Houve Dois Verões escrita por AHB


Capítulo 9
Sobre o Fim da Estação




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Abrir os olhos parecia algo complexo demais para Sirius Black. Ele sentia a cabeça latejar de tal forma que nada era mais desejável que a escuridão das pálpebras cerradas.

- Merda de Firewhisky! – o rapaz murmurou, revirando-se em uma das poltronas macias da sala dos Potter.

De véspera tinha sido o enterro do tio Alphard. Não podia ter sido pior: Sirius teve a feliz idéia de beber para melhorar um ânimo abalado e é claro que o efeito fora terminantemente oposto:havia brigado com Bellatrix – ela sequer o olhou depois de sair enfurecida da estufa – e ainda teve uma prelação da Walburga, por não ter apresentado logo a nova “herdeira do Alphard”, a tal Morgana Fay. A Sra. Black mostrou-se extremamente interessada na nova parente, mas a garota não era nada tola e percebeu logo qual era a intensão dos vários parentes que se juntaram ao redor dela, perguntando se já havia recebido a herança. A gota deve ter sido quando James começou a rondá-la, com seu mais que batido olhar de conquistador. A moça simplesmente foi embora com o ar de quem fora tremendamente ofendido. Não que ela não tivesse toda a razão, mas Sirius achou que ela deveria ser ótima pessoa apesar do pouco que conversaram e merecia um troféu por simplesmente ter dado as costas para Walburga, quando essa veio com mais perguntas sobre a herança.

Assim que a cerimônia deu-se por encerrada e as pessoas começaram a se dispersar, Sirius escapuliu da vigília da mãe e junto com James, foi recostar-se nuns túmulos velhos e abrir mais uma garrafa do “old fire”. Somente quando o dia cinzento deu lugar a um chuviscar fino e ininterrupto, os dois rapazes resolveram ir embora, cantando em altos brados uma melodia desconexa e ultrajante.

Mas Sirius tinha uma maldita consciência que apesar de não ter sequer se manifestado na vez em que incitara certo colega a vasculhar o Salgueiro Lutador, o impedia de não pensar em Bellatrix e agora que os efeitos do destilado haviam passado, o rapaz deu-se conta de que sequer dera uma explicação a ela.

Abrir os olhos seria um bom começo.

A sala dos Potter era ampla, tinha uma lareira ricamente entalhada, cujo console estava coberto com porta-retratos (em alguns deles o próprio Sirius aparecia, fazendo pose ou brincando com Pontas, Aluado e Rabicho). A mobília era sóbria e elegante, mas extremamente convidativa, com almofadas alaranjadas. A luz solar entrava livremente pelas vidraças voltadas para o jardim. Sirius adorava aquela casa e várias vezes se perguntava por que não aceitar logo os convites da Sra. Potter para vir morar com eles. Suspirou e afastou uns fios de cabelo que lhe caiam sobre os olhos. Olhou em volta: aquele alcoólatra juvenil chamado James Pontas Potter estava ferrado no sono, enroscado no tapete felpudo em frente à lareira e com uma garrafa vazia debaixo do braço. Seus óculos estavam tortos, uma das lentes quase soltando. Sirius riu pensando no que faria Lily Evans se visse aquela cena. Então, a mesma consciência que o despertara, fez com que a têmpora do rapaz latejasse fortemente, avisando que era hora de voltar para o Largo Grimmauld.

Pegou as chaves da moto que haviam escorregado pelas dobras da poltrona e deixou a casa dos Potter com a sensação que não ia demorar-se a voltar.

 

 Você pensa que é esperto

 

- Você está encrencado, Edgar!

Sirius fez um barulho semelhante a um rato sento esmagado ao ouvir seu segundo nome, ainda por cima pronunciado pela voz detestável de Narcisa.

- Não enche, Druella Junior.

Mal chegara em casa, Sirius correu para o quarto de Bellatrix, no final da escadaria. Agora batia inutilmente na porta da prima. Não demorou em concluir que não havia muita gente em casa, inclusive porque tinha sido fácil demais chegar lá em cima sem ninguém – ou seja, Walburga – tê-lo parado e o repreendido por ter passado a noite fora sem o menor aviso, mesmo que isso não fosse novidade alguma. Será que afora os elfos e, agora Narcisa, não havia mais ninguém na propriedade? Coçou a cabeça e encarou a prima, que o observava atentamente, esperando que ele lhe dirigisse a palavra.

- Ok, pode me dizer onde eles foram?

Narcisa estreitou os olhos claros, e alfinetou:

- Eles ou ela?

- Só responda!

- Puxa, você está com moral pra quem passou a noite sumido, hein? – Ciça caçoou, mas logo se arrependeu, diante da expressão de Sirius – Estão todos na casa do Lestrange, menos o Regulo. Eu não o vejo desde ontem, quando chegamos em casa.

- E te deixaram aqui? – o rapaz perguntou, desconfiado.

- Eu vou sair com o Lucius, não tenho mais pai, tenho que cuidar do meu futuro. – ela explicou cheia de si, sem nem perceber como soara grosseira sua frase. Então ela completou – Se bem me lembro, você está me devendo uma coisa.

- Ainda isso? – Sirius deu as costas ao quarto de Bella e passou por Ciça como se ela não existisse – Você não se enxerga, né magrela?

- Lucius gosta! – ela respondeu, como se resolvesse tudo.

- “Lucius, Lucius” – ele arremedou. Sentia-se frustrado em saber que Bella estava na casa daquele Lestrange nojento, nada melhor do que extravasar a raiva em Narcisa, ela tinha nascido com anti-aderente de qualquer forma, não teria problema em aborrecê-la um pouquinho – Só sabe dizer isso?

Como Sirius esperava, ela riu e com um rodopio entrou na frente do primo:

- Não, eu sei dizer também que seu romancezinho com minha irmã está por um fio. Você conseguiu irritá-la Sirius... E ela sabe que o Lestrange é a melhor opção, hoje de manhã ela foi para casa dele sem sequer pestanejar. Ela se divertiu com você, mas cansou de você e da sua mania de vitima. Está acabado e eu nem precisei contar nada!

- Você não sabe de nada! – Sirius estava se esforçando ao máximo para não demonstrar o efeito que aquelas palavras tiveram sobre ele, mas era muito difícil, ainda mais com a cara debochada de Narcisa rindo para ele.

- Espere para ver... Ou tome logo uma decisão decente!

Sirius torceu o nariz. Repentinamente deixara de fazer sentido:

- Ciça, você quer que eu e Bella... fujamos?

Ela revirou os olhos:

- Tem sempre que te explicar tudo, né Edgar? Olha, pensa comigo, não tem mais Andie, se não tiver mais Bella, sabe quem vai ser a única irmã Black, brilhando, sozinha, lá no topo?

Sirius riu. Era isso, então. O grande problema de Narcisa. Ela não suportava ser obscurecida pelas irmãs mais velhas e nessa disputa criada por sua mente debilitada, qualquer coisa era válida para livrar-se da enorme sombra que Bellatrix projetava. Até instigar uma fuga, um jeito da irmã ser apagada da família. Era a lógica mais torpe que Sirius já vira alguém usar - se ela não estivesse mentindo - mesmo assim lhe fizera pensar a respeito de muitas coisas, a começar que realmente tinha que tomar uma decisão decente. Narcisa saiu, descendo as escadas em direção ao hall, onde Lucius parecia ter acabado de chegar. No meio do caminho ela ainda parou e disse:

- Não tenha dúvidas, se você mostrar decisão, ela irá com você!

 

 Você não é, está evidente

 

Mal retribuindo o beijo de despedida de Rodolfo, Bella se esgueirou para dentro da limusine negra que agora pertencia a Druella – É claro que todos ali podiam aparatar, mas aquele carro com várias portas, de chassi imponente era tão mais elegante. Além de demonstrar a superioridade bruxa sobre o maquinário dos trouxas. Sorriu um sorriso irônico para sua imagem refletida no vidro, então massageou os maxilares, doloridos, depois de terem passado o dia todo tensos. Ela sabia que Rodolfo a vira no corredor da mansão Malfoy e usara de toda sua dissimulação para que ele não percebesse o quanto isso a abalara. E agora, no dedo anular dela faiscava uma aliança fininha, uma pequena serpente cujos olhos eram jades brilhantes. Noiva. E não parava de pensar em Sirius, aquele desgraçado inapto. Com certeza ele devia ter ficado com a consciência pesada e voltado para casa – grifinório previsível – e aquela fofoqueira da Narcisa já devia tê-lo encucado com aquela história estúpida que enfiara na cabeça da irmã antes de sair. Algumas vezes durante esse verão, Bellatrix não havia se reconhecido, mas ontem, alguma coisa naquela cena na saleta da mansão Malfoy que presenciara, despertara seu velho e habitual eu. Mesmo assim... Não conseguia regorjear-se um pouco que fosse com a sensação de vingança contra Sirius. Lestrange de novo. O dia todo ele a encarara friamente, menos quando lhe sorria, o sorriso não era frio, era cheio de um desejo sinistro. O estômago de Bella revirou algumas vezes, pensando na possibilidade de sexo com aquele homem. Teria que estar muito alcoolizada para dormir com ele. Sirius era um amante tão dedicado e meigo, a fazia sentir-se uma rainha e dizia com maior sinceridade do mundo que a amava. Agitou a cabeça, não era agora que ia dar-se a essas comparações românticas. E ainda estava brava com Sirius, ele não tinha o direito de sumir a noite toda sem dar-lhe alguma explicação!

- É sim, uma vergonha para a família! – a voz estridente de Mifula Rosier, a irmã de Druella, acordou Bella de seus pensamentos – Aquele menino não tem respeito por nada!

“Ah... Falando no Siriuzinho...!” 

 

Aquilo que você quis de mim só para se rebaixar

 

As horas correram quase tão lentas quanto o balançar do pêndulo do relógio de carrilhão posto no escritório da casa dos Black. Ainda assim, Sirius presenciou algo raro: ficar sozinho em casa. Quer dizer, Monstro estava lá, rondando os aposentos com um espanador a tiracolo, mas isso não contava muito. Com toda aquela mobília escura, maçanetas esculpidas em prata e retratos forrando as paredes, aquela casa era extremamente melancólica. Parecia demais com uma casa assombrada, não por fantasmas, mas por “vivos mortos” inescrupulosos, digladiando-se uns com os outros. Mas assim, vazia... Era apenas melancólica e Sirius tinha certeza que se alguém ficasse lá, sozinho e sem poder sair por muito tempo, acabaria enlouquecendo. Ainda assim, restos de luz solar que entravam pelos vidros verdes e frestas imprimiam no chão figuras diáfanas. Era como uma igreja sem missa ou um colégio sem alunos. Inspirava a tristeza egoísta de quem chora a própria sorte.

Sirius parou de repente, seus passos o tinham levado à sala da tapeçaria, com suas poltronas de veludo raro e prateleiras forradas de fotografias e “tesouros”. Nenhuma das fotos eram espontâneas ou divertidas, como eram as dos Potter. Pelo contrário, os ocupantes dos retratos eram todos arrogantes, sisudos e de aparência cruel, até mesmo nas poucas fotos em que Sirius estava presente, seu ar era de arrogância, apesar de seu eu-fotográfico sempre manter-se distante dos outros. Com as mãos nos bolsos, caminhou até a parede principal e lá estava a enorme árvore genealógica do clã. Não podia ser mais detestável, além do lugar que pertencera a Andie, havia um novo pontinho carbonizado: Alphard também fora excluído. Não era difícil de adivinhar o que acontecera – Irada com o desenrolar do funeral de Órion e Alphard, a Sra. Black subira até a sala e detonara o nome do cunhado que em vida lhe fora um eterno desafeto. Com certeza Alphard não se importaria, fora ele que defendera Sirius uma vez que o garoto havia se referido à tapeçaria como “o capacho dos Black”. Até hoje o rapaz não conseguia compreender o que havia de tão especial naquele pedaço de pano, parecia que era algum certificado de pedigree ou uma redoma que os tornava acima dos demais, imunes aos males do mundo... “mas não ao próprio veneno” o rapaz pensou, antes de dar as costas à tapeçaria, as mãos ainda mais enterradas nos bolsos. 

Cadê você Trix?

 

Está me matando, veja só…

 

Uma sensação muito inconveniente remexia-se no interior de Bellatrix. Não... Tinha sido toda aquela conversa com Rodolfo e os outros, embora sempre usando meias palavras e metáforas, a garota não tinha mais dúvidas quanto a estreita relação deles com a ordem secreta formada pelas famílias puro-sangue e um líder evidentemente poderoso. De todo, não estavam errados. Uma onda de raiva trespassou o corpo dela ao pensar em Sirius: depois que começaram com isso de... (nem sabia como chamar o que havia entre eles) toda sua vida certa e perfeita parecia ruir. Maldito Sirius, ele chegara a ela num momento em que se sentia fraca e solitária e agora... Ele jamais entenderia. Agora Bella sabia, mais que ele, o significado de pertencer a família Black. Como fazê-lo entender que não havia outra maneira? Que era maior que ela e tão importante? A velha vozinha, semelhante a de Andie, que habitava as profundezas de sua mente sussurrou que se realmente quisesse, podia ir-se com Sirius. Uma fuga. Já cogitara sim essa possibilidade e seria uma vida de aventura e risco, isso a atraia muitíssimo, mas...  Seria também uma vida de incerteza e teria que abandonar tudo aquilo que sempre acreditara, teria que quebrar todas as regras, agir contra sua natureza fria e calculista. Algo como fazer haver outro Verão depois deste.

Amaria Sirius o bastante? Ou como todo Black, amava somente a si mesma? Olhou novamente as velhas parentas, fingindo ouvir a conversa enfadonha. Qualquer destino que tomasse, não seria que nem elas.

 

Você conseguiu meu rancor

 

Mal ouvira o som de pedrinhas esmagadas pela roda de um carro, Sirius viu a porta de seu quarto escancarar-se e Bellatrix entrar correndo, e sem qualquer precaução, atirar-se nos braços do primo. Logo em seguida desferiu vários tapas sobre os ombros dele.

- Sirius, seu maldito, onde você estava?

- Sua maluca! – Sirius desvencilhou-se da prima e segurou os braços dela, prendendo-a com a maior facilidade. – Você não tinha cansado de mim?

Ela ofegou e sentou sobre as pernas dele, com um sorriso malicioso:

- Espero que a conversa fiada da Cicinha tenha te mantido a tarde inteira desesperado.

Sirius encarou a prima, fazendo uma expressão de incredulidade. Então tinha sido tudo realmente uma armação de Bellatrix? Como se já não soubesse. De alguma forma, sentiu-se ofendido: ela não precisava ter feito isso só por vingança!

- Espero que você tenha ficado a tarde inteira imaginando onde eu passei a noite. - Ele retrucou.

Olho por olho, era o que diziam, não era? 

 

Venha buscá-lo por inteiro

 

Os dois se encararam. Não havia necessidade de desculpas e Bella esqueceu-se momentaneamente o que realmente fora fazer no quarto do primo. Beijaram-se. Azar se alguém abrisse a porta, o que ela queria, naquele exato momento, era sentir todas as energias do corpo do primo sendo empurradas contra ela através de seus lábios. Ele a apertava fortemente pela cintura. Um beijo cheio de raiva, extremamente passional e melhor do que todos até então. Um beijo que poderia empurrar os dois amantes à eterna perdição.

- Como eu odeio você, Sirius! – ela disse, encostando a testa à dele.

O rapaz riu.

- Vamos embora, agora mesmo.

Bella afastou-se bruscamente, como se atingida por um raio de racionalidade.

- Não, não podemos.

O rapaz dessa vez ficou realmente confuso:

- Ora, é claro que você pode... E vai!

- Não, não! – Bellatrix repetiu, agora dando voltas pelo quarto. Sirius notou que ela ficara repentinamente tensa, tentando esconder alguma coisa na mão esquerda.

- O que é isso?

- Shiu!

Sirius cruzou os braços e observou a prima olhar o corredor e tornar a fechar a porta do quarto. Podiam ouvir Walburga perguntando para Monstro se ele vira Bellatrix subindo.

- E então? – ele insistiu, enquanto ela se escorava no batente da janela.

- Eu...

- E não venha me dizer que foi tudo diversão e que o Lestrange te chamou à realidade depois do funeral, que eu não acredito.

Pesarosa, Bellatrix fechou seus grandes olhos escuros. Ergueu a mão esquerda para que Sirius visse o pequeno anel em seu dedo anular. Sirius deu de ombros:

- Dá para tirar!

- Não dá para tirar, Sirius! – ela deu um suspiro cansado e escorregou alguns poucos centímetros na lateral da janela. O funeral, a visita ao Lestrange, todo o “nervoso” que vinha passando deviam tê-la deixado abatida – Por que não é só o casamento em si...

Sirius se levantou, indo até ela, sem entender:

- O que é, então?  O que está acontecendo, Trix? Se você não quer fugir, se tem medo da Walburga, a gente tem Hogwarts... E depois, temos a herança do meu tio. E ano que vem, você vai ser maior, vai receber a herança do seu pai e...!

Bellatrix fechou os olhos. Repentinamente parecia que havia borboletas vivas em seu estômago, prontas para sair.

- Não é isso! – ela murmurou, antes de desfalecer nos braços no primo. No mesmo instante Walburga, acompanhada da irmã e das parentas, abriu a porta do quarto, seus olhos se arregalando num misto de desentendimento e ira.

 

 O júri vem vindo

 

- Acorda Bella! – A voz de Narcisa repetia inúmeras vezes a mesma frase, cada vez mais alto. Bellatrix abriu os olhos, tentou sentar-se, mas sua cabeça estava pesada e dolorida. Narcisa fez a irmã engolir uma poção reanimadora. Ainda estava no quarto de Sirius, mas ele não estava lá.

- O que...?

- Acabou. Ele, o Sirius, foi... – a garota tomou fôlego para dizer a palavra tabu.

 

Vem para me rasgar, expulsar 

 

Ignorando seu incessante enjôo, Bella havia saltado da cama do primo, atravessado o quarto e descido as escadas, deixando para trás uma Ciça assustada e tentando adivinhar o que viria a seguir.

Na sala da tapeçaria, Walburga espumava de raiva enquanto Mifula e Druella tentavam fazê-la desistir de destroçar o nome do filho da árvore dos Black. “Oh!” elas diziam “Você sabe o que isso significa, ele é só um garoto, não faça, por Slytherin!”. Bellatrix andou dois passos para trás e saiu da sala antes que a tia a visse. Ainda esbarrou com um Regulo extremamente atordoado, mas chegou a tempo de pôr-se na frente de Sirius, que já estava a meio caminho da saída.

- Tente explicar. – ela disse, imitando o tom de voz do primo.

- Eu não posso ficar mais aqui, Bella. Não é meu lugar, nunca foi... Se você não pode ir comigo, t e espero em Hogwarts.

Os dois se encararam. Ela soube que o que quer que tivesse acontecido, Walburga ainda não sabia do envolvimento deles, que Sirius inventara uma história qualquer na qual ele era o culpado. Foi o que ele disse que faria. E ela? Só precisaria esperar, esperar que algo acontecesse, que indicasse seu caminho. Fosse ele qual fosse.

- Você não vai contar por que aceitou o anel do Lestrange?

Ela permaneceu em silêncio. Apenas negou com um gesto e baixou a cabeça, fitando os próprios pés. Ele jamais entenderia. Sirius suspirou e abriu a porta, a meio caminho de sair, como se um raio o tivesse atingido, voltou atrás e puxou Bellatrix para junto de si, ela a meio caminho de alcançar os braços dele. Mas não a beijou.

- Até, Trix.

Sirius saiu, mal batendo a porta. Ele me deixou. Bella ficou um tempo parada, observando a madeira escura que acabara de se fechar. Logo ouviu o barulho da moto cortando o silêncio da rua vazia. Me deixou aqui, sozinha no escuro. Não queria saber que ele prometera esperá-la em Hogwarts. Aquele sentimento das pessoas tolas e apaixonadas, deixadas pelo amante, remoeu seu peito, só não a dominando mais que o impacto quase voluptuoso daquela voz fria e dominante que ouvira a dois dias atrás. Agora podia ouvir essa mesma voz, ou algo muito parecido com ela, zombando de como a garota consternava-se diante de uma adversidade tola. Sozinha, sozinha... Sentia-se estúpida, fraca em demasia por ter se envolvido de forma irremediavelmente intensa com Sirius. Maldito Verão.

Sem saber o que faria a seguir, subiu as escadas lentamente. Acabara de dar-se conta que Sirius não levara absolutamente nada, só a varinha e a moto. Então, interrompendo as mais confusas conjecturas, algo muito vivo agitou-se em seu ventre. Nos deixou. Seria possível?

 

 Toda essa confusão de lamúrias

 

A grande motocicleta negra corria velozmente pelos céus londrinos. Podia ir para qualquer lugar. Para onde quisesse. Por que não pensara nisso antes? – Não que sonhos de fugas não povoassem desde muito tempo a mente de Sirius Black, mas naquele exato momento tudo que importava era o sabor da liberdade, do vento gelado da noite. Sirius era um Black egoísta. Aquela garota falsa. Tudo que ele desejou foi não ter se enganado com Bellatrix. Porque ainda tinha o gosto dela sobre os lábios. E não era muito diferente do arrebatador sopro gelado.

Em Setembro... pouco tempo... Poderia esperar até Setembro... Tudo agora era tão rápido!

 

Vamos, está na hora

 

- Você dormiu com sua prima? - James encarava o amigo, boquiaberto.

- Eu a pedi em casamento, cara.

James ficou em silêncio por um momento, encarando a expressão séria do amigo. Por fim,  desatou a rir.

- Desculpa, Almofadinha, mas é que um cara incorrigível como você, pedindo a prima em casamento.... Ainda mais alguém como Bellatrix! A outra, Andrômeda, sempre me pareceu mais... humana.

E voltou a rir.

- É bem hilário sim, Pontas, tanto que chega a ser deprimente. - Sirius concluiu, apoiando os braços na batente da janela do quarto do amigo. - De qualquer forma, diga pra sua mãe que eu agradeço por me deixarem ficar aqui até o fim das férias.

- Que é isso! - James deu de ombros - Até parece o Aluado.

 

 Preso nesse mundo

 

Uma semana. Esse era o tempo necessário para haver um novo Verão e Bellatrix ser feliz ao lado de seu escolhido. E teria dado certo, se não fosse a maldita Narcisa querendo acelerar as coisas. Porque, no dia seguinte a partida de Sirius, ela perguntou para a irmã, diante de toda família, se ela sentia saudades do namorado.

- Não sei do que você está falando, irmã querida.

- Até porque... – Lestrange interveio com seus modos untuosos de sempre -  Eu e sua irmã somos noivos, não namorados. Narcisa riu com a mão sobre a boca e Walburga pareceu repentinamente curiosa:

- Do que você está falando, sobrinha?

Narcisa ergueu o rosto, vitoriosa. Bellatrix parecia prestes a matar a irmã.

- Que Bellatrix passou todas as férias mantendo um relacionamento secreto com Sirius. -  A indignação foi geral. Bellatrix falou que era mentira da mais nova, que odiava o primo e que jamais se envolveria com um traidor do próprio sangue.

- Você diria o mesmo depois de beber uma poção da verdade? - Narcisa insistiu. Bellatrix não soube qual seria a melhor resposta. Não que acreditasse que os parentes acatariam a idéia de Narcisa, mas se acontecesse, não havia uma maneira simples de extrair de sua mente as memórias sobre Sirius. Queria que ele ainda estivesse em casa, para tomar toda a culpa novamente. Sirius jamais se importaria em ser expulso, mesmo que isso significasse sua destruição.

- Que bobagem, Narcisa, você deveria tomar mais cuidado com o que fala. – Rodolfo interrompeu a discussão e a reunião entre a família Black e membros de outras famílias de sangue-puro, condolentes com a morte de dois patriarcas, decorreu normalmente.

Porém, quando todos começaram a se despedir e Bellatrix viu-se sozinha com Rodolfo, este fez questão de deixar bem clara sua verdadeira opinião:

- Escute aqui, pirralha. Se eu souber que for verdade o que sua irmã falou, você não irá mais voltar para Hogwarts.

- Mas...

- Você sabe com quem está sua lealdade, Bellatrix. É bom que você considere seus desvios adolescentes como encerrados, pois o Mestre jamais irá tolerar esse tipo de...

- Acho que você se incomoda mais com isso do que qualquer mestre. - Bella desafiou o homem.

Ele apertou o pulso da moça com força, então soltou e concluiu:

- Faça o que quiser e seja morta, então.

Antes que Bellatrix pudesse pensar em uma resposta, ele abandonou a saleta de visitas e foi despedir-se de Druella.

 

Solitário e apagado

 

Narcisa estava sentada no corredor, ao lado da porta do quarto de Bellatrix. Ela estava chorando copiosamente - a irmã mais velha havia lhe machucado a valer como vingança pela delação feita durante a reunião – mas chorava também porque logo depois que os visitantes deixaram a casa dos Black, Walburga quis utilizar de um meio nem um pouco nobre ou digno para saber se a sobrinha relacionara-se com algum homem. Isso era horrível. Narcisa esperava que fossem expulsar a irmã e não tratá-la dessa forma! Tinha que chegar a Sirius de alguma forma, para que ele a levasse dali de uma vez por todas.

Bellatrix não conseguia chorar, apenas mirava o dossel da cama, inerte. Estava deitada, a tia lhe segurando os braços com um feitiço, enquanto a mãe conferia a integridade moral e física da moça. Se sentia humilhada e, mais que isso, furiosa com a irmã delatora e com o primo, simplesmente porque ele era culpado em ser a única criatura luminosa em uma morada de gente obscura.

- Bellatrix, com quem você se deitou? - Walburga libertou os braços da sobrinha e começou o inquérito logo que ela se levantou, sem se importar com o evidente mal estar estampado na face da moça.

- Rodolfo.

- Não minta, minha filha. – Druella disse, sentada na beirada da cama - Sabemos que você visitou Lestrange poucas vezes e jamais saíram de nossas vistas.

- De que importa, eu vou me casar com Lestrange, não é?

Então as duas mulheres ficaram muito sérias. Druella apontou a varinha para a filha e murmurou um feitiço que a moça não conhecia. Uma luz avermelhada contornou o corpo de Bellatrix e, confirmando uma miníma e terrível suspeita, parou sobre o ventre da moça e passou a pulsar como se indicasse que lá havia vida.

- Bom, será uma criança de puro sangue, de qualquer forma.

- Lestrange não precisa saber...

- Oras, vamos, o homem não é um estúpido, ele saberia contar.

Elas conversavam, tentando decidir o destino de Bellatrix. Esta mantinha uma postura um tanto catatônica, pois sabia que se tentasse fazer qualquer coisa, apenas pioraria sua situação. Mal conseguia, na verdade, ver uma saída. Não queria ter um filho, a maternidade jamais lhe fora atraente e abriria mão dessa gravidez sem pestanejar, caso sua liberdade dependesse disso. A maior frustração é que estava arcando sozinha com as consequências, afinal Sirius estava muito bem, obviamente feliz por ter sido expulso. O que era preciso para que Bellatrix mudasse de ideia? Ela sabia bem quais eram as opções disponíveis e ela era a única que arcaria com qualquer que fosse a escolha.

 

Coração partido e esperando... Você para partir

 

Sirius estava um bocado ansioso para embarcar no Expresso de Hogwarts. Não que ele agisse feito uma criancinha empolgada, mas mal dava atenção para a conversa dos amigos e, enquanto empurravam a bagagem pela plataforma 9¾, o rapaz não parava de olhar por cima da agitação de pessoas em busca de algo.

- Credo, você parece o Pontas caçando a Evans! - Peter Petigrew, um rapaz louro e baixo, cujo nariz arrebitado assemelhava-se ao de um camundongo, reclamou do comportamento do amigo.

- Relaxa Rabicho! - Remus Lupin salvou Sirius de maiores explicações – Vamos logo achar uma cabine vazia.

Os dois entraram no trem, seguidos por James Potter, que ainda se deteu para uma última palavra com Sirius:

- Almofadinhas, você tem certeza que está bem?

- Sim.

- Está procurando sua prima?

- Bom, eu...

- Sirius, eu não comentei nada até agora porque não era problema meu, mas não é do seu feitio agir desse jeito por uma garota. E você é quem mais sabe o quanto Bellatrix pode ser indigesta. Sem falar que ela esfregou na sua cara que ia casar com outro sujeito.

- Ótimo.- Sirius respondeu, mal-humorado. James não tinha a menor moral para falar de como se comportar diante de uma garota, e mais, ele não fazia a menor ideia de como funcionavam as coisas para a família Black. Obviamente Bellatrix não tivera outra escolha, não é? Enquanto James, com um suspiro resignado, desistia de advertir o amigo e sumia pelo corredor do trem, em busca dos outros Marotos, Sirius teve o que lhe pareceu uma compreensão súbita da situação.

Ele era diferente da maioria de seus parentes, por conseguir ver outros caminhos além do que lhe fora imposto ao nascer. Bellatrix havia rebelado-se durante todo o verão, ou pelo menos, pelo tempo em que lhe fora confortável experimentar o estilo de vida do primo, mas assim que alguma coisa que Sirius não sabia exatamente o que era entrou no caminho, a prima fora compelida a voltar atrás em suas promessas de amor. Daí surgiam duas possibilidades: ou Bellatrix jamais amou o primo de verdade e desistiu diante do primeiro obstáculo ou ela apenas tinha medo de algo que, possivelmente, estava ligado à morte de Alphard e Órion! Se assim fosse, poderia ser realmente perigoso, e mais, Bellatrix tinha aceitado casar-se somente por formalidade e fugiria com Sirius quando se encontrassem em Hogwarts, não é? Aquele dramalhão que ela fizera só podia ter sido uma encenação para incentivar o impulsivo Sirius a sair de casa, pois com o rapaz distante, seria muito mais fácil fingir-se de filha exemplar. Claro, Bellatrix não era sonserina por acaso. Faria qualquer coisa para atingir seus objetivos, afinal. Um tanto quanto revoltado por ter sido manipulado, mas sentindo contente e aliviado com a forma como as peças se encaixaram, caminhou para dentro do trem. Quando encontrasse Bellatrix, finalmente ia entender toda a trama maligna e porque isso, por pouco, interferira no romance entre ambos.

 

Nós estamos presos nesse mundo

  Sem sentido para mim

 

- Bellatrix, você andou se comportando de forma bem pouco apropriada. - Lestrange sentenciou, assustando a moça sentada à mesa posta para um discreto jantar a dois.

- Como assim, Rodolfo? - ela fez uma expressão doce, o encarando por debaixo dos cílios muito compridos.

- Oras, sabemos bem que você tem aí um bastardinho que arrumou com aquele traidor do próprio sangue.

Bellatrix estava atônita. Como ela podia saber de alguma coisa dessas? Sabia que nem Walburga, nem Druella ou qualquer outra pessoa teria sido estúpida o suficiente para deixar algo assim escapar. Ela encarou o homem e viu, por trás dos olhos claros e comuns dele, havia um brilho avermelhado que só poderia pertencer ao Mestre de uma marionete muito estúpida.

- Você precisa aprender, mocinha... - ele continuou, se levantando da própria cadeira e forçando Bellatrix a levantar também. Tudo que ela sentia era um medo absurdo. E uma curiosidade doentia em conhecer aquele que detinha o poder de controle sobre os gestos de Lestrange – Que amor não existe para pessoas como nós.

Ela foi derrubada no chão. O que aconteceria agora? Morrer parecia simples demais e pouco cruel. Afinal, o que estava havendo com ela? Por que pensava em todas as cenas de seus momentos com o primo e o significado disso tudo parecia dissolver-se? Desesperada, agarrou-se com força à ideia de que queria revê-lo e que teriam um filho. Não havia mais nada o que fazer.

- Se você não quer perecer junto aos fracos e traidores, deve obedecer. Crucio!

Ela sentiu a dor de mil facas incandescentes rasgarem seu corpo, ao mesmo tempo que a sensação de haver algo minimo e vivo dentro de si era retalhada em uma onda de sangue escorrendo por entre suas coxas.

 

E daí se você teve

Mais uma chance

Me parece

Que você não precisava

Vamos…!

Está me matando, veja só

Você conseguiu meu rancor

Venha buscá-lo por inteiro

 


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