Um Dia Qualquer. escrita por Hikari


Capítulo 20
Noite sem dormir. I


Notas iniciais do capítulo

Essa nota será longa, mas é MUITO importante, por favor, leiam.

Bom, quero me desculpar pela demora, eu sei que foi longa, mal posso acreditar que faz mais de uma semana que não posto. Desculpem, desculpem... Minha inspiração não queria vir.

A razão desse capítulo estar enorme, é que eu juntei pelo menos três capítulos em um, porque vou viajar e não poderei postar lá, e também pela demora, hãm... beeem longa. ANTES DE TUDO: Eu NÃO revisei esse capítulo, não deu tempo, então se tiver alguma coisinha estranha ou sabem... desculpem! Eu vou consertar quando chegar, agora não deu tempo, podem me avisar. ):

Obrigada a todos que esperaram e não me abandonaram, estou eternamente grata a vocês, queridos leitores.

EU FIZ UMA PEQUENA ALTERAÇÃO NA HISTÓRIA.

O Fynn era para ser quatro anos mais novo que a Annie, certo? Mas terei que mudar e deixa-lo DOIS anos mais novo que a Annie. Por isso, peço perdão aos leitores por estar fazendo esta mudança nesse capítulo... Será assim as idades:

Annie - 15 anos e Fynn - 13 anos.

Eu mudarei nas outras notas que tinha anotado e tudo mais. Será necessário essa alteração para os outros capítulos.

Terá mais coisas nas notas finais, leiam-na! Espero que gostem do capítulo, estou arriscando minha vida postando tão tarde já como vou ter que acordar cedo para viajar... Bem, bem. Nos vemos daqui a pouco!



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/271941/chapter/20

Por favor, leiam as notas iniciais! Ocorreu uma mudança na história...


Pov. Annie.

Eu tinha certeza que iria me arrepender depois, mas fui mesmo assim.

Talvez eu também não tivesse escolha, já como mesmo que eu recusasse eu iria ser arrastada a ir por Aimee. O que não era uma escolha muito sensata a se fazer.



E agora aquele era o momento certo de dizer que você não queria estar ali comigo, na sala escura onde momentos atrás houvera a “festa” do ruivo.

Certo, os garotos ainda não haviam chegado e pelo que eu ouvira e sabia muito bem, já eram para eles estarem lá. O relógio incrustado na parede retumbava sonoramente marcando exatamente meia noite e cinco minutos.

Eles só podiam estar brincando conosco. E eu não estava nem um pouco afim de brincadeiras.



Ao você fazer uma viagem do distrito 12 até o distrito 4 tenho que lhe informar que, além das costumeiras dores de coluna que sente por ficar horas na mesma posição, você fica com uma tremenda vontade de cair em alguma cama e adormecer no mesmo instante. Talvez acordar nunca mais quando a pessoa em que se trata nesse momento sou eu e sendo que essa mesma pessoa teve que passar uma tarde inteira com alguém como ele.

Se você pensou no Will, acertou.

Ele.

Mas voltando ao assunto de sonolência: está bem, eu posso ter dormido no caminho. Mas do mesmo jeito, estava mais cansada do que meu cachorro nos dias de verão. Como o assunto que eu estava sendo tratava era um tanto diferente do normal.

E também, mais um problema?

Primeira: uma coisa totalmente diferente de sair à noite de fininho para tentar não acordar ninguém era sair à noite de fininho, escondida com Aimee e com as suas irmãzinhas gêmeas, tentando não acordar ninguém, porque vamos confessar: Amy não era nada daquelas pessoas discretas (estabanada talvez fosse uma palavra certa para descrevê-la melhor) e as gêmeas não eram tão diferentes assim.

Segundo: no momento me que você se está andando por aí, caminhando tranquilamente pela casa, sem nenhuma preocupação aparente, à meia noite e seis minutos, tentando achar os malditos garotos de sérios problemas da cabeça e recebe uma boa dose de farinha na cara, bem... Não é uma coisa muito legal de acontecer, não é?

Muito menos quando você é uma pessoa tão delicada quanto Amy e, sem querer, deixa cair um vaso de porcelana favorito da família no chão no meio desse deplorável imprevisto. Aquele com traços rebuscados que a sua tatara-tatara-tatara-tatara- e-muitos-mais-tataras-pela-frente-avó que já está apodrecendo no chão, fez séculos atrás. Uma infelicidade, eu sei.

Vocês não estão entendendo nada, suponho.

É. Provavelmente estão com os rostos apoiados na mão olhando para isso e perguntando mentalmente para algum neurônio falante: “O quê?!”.

Vou me explicar melhor.

Como havia me descrito ali em cima, estávamos nós quatro na sala olhando para o relógio. Tínhamos chegado meia noite, no horário que havia sido definido para nos encontrarmos.

Mas olha que ótimo! Eles não estavam lá.

Fiquei encarando o teto, entediada e estava prestes a adormecer na poltrona na qual estava refestelada (muito confortável, afinal de contas, com os pés para cima na parte de apoiar o braço), porém fui impedida por um braço forte que me empurrou dali até cair no chão com um estardalhaço quase quebrando meu crânio, mas conseguindo colocar meu braço na frente para impedir minha queda desastrosa e uma consequente morte lúgubre que não estava com a mínima vontade de ter.

–Qual é a sua de me empurrar da-

–Shhh. –fui interrompida por uma mão que tampou a minha boca e abafou minha voz. Amy estava ao meu lado olhando para o corredor de forma pavorosa, como se houvesse visto algum tipo de criatura demoníaca passando de relance.

–O que foi, Ameeeee? –Trianne pula nas costas da irmã, fazendo-a cambalear e me soltar.

Arrastei-me para longe dela com medo de ela tentar me derrubar de novo ou fazer alguma coisa pior, Arianne – a outra gêmea – foi para o meu lado e me ajudou a levantar com um sorriso tímido e envergonhado no rosto genuíno dela.

–Obrigada. –agradeci quando consegui colocar-me de pé, a garota assentiu e apontou para as duas outras crianças (porque mesmo que Aimee fosse um ano maior que eu assim como alguns meses mais velha do que Will, sim, parecia uma criança ainda) que rolavam no chão uma tentando vencer a outra, Trianne mordeu a irmã fazendo-a ficar com uma cara de nojo pela saliva que havia deixado no antebraço dela e antes que pudesse perceber ou assimilar direito Amy já estava segurando a mesma pelos pés e levantando-se com ela firmemente nos braços, deixando-a de ponta cabeça.

–Você não vai as separar? –ela perguntou com um tom inocente e suplicante para mim.

Respirei fundo pensando no que poderia fazer. Aimee segurava a garota enquanto a própria tentava se desvencilhar só deixando sua situação pior ainda, batendo a cabeça na poltrona na hora que tentou se segurar no móvel.

–Hm, você acha melhor? –fiz uma pergunta hesitante, não querendo exatamente uma resposta mas a recebendo mesmo assim pela garota que anuiu bruscamente com a cabeça, encarando-me preocupada.

–Está bem... –me preparei estralando os dedos, girando a cabeça de um lado para o outro com alguns pulinhos e esticando a perna – como se fosse entrar em alguma luta de boxe ou até mesmo em algum campo de batalha, o que era similar a se meter em alguma das brigas de Amy e a irmã. Havia descoberto isso no quarto, quando as duas estavam tendo um “pequeno” desentendimento para saber qual dormiria na cama de cima do beliche.

Estava quase indo ao seu encontro com uma coragem renovada, mas congelo no mesmo instante com os pés grudados no chão assim que ouço um ruído farfalhante, olhei para todos os lados tentando visualizar um vislumbre de algum dos garotos em algum lugar, não os vejo em lugar algum.

Escutei um baque e um gemido, virei a cabeça tão repentinamente que senti uma pontada no pescoço.

A minha frente vi Trianne esparramada no chão, levantando-se lentamente com o cotovelo apoiando o corpo, levando uma mão para a cabeça e olhando esbravecida para Amy que só tinha atenção para trás de mim.

Ela inclinou-se um pouco para o lado e abriu a boca para avisar algo, fechando-a em seguida, pensando melhor e fazendo um sinal de silêncio sem discrição alguma. Foi até mim e pegou meu braço, levando-me com ela para o corredor no qual o barulho havia vindo.

–Ei, eu não quero ir aí! –ciciei, olhando para trás para ver as gêmeas paralisadas no mesmo lugar, tentei mandar um olhar de desespero e extremo pânico para elas que pareceram – ou queriam – não ver.

–E eu não quero entrar sozinha. –ela retrucou friamente, acabei deixando-a vencer e segui-a rumo aos corredores sombrios e escuros que pareciam cada vez mais assombrosos conforme entrávamos neles.

Veja bem, eu sabia que não devia ter nada de sobrenatural vagando pela casa, afinal, não estávamos em nenhum seriado de TV ou coisa do tipo por isso eu fiquei o mais tranquila possível, convencendo-me de que se me acalmasse eu poderia escutar melhor os passos de prováveis irmãos, Will’s e primo’s que queriam nos assustar.

E foi no momento que estava mais relaxa do que nunca que escutei os passos conhecidos do meu irmão.

Era bem fácil reconhecer, na verdade. Quando estava ansioso ou impaciente para alguma coisa ele começava a bater o pé no chão sem ao menos notar, além de que podia escutá-lo muito bem com a respiração pesada da inquietude usual.

Dei um sorriso divertido e andei um passo a frente, empurrando Aimee comigo, a outra estava com uma cara tão confusa que fiquei com vontade de rir.

Uma figura de preto, encapuzada, passou correndo atrás de nós e bateu direto de cara na parede, soltando um grunhido ‘Fynnzível’ e soltando um pacote no chão, que estourou e encheu a nossa volta de um pó branco e seco.

Escutei Aimee arquejar e tossir, acompanhada por mim, olhava para todos os cantos tentando prever outro “ataque” desses. Estava a ponto de entender o que estava acontecendo, mas no segundo a seguir minha linha de raciocínio foi quebrada pela farinha que foi jogada na minha cara sem dó nem piedade.

Bufei e tossi mais ainda, passando a mão no rosto para retirar a camada grossa do pó, chacoalhando a cabeça e abrindo os olhos que havia fechado com força, pisquei diversas vezes para conseguir tirar o pó que havia se impregnado ali e enxergar novamente.

O que eu vi?

Ah é, aquele sorrisinho meio torto e os olhos esverdeados brilhando de empolgação enquanto me olhava com o rosto inclinado inofensivamente, como se estivesse acabado de chegar em meio a cena do ‘crime’.

Estava com uma roupa preta idêntica a do meu irmão, com o capuz levantado sobre a cabeça tampando a maior parte de sua cabeleira ruiva, deixando apenas alguns fios soltos cair na testa de forma bagunçada com os quais eu tive que me conter para não arrumar quando esses escorregaram para frente dos olhos no momento que Will curvou-se na minha direção.

É, ele era maior que eu. Aquilo me deixava frustrada e não gostava de ficar lembrando.

–Oi Annie, acho que está sujo aqui... –ele fala levando a ponta dos dedos para minha barriga e assim que olho para baixo desconfiada, ele sobe a mão rapidamente dando uma batidinha no meu nariz. Aquela brincadeira besta.

Porém até que serviu para algum propósito, afinal, havia visto o balde com rastros de farinha em suas mãos e foi então que despertei, aquela raiva ardente crescendo dentro de mim pronta para descarregar tudo nele.

–O que você pensa que está fazendo?! –falei um pouco alto, erguendo a cabeça e, pela segunda vez naquela noite, tamparam a minha boca com a mão.

–Fale mais baixo, o pessoal aqui tem sono leve. –advertiu Will, com um toque de censura na voz. Está bem, não quer barulho? Então dou outra coisa.

Agarro sua mão e a torço com força, ele faz uma careta e se contorce caindo de joelhos deixando com que o balde em sua mão acabe caindo ao seu lado com barulho estridente que Will se pôs a conter, ele aposto que está mordendo a língua para não gritar e eu o solto quando fico satisfeita com o resultado.

–Por que você fez isso? –ele perguntou esbaforido abraçando a mão e senti um pouco de remorso que logo enxotei da cabeça.

–Você jogou farinha em mim! Sem mais nem menos! –exclamei deixando transparecer minha revolta, não me importava de ele perceber o tom de raiva na minha voz, até queria na verdade.

Ok, por que eu fiz aquilo? Além de ser um ato defensivo?

Eu não sabia exatamente. Na verdade, acho que fiz mais sem pensar direito no que aconteceria, imaginando que se ele soubesse do que eu era capaz de fazer caso ele resolvesse repetir aquela brincadeira... bem, ele não fizesse mais.

–Gostei dessa atitude, Anniezita! –Amy bate nas minhas costas com orgulho estampado no sorriso aberto.

Odiava esse tipo de apelido: Anita, Anniezita, Aneca, Anitica, Anica, Anona, Anininininhinha. Podem crer, tem pessoa que me chamam de alguns nomes daí, até os mais absurdos. E quando digo ‘pessoas’ lê-se ‘Fynn’.

Só que antes de eu repreendê-la sobre meu nome, a mesma quantidade de farinha jogada em mim foi parar nela. O sujeito infeliz que fez isso despejou o restante do balde de Will nos seus cabelos ruivos avermelhados; o pó enroscou-se nas madeixas flamejante fascinante deixando-a mais parecida com um aterrorizante fantasma vingador do que Aimee. Isto é, se algum dia houve alguma diferença, porque ela sempre parecia vingativa e aterrorizante... Às vezes.

Espero que ela nunca leia isso.

Se você achou que eu fui agressiva, então nem queira saber o que ela fez com o coitado que pude presumir ser Aaron, digamos apenas que enquanto ela ficou branca feito giz pela farinha, ele acabou com um olho roxo como uma beterraba. Recuei perante a brutalidade do acontecimento.

–Ainda bem que não fui eu quem fez isso nela. –escutei Fynn balbuciar para si mesmo enquanto se levantava, acertando as vestes e dando uma última olhada por cima do ombro para as duas pessoas se estrangulando, refletindo se deveria ou não ir separa-los.

Fynn pensou melhor e resolveu ficar no seu lugar e observar como se fosse algum filme de cinema. O que achei uma ótima decisão.

Lembrei-me de Will e abaixei-me e para ver se ele estava bem, já como não havia se levantado em nenhum instante. A culpa começou a tomar forma em mim, naturalmente eu nunca me sentiria culpada por algo que havia dado para a pessoa que merecesse o certo “presentinho” (e Will certamente merecia esse meu presente), então por que raios em me sentia tão mal?

–Will, você tá bem? –pergunto receosa, tocando sua mão ferida. Mordo meu lábio inferior ao ver que está ligeiramente marcado pelo meu aperto, e por ele ter resmungado um pouco ao ter chegado perto, retiro minha mão e a coloco longe dele. –Me desculpe por isso. Não queria ter machucado tanto assim...

–Tudo bem, Annie. Eu estou bem. –ele levanta a cabeça e posso notar que não há nenhum vestígio de dor em seu rosto. Bom, talvez haja, mas é tão mínimo que pode se passar despercebido.

–O quê?! Como assim?! Então por que você está aí parado e se lastimando?

–Sabe o que é... Eu até levantaria, mas... Você está pisando na minha outra mão. –ele fala com os dentes trincados, indicando com o queixo meu pé e vejo a mão amassada dele ali embaixo, levanto meu sapato imediatamente e ele a leva ao peito comprimindo os lábios.

Fico ali, encarando ele como uma tonta. Eu havia esmagado a mão dele! Como não havia descoberto antes? Devia ter prestado atenção na hora que pisei em alguma coisa macia, ou seja, a mão do ruivo. Maldição, eu sou tão desatenta.

Percebendo meu olhar de pânico sobre ele, Will ri baixinho e fala:

–Viu? Está tudo bem. –ele levanta as duas mãos, uma eu posso notar as marcas da sola do meu tênis, sinto em mim mesma como deve ser o formigamento e a dor ardida que deve sentir, a outra? Estava levemente rosada e com o contorno dos meus dedos enfeitando o dorso e a palma.

Está bem, agora ele venceu. Seja o que for que esteja tramando. Ele conseguiu. Havia me deixado remoída e arrasada pelo que tinha acabado de fazer. Agora ele estava com as duas mãos acabadas, e vendo de outro ângulo, aquilo era horrível, tinha acabado de me lembrar de que ele começara a aprender violão com o tio Gale, por isso...

–Como você pode dizer que isso está bem? Tudo bem nada! –respondo seca, pegando suas mãos repentinamente e fazendo uma análise minuciosa.

Minhas mãos estavam tão trêmulas que enquanto eu segurava a sua mão direita, a esquerda envolveu-a e consigo trouxe um meio sorriso vindo de mim e, pude ver pelo canto do olho, que ele fazia o mesmo.

Suspirei aliviada depois de um tempo examinando-a e passei o dedo pela sua palma quando ele soltou nossas mãos enrodilhadas, escutando seu riso no qual sempre conseguia me arrancar um sorriso. As mãos podiam parecer realmente feridas, mas na realidade elas estavam melhores do que nunca. –Acho que estão bem, ããn... –tento contornar de um jeito que ele não perceba meu constrangimento.

–E o que eu disse? –falou se glorificando.

Tirando os resquícios de farinha da sua capa preta e ajeitando-a com cuidado, estendeu a mão com a oferta de ajuda que aceitei de bom grado.

–Mesmo assim, me lembre de nunca a subestimar, cara donzela. –ele fala zombeteiro, piscando para mim.

Balancei a cabeça pelo que ele dissera e tentei mudar de assunto.

–Qual é a dessas capas? Se passando de Comensais da Morte? –ri da minha piada, se vocês vissem as vestes deles não poderiam negar o que eu falara, quero dizer, aquilo era muito parecido.

–Quem sabe?! –Fynn chega ao lado de Will com a voz ameaçadora, o ruivo pousa a mão no topo da cabeça do meu irmão que se solta e vai para o outro lado. Sabia que ele odiava ser tratado como criança, segundo suas afirmações “já era um grande homem”. Tá, eis meu irmão: o supremo Fynn de treze anos de idade.

–Não, não é isso. Nós estávamos pensando em espionagem. –ele faz uma pausa e torce a boca, reconsiderando o que havia dito. –Ou era só para desaparecer mais nas sombras.

Will dá de ombros, claramente pouco interessado pelos detalhes.

Um estilhaço faz com que nós três nos voltemos para os dois seres distribuindo pancadas mutualmente.

Ambos haviam parado de se baterem (o que era surpreendente), obviamente por causa de um transtorno que aconteceu. Havia recuado até a parede oposta como se houvesse aparecido algum tipo de praga do outro lado, onde ficaram arfando com o peito subindo e descendo rapidamente, encarando com olhos arregalados os pedaços despedaçados de um vaso no chão.

Tinha uma lembrança remota do que significava o objeto, um vaso evidentemente antigo pelos desenhos manuseados e a tinta desbotada e antiga. Pelo que me lembrava, Aimee tinha dito para mim - assim que perguntei a ela sobre ele enquanto nos dirigíamos ao nosso aposento antes dessa confusão toda - que ele era bem valioso para a família, passado de gerações até chegarem a eles.

E agora o que restava dele jazia em pedaços minúsculos no chão, cacos de diversos tamanhos e formas.

–Eu não acredito nisso. –Amy saiu de seu aspecto imóvel e correu para juntas todas as peças com uma vã esperança de conseguir uni-los.

–O que você fez? –Aaron se aproximou sussurrando.

–Não está vendo, não!? Ou tem mesmo que fazer essas perguntas estúpidas para me deixar pior?! –a outra retruca ainda olhando boquiaberta para os destroços.

–Oh, não... –Will diz com a voz quase não saindo da boca.

Alguma mão me empurrou, dei um passo ao lado e Trianne e Arianne saíram de onde estava, correndo para onde a irmã mais velha se encontrava, parando a poucos passos de distância dela, pareciam não ter visto os cacos no chão ainda.

–Escutei um ruído e pensei... –Trianne começa e depois abre a boca visivelmente chocada.

Arianne puxa a manga da irmã para que ela explicasse o que estava acontecendo, a única coisa que ela faz é apontar. Ambas levam as mãos até a boca.

–Como assim quebrou? –Arianne que tinha o tom doce e suave na voz pergunta, tentando não acentuar sua decepção para não agravar a situação de Amy.

–Papai e a mamãe vão nos matar na praça pública. –Amy cerrou os punhos e fiquei com receio de ela começar a socar todo mundo a sua volta. As gêmeas colocaram as mãos em seu ombro tentando reconforta-la e passar um sentimento de compreensão, de que ela não estava sozinha. E que realmente não estava porque se uma fosse o resto iria também.

–Não se eu puder impedir. –todos nós nos espantamos ao escutar tais palavras vindas de um lugar um pouco longe de nós.

Aaron ergueu a cabeça e fez a pergunta que todos nós estávamos pensando:

–E como você pode fazer isso?

Fynn faz uma entrada teatral para perto de nós e sorri com um toque astuto que não confiaria nem um pouco em circunstancias que não fossem essas.

–Sei muito bem onde conseguir uma nova.


Pov. Katniss.

–Que tal sairmos um pouco? –Peeta me sobressalta com sua pergunta que pronuncia calmamente.


–Peeta, sabe que horas são? –ralhei. Já estávamos nos preparando para dormir e eu estava com a cabeça apoiada no seu peito, olhando firmemente de expressão séria.

–Meia-noite.

Esperei ele continuar, mas ele só me olha com um perceptível desafio no ar. Inspiro profundamente, e indago:

–E...?

–E está uma noite linda para nós sairmos? –ele faz uma afirmação puxada para uma pergunta, tentando me persuadir a confirmar.


Balanço a cabeça sorrindo sem conseguir conter.

–Não... Afinal, onde poderíamos ir a essa hora? –faço a pergunta que fica pairando entre uma resposta na qual Peeta pensava para se safar.

Finalmente ele dá um sorriso largo, como se já vencesse uma guerra que não havia começado.

–Eu conheço uma sorveteria que fica aberta 24 horas, todos os dias.

Franzo a testa. Existe algo assim?

Como se soubesse o que pensava antes de perguntar ele explica:

–Na verdade, descobri-a hoje com Gale, ele que me contou da novidade. Parece que foi inaugurada aqui no distrito a não mais de um ano, e ainda estão tentando obter clientes. Parece que quase ninguém se interessa muito por esse tipo de originalidade. Dizem que não se acostumaram a...

–Espera aí, o Gale? Você realmente descobriu isso com ele? –interrompi-o.

Ele estava me olhando como se houvesse falado um absurdo, depois riu e afagou meus cabelos.

–Claro que sim. Por que ficou tão abismada assim? Não posso mais falar com ele?

Meu queixo caiu, eles realmente estavam se dando tão bem quanto parecia? Pensava que era só encenação por ser o aniversário do Will.

–Não precisa fazer todo esse drama, querida. –disse juntando meus cabelos e brincando com eles, parecendo despreocupado. –Então, o que você acha?

–Do que? –pergunto por um instante sem entender o que ele dizia. –Ah, a sorveteria?

Ele assente quietando as mãos, me privando da sensação que estava me trazendo sonolência.

Tento ver o que poderia ser de tão ruim assim. Talvez até fosse melhor nós andarmos um pouco, afinal. Ficaríamos três dias por aqui – agora dois – e tínhamos que aproveitar, não é?

Resolvi fazer a vontade dele.

–Bem... Parece ser uma ótima ideia. –suspiro, sabendo que meu Peeta iria adorar a caminhada.

–Isso! –ele da um pulinho enquanto eu me empertigo sentando na beirada da cama, colocando minhas botas, pegando uma roupa para trocar com o roupão que vestia. Vi Peeta se levantar todo animado e também se vestir, soltei um riso abafado, ele estava engraçado.

–Pronta? –ele pergunta oferecendo o braço para eu segurar, sorrio e aceno positivamente com a cabeça assim que saio do banheiro, passo meu braço pelo seu e inclino a cabeça no seu ombro.

Peeta fecha a porta com delicadeza, escuto o barulho de algo se quebrar e levanto a cabeça alerta no mesmo instante.

–Você ouviu isso?

–Sim... –ele já estava me guiando para a direção do barulho com os olhos semicerrados, com evidente suspeita no rosto.

O barulho estrépito dos nossos passos inundou o corredor, posso jurar que vi um movimento mais a frente e aperto a mão de Peeta demonstrando minha apreensão ao que estava em algum lugar escondido.

Continuamos seguindo o corredor, mas nada aparecia de perigoso. Entreolhei-me com Peeta, ele dava um sorriso zombeteiro, tínhamos as mesmas suposições: parece que não éramos as únicas pessoas acordadas quando não deviam.

Pensei que fôssemos fazer alguma coisa a respeito, mas parece que Peeta não pensava do mesmo jeito. Ele continuou andando como se nada estivesse acontecido, como se não soubéssemos que havia alguém ali.

Olhei duvidosa para ele que só deu de ombros, nem um pouco interessado - quanto eu - em saber quem exatamente eram esses violadores de horário.

Fomos para fora, a noite estava estrelada e a lua iluminava nosso caminho, estava realmente uma noite linda.

–Você sabe o caminho, garoto do pão? –perguntei sarcástica, pensando que só a informação da sorveteria que Gale havia passado não bastaria.

Ele virou olhou para mim, estupefato por ter desdenhado o conhecimento dele em relação a esse delicado assunto.

–Eu, por acaso, sei, garota do garoto do pão. –responde atrevido e continua: -Por mera precaução, seu queridíssimo amigo Gale me detalhou com precisão cada passo que devemos dar.

–Ui, agora você é especialista. Então me diga, garanhão, quantos passos faltam para nós chegarmos?

Peeta rolou os olhos me puxando para um abraço apertado, cegando-me e assim não me deixando ver a pista onde andávamos.

–Ei!

–Não se preocupe, eu a guio. Não vou deixar que você trombe em árvores como você faz comigo. –sim, eu sem querer o fiz bater em um tronco de uma árvore, acabou ficando inconsciente pela tarde inteira. Mas não foi minha culpa! Eu sei que ele confiara em mim e tudo mais... só que nem eu havia visto - a árvore até que podia estar à nossa frente, mas quando se tem o meninão aqui impedindo de ver qualquer coisa a frente, dificulta um pouco as coisas. (E não precisem me dizer que a princípio eu poderia ter me colocado na frente dele porque já escutei o bastante essa argumentação pelo próprio).

–Aquilo foi só uma vez... –murmuro com um beicinho de protesto, ele ri.

–Uma vez? –diz cético, não consigo me concentrar muito bem já como eu estou tentando andar de costas mais com um abraço de urso do Peeta, e por essa causa, subo nos seus pés intencionalmente, abraço a cintura dele para me firmar, finalmente descansando.

–Está bem, talvez tenha sido duas vezes...

Peeta ajeita seus braços atrás de mim me mantendo mais segura para não cair e continua andando se sentindo nem um pouco desconfortável, provavelmente para ele era como carregar um coelhinho nas mãos.

–Duas vezes, pãozinho quente?

Respiro fundo e apoio minha cabeça em seus ombros.

–Está bem, três.

–É, três vezes. –repete com presunção, fazendo-me sentir um lixo. Só falta ele querer pintar no rosto como eu consigo fazê-lo bater em cada árvore toda santa vez que saímos juntos e ele ‘confia’ em mim.

A culpa é inteiramente dele por ter confiado, primeiramente. Quando se confia em alguém, a responsabilidade dos fatos recai sobre, ninguém mais, ninguém menos, na própria pessoa que teve a decência de aceitar arcar com isso.

Respiro fundo.

Eu sei, só estou criando hipóteses para algo que não consigo aceitar.

–Por que não mudamos de assunto? –pergunto não me sentindo muito bem com o rumo da conversa.

–Está bem, do que quer falar? –indaga afetuosamente, baixando os olhos para ver meu rosto.

–Que tal de... –olho para os lados e fico desorientada. Nunca havia estado naquele lugar antes, ao menos havia chegado a sonhar em um dia visitar aqui. Várias casas escuras e parecendo vazias e abandonadas por estar tão tarde e silencioso passavam ao nosso lado. -Onde exatamente estamos indo mesmo?

–Na sorveteria, já estamos chegando. Só mais... vamos ver. –ele faz uma falsa expressão pensativa. –Uns cem passos.

Sacudo a cabeça, lembrando-me disso.

–Está bem, eu conto para você. –vejo de relance o rosto de Peeta se assustar por eu ter levado sério, mas logo é substituído por animação.

–Pode contar.

Sorrio e abro a boca, olho para seus pés prestando atenção a cada movimento seu.

–Um...

–Você vai mesmo fazer isso? –ele me cortou lançando um olhar pasmo.

–Você está me interrompendo... Três...

Continuei com aquilo, Peeta tentava me interceptar toda hora para eu parar de contar, mas eu não parei. Até mesmo naquele momento em que Peeta estancou e pareceu ver um fantasma no meio da rua, ficou pálido como um defunto.

–O que foi? Quarenta. –perguntei intrigada, sussurrando o número dos passos que havia contado para mim mesma.

–Eu vi... Eu vi a Foxface.

Tossi como se alguma coisa estivesse entalada na minha garganta, que havia se apertado repentinamente assim que pronunciou o nome da nossa antiga concorrente nos Jogos. Pude ver seu rosto se contraindo e sua boca virar uma linha de objeção.

–Peeta, tenho um leve pressentimento que você esteja alucinando, delirando. –digo a ele devagar, apertando sua mão, com a intenção de fazer todas aquelas lembranças indesejadas sumirem de sua mente, assim como na minha, na qual as memórias haviam emergido pela menção do nome. –Isso é impossível, Foxface está morta. Talvez devêssemos voltar; você está cansado...

Peeta sacudiu violentamente a cabeça, parecendo mais confuso do que eu.

–Sim, eu sei disso. Mas eu a vi!

Ele continuava olhando para aquele lugar onde, segundo ele, Foxface estava parada antes de continuar a andar seguindo em frente, tentei ver algo, qualquer minúsculo detalhe que poderia ser verdade o que Peeta dizia, porém nenhum vestígio dela eu encontrava.

Continuamos nosso trajeto, o meu Peeta ficou quieto em todos os segundos, não se irritava mesmo quando eu falasse alto o suficiente os números de seus passos para acordar as pessoas das casas em que passávamos reto.

Consegui arrancar sorrisos seus apenas levantando o braço e apertando seu nariz fazendo-o balançar a cabeça, incomodado, porém alegre, se divertindo.

–Sessenta e sete. –finalizei assim que chegamos à entrada da sorveteria. –Parece que o Reizinho do bolo aqui não conseguiu acertar as contas. –cantarolei, tentando traze-lo de volta a realidade, ele riu um pouco, voltando à expressão carrancuda logo em seguida.

–Quem disse?

–Você! Você deixou bem claro que teria cem passos a partir daquele lugar.

–Eu estava brincando, não falei de verdade. –contestou emburrado, virando o rosto e pude lembrar Fynn, nosso filho, quando fez essa carinha.

–Ah é? Porque pra mim pareceu que estava seguro do que falava.

Peeta bufou e soube que não voltaria mais a falar sobre o assunto, desci de seus pés e segurei suas mãos, mandando um silencioso pedido de desculpas.

Entramos pela porta que brilhava com umas luzinhas pisca-pisca bem irritantes, me perguntei se aquilo servia pra alguma coisa. Talvez para afugentar algum predador ou coisa do gênero. Bem espertos.

Dentro da sorveteria era gelado, com um sistema para manter a temperatura constantemente agradável, havia várias mesas espalhadas por uma sala enorme e clara, havia um espelho que cobria toda a parede no meu lado direito para tentar fazer parecer maior ainda, com um balcão no fundo em que algumas mulheres de uniformes ficavam sentadas, com a aparência cansada, a não ser uma que estava pulando e dançando escutando uma música nos fones, colocando sorvete que caía em todo lugar menos na casquinha.

Fui dar mais um passo em direção ao balcão quando Peeta me impediu, ele estava preso no chão, paralisado, olhando para algo do outro lado da sala.

–O que foi? –sigo seu olhar e fico igual a ele.

Aquela era... aquela era...

–Foxface. –ele enunciou a palavra com cuidado, como se ferisse a sua língua. –Eu disse a você que parecia ela, não disse?

Não podia contraria-lo. Aquela era mesmo uma pessoa assustadoramente parecida com o tributo feminino do distrito 5.

Não era ela, é lógico. Estava mais distinto do que nunca que ela morrera. Mas de uma forma bizarra, aquela garota era como se fosse a irmã gêmea dela, separada por nascença e ainda bem conservada.

–E até que você estava certo... –digo com a boca escancarada.

–E que você estava enganada... –ele sorri com modéstia.

Dispensei seu comentário com um gesto de mão, ignorando-o.

Peeta pega os sorvetes enquanto eu espero na mesa próxima ao balcão, conseguia ver a garota do outro lado, parecia bastante dispersa naquele espaço, parecia deslocada e nem um pouco bem, como se tivesse claustrofóbica ou coisa assim.

–Pra você, Tordo. –Peeta fala me chamando pelo apelido que há tempos deixara atrás, achei muito estranho.

–Por que está me chamando assim?

Peeta respirou uma golfada de ar, parecia tentar arrumar os pensamentos na cabeça bagunçada.

–Sabe... –para, não achando a resposta. –Quer pão?

Ele estende o sorvete para minha direção, olho-o enojada. Depois de conviver tanto tempo com esse tipo de comida, você pode acumular sentimentos ruins sobre ele.

Mas duvidava muito de que esse sorvete era de... pão.

–Você está brincando de novo, Peeta? –pergunto me inclinando, observando-o atentamente pensando quanto tempo demoraria a leva-lo ao hospital mais próximo, enquanto ele leva uma colherada do tamanho do mundo na boca. –Se é mesmo de pão, por que está azul?

–Mas não é de pão! –ele reclama.

–Você acabou de dizer que...

–Você não tem sentimentos?! Está ferindo os meus! Eu não só penso em pão, tá bom?

–Eu sei, mas...

–Vocêsópensaqueeupensoempãoporqueeudefinitivamenteamoeapreciotodoopãodoplaneta

queospovosparrudosqueinfectamapopulaçãopopulosaodeiaemeprovocacompães! –ele falou tão rápido que tudo que entendi foi esse bando de palavras grudadas uma nas outras sem sentido algum e imaginei-o repetindo tudo isso com velocidade extrema sem travar a língua.

–Peeta! –perco a paciência e acabo empurrando meu sorvete para seu rosto, sujando-o e deixando-o todo melecado a fim de cala-lo. –Foi você quem me falou isso, não inventa.

Ele não disse nada. Provavelmente porque eu estava com o sorvete bem na parte de seu nariz e da sua boca. Afastei-o vagarosamente.

–Por que, Katniss? Por quê? –pergunta dramaticamente, pegando mais um bom pedaço do sorvete e engolindo-o vorazmente, sem se preocupar em limpar o rosto.

–Por que... Porque, por quê! –gaguejei, aquilo estava virando uma conversa que eu não conseguiria acompanhar. Ele tinha mudado desde que voltara, havia ficado mais... mais... bom, acho que dá para perceber pelo modo como está agindo, não é? Não é muito normal.

Ele continua comendo seu sorvete, eu já havia desistido do meu e tinha ficado encarando a “Foxface” pelo espelho ao meu lado, ela já estava acabando com o milk shake que tomava. Ainda queria saber como aquela garota se parecia tanto com a... Verdadeira ela.

Meus pensamentos são interrompidos pela voz do Peeta que começa:

–Eu não sou um pão prestes a ser assado, mas quando estou com você eu pareço estar em um forno...

Reviro os olhos, aquela era a cantada mais podre que ele inventara para mim.

Mas na parte que você pensa que acabou, ele continua:

–Garota em chamas. –e dá um sorriso amarelo.

Balanço a cabeça, incrédula. Que piada era aquela...?!

–Peeta... você está com sérios problemas, está se sentindo bem? –coloco minha mão em sua testa para medir a temperatura.

–Não, não estou. –olho pasma para ele que acrescenta: -Sinto tontura só de pensar em você, meu pãozinho de mel.

Dou um tapa na minha própria testa e ele que começa a sorrir bobamente para mim, levando mais uma colherada do sorvete praticamente terminado que tomava à boca.

–Santa Ártemis, o que está acontecendo com você? –pergunto agora realmente preocupada tentando ver através da superfície de seus olhos azuis cintilantes.

Geralmente ele faz esses tipos de brincadeiras no nosso tempo livre, porém nesse momento ele parecia um pouco... hãm, perturbador (?).

–Nada... –ele fala com a voz vaga, de repente despencando da cadeira onde estava sentado.

–Peeta! –solto meu sorvete já acabado e derretido na mesa e vou até ele, sacudindo-o para verificar se estava bem. –Peeta?

Dei mais uma sacudida no seu corpo mole, o único sinal de que estava bem foi seu ronco ruidoso fazendo com que os poucos pares de olhos que se encontravam por ali se voltassem para nós. Respirei aliviada.

Alguém se levantou, com o canto do olho pude ver que era a ‘Foxface’.

–Ele está bem? –ela pergunta, aterrorizada para mim chegando perto para olhar para seu rosto sujo de sorvete azul e branco.

–Acho que sim... –respondo um pouco relutante, mas agradecida quando ela me auxilia, consegui coloca-lo na cadeira novamente, onde sua cabeça tombou e caiu no sorvete que estava espalhado pela mesa, lambuzando todo o seu rosto, suspirei tentando criar paciência o suficiente para ajeitar aquilo.

–Obrigada. –falo para a garota que já está se virando para a saída, ela acena com a mão murmurando um “não foi nada” e saí até a rua afora.

Escutei uma risada familiar atrás de mim, virei-me depressa tentando flagrar quem era. Já tinha ouvido essa voz que não eram desconhecidas e dessa vez eu estava determinada a descobrir quem estava nos espionando. Se não conseguira descobrir quem era na casa onde estava, poderia saber aqui, suponho. Ainda mais com o Peeta desmaiado daquele jeito.

Mas sabia que quem quer que esteja por trás disso tudo também não era tão estúpido a ponto de não ter se movido depois do deslize daquele.

Fui saindo da sorveteria quando uma das mulheres me chamou.

–Ei, ei! Vai deixar o moço aí jogado?

Dei meia volta, alternando o olhar entre a mulher que me chamou e Peeta babando e roncando. Ele só atrapalharia minha operação.

–Ãa... Essa é a intenção.

–Pois bem, não o aceitaremos aqui para espantar os clientes, por isso pode leva-lo com você. –diz outra arrogante, com o nariz empinado.

Mas que clientes, querida?

Fiz um esforço para me controlar, fui até Peeta sabendo que cada segundo era precioso e que não poderia perder tempo. Sendo assim: acorda-lo seria a melhor maneira.

Agora a pergunta: Como?

–Você poderia me trazer um pano?

A mulher que me respondera abriu a boca, porém outra logo se apressou para tacar um para mim. Talvez não quisessem arranjar briga; o que tinham feito certo.

–Obrigada. –falo baixinho e começo a limpar a cara do Peeta até que ficasse completamente limpa e eu pudesse fazer o que deveria ser feito.

Pego suas mãos arrastando-o para fora da cadeira, ele despenca no chão com o rosto contra o chão, vou até uma pia que tinha por perto, abro a torneira colocando o pano debaixo da água corrente, encharcando-o. Volto para onde Peeta estava e torço o pano pesado pela água em cima de seu rosto, depois coloco meus pés na sua bochecha e viro seu rosto. Ele ainda não acorda.

–Não, mãe... Eu não quero fazer pudim... –ele murmura sonâmbulo e dá as costas para mim, encolhendo-se, abraçando as próprias pernas.

Mas que raios colocaram no sorvete dele?

Isso! O sorvete. Era a única resposta que deveria ter.

Fui até a mesa, passei o dedo em uma das melecas do sorvete azul e levei até perto do rosto, aquilo tinha cheiro de... Como chama aquela coisinha?

Aquela coisinha que uma vez encontrei em um dos armários da cozinha que o Haymitch escondera e no final havia colocado na bebida dele para se livrar das minhas broncas?

Uma coisinha... Parecida com...

Lembrei.

Flor de Lótus.

Era isso que havia mexido com a cabeça de Peeta.

Agora fazia tudo sentido.

Dei um suspiro longo, limpei minha mão no tecido molhado já aproveitando para pega-lo do chão e coloca-lo na mesa.

Parece que a operação para perseguir quem quer que seja havia acabado. Não podia deixar Peeta desse jeito sozinho.

Agachei-me ao seu lado fitando seu rosto angelical.

–O que eu faço com você...?

Tinha que leva-lo a outro lugar, era obvio pelos olhares de desprezo que nos lançavam que não nos deixariam ficar aqui. Cocei minha cabeça tentando pensar no que faria.

–Vocês tem algum carrinho para carregar caixas pesadas? –pergunto erguendo a cabeça para ver os seus rostos surpresos.


Pov. Peeta.

Eu me encontrava em um lindo campo verde cheios de flores distribuídas organizadamente pelo caminho de pedras que passava.


Olha lá, um pássaro!

Espera aí... Onde estava o meu tordo?

–Katniss? –pergunto olhando para os lados, confuso. Ela não estava comigo, então onde poderia estar?

Não lembrava onde havia estado antes de ter aparecido aqui. Em algum tipo de competição de bolo?



Não, não era isso.

Continuei o caminho com a mão mexendo nos meus cabelos, solícito.

–Olá, senhor Padeiro! –um carneiro baliu para mim, fazendo-me olhar para ele perplexo e sem acreditar no que via e ouvia.

AQUILO ERA UM CARNEIRO FALANTE?

Mas que legal!

–Carneiro! –exclamei entusiasmado. Depois me reconstitui e franzi a testa. –Mas que raios...?

Eu tinha certeza que não estava tão bem quanto pensava. De algum jeito, parecia estar falando coisas impulsivas e desconexas que para mim saiam descontraídas da minha boca.

–Padeiro! –ele retruca, sem perceber levo minha mão até sua lã. Ela é incrivelmente macia. –Sua mãe quer ver você.

Minha mãe?

Agora foi como se o mundo ruísse. Vários carneiros que se encontravam por ali começaram a gritar e saltitar para todos os lados, o céu ficou nublado, as nuvens pesadas carregando uma tempestade que prometia.

–Não se preocupe! A sua esposa está lá também. –o carneiro acrescenta ao ver minha expressão horrorizada.

–Katniss? –imaginava o que ela iria fazer lá.

–Sim, sim! Vejo que se interessou, não é?

–Bom...

Na realidade, não sabia dizer se estava interessado ou não. Mas o aroma do campo junto com a tranquilidade do lugar, a voz sedosa do carneiro, acabei concordando em acompanha-lo.

–Peeta! –recebi um abraço da minha mãe. O que me deixou totalmente desesperado. Aquela não era minha mãe! A mãe que eu conhecia não faria uma coisa dessas.

Recuei depressa, tentando descobrir o que a mulher queria.

Tão depressa quanto recuei, ela voltou a ser a mãe rabugenta e mandona de sempre.

–Vamos, filho. Faça um pudim para a mamãe! –ordenou rispidamente.

–Mas eu não quero fazer pudim...

–Vá fazer agora! –ela berra, fazendo-me pular e correr para a cozinha pegando os ingredientes certos.

Estava quase terminando quando aquele mesmo carneiro apareceu. Eu ainda não tinha achado Katniss em lugar algum, e ele assegurara que ela estaria ali.

–Por que você me trouxe até aqui!? –ralei com ele, tendo um sonho maravilhoso no qual ela era batida em um liquidificador. –Por que a Katniss não está aqui?

–Porque sua mãe chamava. –falou com simplicidade e depois abocanhando um pacote de leite em pó termina: - Porque ela não está aqui.

O tempo lá fora começou a piorar. Escutei a chuva torrencial cair com estrondo no teto, um raio caiu ao longe. Ele me enganou...

As coisas estavam estranhas demais. Não me lembrava de poder falar com um carneiro. Ou de minha mãe parecer tão diferente. Ou de morar nessa casa.

Aquilo só podia ser um sonho.

Parei o meu serviço, tirei o avental e me afastei da cozinha, indignado. Aquela era a minha realidade!

–Você está me ignorando? –o carneiro me seguiu. –Está ignorando euzinho?

–Não, não. –falo sarcasticamente. –Por que não vai pastar?

–É uma boa ideia, melhor do que ficar aqui com você. Sem ofensas, senhor Padeiro, sou seu fã.

Olhei para ele e fiz que sim com a cabeça lentamente tentando entender o que ele falava.

–Está bem...

Estou saindo pela porta do fundo. Não me importando com a chuva que, certamente, tomarei. E tudo que vejo são...

São pães!

Está chovendo pães!

Saio correndo de casa, alucinado, com os braços abertos para o céu.

–Aí, cara, te ver saltitando é muito estranho.

Alguém tá escutando alguma coisa?

–O que? Uma mosca fica zumbindo no meu ouvido, que chato!

Vi de esguelha o carneiro me olhar com cara de decepção e sair para o outro lado.

Agora sim um pouco de paz.

Mas não consegui aproveita-la, porque um pão com o rosto da Katniss gritando ameaças para eu acordar se não iria me afogar no mar acerta minha cabeça.

E eu faço o que ela pede.


Pov. Fynn.

–Eu não acredito que você fez isso, Fynn! –minha irmã continua me importunando. Queria ter um botão para poder desliga-la, eu já não aguentava mais. Se eu ganhasse um controle remoto para poder mexer com o tempo (e com as pessoas) de Natal eu agradeceria muito. –Com o nosso próprio pai!


–Annie, só foi uma brincadeira! Eu já disse, ele está bem... só um pouquinho atordoado e loucão, mas está bem. –respondo guiando a galera, fala sério, era muito legal ser o primeiro da fila.

–Você colocou Flor de Lótus no sorvete dele! Do estoque do Haymitch! Isso não pode ser coisa... Sabe... Que faz bem para o cérebro.

Parei virando-me para encara-los, pigarreei teatralmente.

–Nossa mãe está lá para cuidar dele. –digo mexendo minhas mãos em gestos amplos para que ela entendesse.



–É, mas isso não muda o que você fez. Por acaso você não se preocupa com o papai!? Depois de tudo!? Isso que é filho, heim? –Annie provoca.

–Claro que me preocupo! Mas você não entende que ele está bem?!

–Como você tem tanta certeza?

Arqueio a sobrancelha, não havíamos nos distanciado tanto nem estávamos tão longe de onde havia visto minha mãe passar com um carrinho de encomendas carregando meu pai dentro. Aponto para onde mamãe está passando empurrando o carrinho com meu pai parecendo um morto-vivo no lugar onde deveriam ser as caixas, com certa dificuldade, mas parece que está indo bem, está indo na direção contrária a nossa, suspeito que estejam indo a praia. Que coisa fofa.

Todos olham para onde estou apontando, ao ver, minha irmã fica com uma expressão aliviada no rosto, como se eu houvesse dito que a sobremesa ainda não havia acabado (o que quase nunca acontece deixando ela sempre sem, sou um irmão muito caridoso).

Will que está ao seu lado segura sua mão. Tenho que dizer que já era tempo dos dois botarem na cabeça o que sentem um pelo outro (ou digamos melhor, minha irmã lerda), mesmo que não admitissem publicamente era tão claro quanto os cabelos das gêmeas e de Aimee que pareciam fogo na luz artificial que era jogada sobre nós.

–Viu? Você sempre se preocupa demais. –ele a tranquiliza.

–É, parece. –posso a ver abaixar o rosto, talvez para esconder alguma coisa, e ir para o lado de Aimee, se afastando do garoto. Will apenas suspirou. Ele me dissera mais cedo sentia algo incomodar Annie, parecia de fato que estava acontecendo.

Voltamos ao nosso caminho, agora com um silêncio quase inquebrável. Trianne tinha um relógio no pulso para regular o horário que deveríamos estar em casa caso perdemos a noção do tempo, o que eu acho que não seria necessário.

Estávamos indo até um local, na qual tinha certeza que havia visto um vaso igual – ou pelo menos, parecido – com o que as garotas tinham. Vejam bem, depois de ter falado que sabia como arranjar uma nova, todos ficaram interessados.

Menos minha irmã, é claro, sempre replicando comigo, e por isso não me surpreendeu quando ela disse que nunca daria certo, segundo ela nós não teríamos como deixar o estado do vaso como o que acabara de quebrar, cujo havia passado por várias mãos até chegar ali. E que não deveria ter dois vasos idênticos, ainda mais se fossem tão antigos quanto provavelmente aquele era.

Sempre otimista...

Assegurei a eles que o que encontrara estava em um estado tão deplorável que nem iriam perceber a diferença.

Ou eles aceitaram e pensaram que não havia nada a perder.

Ou apenas queriam ver no que iria acontecer.

E alguns só foram para saber o que meus pais foram fazer, já como nós decidimos segui-los. E eu até um pouco mais, se me entendem. Deixar a noite deles mais interessante.

Sobre o que disse no tempo? De que não seria muito importante, ou preciso - regular nosso horário?

Quando chegarmos lá, será bem fácil de sair o mais cedo que conseguíssemos. Acredite em mim, quando pegarmos o que para nós é fundamental, vamos querer fugir o mais depressa que nossas pernas podem aguentar.

–Estamos chegando? –Arianne pergunta colada a irmã maior, ambas impacientes e amarguradas.

Passei meu olhar a minha volta, percebendo que não só estávamos chegando como já havíamos chegado.

–É aqui. –falo me abaixando debaixo de uma moita sem avançar mais nenhum passo.

–O que você está fazendo aí, então? Não vamos ir lá pegar a porcaria do vaso e cair fora? –Aimee falou nervosa prosseguindo no caminho.

–Não, espera! –consegui impedir dos outros a seguirem, exceto Aimee que estava fora do meu alcance. –Volte aqui, eu preciso avisar uma coisa antes! –dei um grito sufocado, mas ela me ignorou fingindo que eu não existia.

Puxei todos para um lugar escondido, espiando a garota imprudente que havia finalmente visto o que eu tinha me importado quando estava seguindo meus pais e minha irmã para a casa de Morgan.

Um anão de jardim, ele estava dando um sorriso desdenhoso, usando um chapéu pontudo azul com a tinta já desvanecendo. Estava segurando um vaso a sua frente, mostrando uma linda flor colorida brotando vagarosamente. Era isso, o que precisamos estava a nossa frente.

–E não é que é parecida mesmo? –minha irmã esticou o pescoço para olhar por cima de minha cabeça.

–Quem aqui deveria parar de julgar o irmão, hãm, hãm?

Annie apenas me mandou um olhar cheio de apatia, deixando o clima mais frio.

Escutei o barulho de esguichos de água, tipo, muita mesmo. Como se estivessem jogando o oceano contra você, capaz de afoga-lo.

Sei dessa sensação devido a minha inteligência de tentar fazer algo incrível e memorável com aquele mesmo anão e por isso que queria avisar a todos antes que chegássemos perto.

Fui olhar para ver como Aimee estava se saindo, ela estava pior que eu, tentando colocar as mãos na frente dos jatos de água que iam para cima dela enquanto se aproximava do anão, escorregando em uma poça de lama e caindo no chão de barriga com a água ainda apontada para ela. Se continuasse desse jeito era mais provável que nos denunciasse ao invés de pegar o que precisava.

–Santo Poseidon, o que está acontecendo? –Aaron ao meu lado pergunta com os olhos arregalados.

Suspiro, nem um pouco surpreso.

–A casa tem um sistema de segurança. Eu avisaria a ela caso não fosse tão desesperada.

–E como você sabe disso? –Will afasta um espaço para olhar através de um bando de galhos da árvore onde havia subido.

Olho pelo canto do olho para minha irmã, entretida no caso da foguinho, poderia estar seguro se contasse.

–Bem... digamos apenas que já presenciei isso na pele.

Annie imediatamente deu um pulo, me segurando pelo colarinho da blusa que usava.

–Você fez o quê? Como se nós visitamos esse lugar pela primeira vez? E chegamos só ontem? Fiquei de olho em você o tempo inteiro! Por acaso você saiu no meio da... – ela engoliu em seco, parecendo ter algo entalado na garganta. –Da festa?

–Ei, ei, ei, acalme-se tigresa. –falei calmamente tentando me defender. Annie apenas me mandou um olhar furioso, com a clara mensagem dizendo para continuar. –Certo. Enquanto vocês seguiam a mamãe ao chegarmos, fiquei para trás quando vi esse anão sinistro me encarando e sorrindo como um palhaço assustador. Meio que sem querer me aproximei para observa-lo melhor e isso aconteceu.

–Mas você não estava molhado quando chegou. –Annie ainda não tinha entendido.

Dei de ombros como se fosse a coisa mais obvia do mundo.

–Claro que não. Depois de ter visto o que aconteceria eu saí correndo dali, troquei de camisa e pronto.

–Trocou de camisa?

–Papai não ligou com isso.

Minha irmã suspirou, aceitando minha resposta e voltou para Aimee.

–Parece que ela não está conseguindo ir muito bem. –Will fala depois de um tempo, Aimee estava rastejando na terra tentando se aproximar do anão, mas uma mangueira emergiu do chão como se soubesse o que queria fazer e espichou um jorro de água na sua cara, fazendo com que se engasgasse.

–Eu não aguento mais ver isso. –Arianne sai do nosso esconderijo em direção à irmã, tento pega-la pelo braço, porém ela é mais rápida do que parece e logo já está no gramado, recebendo todos os esguichos que haviam se voltado para ela deixando o caminho livre para Aimee tirar o anão da terra.

Uma luz se acende na janela perto da porta, ambas disparam para fora da casa com o anão conquistado.

–Vamos, seus molengas. –Aimee grita pingando água, deixando um rastro no chão sem esperar a gente.

Todos nós desatamos a correr com elas, Will pula para o chão e está no mesmo ritmo que Annie, Trianne é um pouco mais lenta e fica para trás, fazendo com que Aaron mais a frente volte e a pegue no colo.

–Eu não quero ser carregada. –Trianne fala revoltada.

–E nós não queremos ser pegos. –rebate Aaron, Trianne resmunga alguma coisa incompreensível que não consigo escutar.

–Não acredito que você fez isso, nós estamos praticamente roubando! –Annie cicia brava para mim.

–Calma, calma. Não estamos roubando, só estamos pegando emprestado.

–Pegando emprestado!?

Pensei que ela fosse me lançar para o espaço pelo olhar que mandava para mim, mas não foi esse o caso. Ainda bem.

–Depois traremos o anão de volta, fica calma! –assegurei a ela.

Annie se afasta de mim balançando a cabeça. Como minha irmã é complicada, céus.


Pov. Katniss.

Fiz de tudo para acorda-lo, acreditem.


Cheguei à praia, morta de empurra-lo. Joguei-o de qualquer jeito na areia e depois fui verificar se ele estava bem com um peso na consciência.

Estava tudo certo, o único problema era que ele ainda não tinha acordado.

Isso era maravilhoso, simplesmente magnífico.

Não podia leva-lo até a casa nesse estado. Afinal, nem sabia se conseguiria empurra-lo até lá, depois voltar para a sorveteria, entregar o carrinho e voltar novamente. Estava prestes a entrar em coma daqui a pouco.



E outra, quem sabe até lá ele já houvesse acordado e escapado com essa mente basicamente remoída? E depois eu nunca mais o encontrar?

Melhor prevenir outras confusões e deixar como está.

–Carneiro... –ele ronca rolando na areia ao meu lado, onde havia o havia depositado. Estava sentada abraçando a perna tentando entender o que ele sonhava.

O que carneiro, pudim e sua mãe tinham a ver?

Fui encaixando algumas peças do quebra-cabeça, já como não tinha outra coisa para fazer.

Talvez a mãe fosse o carneiro que queria pudim?

Ou o carneiro fosse um bichinho de estimação que gostava de pudim que a mãe havia comprado?

Desisti. Era muita coisa.

Peguei um galhinho que jazia ali perto, desenhando na areia.

Ainda estava escuro, e se não fosse pela luz da sorveteria por perto eu seria engolida pelo breu da noite.

Queria ser o Peeta agora, dormindo tão profundamente sem se preocupar com mais nada... Acolheria bem essa troca.

–Ô Peeta, quer trocar de lugar comigo? –ri dando uma cutucada nele, que só resmungou.

–Quem dera. –inflei as bochechas de ar e soltei-as aos poucos.

Que tédio.

Levantei-me e fui até o mar que trazia ondas para perto de nós, mergulhei até o tornozelo na água e fiquei observando ao longe.

Uma onda de nostalgia me invadiu. Não dos Jogos, ou da guerra, ou daqueles tempos da revolução.

Mas do nosso amigo, Finnick Odair.

Ele morava nesse distrito e não podia deixar de pensar que ele poderia ter estado naquele mesmo lugar há tempos atrás. Podia ver como ele era apaixonado por Annie Cresta e como todo o futuro que podia ter com ela foi tirado dele sem nenhuma hesitação.

Pensei o quanto aquilo era injusto, imaginando como seria se ele não houvesse morrido naquele dia. Em um dos piores dias da minha vida.

Tudo podia ser diferente.

Olhei para trás, onde Peeta se encontrava. Parecia sequer estar pensando isso, bem ao contrário na verdade, parecia estar bem aconchegado ali com o sonho que estava tendo.

Respirei fundo, com esperança de me acalmar e enterrar as lembranças que chegavam bruscamente.

Tantas mortes... Tantos futuros rechaçados...

Sacudi a cabeça agachando-me e pegando um punhado da água, jogando-a no meu rosto com expectativa de limpar minha mente.

O passado não podia ser apagado, podia servir de exemplo para o futuro, na realidade. Porém não conseguir evitar o pensamento de que poderia ter salvado todas aquelas vidas...

Prim... minha irmãzinha querida...

Por que ela teve que partir?

Buttercup, o seu gato, pode ter ficado por um tempo conosco, mas logo se separou, partiu dessa vida. Não sabia se aquilo servia de consolo ou apenas de pesar. Fizemos um enterro de honra para o gato no quintal de casa, nunca tinha visto meus filhos chorarem tanto quanto aquele dia.

Chega.

Tinha que pensar em alguma outra coisa.

Apesar de Finnick ter partido, Annie e o filho deles estavam bem, na realidade, muito bem.

Haviam se mudado do Distrito 4, Annie havia dito para nós que o filho queria fazer uma surpresa para ela levando-a em outro lugar longe de todos os distritos e da capital, fora de Panem, mesmo com a nova forma de vida que tinham obtido. De vez em quando recebia suas cartas, com algumas fotos dos dois. Seu filho era enorme e parecia muito com o pai, mas sabia que tinha a delicadeza da mãe, cuidava bem dela por, após um tempo, passar a se comunicar comigo dizendo como ela ficava cada vez melhor, rindo mais, sempre contando história sobre o Finnick.

Cacei lembranças boas, para poder lembrar que não podia mais viver no que já tinha passado.

Meu filho, Fynn, derrubando as panelas da cozinha enquanto passava com um lençol cobrindo seu corpo dizendo que era o Clark Kent, o superman. Ou a minha filha, Annie, pulando da mesa da TV dizendo que podia aparatar para o outro lado do mundo, Peeta conseguiu pega-la a tempo de não cair no chão.

Fynn, um apelido que poderia lembrar Finn, Finnick.

E Annie, como eu e Peeta decidimos chamar, para lembrar Annie.

O casal que tinham se empenhado para ficar juntos e conseguido, no final das contas.

Vindo para esse distrito, tudo isso voltava a minha cabeça.

Talvez fosse mesmo hora de voltar para a cama e dar dormir até que se passasse um dia inteiro.

Ou então, era hora de voltar aos braços do meu Peeta.

–Katniss... Não... –Peeta murmurou no sonho.

Ah sim, antes precisava acorda-lo.

Juntei minhas mãos em concha, juntando água e levando-a onde Peeta estava deitado, descarregando-a em seu rosto.

–Peeta, está na hora de acordar. –ele balbuciou algumas palavras e tentou me empurrar. Não consegui mais me aguentar. –Ou você abre logo esses seus olhos ou eu o jogo no mar para viver com os peixes como companhia já como gosta mais deles do que a própria esposa! –berro no seu ouvido.

Para meu total espanto ele acorda.

Como sou esperta! Devia ter feito isso antes.

–O que? Onde estou? Que anos estamos? O apocalipse zumbi já aconteceu? –falou encarando meu rosto assustado.

–Acho que Fynn está te influenciando muito nesses últimos tempos, querido. –sorri ajudando-o a se levantar.

–Você acha? –ele limpa a areia da sua roupa, olhando em volta. –Mas... Onde estamos?

–Na praia. Você apagou depois de ter tomado aquele sorvete. Por que tinha Flor de Lótus misturado nele, Peeta? –perguntei desconfiada, semicerrando os olhos.

–Flor de Lótus? Quem colocou Flor de Lótus no meu sorvete de pão?!

Soltei um longo suspiro.

–Então era de pão, mesmo. –falo despreocupada, Peeta ainda desnorteado. –Vamos?

Ele vira-se para mim, sem entender.

–Como?

–Vamos voltar?

–Como assim voltar? Acabamos de chegar! –rebate me impedindo de sair da praia pegando meu braço e fazendo-me olhar para seus olhos. –Agora que acordei? Aqui está tão calmo, por que não ficamos mais um pouco?

Será que é porque eu estou quase caindo de sono e morrendo por ter ficado praticamente a madrugada inteira esperando você acordar?!

Não falo isso, olhando em seus olhos eu perco as palavras na minha mente. O bendito sabe como me persuadir de alguma coisa.

–Está bem... Mas depois eu preciso voltar mesmo. Não aguento de cansaço. –ele sorri com a resposta, um sorriso convencido, provavelmente já sabia a resposta antes de eu dá-la.

Sentamos novamente, apoiei minha cabeça nos seus ombros, sem conseguir segura-la por mais algum tempo. Mal havia percebido como o tempo passou e como o sol já estava nascendo.

–É linda, não é? –Peeta fala de repente, acariciando meu cabelo.

–O amanhecer? É sim.

–Não, você enquanto está com sono. Parece um lobo inofensivo.

Reviro os olhos, ele ri. Estou quase dormindo, porém acabo acordando por...


Pov. Annie.

Tentava dormir, em vão. Ficava me remexendo na cama sem conseguir achar uma posição confortável.



O sono não vinha.

Apesar de antes eu estar completamente invadida por ele há um tempo, parecia que toda essa invasão se fora pela adrenalina da ideia do meu irmão.

Depois que chegamos, Aimee pegou um martelo do quarto – eu não queria nem saber por que guardava um martelo na gaveta perto da cama – e começou a quebrar o anão até ficar só o vaso. Ele estava suficientemente acabado para que não precisássemos fazer mais nada.

Perguntei-me como raios meu irmão esperava devolver a mulher o anão, até que ele fez uma coisa incrivelmente estúpida. Excedeu todas as minhas suposições de como ele não tinha cérebro.



Ele simplesmente pegou uma cola, ficando um bom tempo na sala colando as peças do anão que Aimee havia estraçalhado sem pensar duas vezes.

Nunca pensaria que ele fosse chegar nesse ponto a pensar fazer uma coisa dessas.

Depois de mais ou menos uma hora, ele terminou, resolveu deixar secar dez minutos e completou dizendo que até chegar à casa da mulher novamente já estaria completamente seca. Tenho que admitir que ele fizera um ótimo trabalho, o anão ficou completo e nem parecia que segurava um vaso algum dia.

Pode ser que essa habilidade era graças às aulas que fazia com meu pai em confeitar um bolo, ficara delicado demais até mesmo em comparação a mim. Se fosse eu a colar peça por peça acabaria quebrando ainda mais o anão.

Quando terminou, perguntou quem queria ir com ele levar o anão para a casa da mulher que ameaçava atirar em nós com uma arma. Ninguém se voluntariou.

Todos nós ficamos encarando ele como se fosse algum tipo de bomba nuclear. No final, ele levou uma Trianne contrariada praticamente aos berros – ela só não berrava de verdade por poder acordar o povo.

Fomos todos dormir depois disso, após Aimee ter arrumado o vaso com um alivio capaz de ruir o planeta por estar sendo uma pessoa exalando completa bondade pelos poros com meu irmão.

Chutei um travesseiro no meu pé deixando-o cair com um barulho abafado no chão. Suspirei e virei-me novamente, estava suando no meu canto.

Tirei o cobertor de cima de mim, vi o horário marcado pelo relógio digital na mesinha perto da cama de Aimee, que ficava ao lado da minha.

Eram quatro horas e meia da madrugada, eu ainda não havia nem fechado os olhos.

Isso é só modo de se expressar, havia fechado mas não conseguia dormir de jeito nenhum. Pensava que até mesmo aquelas injeções de dormência que atiravam contra animais poderiam me derrubar.

Sem outras opções, decidi ir à cozinha beber água e, quem sabe, tomar algum ar fresco lá fora.

Calcei minhas botas indo para fora do quarto, passei pelo quarto dos garotos – propositalmente? Ninguém irá saber – enquanto ia em direção à cozinha perto da sala.

Foi quando parei. Fynn estava dormindo tranquilamente na cama, com aquela mania de deixar a mão na barriga levantando sua blusa para cima mostrando o umbigo. Suspirei na soleira da porta, pensando o que faria com ele. Tacar pela janela que não podia, infelizmente.

Adentrei indo para onde meu irmãozinho estava adormecido, ajeitei sua blusa pondo-a para baixo e colocando suas mãos ao seu lado. Sorri fechando sua boca aberta. Era como se ele não houvesse mudado desde quando tinha cinco anos e eu sete, ele continuava sendo o mesmo paspalhão dócil de sempre, desajeitado e dorminhoco.

De repente, ele me deu um baita de um susto quando se revirou e abraçou um travesseiro, ficando de costas para mim. Com o susto quase caí em cima da outra cama em que estava Aaron, e olha, se vocês vissem o Aaron daquele jeito tinha certeza que não conseguiriam reprimir a risada: estava com um ursinho apertado contra o peito, e com um pijama do Bloco Infantil de Effie’s Show (caso ninguém saiba, é um programa que a Effie criou depois da extinção dos Jogos Vorazes que faz paródia do mesmo) com uma pantufa de coelhinho aparecendo na ponta das cobertas.

Eu quase morri sufocada pela risada contida, e sem querer, deixei escapar meu riso, mais parecido com um ronco de um porco esfomeado. Aaron se revirou e podia assegurar que meu coração gelou naquela hora.

Lentamente recuei, bati minha cabeça na parte de cima do beliche causando um estrondo ainda maior depois de ter praguejado em voz alta.

Saí correndo para fora do quarto, torcendo para que eles não tivessem acordado ou escutado alguma coisa.

Cheguei a cozinha resfolegante, tentando não fazer muito barulho. Nem vejo direito o que tem por ali.

–Oi, Annie! Que surpresa vê-la aqui.

Eu devia ter checado, ahhh com certeza devia ter visto quem estava ocupando a cozinha, primeiro.

Eu. Sou. Muito. Estúpida.

Mas falar mal de mim mesma não vai ajudar em nada, por isso crio coragem o suficiente para levantar a cabeça e dar de cara com um profundo oceano verde.

Certo, isso não está ajudando nada minha tontura.

Saio de meus devaneios, virando-me para pegar um copo, quebrando nosso contato visual, enchi-a até a borda com água gelada.

–Er... O que faz tão tarde aqui, Will? –pergunto atordoada, depois de bebericar o líquido que passou refrescante pela minha garganta.

Ele gesticula o copo de água que está na sua mão e toma um longo gole antes de responder:

–Eu não consigo dormir.

Ah, é simples assim, não é?

Você não pode roubar a minha desculpa, está bem!?

–E você? –ele pergunta curioso, parecendo bem interessado.

–Idem. –falo vagamente tentando terminar o mais rápido possível a minha água para poder vazar dali.

Ficamos um tempo em silêncio, apenas tomando nossas águas, quietinhos, no nosso canto, como deveria ser. Depois de um tempo comigo tentando o máximo desviar meu olhar quando esses se encontravam com os deles, ele pousa o copo na pia e diz:

–Bem, eu já vou... Acho que quer ficar um pouco sozinha...

Ele já estava saindo pela porta quando eu agarro sua mão desesperada para que ele não prossiga o caminho de volta ao seu quarto. Will não hesita em enroscar suas mãos nas minhas sem nem um pouco desagrado.

Por que tinha feito aquilo?

Quer dizer, que raiva!

Eu realmente queria ficar sozinha!

Mas o que saiu não foi isso.

–Não! Por que não fica um pouco mais? –gaguejo, desde quando eu gaguejo? -Assim, se eu não consigo dormir, nem você...

–Quer ir para o telhado? –Will completa para mim, com o rosto virado a fim de me encarar, dando um sorriso radiante que faz com que faz minha barriga se revirar estranhamente. Aquela sensação de novo. Maldita. Vou dar um soco na minha própria barriga daqui a pouco, ou vou pedir para Aimee fazer isso. Talvez aquilo pare.

–Ãããn, sim! Claro, por que não? –mas que coisa, Annie! Resista a tentação, seja forte!

Onde foi aquela Annie de sempre?

Will, ainda com a capa preta esvoaçante, dá um enorme sorriso e me guia até o... bem... ao telhado.

Não me dou conta até chegar lá, de alguma forma fiquei dispersa olhando as costas dele, desde quando ele parecia ter crescido tanto?

–A vista é linda daqui, não é? –ele me pergunta, fazendo-me despertar. Sentamos na beira, com os pés praticamente no ar.

–Sim, muito linda. –sussurro, impressionada. Podia-se ver tudo daquele ponto, a maioria pelo menos. A praia ao longe, o mar batendo na areia, alguns centros comerciais novos, algumas casas... Tudo incrivelmente lindo naquela noite estrelada e fria.

–Sabe, quando era menor e ainda morava por aqui, eu costumava vir para esse mesmo lugar quando queria fugir das coisas. –ele murmurou, dobrando os joelhos e apoiando o queixo sobre ele. –É como se fosse meu refúgio da vida.

Não podia negar que me senti surpresa com aquele relato.

–E... alguém sabe disso? –pergunto depois de um tempo, observando-o com cautela, imaginando aquele garoto de antigamente, menor que eu, correr para o telhado.

Ele ri como se eu tivesse contado uma piada, olha para mim, dizendo com a voz mansa:

–Não, você é a primeira a descobrir.

Nossos olhares se cruzam por um momento, fico perplexa não sabendo como me sentir.

Tinha que me sentir privilegiada? Ou só agradecida? Ou não deveria fazer nada?

Optei a fazer meu voto de silêncio, abraço minhas pernas tentando esquenta-la e enterro meu rosto em seu encontro. O sono não tinha chegado a mim ainda.

–Está com frio, Annie? –escuto sua voz vinda de longe, sendo que ele estava perto demais.

–Não, não se preocupe com isso. –falo com a voz fraca, estava confortável daquele jeito, o clima agradável e silencioso. Não podia querer coisa melhor.

Minha pele começa a sentir a diferença da temperatura enquanto Will chegava mais perto de mim, ele ficou tão perto que nossos ombros se encostavam.

–Não? Annie, você está tremendo... –Will tira um braço da capa e envolve o tecido ao redor do meu corpo, aproveitando para segurar minhas duas mãos e leva-las até seu colo onde ficou as aquecendo. Podia ouvir o tom de sua voz com uma mistura de pesar e preocupação. Como se levasse em consideração que eu poderia morrer literalmente caso continuasse da maneira que estava. Sem nada me protegendo. Tinha esquecido minha blusa de frio no quarto, com a minha ‘esperteza’.

–Will... Sinceramente... você não precisa ficar assim... –tento replicar, mas ele não me deixa terminar a frase, interrompendo-me:

–Claro que preciso. –ele olha para os meus olhos com firmeza. –Annie, você é muito importante para mim e eu não quero que fique passando frio aqui nesse lugar onde eu trouxe você. É muito cruel.

Aquelas palavras foram como estar na frente de uma lareira com brasas quentes, fazendo com que o frio que sentia desaparecesse. E que me fizeram ficar confusa. Não só pelas suas palavras, mas pelo que aconteceu depois.

Alguma coisa estava mudando dentro de mim, isso eu sabia. Mas será que era para melhor ou para pior? Eu gostaria dessa mudança? Entenderia ela algum dia?

–E-er... obrigada, acho. –digo indecisa, com as bochechas corando, ele sorri torto para mim, havia tirado o capuz e os cabelos ruivos rebeldes iam para todos os lados, ele abre as mãos em que estava segurando as minhas e afasto-as lentamente dele, cabisbaixa por já ter que tira-las de seu conforto.

Devíamos ter ficado, pelo menos, meia hora ali conversando. Eu tinha irritado ele ao me esticar para fora do telhado fingindo que fosse pular.

Mas fala sério, quem nunca pensou em pular de um telhado!? Vocês podem me achar estranha, mas parece ser bem emocionante.

Claro, se você quiser morrer ou ficar internado, mas do mesmo jeito, emocionante.

–Você está com sono? –ele fala depois de um tempo, acho que ele pensou que eu queria ir dormir já como estava me balançando suavemente e cantarolando uma canção que a minha mãe ensinara a mim quando era pequena, depois de eu ter insistido tanto em pedir para ela.

–Não, não estou. –abri os olhos que havia fechado para poder desfrutar a sensação alegre que sentia. Tanto por onde estava, como com quem estava.

Sim, eu também não me reconheci quando percebi isso.

Ele me observava com a expressão calma e serena, misturando-se a uma pitada de fascínio.

–E o que você está cantando? –pergunta com uma evidente curiosidade brilhando no olhar, não tinha me importado naquele momento em cantarolar a música, mas agora me sentia constrangida.

–Hm... Uma canção que a minha mãe costumava cantar... –digo titubeante, desviando o olhar para o horizonte. Ainda estava escuro, mas a lua parecia espalhar seu brilho mais intensamente. Lembro-me da voz doce e melodiosa dela, cantando para mim quando eu ia para sua cama com pesadelos, ela nunca ficava brava como eu pensava que ficaria, parecia compreender muito bem o que se passava por mim.

Will segura a minha mão, sussurrando:

–Você poderia cantar para mim? –eu fico paralisada, olho para ele sem jeito, ele dá um pequeno sorriso, como um indício daquele lindo sorriso aberto que poderia fazer.

Penso um pouco, olho para baixo, para os meus pés. Eu havia os colocado em cima dos de Will por ele estar descalço e para deixa-lo mais quentinho já como eu calçava as minhas botas grossas. Desviei meu olhar e fixei na praia.

Fechei os olhos, relembrando a letra e comecei a cantar para ele...


~Certo, aqui tem o link da música, NÃO é a do filme, a oficial, é de um cara chamado Josh Zimmerman que faz composições lindas e já fez a trilha sonora de todo a trilogia de Hunger Games, tipo, ele fez, sabem? Eu gosto muito das composições dele e essa particularmente é muito bonita, achei que ficaria legal coloca-la aqui, por isso pense na Annie cantando com essa melodia, porque é como eu imagino. (: Vocês podem colocar a música clicando nessa nota ou copiando o link aqui: http://www.youtube.com/watch?v=JKL3iNu4BOs Obrigada, eu e o Josh Zimmerman agradecemos, haha. ~




Deep in the meadow, under the willow
A bed of grass, a soft green pillow
Lay down your head, and close your sleepy eyes
And when again they open, the sun will rise.

Here it's safe, here it's warm
Here the daisies guard you from every harm
Here your dreams are sweet and tomorrow brings them true
Here is the place where I love you.

Deep in the meadow, hidden far away
A cloak of leaves, a moonbeam ray
Forget your woes and let your troubles lay
And when again it's morning, they'll wash away.

Here it's safe, here it's warm
Here the daisies guard you from every harm
Here your dreams are sweet and tomorrow brings them true
Here is the place where I love you.

Here is the place where I love you...



Abri os olhos, sem conseguir encara-lo. Podia ver uma centelha do brilho do sol começar a aparecer no horizonte, perto do mar.

–Annie... Isso é... –Will murmurou ao meu lado, balançando a cabeça sem conseguir terminar, contentando-se em apertar minha mão para transmitir o que pensava.











Virei-me para ele e sorri, agradecida e percebi uma coisa. Meus olhos estavam marejados.

Não havia notado que eu estava com os olhos molhados depois de ter terminado a canção. Ela mexia de uma forma singular em mim. Trazia para mim lembranças agradáveis dos meus pais e de Fynn, de nossa família.

Mas por que havia começado a chorar? Que coisa maravilhosa, agora estava virando de Annie Mellark para Annie Chorona. Era tudo o que eu queria. (Ironia, doce ironia).

–Nunca cantei para ninguém antes, Will. –falei baixinho olhando para ele sem desviar o olhar. –Acho que estamos quites agora.


Ele assentiu, soltando uma risada rápida.

–É o que parece, Annie. –escutei-o dizendo enquanto secava as minhas lágrimas com a ponta dos dedos, tendo o cuidado de não me espantar por o que estava fazendo.

O sol já estava rompendo para um novo dia, e eu refletia para saber quando o sono viria. O que mais faltava para fazê-lo chegar? Será que se eu pedisse para o Will bater uma panela na minha cabeça, ele aceitaria? Assim pelo menos eu entraria na inconsciência não precisando mais pensar no novo ardor que aparecia no meu peito sempre que Will aproximava-se de mim, ou tocava em mim, ou falava comigo, ou quando eu pensava nele, bom, vocês entenderam, não é?

Depois de um tempo em silêncio, com Will mergulhado nos seus próprios pensamentos e eu nos meus, o que acontece em seguida quase me faz ter um ataque no coração. Ter um infarto. O que também ajudaria para cair na inconsciência mesmo que fosse para sempre. Listei essa alternativa na tabela mental caso eu precise desesperadamente cair de sono (literalmente) em alguma ocasião especial.

Apesar de estar quase congelando ali, senti meu rosto esquentar quando o ruivo apertou minha mão mais uma vez e, segurando meu queixo, fez-me olhar para ele.

–Annie eu queria te perguntar uma coisa há algum tempo... –começou vacilante.

Certo, isso era a última coisa que esperava ouvir.

Tipo, O QUÊ?

Empertiguei-me, obrigando-me a continuar onde eu estava.

Diversas frases se formularam na minha cabeça, uma pior que a outra. Não entendia o porquê, mas de alguma forma eu ansiava para o que ele iria falar e ao mesmo tempo arcava com aquilo totalmente indiferente.

Alguma coisa estava se manifestando em mim. E estava prestes a descobrir, mas não aguentei.

A única coisa que me veio a cabeça com clareza foi:

Ai-não-o-que-raios-é-isso-santo-amado-Poseidon-querido-paizinho-não-faz-isso-comigo-por-favor.

E depois fui direto apelar para:

Querida-Atena-ajude-me-a-conseguir-uma-fuga-por-favor-eu-lhe-imploro.

Pensei na possibilidade de me jogar dali dessa vez de verdade, e o que aconteceria, a altura era razoavelmente alta... Será que ficaria muito fraturada? Talvez um osso ou dois quebrados... Ou a coluna inteira, mas... quem se importa?

Meu coração estava batendo tão rápido que pensei que ele fosse explodir dentro de mim, Will provavelmente conseguia ouvi-lo. Preferia ficar meses no hospital que continuar com aquela cena.

Ele afasta-se um pouco de mim, meio a contragosto. Mexe dentro da parte da capa que estava com ele, pegando algo. Quando ele me mostra o que estava carregando consigo respirar novamente, ele parecia meio sem jeito ao estender o presente que havia lhe dado mais cedo, não aquele embrulho, mas sim o pacote de verdade.

Não contei o que tinha dado a ele, contei?

Bom, foi assim.

Eu enrolei um pano em volta de vários jornais para fazer volume no embrulho e preguei um bilhete dizendo onde seu presente se encontraria. O presente verdadeiro.

Minha mãe tinha enviado o que havia feito para Gale um dia antes, para que ele pudesse escondê-lo em um lugar onde Will não abriria nem descobriria antes do tempo e nos avisou antecipadamente onde que havia posto para que eu marcasse no papel.

E o que tinha no embrulho que havia dado a ele era apenas uma pista de onde poderia encontrar o seu presente real.

O que é esse tal presente que eu havia feito?

Fiquei mais ou menos um ano para deixa-lo perfeitamente certo, esculpir a madeira e arrumar a corda.

É, era um arco. Que eu tinha feito. Juntamente com uma aljava de flechas que tivera a bondade de enviar. Também feita por mim.

Bom... talvez tivera uma pequena ajuda de minha mãe.

Está bem, era correto dizer que Will não sabia ao menos segurar elas direito. Mas eu iria dar outro presente extra: uma aula inicial.

Eu sei que não tenho tanta paciência para assuntos que envolvem “ensinar”, porém, o que custa tentar?

Foi ideia da minha mãe, a princípio. Meu pai tinha uma ideia completamente diferente que deixei como reserva e Fynn havia me dado uma ideia para um presente que descartei na hora.

Olhei para ele, esperando ele continuar.

–Queria perguntar a você mais cedo, mas não tive tempo. –ele limpa a garganta, passando os dedos pelo meu presente com certa delicadeza que me surpreendeu. Como se fosse quebrar ao toque. –Mas... desculpe, como você pretende que eu o use? Eu não sei maneja-lo... Será que você... Ãn...

Eu sabia o que ele ia dizer. Sorri relando no meu trabalho que me orgulhava tanto. Ele era parecido com o meu, em que minha mãe tinha, por sua vez, feito para mim, depois de tanto esforço – e tempo - para conseguir fazer um arco certo.

–Bom, eu... –ia continuar dizendo que iria dar uma aula “de graça”, mas reconsiderei, pensando por um tempo.

Ele sabia tocar violão... Eu sempre quis tocar violão... Ele não sabia manejar um arco... E ele queria aprender...

Fui ligando os pontos até ter uma ideia genial.

Eu devia ganhar um Oscar.

–Eu posso ensina-lo. –digo levantando a cabeça. Vejo-o ficar entusiasmado. –Se...

Dou uma pausa dramática para deixar o clima mais tenso, ele continua me encarando como se fosse concordar com qualquer coisa que eu dissesse.

–Se você me ensinar a tocar o violão. –termino a frase, olhando-o desafiadoramente.

Ele uniu as sobrancelhas, dando um enorme sorriso mostrando como se divertia com aquilo.

–Bom, deixe-me pensar... –ele passou as mãos atrás de mim e me deu um abraço aconchegante que não me desvencilhei, não dessa vez, gostava de ficar ali e não era só porque a temperatura abaixara. –Só se você cantar dessa vez. Uma música que eu for escolher.

Sacudi a cabeça, incrédula, porém, achando engraçado o que ele acabara de falar. Eu nem sabia os acordes ou como traduzir toda aquelas letras para sair algum som e ele queria que eu tocasse uma música?

–Então você aceita? –pergunto pensando na minha proposta, deixando esse assunto de lado por um tempo.

–Essa é a minha fala! Você aceita? –Will repete, fico observando seus cabelos se agitarem pelo vento da manhã, a capa que estava sobre ele balançar, porém firmes por ele a segurar contra o corpo, o tom ansioso da pergunta com o ar de indagação.

–Hm, sim. Está bem. –dei de ombros, ele riu e me puxou para um abraço mais apertado, fazendo com que eu enterre minha cabeça nos seus ombros, retribuindo o afeto.

–Este é o melhor presente de aniversário que um dia já tive. –Will murmurar baixo, tão baixo que só consigo ouvi-lo por apurar meus sentidos o máximo que pude.

Não pude deixar de conter um sorriso.

–-----------------------------------+-----------------------------------+----------

Estávamos na areia, perto do mar. Will estava afinando o violão no colo, testando as cordas e o som que se reproduzia por elas.

É, você pode se perguntar: ‘O que vocês dois estão fazendo em plena madrugada na praia? Comeram Flor de Lótus, por acaso?’

Não, não estamos malucos.


Depois de ter dito que fiquei com vontade de caminhar na areia – na verdade, fiquei um bom tempo olhando a areia ao longe, sentindo o vento açoitar meu rosto de forma leve com o cheiro do mar, pensei que deveria ser bom estar lá naquele momento e antes que evitasse acabei deixando escapar meu pensamento em voz alta, assim eu não exatamente disse. –ele me levou até lá mesmo eu contrariando-o dizendo que era muito tarde para sair por aí.


–Bom, tarde não é mais, certo? Estamos saindo muito cedo, isso sim. –ele brincara comigo, tranquilizando-me. Foi pegar um sapato e eu fui para o quarto colocando um casaco. Ainda estava de pijama, uma blusa de flanela com mangas curtas, junto com uma calça da minha mãe de algodão grosso que me deixava aquecida. Achei que já estava acomodada e decidi não me trocar, apenas acrescentei o casaco que tinha atirado no chão quando estava tentando dormir, no corpo.

Vejamos... Quando estávamos saindo, Will levava o violão consigo, perguntei por que estava carregando o instrumento se íamos para a praia, ele disse que iria aproveitar para me ensinar a tocar, como eu queria tanto.

Bom, só espero que ele tenha paciência comigo.

Estava afundando meu pé na areia, sentido os grãozinhos pinicarem entre meus dedos, rio internamente.

–Vamos começar? –Will pergunta para mim de repente, com as mãos em volta do violão, ele sentava-se a minha frente.

–Hm, está bem. –tento parecer determinada, mas a verdade é que estou meio receosa, ele parece perceber pois sorri e me entrega o instrumento. Fiquei impressionada com os detalhes bem entalhados que havia nele.

–Você disse que encontrou nas coisas de seu pai? –perguntei passando os dedos nas cordas.

–É... ele era bem detalhista. Gostava de aprender coisas novas, também. Acho que esse foi o terceiro instrumento que ele aprendeu a tocar.

Levantei o olhar, surpresa. Ele sabia tocar três instrumentos!? E eu que não tocava ao menos um... me senti a pessoa mais inútil do planeta.

Will me ensinou o básico, como segurar o violão do jeito certo, como eram os acordes, me deu uns exercícios bem irritantes para fazer e, depois de mais ou menos meia hora, ele me ensinou uma música.

Ou pelo menos tentou ensinar.

Eu confundia a maior parte do tempo, mas parecia que Will não ficava tão nervoso como pensava que ficaria, muito pelo contrário. Ele parecia bem calmo comigo.

Não gritou comigo quanto errei a nota pela décima vez.

Ou de quando parei por ter esquecido o que tocaria depois por nove vezes.

Dá para ver que demorou um tempo, não é?

E tenho que dizer que me cansou também.

–Eu desisto. Nunca vou conseguir tocar violão. –falo deitando-me na areia e observando o sol que estava um pouco mais acima desde aquela vez que vi os primeiros raios solares começando a aparecer. Parecia meio preguiçoso aquele dia.

–Não desista tão facilmente, pequena Annie. –Will diz como se fosse um poeta ou como se dissesse algo realmente profundo.

Certa denominação me incomodou um bocado: pequena Annie?

Assim, só porque ele ficou maior do que eu nesses tempos não quer dizer que eu sou pequena. Nem que ele possa me chamar de pequena. Eu sou bem mais alta do que a maioria das pessoas da minha idade, está bem? Quer dizer, o pessoal da minha sala pode não saber, ou o povo do distrito... Talvez até mesmo Fynn que – apesar de estar com treze anos – e o médico disse que tem altas chances de me passar na altura, não saiba. E o médico também.

Mas eu sou alta.

Um pouco.

Alta...

Sinto falta de antigamente. Na época que era a maior do que o povo da minha idade... Bons tempos, bons tempos.

–Obrigada, Senhor Filósofo, vou me lembrar disso. –falo ironicamente. –Mas obrigada, mesmo assim. –ele começa a puxar um sorriso pelo canto dos lábios quando completo: -E se você colocar “pequena” e “Annie” em uma frase só de novo... você pode acordar sem sua perna na próxima manhã.

Seu sorriso se esvai e uma expressão aterrorizada a substitui. Fico contente com esse efeito que produzo.

Viro-me de lado dando um longo suspiro. Brinco com a areia, passando-a pela mão e deixando-a escorregar por entre meus dedos. Estou desanimada. E cansada. Talvez se ficasse por ali daquele jeito por mais um tempo poderia acabar caindo no sono.

–Annie... –Will presume minhas emoções corretamente, como sempre. Será que era tão nítido assim? –Você não pode ficar tão desesperada na primeira aula, ainda tem tempo para aprender melhor e sei que você vai conseguir. Foi a primeira vez que tocou, não foi? –dei um breve aceno afirmativo com a cabeça. –Então! Você se saiu super bem considerando isso. Não perca as esperanças.

Sorrio para ele, sem ânimo algum, para falar a verdade. Sento novamente, tirando a areia do meu pijama.

E quando faço isso ele se aproxima de mim e me dá um demorado abraço.

Penso por um instante que não quero me afastar de seus braços, que quero ficar lá por mais tempo, que poderia me aconchegar e dormir neles.

Mas isso é patético. Olha o nível que estou chegando, tenho que parar com isso.

Will é meu amigo, e só. Um bom amigo e companheiro. E não posso ficar pensando tais coisas como essas. Não mesmo.

–Aprendi uma música, quer ouvir? –ele pergunta, se afastando, esperançoso.

Levantei o olhar e encarei seus olhos encantadoramente verdes que me observavam ansiosos.

–Claro.

Ele sorriu e se arrumou passando os braços por cima do instrumento e dedilhando-o e mexendo na tarracha para afina-lo pela segunda vez.

Então finalmente começou a tocar.

Mas não foi realmente uma música. Como esperava.

–Annie Mellark... Cabelos negros e olhos claros... Obstinada e teimosa, durona e protetora... Nunca me escuta e gosta de fazer coisas imprudentes e irracionais... Ela não quer saber de ninguém, de ninguém, ninguém, ninguéeeeeeeeeeeeeeeeeeeem. –Will começa a provocar tocando notas quaisquer do violão, mas que devo confessar, combinou bem.

–Will! –bati em seu ombro e ele começou a rir. –Isso não tem graça! Pensei que soubesse tocar!

–E eu sei. –ele sorri torto, aquele seu sorriso torto.

Balanço a cabeça e me levanto, andando em direção ao mar tão tentador. As ondas se quebravam ao longe com um estrondo musical e calmante, paro bem na beira e afundo meus pés na areia molhada, deixando a água morna chegar até meus tornozelos em sintonia, fecho meus olhos e aproveito aquela sensação por um instante.

Sabia que havia feito isso para que eu esqueça o porquê de eu estar me sentido tão abatida. E ele conseguiu. Aquele problema estava resolvido, como ele dissera, ainda tinha muitas aulas a frente para eu aprender.

~Coloquem a música, por favor, cliquem na frase ou copiem o link aqui: http://www.youtube.com/watch?v=5bEZCHLxNfQ ~

Escuto uma música leve cada vez mais perto, notas de violão. Sincronizadas. Perfeitas. Lindas.

Era o Will? Ele estava tocando aquilo?

Sim, era ele.

Sem que eu notasse, abri os olhos e encontro-o ao meu lado e ele olhava para mim com a expressão brincalhona e empolgada.

Sua voz chega aos meus ouvidos, ele estava perto, bem perto e a canção chegou como sussurros que me fizeram estremecer.


I want what I can't have
I wanna make you mine
I don't care what it takes


Ok, tenho que admitir, ele tocava muito bem, e se ele não houvesse me contado que tinha começado esse ano eu imaginaria que ele estaria aprendendo desde os quatro anos. Ele fazia tudo sem ao menos olhar para as notas.

Bem, claro, estava concentrado demais em olhar para mim do que isso.





Recuei alguns passos e empurrei-o com a mão para mais longe, rindo.





Ele sorriu ao ver que havia conseguido arrancar um sorriso meu e não cedeu, voltou a se aproximar e a cantar.

I'm fearless with my heart
I'll take it any place
I don't care if it breaks

I wanna tell you things
I never tell myself
These secrets hurt like hell, oh

Call me crazy, maybe I'm insanely
Out of my mind but it'll never phase me
If I have to, I'm not afraid to
Save my heart for you

I'm a rebel even if it's trouble
I'ma pull you out from the rubble
If I have to, I'm not afraid to
Save my heart for you

Tell me I'm wrong
Turn around and run
Still I'm gonna save my heart for you

Will chutou a água e fez com que a barra do meu vestido molhasse, olhei-o como se dissesse “sério?”, ele apenas continuou com aquela expressão serena de sempre.

E tocando. Sempre tocando.

Bati meus pés na água e levantei uma onda para encharcar seus pés, ele me olhou pasmo e começamos uma guerra de água, ele começou a rir enquanto cantava e achei tão divertido que comecei a ao menos me importar em estar totalmente molhada por causa dele, apesar de estar com as mãos ocupadas ele não ligava em achar outra forma de vencer e conseguir me ensopar.

I know you want me too
Even if it's not now
I'm gonna wait it out

But don't you dare forget
That moment that we had
I know we both felt it

Corri dele, desistindo de tentar molha-lo. Meu vestido pesava em mim, mas não importei. Gritei quando ele ultrapassou nossa distancia sem ao menos arfar e continuou jogando água ao meu lado.

Às vezes era porque estava acostumado, afinal de contas, havia nascido aqui e por isso conseguia andar rapidamente dentro do mar.

E então olhei para ele com um sorriso de lado, ele arqueou as sobrancelhas sabendo que eu tinha um plano em mente.

I wanna tell you things

I never tell myself
These secrets hurt like hell, oh





Call me crazy, maybe I'm insanely

Out of my mind but it'll never phase me
If I have to, I'm not afraid to
Save my heart for you

I'm a rebel even if it's trouble
I'ma pull you out from the rubble
If I have to, I'm not afraid to
Save my heart for you

Tell me I'm wrong
Turn around and run
Still I'm gonna save my heart for you
Oh oh
Oh oh

Saí correndo para a parte mais funda do mar, sabia que ele não conseguiria chegar até lá já como não iria querer molhar seu violão querido, e assim estaria salva para poder recobrar o fôlego.

Mas o que aconteceu?

O que sempre acontece.

Ele entendeu o que eu queria fazer e parou na minha frente, me impedindo de seguir adiante. Olhei para ele brava, porém Will fingiu não perceber e chegou seu rosto mais perto do meu...

I wanna tell you things
I never tell myself
These secrets hurt like hell, oh

The first time that you smiled
So shyly back at me
I couldn't help myself




E quando eu pensei que ele iria fazer algo indesejável ele riu e se afastou, tirou a mão por um instante do violão e a fechou em concha, enchendo-a de água e despejando-a em cima de mim.




Agora além de estar da cintura embaixo inteira encharcada, estava com na cabeça aos pés molhada também.

Como ele ousa...?

Ergo a cabeça e vejo-o correr para o outro lado, eu começo a correr, seguindo-o.

Call me crazy, maybe I'm insanely
Out of my mind but it'll never phase me
If I have to, I'm not afraid to
Save my heart for you

I'm a rebel even if it's trouble
I'ma pull you out from the rubble
If I have to, I'm not afraid to
Save my heart for you

Tell me I'm wrong
Turn around and run
Still gonna save my heart for you

Tell me I'm wrong
Turn around and run
Still gonna save my heart for you
Oh oh

Finalmente consegui chegar ao ponto em que ele estava. Abri um sorriso vitorioso, juntei as mãos e estralei os dedos, minha mãe dizia para não fazer isso, mas não pude me conter.

Esperei até o momento certo.

I want what I can't have
I gonna make you mine
No matter what it takes...

E bam!.

Assim que ele terminou de cantar e tocar as últimas notas, me olhando com um significado que não pude compreender – ou tempo para pensar no que queria dizer - corri para onde ele se encontrava e vi em seu olhar assustado ele entender o que eu iria fazer. Tarde demais.

Há, ele sabia o que eu iria acontecer, e não me impediu. Ou, bem. Ele não pôde conseguir me impedir a tempo.

Revanche... Agora.

Empurrei-o e Will caiu na água, com o violão levantado pela mão.


–Não! Crrrrrrrrrrrrrristina! –ele disse, assim mesmo com o “r” acentuado, levantando a cabeça da água.


Revirei os olhos e peguei o violão antes que chegasse uma onda e batesse em sua cabeça, fazendo-o afundar de novo.

Ri descontroladamente.

–O que é isso? Deu nome a seu violão?! Você é muito estranho, Will! –exclamei, indo de costas para a parte rasa, tomando cuidado para não deixar uma gota molhar o instrumento de Will.

Viu? Tenho cuidado. Apesar de não demonstrar.

Fiquei observando-o se levantar e chacoalhar os cabelos para tirar a maioria da umidade impregnada por lá, me flagrei encarando-o sem me mover e pensar em mais nada, um fervor subiu pelo meu peito e começou a envolver todo o meu corpo, como se estivesse em brasas.

Estou dizendo. Estou ficando louca.

–Ah é? –ele levantou as sobrancelhas para mim.

Meus membros só voltaram a me obedecer quando o percebi correndo até mim.

Gritei e comecei a tentar me afastar dele, o que não deu muito certo, obviamente.

Estávamos na areia seca quando ele conseguiu chegar perto de mim e tomar o violão de minha mão, pousando-o na areia e dando um impulso para ele se afastar do mar, mas no meio disso tudo ele não parou um segundo de se aproximar de mim.

Até que conseguiu me pegar e me abraçar por trás, fico surpresa e nós dois nos desequilibramos, sendo levados ao chão.

Rolamos por um tempo até pararmos rindo alto, Will estava me prendendo na areia com os braços fortes, acho que quem chegasse à praia naquele momento e nos visse provavelmente acharia que seriam duas pessoas que haviam escapado do hospício.

–Gostou da música? –ele perguntou curioso.

Sorri e pensei um pouco, olhando para cima.

–Hummm... Que música? –brinquei e ele me olhou realmente desapontado, bati de leve em seu peito e comecei a rir. –Brincadeira, bobão. Eu gostei sim, achei linda. –dei um sorriso sincero.

Depois de um tempo com nós dois sorrindo um para o outro como se tivéssemos imobilidade no rosto, começamos a rir e depois fico tensa ao perceber uma coisa.

Agora, estávamos tão próximos que podia sentir sua respiração no meu rosto e via que Will também tinha parado de rir e me olhava com aqueles olhos que me faziam ficar perdida, meu coração começou a bater forte em meu peito e podia escutá-lo com clareza nos meus ouvidos.

Não, Annie! Pense em outra coisa! Qualquer coisa! Seu pai vestido de cachorro, sua mãe fantasiada de torta de frango ou mesmo um palhaço de Haymitch! Qualquer coisa, menos isso!

Então uma voz me salvou e Will desviou o olhar do meu, quebrando meu encanto temporário, e se afastou caindo ao meu lado, suspirei aliviada.

Consigo me sentar e olhar para trás na direção de onde veio à voz, não consigo enxergar muito além já como tem uma parede de folhas e pedras escondendo o que está do outro lado.

–Quem você acha que está aqui? –pergunto para Will, no qual está esparramado na areia com os olhos fechados tentando escutar melhor.

–Não sei. –ele levanta-se e lentamente semicerra os olhos para o obstáculo, ele pega minha mão e me puxa para cima, me levando até lá. –Vamos descobrir.

Sorri e nos agachamos quando chegamos perto o bastante, Will leva as mãos até a vegetação e a tira do caminho de nossas visões, nos deixando poder ver as duas pessoas que estavam ali.

Aquilo definitivamente me surpreendeu.

Está bem, nem tanto assim.

Eram os meus pais, sentados juntos e de mãos dadas, meu pai havia dito alguma coisa que fez mamãe rir e ela inclinou a cabeça para o lado, deitando-a nos ombros do papai.

–O que eles estão fazendo? –estreitei os olhos para focar os dois no meio da claridade do sol.

–Acho que assistindo o nascer-do-sol. –Will respondeu, apontando para o horizonte.

Segui seu dedo e vi que realmente já estava aparecendo melhor. Estava reconsiderando seriamente sobre o dia passar rápido demais.

–Hmmm. –murmurei, voltando-se aos meus pais.

Estavam tão calmos naquele canto... E mal sabiam que tinha alguém os vigiando, muito menos esperavam que nós fôssemos essas pessoas.

Nem reparei quando minha cabeça levemente foi inclinando para o lado também, até então estar pousada em algo macio e quente, só me dou conta depois de um tempo e então acordo de meus pensamentos com as bochechas queimando, sei que devo estar corada. Outra situação para minha louquice completa.

–Desculpa. –olho para Will, que de repente também me encara e percebo um rápido rubor em seu rosto que logo desaparece quando ele desvia a olhar e solta um riso breve e baixo, tentando contornar o que aconteceu.

–Tudo bem. –ele me acalma e então sussurra: -Que tal assustarmos seus pais?

Intercalo o olhar entre Will e meus pais, e depois nele novamente.
Espera aí, era ele mesmo que estava dizendo isso?

Eu acho que andar comigo teve sim alguma influencia, muito insignificante, mas teve.

Ou é apenas por andar com a sua prima Aimee, talvez aquilo também ajude.

–Oh, sim. –respondo dando um enorme sorriso e pensando nas caras assustadas quando interferirmos na noite romântica dos dois.

Lentamente saímos de nosso esconderijo, prestei atenção em como ambos ficavam juntos tão naturalmente, como se fossem feitos um para o outro. Papai mexia nos cabelos da minha mãe e ela estava quase dormindo.

Mas é claro que eu não deixaria.

Troquei um olhar com Will, esperando o tempo certo até que ele assentisse, indicando que era a hora.

–Mãe! Pai! –gritei ao mesmo tempo em que Will dizia “Tios!” - Que prazer estarem os dois aqui na praia, sozinhos... de manhã... o que está acontecendo?

Meu pai dá um susto enorme e capota na areia, minha mãe levanta com um olhar mortífero em minha direção como se a visão estivesse desfocada e não enxergasse que era sua filha, estava prestes a me esganar quando percebe que sou eu.

–Annie!? –ela exclama, afrouxando o aperto das mãos que havia cerrado brutalmente. –Filha?!

Meu pai volta a si, levantando-se desajeitadamente, olha para mim e depois para Will que está tentando segurar a risada, mas breca na hora quando vê o meu pai encarando-o.

–Sobre a sua pergunta, filha... devo eu fazer o mesmo?

Engulo em seco, percebendo o enorme dano que causei em mim mesma.

Provavelmente eles têm uma lista no qual marcam as razões para me prenderem debaixo da terra e me enterrarem viva.

Estou acordada até tarde. –Checado.

Saí de casa de madrugada. –Checado.

Assustei-os, além de quebrar o clima romântico dos dois. –Checado.

Basicamente estraguei uma noite perfeita dos meus pais? –Checado.

É, estou mortinha.

Bem possível de eles fazerem uma dancinha maluca no meu túmulo depois de ser engolida pela escuridão da morte.

Mas no fim, não foi bem isso que aconteceu.

Eles só nos interrogaram sobre o que estávamos fazendo tão tarde (Will corrigiu eles dizendo que necessariamente não era tão tarde já como amanhecia, a mesma coisa que havia dito para mim antes, abafei uma risada por causa dos rostos dos meus pais que não estavam compreendendo nada), e também sobre o porquê não tínhamos dormido ainda.

Essa troca perguntas e respostas não foi tão empolgante assim, e por isso não vou detalhar o que aconteceu. Na verdade eu até agradeci aos meus pais quando nós chegamos a casa pois estava morrendo de sono por ter tido que escutar a bronca que eles deram, e isso sempre me fazia ficar com sono. Se bem que minha mãe parecia bem pior do que eu.

Depois de eu me despedir com o Will, agradecer e ter que ouvir repetidamente que amanhã (ou seria hoje?) seria a minha vez de ensinar a ele arco-e-flecha, fui dormir.

Assim que fechei os olhos, caí em um sono profundo, sem sonhos.

Foi imediatamente um alívio estonteante.


~Final no próximo capítulo.



Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Olá, corajosos que leram até aqui!

Bom, o capítulo não é só isso, estava muito longo e tive que dividi-lo. O próximo terá o final, por isso que estará pequeno.
Eu sei. A música é tosca. Okay.

OBSERVAÇÃO IMPORTANTE: Minha nota final que terá MUITAS explicações estará no próximo capítulo!

PS: A histórinha que o Peeta e a Katniss viram a "Foxface" aconteceu de verdade comigo, eu estava em um jantar que meu pai obrigou a ir e eu vi uma garota IDÊNTICA a Foxface, eu e meu irmão fomos espiona-la e eu consegui tirar uma foto dela HAHAHAHA (mesmo que tenha saido embaçada, tudo bem).