assustando. Quer dizer... Não vou estar sempre aqui para segura-lo...

–Eu sei, sei disso. –interrompeu-me abrindo os olhos. –Nunca se pode enganar Annie, não é? Entendo. – e com um sussurro emburrado disse: -Quem disse que não vai estar sempre comigo?

–Não é isso. É que... –bufei, o que eu iria dizer mesmo? Ele me distraíra o bastante para que ficasse refletindo em suas palavras por um tempo.

Coloquei minhas mechas de cabelos que caiam na frente do meu rosto, tampando minha visão, para trás da orelha e voltei à atenção a ele, que ficava me observando com o olhar fixo daquele seu jeito que ultimamente mexia com meus sentimentos de uma forma que não podia expressar ou saber como reagir... Nem queria, talvez.

–Eer... –tentei dizer algo para que ele parasse de me olhar daquela maneira que me deixava constrangida. –Está pronto para hoje à tarde?

Seu rosto ficou confuso, como se não lembrasse o que tanto me pedira horas atrás.

–A aula, está lembrado? Se quiser posso suspender e mudar para algum outro dia...

–Não! Eu sei, só estava testando você. –falou prazerosamente, como se eu fosse acreditar nisso. Mas resolvi aceitar.

–Ok. Está certo.

–O que as bonecas estão fazendo no chão? –a voz conhecida de Aaron fala, rindo, logo após dando um longo bocejo, voltando ao normal. –Que sono...

E passou por nós como se fosse completamente comum ver uma garota com um garoto deitado nas suas pernas, cujo mesmo se encontra com a mão na barriga contraída.

Decido levantar também, ajudo Will a fazer o mesmo e ambos seguimos até onde Aaron ia. Na cozinha.

–Que fome... –o garoto que passou por nós diz, a voz sonolenta e os olhos quase se fechando.

–Aqui está a sua torrada, querido. –Morgan aparece com um prato contendo uma torrada com uma pasta meio arroxeada que nunca havia visto antes, em uma mão e um copo de leite na outra.

Sento-me ao lado de Aimee que está na frente de Aaron, e também já está comendo a sua torrada com a cabeça deitada na mesa, olhando para a porta como se assistisse a um filme de terror, Will senta-se a minha frente. Fynn, Trianne, Arianne e meus pais ainda não acordaram.

Paul chega com um jornal debaixo do braço, dá um vago “bom dia” sentando-se na cadeira em uma das extremidades da mesa, tomando um gole de leite.

Em seguida, joga todo o leite que acabou de botar na boca de volta a caneca pelo susto causado por Aimee no qual deu um espirro tão alto e ressoante que poderia ter causado um tsunami bem agora.

–Saúde. –disse olhando preocupada para ela vendo se ela estava bem.

–Obrigada. –ela diz com a voz rouca.

–Gripada? –pergunto o óbvio, ela me encara e não me responde. Eu rio. Devia ser um resfriado por ter se molhado tanto de manhã.

–Isso mesmo, ri da minha desgraça. –ela disse entredentes com a voz ranhosa pelo nariz entupido e me olha como se estivesse jogando macumba e cicia ameaçadoramente: - Depois você pode ter coisa pior e aí sou eu quem irá rir de você.

Paro de rir na hora e a olho, horrorizada e assustada. Amy dá um sorriso vitorioso e volta-se para frente, dando mais uma mordida na torrada, faço o mesmo na minha que Morgan havia me dado, em silêncio.

Às vezes eu duvido que ela seja mesmo prima de Will. O doce Will.

Espera aí, eu havia pensado mesmo nisso?

Ok. Repito pela milésima vez: eu estou ficando maluca. Doidinha de pedra. Daqui a pouco digo que leite é tirado de galinha e ovo de vaca.

–Aimee, olha os modos! Acordou rabugenta hoje, heim? –falou o pai, examinando o leite da caneca e pensando se tomaria ou não. –Como se diz? –ele pergunta, erguendo o olhar do leite que resolveu deixar de lado, encarando Amy ainda com o rosto enterrado na mesa.

–Desculpa, Annie. –fala com a boca cheia.

–Está tudo bem. –murmuro baixinho continuando meu café da manhã.

O tempo se passou rápido, meus pais e meu irmão, junto com as gêmeas, só acordaram meio-dia, na hora do almoço. Estávamos assistindo um filme de terror na poltrona, Amy já tinha voltado a dormir no chão, fazendo os pés de Aaron de travesseiro, com questão de babar enquanto dormia deixando um Aaron exasperado em tira-la dali, mas parece que ela tem um braço firme até mesmo quando dorme, por ter abraçado sua perna para que não escapasse de suas garras.

Eu estava sonolenta, mas como disse, não conseguia dormir depois de acordada. E foi exatamente o que aconteceu: minha cabeça tombou algumas vezes, mas não se passou disso.

Will ficava assistindo o filme, sem prestar atenção. Parecia estar em outro mundo só dele.

Depois de almoçarmos, Will me puxou para fora da cozinha insistindo que começássemos a treinar naquele instante.

–Agora? –perguntei novamente, tendo certeza de que era isso mesmo que ele queria.

–Sim, agora! –falou pulando de entusiasmo.

E foi o que fizemos.

Fui para o quarto onde me troquei, colocando as botas e roupas adequadas para caçar, peguei meu arco e a aljava de flechas, prendi meu cabelo em uma trança como havia me acostumado tanto ao ver minha mãe sempre fazer o mesmo e saí, encontrando Will na porta, pronto e satisfeito com arco na mão.

Estávamos quase conseguindo escapulir e um pé se intrometeu na porta para impedi-la de se fechar.

–Onde vocês pensam que vão? –Paul aparece atrás da porta nos olhando intrigado.

–Dar uma volta. –Will responde rapidamente, se prontificando em agarrar a manga da minha blusa para me fazer prosseguir.

–E por que estão tão equipados? –ele continua, mesmo nós estando nos distanciando.

–Para nos proteger! –Will dá sua resposta final, continuando a me levar para um lugar onde não havia descoberto ainda.

Pensava onde nós poderíamos treinar. Ele parecia saber o lugar, mas não queria me contar e por isso meus pensamentos foram para outra questão.

Não havia ensinado ninguém, nunca na minha vida. E imaginava se conseguiria ensina-lo.

Afinal, como poderia?

Tentava colocar na minha cabeça o que minha mãe me dissera. Sobre tentar. Uma experiência nova para mim, e um dia com certeza teria que ensinar alguém a fazer alguma coisa. Por que não começar agora?

–Chegamos. –anunciou Will, parando ao meu lado para contemplar a paisagem que escolhera para a aula.

Era uma das rasas florestas perto da praia ali por perto. Havia um espaço grande o bastante para que nós dois pudéssemos nos mexer a vontade, uma árvore perfeita se encontrava a nossa frente, com uma marca no centro como se nascesse para servir de alvo.

–Bom, vamos começar.

Will anui com a cabeça, parecendo mais determinado do que devia estar.

A parte mais difícil foi ajeitar o arco em sua mão. Ele segurara de ponta cabeça, ao contrário e até mesmo apontara para a própria cabeça, atirando a flecha. Se não fosse eu para abaixa-lo a tempo, ele já seria uma pessoa morta.

–Will, isso não é uma brincadeira! Pode parecer, mas não é!

–Eu sei! Você acha que eu não estou sério?

Respirei fundo, acalmando-me aos poucos. Sabia que tinha que ser paciente, assim como ele fora comigo. Assim como minha mãe foi comigo.


~ Por favor, coloquem essa música (http://www.youtube.com/watch?v=w_LOOKssMpA )~



Fui ao seu lado, pousando meu arco no chão.


–Desculpe... –disse baixinho.

Will continuava tentando arrumar a flecha, sem entender muito bem porque não estava conseguindo. Parecia tão preocupado em fazer o melhor que mal ouviu o que eu dissera. Sorri para seu esforço e segurei sua mão, que parou o movimento na mesma hora.

–Tente assim... –mostrei para ele um jeito mais fácil de encaixar a flecha no arco, movendo suas mãos como um fantoche. Acabei me empolgando e fiz o movimento várias vezes até que ele entendesse.

Com os mesmos fluxos de movimentos que fizera, ele repetiu, de um jeito cauteloso, tentando não me decepcionar.

E não o fez, pois quando eu vi, ele já tinha arrumado o arco cinco vezes e acertado em todas em arruma-lo, ficando cada vez mais ágil. Fingi não notar quando ele errava uma coisinha ou outra, sempre tentando consertar após o deslize.

–Está fazendo tudo certo, Will. Estou orgulhosa de você. –falo suavemente para ele, tranquilizando-o assim que, sem querer, deixa a flecha escorregar do arco. Vou até ele, bagunço seu cabelo para que ele ria e fico na ponta dos pés para que, na sua altura, consiga encarar seus olhos verdes irradiando bravura. –Só lembre-se de nunca desistir, certo?

As mesmas palavras, o mesmo incentivo. Era como se revivesse um déjà vu.

–Certo. –ele fala com a voz destemida e corajosa, acenando afirmativamente com a cabeça para mim demonstrando que entendera.

Mando-o arrumar o arco de novo, pegando eu própria o meu, depois de ele ter arrumado com toda a delicadeza a flecha na corda, deixo pronto a minha em um segundo.

–Agora, você atira. Tente escutar todos os ruídos ao seu redor. Tentar ver o que está escondido. Mire e puxe a corda, quando chegar a hora certa, você solta.

–A hora certa? –ele ecoa.

Assinto com a cabeça.

–A hora certa.

Ele tenta uma, duas, três, quatro vezes até desabar no chão zangado, frustrado e pesaroso.

–Por que não estou conseguindo?! Ela sempre está fraca demais, ou forte demais. –ele balança a cabeça, sem conseguir conter a onda de desaponto que sente de si mesmo.

Ajoelho-me na sua frente, ele pedira para eu atirar mais de uma vez como demonstração de como deveria ele mesmo fazer; todas as vezes acertei no centro da árvore, sem dificuldades, mas nenhuma vez a sua flecha conseguia se cravar na madeira, em um galho, ou no que quer que seja.

–Desculpe por desaponta-la, Annie...

Sacudo a cabeça, não estava nem um pouco desapontada. Ele estava fazendo um grande esforço. Aprendia muito em pouco tempo. Eu mesmo demorara tempos para aprender a segurar o arco sozinha (está bem, eu tinha seis anos, mas e daí?) e ele havia conseguido em... meia hora...? É, meia hora.

–Will, você não está me desapontando nem um pouco. –seguro seus ombros, arrumando sua postura para que fique reto novamente. –Olhe para mim.

Ele não levanta a cabeça, fazendo com que eu tenha que segurar seu rosto com as minhas mãos, obrigando-o a encarar meus olhos.

–Escuta, escuta bem. Isso não é fácil, você está dando o seu melhor e estou impressionada pelo que está conseguindo. Você não pode deixar cair assim tão rápido, o que foi que você disse para mim quando fui aprender violão com você? –bufei, sorrindo para tentar deixa-lo feliz novamente, não estava conseguindo vê-lo daquele jeito, era a pior das coisas que um dia pensei presenciar. –Eu sou um desastre, e você falou para mim que eu nunca posso desistir facilmente. É o que vem ao caso agora. Teremos muitas mais aulas juntos, Will. Não se acanhe, está bem?

Seu rosto ficou mais vivo, pareceu estar radiante de novo. Seu sorriso brotou em seu rosto, eu continuava com ele em minhas mãos, lentamente soltei-as, continuando a encarar seus olhos.

–Sei que está em dúvida, agora. Que pode não entender como vai conseguir chegar até o fim, encontrar a luz no túnel comprido e escuro. Mas você vai conseguir, lembre-se disso. Você vai saber o momento que tudo vai dar certo... –levantei uma de minhas mãos, prestes a fazer uma coisa que anos atrás minha mãe fizera em mim.

–Você vai saber quando está no caminho certo, você vai sentir aqui. –levei minha mão até seu peito, pousando-o onde estava o coração.

Inconscientemente, aproximei-me mais dele, até nossos narizes estarem a centímetros de distancia. Seu sorriso havia diminuído, porém ainda estava lá. Agora ele estava parecendo compreender melhor. Estava mais relaxado também. Sua mão procurava a minha, até sentir o roçar de seus dedos no dorso de minha mão esquerda que pendia próximo ao chão. Pude sentir seu coração batendo forte contra a minha palma da mão direita que estava no seu peito.

Lembrava-me dos primeiros dias de que minha mãe me deu aulas, levei algum tempo para conseguir entender como se usava a corda. Tinha a mania incontestável de puxa-la demais e minha mãe sempre sacudia a cabeça e me corrigia, nunca dava certo.

Pelo menos, eu tentava. Muitas vezes passava pela minha cabeça que eu não teria o talento espetacular dela. O que me desanimava muito.

Amava o jeito que minha mãe caçava, como ela fazia cada movimento com perfeição.

Um dia queria ser como ela, e naquela época pensava que era algo impossível já como nem esticar a corda conseguia.


Flashback on



–Não, Annie, você não deve flexionar o arco dessa maneira, querida. Assim você nunca irá conseguir acertar o alvo. –dissera assim que soltei a corda e a flecha passou como um borrão pelo meu objetivo indo parar do outro lado da clareira.

Ela foi buscar a flecha perdida enquanto eu encolhia os ombros pensando que nunca conseguiria. Alcançar aquilo era quase um trabalho árduo o suficiente que eu, uma garotinha de sete anos de idade, não poderia dar conta. Como minha mãe conseguia? Por que eu não tinha tanta facilidade quanto ela?

Quando ela voltou e me viu naquele estado deplorável, ela tratou de soltar a flecha perto de onde estávamos e ir ao meu lado, segurando meus ombros tensionados.

–O que foi, amor? –perguntou, me olhando preocupada.

Joguei o arco no chão e cruzei os braços, minha garganta ficou quente e se apertou e podia sentir o acúmulo de lágrimas de frustração nos olhos, porém não iria solta-las. Não queria que minha mãe achasse que eu fosse tão frágil daquele jeito e com sentimentos fáceis de domar.

Sentia-me tão inútil por minhas tentativas fracassadas. Sempre falhava. Não tinha jeito. Eu tentava com todo afinco fazer o que minha mãe aconselhava e indicava, porém parecia tudo resultar em nada.

Míseros tempos perdidos... Nos quais poderia... Poderia não atrapalhar os segundos preciosos de minha mãe, ela poderia fazer coisas mais importantes do que ficar vendo a filha sempre falhar, falhar e falhar.

Estava farta disso.

–Eu não consigo. Não sei fazer isso. –sussurrei tão baixo que podia jurar que minha mãe não escutara, mas ele escutou sim e se abaixou até a minha altura para olhar nos meus olhos.

–O que você está falando, Annie? –disse com a voz calma, fingindo não ter entendido, só que eu sabia que ela havia compreendido direito.

Suspirei profundamente e olhei para o chão, para os meus pés e o arco ao lado. Deixei meus braços caírem e se postarem ao meu lado do corpo, sem ânimo para mais nada.

–Eu não sou como você, mamãe. Não sei manejar o arco... Não tenho sua habilidade, sou imprestável. –expliquei bufando irritadiça, assoprando as franjas que caiam nos meus olhos me impedindo de enxergar e me deixando mais nervosa ainda.

Minha mãe deu um risinho e eu não pude deixar de interpretar que aquilo era tudo o que eu menos precisava para poder tentar continuar.

–Querida... Olhe para mim. –minha mãe segura meu queixo quando recuso a obedece-la, e levanta meu rosto até que nossos olhares se encontram e posso ver que não há nenhum traço de decepção em seu rosto. –Você não precisa se preocupar com isso, eu também nunca fui excelente assim de um dia para o outro.

Engoli em seco, absorvendo suas palavras. Sempre pensara que minha mãe nunca teve esforço em aprender, aquilo era inconcebível se olhar para como ela se comportava diante de sua arma.

–Não...? –hesitei, ela balançou a cabeça novamente com um sorriso radiante.

–Não, meu bem. A vida nunca lhe trará as coisas sem que você lute para consegui-las, veja bem, eu, por exemplo, tive que treinar um bocado para chegar até onde estou e com você não é diferente. Nossas tentativas e erros nos levam a perfeição.

Perfeição... exatamente como eu a via.

Minha mãe riu da expressão boquiaberta que adquiri, pegou o arco aos meus pés e estendeu-o para mim pega-lo. Vacilei diante a visão daquilo, e se eu a desapontasse depois de toda essa conversa?

–Agora tente de novo, lembre-se de que você tem que se concentrar no alvo e apenas no alvo, e soltar assim que a hora chegar.

Agarrei minha arma que minha mãe havia feito especialmente para mim e me presenteado no meu aniversário e brinquei com a corda, evitando o olhar de mamãe.

–Mas... como eu vou saber quando a hora chegar?

–Você vai saber... –ótima conclusão, mãe. Ergui o olhar com a testa franzida prestes a reclamar quando ela me deteve, levando a sua mão no meu peito e apontando para o coração. –Você vai sentir quando ele chegar. Bem aqui.

Suspirei e sorri para ela, tendo uma onda de confiança súbita dominando meu corpo novamente.

Talvez eu não devesse me preocupar muito com isso... Talvez não devesse ficar presa nos meus erros, talvez eu só tenha que acreditar em mim mesma.

Acreditar que vou sim conseguir.

Fiz um sinal com a cabeça para minha mãe avisando que estava pronta, ela deu um tapinha de leve no meu ombro me encorajando a continuar e se afastou, sussurrando no meu ouvido enquanto partia para a direção atrás de mim:

–Nunca desista, Annie...

Fechei os olhos e me concentrei, a brisa tocando meu rosto, tão leve e reconfortante, os barulhos das folhas sendo pisoteadas pelos pés de minha mãe até que ela para e fica imóvel e o único som que envolve minha audição é o suave e tilintante vento passando pelas folhas das árvores a minha volta, como alguém brincando por entre elas, rindo e debochando de minha incapacidade com o arco.

Balanço a cabeça, espantando aquele pensamento e tudo volta ao normal.

“Eu consigo”

Acalmo-me o máximo possível, assim como minha mãe ensinara. Abro os olhos e centralizo meu alvo, o ponto no centro da árvore.

“Eu consigo”

Estico o cordão do arco e paro, tento me isolar e fazer tudo o mais desaparecer, sinto um repuxão no cotovelo e inconscientemente afrouxo o aperto na corda, fazendo com que ela não fique tão repuxada.

Essa era a hora?

Era a hora certa para eu soltar?

Minhas pernas começaram a tremer e tentei relaxar, vai dar tudo certo... Tudo... Certo... Vai?

Tinha que ser naquele momento. Era agora, ou era nunca.

Está bem, pode ser que eu esteja dramatizando um pouco a situação, mas era assim como eu me sentia. Como se essa fosse minha última chance.

Fechei os olhos com força novamente e soltei. Escutei a flecha cortar o ar e fincar-se em uma superfície. Não tinha coragem de abrir os olhos e ver onde havia acertado. Provavelmente teria cravado em algum galho distante do objetivo ou, possivelmente, no chão.

Aquilo era muito constrangedor para encarar e no momento que eu estava a ponto de virar-se para receber mais alguma palavra de motivação e conforto da minha mãe que estava tão acostumada a escutar enquanto ela mantinha o rosto cheio de compaixão e compreensão, fui levantada e beijada na bochecha pela própria que vibrava.

Por um instante pensei com certeza absoluta que não tinha alcançado a mira certa, mas aí pensei: “Se eu não houvesse conseguido então por que ela estaria me abraçando desse jeito?”.

–Annie! Você conseguiu! –escutei assim que abri os olhos e vi onde minha flecha havia parado: exatamente no ponto central do alvo. –Você conseguiu, filha!

Meu sorriso ficou enorme e eu estava com uma sensação tão boa de vitória que uma explosão de alegria pelo êxito de minha tarefa foi desencadeada, fazendo com que eu não pudesse deixar de ficar empolgada para tentar de novo.

E de novo.

E mais uma vez.

Até que anoitecesse e eu não conseguisse enxergar mais nada e que eu tivesse a necessidade de acender alguma luz para poder continuar.


Flashback off.



Sim, aquela sensação. Lembrava-me com bastante clareza. Dúvida, indecisão... todos nós sentimos.


Mas logo depois disso vem à alegria, vitória e satisfação de si mesmo.

E quando eu toquei em seu coração, quando me aproximei dele até estarmos quase tão pertos quanto nós nunca estivemos, senti um alvoroço dentro de mim.

Ele continuava sem se mexer, agora com uma expressão indecifrável no rosto e eu ainda estava com a mão em seu peito, sentindo o seu coração bater.

Pensei que deveríamos nos afastar, afinal, aquela coisa na barriga voltara e eu poderia não controlar as emoções estranhas que tentava disfarçar.

Recolhi minha mão, pegando o meu arco que deixara no chão. Recuei um pouco até que ficássemos em uma distancia razoável, seu toque se afastou de mim.

–Está pronta agora? –perguntei, desviando de assunto e me levantando.

Ele tossiu, limpando a garganta.

–Estou.

Continuamos nosso treino a tarde inteira, nos divertindo e um aprendendo com o outro. Ele me ajudou no violão também, melhorando minhas “técnicas” que já eram ‘maravilhosas’, até que uma vez ele riu escandalosamente de um comentário tonto que fiz sobre o violão que ralou o joelho ao cair no chão e se rolar não conseguindo impedir a risada.

O dia terminou rápido, a noite caiu e fomos dormir cedo para que nós conseguíssemos acordar mais cedo ainda e treinar mais. Era meu último dia no distrito 4, um dia que passou voando.

Depressa até demais, já estava no trem para voltar ao nosso distrito. Fynn se despedia das gêmeas que choravam loucamente como se nunca mais fossem se ver. Parece que ele tinha feito boas amizades.

Dei tchau para Aimee que certificou que essa não seria a última vez que nos veríamos, e Aaron que afirmou que me encontraria para “me salvar do cavalheiro das trevas” –Obs: não confundam com Batman e o cavaleiro das trevas, wow.-(segundo ele, seria Will), Aimee, para me ajudar, havia puxado o cabelo dele até que ele parasse de falar bobagens para mim. Obrigou até para que ele falasse desculpas para Will que tinha estado do meu lado o tempo inteiro.

Não entendia o porquê das desculpas, afinal, desde quando estava sob o poder de Will? Que ele era meu “cavalheiro”? Entendia o que eles queriam dizer nas entrelinhas.

Há-há, ok, ok. Nós nunca ficaríamos juntos desse jeito que insinuavam... Isso era ridículo.

Não era?

Meu pai já carregava a mala para dentro da embarcação e a minha mãe dava os últimos agradecimentos, Fynn se encontrava em um dos compartimentos do trem provavelmente com os fones de novo no ouvido.

–Então... Quando você acha que vamos nos reencontrar? –Will pergunta, viro para ele incerta. –Sabe... para treinarmos. –ele completa, tentando agir com indiferença, mas percebi o tom de ansiedade para podermos nos ver de novo e podermos repetir tudo mais uma vez.

Sorri alegre, estava pensando nisso desde quando havíamos saído da casa de Morgan e da família. Eu poderia combinar de ir ao distrito 13 visita-lo? O duro é que as aulas estavam prestes a recomeçar e assim teria que me acirrar nos estudos...

–Hm, bom... –olhei para Agatha que observava enquanto eu conversava com Will, estava parecendo refletir sobre algo, fiquei extremamente curiosa quanto a isso. Conhecia de cara quando alguém tinha um planejamento em frente. –Eu não tenho tanta certeza...

–Por que não fazemos assim, eu a visito no distrito de tempos em tempos? Acho que Gale e minha irmã não se preocupam em me levar. Prometo não me esquecer de treinar o arco e flecha também. –ele apressa-se a dizer antes que eu retrucasse e falasse alguma outra coisa ou dissesse pela vigésima vez que ele tinha que continuar se empenhando nos treinos mesmo sem eu por perto.

–Bom garoto. –dou uma batidinha na sua cabeça, tendo que me esticar para alcança-lo. Maldição, que raiva. Então fico hesitante em questão de ele vir me visitar. -Tem certeza que não vai atrapalhar você? –estou com medo de ser algum problema para ele.

–Absolutamente não. Não pense muito nisso. Acho que tudo vai ser resolver. –sorri de modo tranquilo.

–Annie! Entre! –escuto o grito da minha mãe e o apito do trem. Não quero ir, por incrível que pareça.

–Boa viagem, pequena Annie, não se esqueça de se manter contato e tentar encaixar um dia para nos vermos. Até mais tarde. –Will fala apressado, me dando um abraço rápido, ainda segurando minhas mãos dando um breve beijo em minha testa, logo me empurrando para dentro do trem no momento certo em que a porta se fecha.

Fiquei atordoada por um tempo até que me lembrei do que o havia avisado. Enfiei minha cabeça para fora da janela e berrei para que ele consiga escutar com o vento:

–Ei! Eu disse para não usar “pequena” e “Annie” na mesma frase, bobão!

Will apenas ri, acenando.

–Vou esperar hoje à noite quando você for me visitar para cortar minha perna fora!

Encarei-o boquiaberta, acenando incrédula à medida que o trem se afastava e fazia uma curva, fazendo com que eles desaparecessem de minha visão.

Fui até um corredor onde segui até o compartimento em que minha família dividia, sentei-me ao lado de Fynn que, como sempre, estava escutando um rock alto que conseguia escutar mesmo sem estar com os fones no ouvido. Minha mãe sorriu para mim, dizendo silenciosamente que eu não ficasse tão triste por partir. Meu pai abraçou mamãe que adormeceu em seu colo.

Eu e meu pai debatíamos sobre como estaria a casa ao chegarmos. Meu pai afirmava que ela estaria completamente em chamas por Haymitch ter exagerado nas bebidas enquanto cozinhava, mas eu contrariava dizendo que Haymitch não cozinhava e que provavelmente havia estado o tempo todo deitado naquela cadeira bamba com Haymi rodeando-o como uma mosca.

Estávamos voltando, finalmente.

Uma nova surpresa estaria me esperando...



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Notas finais do capítulo

Olá, corajosos que leram até aqui! (estou falando de novo, eu sei. Tinha que repetir isso porque esse é mais ou menos o outro e... deixa pra lá).
Eu queria MUITO ter terminado o Especial de Natal para vocês, mas não consegui! ME DESCULPEM (não sei quantas vezes estou falando isso, mas está bem).
Eu quero desejar a todos vocês um Feliz Natal e um ótimo Ano Novo, acho que só estarei de novo em Janeiro, mas talvez consiga postar o Especial de Natal Atrasado no finalzinho de Dezembro, porque como disse antes, estarei viajando por duas semanas. Espero que entendam e não me abandonem porque eu não vou abandona-los. (:
Quero anunciar que tenho um novo planejamento para a fic, terá a PARTE DOIS em que vai ter na história: revoltas, guerras (vou tentar fazer meu máximo!), sangue, MORTES (uuuhuuu), altas emoções e etc. hahahaha Posso dar um pequenino spoiler se quiserem... é só me pedirem. Meu irmão aprovou. ^^
Meus queridos, muito obrigada por tudo! Pelos comentários e por estarem acompanhando. Não será um adeus! (eu fazendo drama aqui) Eu NÃO vou abandonar a fic, está bem? Voltarei logo, espero que continuem comigo.
Beijos, vou esperar por vocês nos comentários, gosto muito de conversar com todos vocês, fiquei muito feliz com todos os reviews que me deram nesses últimos capítulos. :D
Sentirei saudades.
-Reyna Potter.