O Pacto escrita por Mallagueta Pepper


Capítulo 19
A dura queda




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- Pronto, filho, acho que esses são os últimos. Você quer mesmo guardar essas coisas de lembrança?

- Quero sim. De repente, elas podem até valer uma boa grana algum dia...

- Ai, meu filho... eu sinto tanto...

- Tranqüilo, mãe. Eu tô de boa.

Xaveco e sua mãe guardaram nas caixas tudo que ele tinha ganho durante seus momentos de fama. Presentes, camisetas, CDs, DVDs, bonés, calças, tênis e tudo aquilo que levava o nome dele. Também havia recortes de jornais, revistas, vídeos de entrevistas e show que ele tinha feito. Foram necessárias quatro caixas de bom tamanho para comportar tanto material e ainda havia sobrado muita coisa, que ele tinha decidido deixar fora das caixas.

Uma linda guitarra que ele tinha ganhado de um cantor de rock e que custava mais de três mil reais em uma loja. Aquela ele ia pendurar na parede do seu quarto, junto com alguns troféus e prêmios. Apesar de tudo, ele sabia que ia sentir falta daqueles bons tempos de fama.

Três meses tinham se passado desde que Xaveco abriu mão da moeda e conforme o monstro tinha falado, ele havia perdido tudo o que conquistou. Todo o encanto se desfez e os fãs, que antes o idolatravam, passaram a ignorá-lo e alguns até o ridicularizavam. Moreira rompeu o contrato que tinha feito apesar da multa pesada que teria de pagar. Suas propagandas foram tiradas do ar e caíram no esquecimento. Ninguém mais queria saber dos produtos que levavam seu nome e seu rosto e suas músicas só eram tocadas ocasionalmente aqui e ali.

Ele também não se importava muito. As últimas gravações tinham ficado tão ruins que ele queria mesmo que elas caíssem no esquecimento. Se fosse para ele fazer sucesso algum dia, seria com um trabalho de qualidade, não com todo aquele lixo que Moreira o convencia a tocar e vender.

Quando terminaram de embalar tudo, eles levaram as caixas até um quarto onde a família guardava objetos que não eram usados mais. Era um bom lugar e ele sabia que suas coisas estariam seguras ali.

- Pronto, filho. Tudo embalado e bem guardado. Agora troque de roupa que você ainda tem aquela festinha com seus amigos.

- É mesmo, já ia esquecendo. Valeu mãe!

Ele se trocou bem rápido e ganhou a rua, animado com a festa que ia ter na casa do Titi. festas com os amigos eram sempre boas e daquela vez, eles tiveram o cuidado de convidá-lo. As coisas estavam indo razoavelmente bem, dentro do possível. Ele não era mais ignorado pelos amigos e era sempre incluído nos programas, festas e passeios. Pelo menos invisível ele não era mais.

- Ih, olha lá o Mané! – um rapaz apontou para ele e um grupo de moças deu risadinhas.

- Credo, que bichinho mais feio!

- Eu não sei o que vi nesse cara!

- Vai ver você tava chapadona, gata! Hahaha!

Ele seguiu seu caminho, cabisbaixo e triste. Desde que perdera a fama, as pessoas passaram a tratá-lo com desprezo. Na escola, ele sofria com trotes, zoações e muitas provocações. Se não fosse pelos seus amigos, sua vida teria se tornado um total inferno. Ainda assim, estava ficando cada vez mais difícil lidar com aquilo tudo.

Se fosse apenas na escola, ele até que poderia contornar a situação. O problema era que por toda parte as pessoas riam e debochavam dele. Até uma caricatura dele foi criada e fazia sucesso em um programa humorístico. Sua mãe tentou entrar na justiça por danos morais e o processo estava se arrastando. Era difícil fazer alguma coisa já que eles não estavam usando o verdadeiro nome do Xaveco e a caricatura não tinha sua aparência exata.

Várias pessoas faziam piadinhas, escarneciam da sua queda e em qualquer lugar que ele fosse, era reconhecido na mesma hora. Enquanto ele caminhava para a casa do Titi, outras pessoas iam apontando e rindo da cara dele.

“Porcaria... será que foi boa idéia eu ter jogado a moeda fora?” às vezes ele pensava que teria sido melhor deixar as coisas como estavam. Quando ele tirou a moeda, não pensou que as coisas fossem chegar aquele ponto. Se antes ele não tinha sossego porque era famoso, agora ele passou a não ter sossego porque tinha perdido a fama.

Ao chegar a casa do Titi, ele procurou se acalmar para aproveitar a festa. Seu amigos estavam fazendo o melhor que podiam e não era justo deixar todo mundo triste e preocupado com seus problemas. Ele tinha que se arranjar sozinho.

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Os olhares de todos o incomodavam um pouco. Só não estava pior porque ele andava com Cascão e Tikara, que eram respeitados pelos demais alunos. Mas quando ele ficava sozinho, tinha que lidar com todo tipo de provocações. Uns lhe jogavam bolinhas de papel, vários desenhos e caricaturas dele circulavam pela escola e toda hora ele ouvia comentários maldosos a seu respeito.

Quando passaram por Denise, ela virou o rosto e fingiu que não o tinha visto. Claro, sem o encantamento da moeda, ela não ia mais correr atrás dele. Certa vez ele tinha lido em seu blog posts muito agressivos a seu respeito.

“A louca! onde eu estava com a cabeça pra namorar aquilo? Vai ver eu estava chapada, só pode!”

“Afe, parece que o super astro não é mais tão maneiro assim. Claro, sem o meu glamour, ele não é nada!”

No dia seguinte, as postagens foram apagadas e ele soube que a Mônica, junto com as outras meninas, prensaram Denise contra a parede e fizeram com que ela apagasse tudo. Sempre que estavam por perto, seus amigos o defendiam e várias vezes Mônica teve que colocar alguns valentões para correr.

Mesmo sendo grato pelo apoio dos amigos, ele não podia deixar de se sentir humilhado por não conseguir resolver seus problemas sozinho. A diretoria do colégio tinha sido colocada a par do problema e a situação se amenizou um pouco, mas ele ainda tinha que aturar muita coisa porque não era possível ter alguém o protegendo 24h por dia.

“Poxa... as coisas eram tão boas no início! Porque ela foi estragar tudo? Não, peraí! Eu ia morrer de qualquer jeito!” ele só não se arrependia totalmente porque ainda tinha medo de morrer. Uma pena o preço por toda aquela fama ter sido tão alto...

- Ei, Xaveco! Vem sentar com a gente! – Jeremias chamou e ele foi a mesa onde os rapazes estavam reunidos conversando e fazendo seu lanche. Quando estava com os amigos, os provocadores mantinham distância e não o incomodavam (muito).

Durante a hora do intervalo, uma música de fundo era tocada na cantina. Nada que fosse muito alto, era apenas para relaxar e distrair os alunos. De repente, alguém teve a infeliz idéia de por para tocar uma música do Xaveco, que nos seus tempos de fama era seu carro chefe. A insatisfação foi geral e todos começaram a vaiar e assoviar, deixando o rapaz totalmente arrasado. Nem seus amigos puderam ajudá-lo.

- Credo, tira esse lixo daí!

- Ai, meus ouvidos!

- Uhhhh! Porcaria! Esse cara é uma droga!

A gritaria só acabou quando a música foi trocada e a única coisa que Xaveco queria era poder abrir um buraco bem fundo e se enterrar dentro dele. Todos os seus esforços para reverter esse quadro estavam dando em nada.

O restante da aula foi mais ou menos parecido. Seus amigos lhe davam atenção e protegiam dos valentões. Todos, tirando Denise, lhe davam apoio. Ele se mostrava feliz e agradecido, procurando sempre disfarçar a tristeza e desânimo. Mas quando estava sozinho, ele dava vazão a toda tristeza que sentia. Sua vida tinha se tornado amarga como fel, talvez até pior do que antes.

Antigamente ele era ignorado. Se ninguém lhe idolatrava, pelo menos não o maltratavam. Em uma coisa Ivan estava certo. Melina só causava estrago por onde passava.

Na hora da saída, um sujeito esbarrou nele jogando seus livros no chão.

- Cuidado, seu mané! Você não é mais famoso, então eu posso te dar umas belas bordoadas!

O rapaz encolheu-se um pouco, com medo daquele rapaz que era do tamanho do Titi e parecia bem forte.

- Ei, deixa ele em paz seu tosco! – Magali falou alto, enfrentando o valentão.

- Fica fora disso, gatinha!

- Porque não enfrenta alguém do seu tamanho? De repente eu devia chamar a minha amiga!

O valentão acabou desistindo da idéia. Ele sabia muito bem quem era a amiga daquela garota e do estrago que ela podia fazer em seu rosto caso quisesse. Ainda assim, ele não ia sair de lá por baixo de jeito nenhum.

- Seu frutinha, mariquinha, bunda-mole! Agora tem que se esconder atrás das meninas pra não apanhar!

- Vai logo embora, anda! – Magali bradou batendo o pé no chão e o sujeito ainda falou várias coisas antes de ir embora.

Xaveco ficou ali, olhando para o chão e se esforçando para não chorar.

- Não fica assim não, tá? Ele é um idiota!

Ele procurou se recompor e demonstrar que aquilo não o tinha atingido sendo que na verdade aquelas palavras tinham lhe matado por dentro.

- Tudo bem, Magá. Melhor eu ir pra casa que eu tenho muito trabalho pra fazer.

- A gente vai reunir pra estudar lá em casa essa tarde. Aparece por lá. Minha mãe vai fazer um lanche bem gostoso!

- Valeu. A gente se vê!

Depois que ela foi embora, ele ficou pensando com os seus botões. “Poxa, o pessoal tá sendo tão legal comigo! Por que então eu não tô feliz com isso?” mesmo que não quisesse admitir, parte dele achava que eles faziam tudo aquilo meio que por obrigação ou por pena. E ver-se digno de pena era algo que ele não gostava nem um pouco. E ser defendido pela delicada Magali foi algo que praticamente destroçou sua pouca auto-estima. Que tipo de homem era ele que precisava se esconder constantemente atrás dos outros? Ele deveria saber se defender sozinho, não deveria?

“Humpt! Eu sou fraco demais pra me defender, é isso. Se ao menos eu fosse mais forte, aí ninguém criava encrenca comigo! Pocilga! Eu cansei de ser um bundão, cansei mesmo! Não quero mais ser assim não! Eu quero mudar!”


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