O Pacto escrita por Mallagueta Pepper


Capítulo 8
Acertando as medidas




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- Sinto muito, querida. Você é linda, tem um cabelo deslumbrante, mas não é exatamente o que procuramos para a nossa campanha.

Ela ia andando pela calçada, levando seu book debaixo do braço e com a cabeça dando voltas por causa de mais uma negativa. Em frente a uma vitrine, ela viu seu reflexo e ficou analisando cada detalhe. Sua barriga lhe pareceu muito saliente, as nádegas grandes demais e seu rosto parecia inchado.

“Então é isso... o regime não adiantou de nada. Droga, eu não devia ter colocado ricota light na minha salada, estraguei tudo de novo! Sua burra, vaca gorda, imprestável!”

Uma raiva surda foi surgindo dentro dela, que para não acabar dando um soco na vitrine da loja, saiu dali apressadamente com a decisão de pegar mais pesado em seu regime. Em sua cabeça, ela ia repassando os poucos itens que ainda faziam parte do seu cardápio. Os carboidratos já tinham sido totalmente abolidos, assim como as gorduras. Sua dieta era constituída basicamente de frutas, folhas, alguns legumes e carne magra, geralmente frango grelhado e de vez em quando ricota light na sua salada.

“Acho que vou cortar o frango e a ricota, deve ser isso que tá me deixando gorda. Vou ver se bebo mais água também, dizem que é bom para diminuir a fome e não engorda nada. Hum... vou ver se entro numa academia também, um bom exercício deve ajudar.”

Em momento algum lhe passava pela cabeça que ela estava quase tão magra quanto um retirante africano. Sua pele tinha perdido o brilho, os olhos estavam fundos e as olheiras estavam ficando visíveis. Ela sentia fraqueza constante, às vezes tonteira, dificuldade de concentração e falha na memória. Não, ela não enxergava nada daquilo. Em sua mente, ela achava que todos aqueles sintomas eram apenas moleza e fraqueza.

- Eu não posso ser fraca. – ela dizia constantemente a si mesma. – Nada vem de graça e se eu quiser realizar meu sonho, tenho que me esforçar ao máximo!

Maria pegou o ônibus para sua casa, fazendo planos, bolando esquemas de exercícios e cortando mais alguns itens suspeitos do seu cardápio. Quanto menos calorias, melhor.

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“Hummmm! Esses biscoitos ficaram divinos! Uma pena o seu Quinzão ter aparecido...” Magali ia comendo avidamente os biscoitos que seu namorado tinha lhe dado e lamentando por seu sogro ter chegado em má hora. Ele não gostava muito de vê-la rondando sua padaria já que aquilo costumava significar um desfalque em seu estoque. Um exagero da parte dele, em sua opinião, já que ela não comia mais como antigamente.

Ela estava tão distraída que quase caiu de susto quando um vulto apareceu em sua frente.

- Você de novo?

- Eu só quero fazer uma pergunta. – ele foi falando sem explicações e sem cerimônias. – Por acaso você não tem notado nenhum comportamento estranho no seu amigo?

- Tá falando do Xaveco? Parece que ele brigou com dois amigos meus, a Mônica e o Cebola. A gente pediu pra ele deixar nossa banda tocar no show dele e...

- E ele certamente não quis.

- Não.

- Isso é só o começo.

- Começo de quê?

- Seu amigo corre um grande perigo. O primeiro passo costuma sempre afastar as antigas amizades para que ninguém perceba o que está acontecendo e tente ajudá-lo. Vocês não podem abandoná-lo agora.

- Mas foi ele que deixou a gente de lado, ué! Agora ele nem nos cumprimenta mais!

- Seu amigo não sabe direito o que está fazendo, está hipnotizado por ela.

- Por ela quem? A Denise?

- Pela entidade que o persegue. É ela quem está causando tudo isso.

- Ah, tá.

Ela deu um passo para trás, procurando ficar fora do alcance daquele homem e falou apressadamente.

- Agora eu preciso ir. Minha mãe tá me esperando pro almoço.

- Você não acreditou em nada do que eu disse.

- Sei lá, é estranho demais e eu nem conheço o senhor! Melhor eu ir embora... tchau!

O homem balançou a cabeça quando ela saiu dali apressadamente. As pessoas eram sempre céticas. Viviam confinadas em suas vidinhas limitadas, achando que o mundo se restringia somente ao seu campo de visão e não enxergavam nada além dos seus narizes. Pareciam iludidas, adormecidas e anestesiadas. Era por isso que ela quase sempre levava a melhor. A dificuldade que as pessoas tinham em enxergar a realidade sempre fora um grande obstáculo ao seu trabalho.

Ao ver que não tinha nada para fazer ali, Ivan resolveu voltar para o hotel onde estava hospedado enquanto se perdia em seus pensamentos, recheados de lembranças tristes e dolorosas. Era exatamente por causa dessas lembranças que ele tentava ajudar as pessoas, para que elas não passassem pelo que ele passou.

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Era cerca de duas da madrugada. A noite estava agradável, nem muito quente e nem muito fria. Xaveco dormia como uma pedra, cansado de mais um dia movimentado repleto de ensaios, fotos e entrevistas. Ele ressonava alto e um pouco de saliva escorria pelo canto da sua boca.

Melina o observava em silêncio, com seus olhos azuis brilhando de um jeito sinistro como se fosse uma fera faminta espreitando sua presa. Ele era tão jovem e cheio de vida! E tão vulnerável! Do jeito que ela gostava. Ela aproximou seu rosto do dele lentamente até seus lábios ficarem a poucos milímetros dos lábios dele sem no entanto tocá-los e deu um suspiro pela boca, inalando o ar profundamente. Segundos depois, começou a sair da boca dele um filete de luz, que tremulava como se fosse uma fumaça tênue que era inalada por ela avidamente.

Quando se deu por satisfeita, ela afastou-se dele com um grande sorriso no rosto e um olhar demoníaco. Aquela era uma das melhores presas que ela tinha conseguido e não pretendia deixá-lo tão cedo. Não, seu objetivo era tirar tudo o que ele tivesse até não sobrar nada mais do que um resto imprestável de ser humano. Era aquele o objetivo da sua vida.

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- Bom dia filho. Nossa, você parece tão abatido...

- Não é nada não, mãe. Eu tô de boa.

- Sei não, acho que você tem trabalhado muito. Esse Moreira está abusando demais para o meu gosto!

- Também não é tanto assim. Eu sempre volto pra casa na hora certa, nunca fico trabalhando até tarde. Acho que é de tanto correr das garotas histéricas, sei lá.

- Essas meninas não te deixam em paz, heim?

Ele continuou tomando seu café e foi tomar um bom banho para ver se conseguia acabar com aquele cansaço. Estranho... nos últimos dias ele tem se sentido muito cansado, esgotado e sonolento. Às vezes ele tinha que fazer um esforço enorme para se manter acordado durante as aulas e os ensaios estavam ficando cada vez mais difíceis.

Ainda assim ele achou que esse mal-estar era passageiro e com o tempo iria acabar. Talvez fosse apenas falta de costume com tanta atenção que estava recebendo. Sua vida ficou muito agitada quase de uma hora para outra e era provável que seu corpo ainda não tivesse se acostumado.

Quando terminou de trocar de roupa, ele pegou seu material e despediu-se da sua mãe, indo direto para a escola. Vários jovens o acompanharam, bajulando-o e lhe tratando como se ele fosse um rei. Todos falavam ao mesmo tempo deixando-o meio confuso e atordoado. Será que eles não poderiam fazer um pouco de silêncio? Sua cabeça doía e ele sentia seu corpo meio pesado.

Ao chegar na escola, ele correu para a sala de aula achando que teria um pouco mais de sossego. Só que para seu desespero, Denise veio correndo ao seu encontro pulando em seu pescoço.

- Ai, meu lindo! Sabia que eu sonhei com você essa noite? Nossa, foi lindo. E aí? Eu posso ir com você ao estúdio de gravação?

A medida que Denise falava, ele foi sentindo uma vontade enorme de mandar aquela matraca calar a boca. E para piorar, Carmen também avançou para cima dele e as duas faltaram pouco sair no tapa por sua causa. Ele só teve um pouco de alívio quando o professor chegou e a turma teve que ficar em silêncio.

Mônica o olhava de longe, reparando no seu abatimento.

- Ô Mônica, o que você tanto olha pro Xaveco? – Cebola perguntou já com fumaça saindo pelas orelhas.

- Você não acha que o Xaveco tá muito abatido hoje?

- E daí? Não vai dizer que você agora tá preocupada com ele?

- Eu tô, né? Ele é vacilão mas ainda é nosso amigo.

- Humpt! Pois meu amigo esse aí não é mais. Não depois do que ele fez.

- Que coisa, também não é pra tanto!

Cascão, que tinha acordado do seu cochilo, entrou na conversa.

- Vai ver aquele tal empresário anda abusando dele, sei lá. Dizem que é tudo aproveitador e sanguessuga.

(Magali) – Ou então ele não tá se alimentando direito. Essas celebridades vivem de dieta, não podem nem comer direito. – disso ela sabia por experiência própria. Quando era integrante da banda das stars, Ela e as outras garotas eram forçadas a comer somente salada de alface com tomate. De vez em quando, em alguma ocasião especial, é que o empresário delas lhes permitia comer uma cenoura também. Em de tratando de alimentação, aquele foi um período negro em sua vida.

Cebola deu de ombros.

- De qualquer forma, é problema dele e eu é que não vou ficar esquentando a cabeça.

Mônica balançou a cabeça, penalizada com o estado de abatimento do amigo. Pelo visto, a fama parecia ter seu preço.

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- Maria! Você não vai comer nada? – Isa perguntou oferecendo a ela um sanduíche natural.

- Eu já comi agora pouco e estou entupida.

(Marina) – Comeu o que?

- O lanche que eu trouxe de casa, é isso! Agora eu vou ao banheiro lavar as mãos. A gente se vê!

Ela resolveu sair dali antes que alguém lhe forçasse a comer uma bomba calórica e ficou aliviada quando saiu do alcance das suas amigas. Chegando perto do banheiro, seu estômago começou a roncar alto, protestando pelas horas de jejum. Desde o café da manhã, constituído apenas de um copo de água e meia maçã, ela não tinha comido nada. A única coisa que tinha permissão para entrar em sua boca era água, que ela tomava o máximo possível para despistar a fome.

“Você precisa resistir, tem que ser forte. Vamos, você consegue! Está indo muito bem!” uma voz parecia falar em seu ouvido enquanto ela jogava um pouco de água no rosto para ver se espantava aquela tonteira. “Comida é ruim, é nojenta! Estraga seu corpo e arruína seu sonho.”

Quando se sentiu um pouco melhor, ela resolveu voltar para a sala de aula, onde poderia ficar sentada descansando. No meio do caminho, ela acabou trombando em alguém. A outra pessoa conseguiu se manter de pé, mas ela acabou caindo no chão por estar um tanto fraca.

- Maria? Tá tudo bem? Poxa, foi mal... eu nem te vi. – Ele falou ajudando-a a se levantar.

- Tudo bem, Xaveco. Eu estava indo para a sala de aula...

Ele deu uma boa olhada nela e viu que a moça não parecia nada bem. Pelo visto ele não era o único a estar se sentindo mal naquela escola.

- Tem certeza de que você tá bem mesmo? Sei lá, você parece assim meio pálida... 

- Eu estou bem, não se preocupe.

- Se quiser, posso te comprar um sanduba bem reforçado lá na cantina e...

Maria entrou em pânico. Um sanduíche? Ele queria mesmo fazê-la comer um sanduíche repleto de calorias que iam descer pela sua garganta e se depositar em sua barriga e nádegas? Ela preferia morrer do que colocar aquele tipo de coisa em sua boca.

- Não precisa, eu já lanchei, é sério! Agora tenho que ir pra sala porque ainda não terminei aquele exercício de geografia.

- Eu também vou. Lá eu devo ter um pouco mais de sossego.

Quando eles chegaram a sala de aula, cada um foi para o seu lugar. Maria abriu o caderno para fingir que estava escrevendo alguma coisa e Xaveco debruçou-se sobre a mesa para ver se conseguia descansar um pouco. Ambos estavam muito cansados e se pudessem, cada um entraria em um buraco bem fundo e ficaria ali por bastante tempo, longe de tudo e todos. 


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