Crossfire escrita por Jones, isa


Capítulo 6
Capítulo V




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Os olhos estavam dançando pela tela do computador. Harry os pressionou com as palmas das mãos. Só porque estava cansado, não significava que iria assumir isso ou ir para casa, como alguns tiras estavam fazendo naquele momento, por ser fim de expediente.

– Vai ficar até mais tarde? – Ron não sabia por que ainda perguntava. Talvez ainda alimentasse, bem lá no fundo, a vã esperança de que um dia Harry se levantaria no horário certo e o chamaria para uma rodada de chopp em uma espelunca qualquer como nos primeiros dias de Academia.

– Só mais um pouco. – Murmurou sem prestar atenção. Ron meneou a cabeça e agarrou a jaqueta, jogando-a por cima do ombro.

– Tchau então.

– Boa noite. – Mas não desviou os olhos da lista infinita de órfãos. A cada nome, milhares de perguntas impertinentes lhe surgiam à mente: Harry queria saber como aquelas crianças haviam crescido. Queria saber se orfanatos eram tão ruins quanto sua antiga vida com os Dursley. Precisava descobrir se eles tinham se perdido. E se haviam se encontrado. Se tinham objetivos. Se eram felizes. Se sentiam o mesmo vazio irreparável que ele sentia pela ausência dos pais...

Antes que pudesse tornar a ter foco, as lembranças o atingiram com força.

O armário debaixo da escada que lhe servia de quarto, o modo como os tios gostavam de fingir que ele não existia, o modo como ele próprio gostava de imaginar que não existia...

E então aquela fuga desesperada de Wiltshire.

Era verão, ele havia completado 17 anos no dia anterior e estava tendo as piores férias de toda sua vida. Fora obrigado a acompanhar os tios – que na ocasião ainda eram seus tutores legais – a viajar para casa de Guida, só porque o auge de diversão da mulher era humilhá-lo sempre que possível.

Harry teria suportado se Guida tivesse se limitado a falar dele. Mas quando ela decidira inovar e humilhar seus pais, Potter sentira-se tomado de uma raiva reprimida e acumulada por todos aqueles anos. Virou a mesa, gritou xingamentos que ouvira Dudley usar para ofender alguns alunos raquíticos na escola em que estudavam e saiu correndo sem olhar uma única vez para trás.

Correu até perder o fôlego, e depois de recuperar o fôlego e mesmo quando a noite caiu... Ele correu e se sentiu vivo, talvez pela primeira vez desde que era só um bebê e ainda tinha os pais.

Mas quando a adrenalina baixou e Harry sentiu sede, notou que aquela tinha sido a fuga mais estúpida do mundo. Se tivesse se controlado, poderia ter esperado até estar em Londres novamente. Teria apanhando uma mochila, furtado algumas barras de cereais da cozinha e aí sim fugiria.

Ali ele não tinha ideia de que direção seguir. Perambulou por ruas e depois seguiu para beira da estrada, na esperança de conseguir alguma carona, mas ela permaneceu deserta pela maior parte da madrugada e quando carros passavam, mal reparavam em Harry acenando.

Quando o frio, a fome e a sede se difundiram, Harry achou que ia morrer.

Era uma morte banal para uma vida banal, então lhe parecia justo.

Deitou no acostamento e ficou contando estrelas.

Pouco a pouco elas também sumiram e Harry se sentou, sem mais nada para contar. Sentiu vontade de correr novamente, mas não se levantou.

Devia ser pouco mais do que cinco da manhã quando avistou o vulto preto cortando as curvas ao longe. O automóvel ainda nem estava perto o suficiente quando também passou a escutar “Highway to hell”. Harry se levantou, franzindo o cenho. Mais pela curiosidade de observar o porsche do que na esperança de conseguir carona.

Era um carro lindo. Nem em mil anos conseguiria juntar dinheiro para comprar uma máquina daquelas, mas era só um garoto e ainda se permitia alguns devaneios absurdos. Ele seguiu o carro com os olhos apertados contra as lentes dos óculos e mal acreditou quando o carro parou de súbito.

E deu ré.

– Ei, estranho. – Tudo naquela cena era surreal. Harry olhou para o garoto loiro de rosto fino que não deveria ser muito mais velho do que ele. Continuou calado. – Que porra você está fazendo ai parado?

– Nada. – Harry respondeu.

– Como assim, porra? – Ele inclinou o corpo para fora do vidro. – Você tá se vendendo?

Harry quis quebrar a cara dele.

Ao invés disso, negou com a cabeça.

– Então para onde você está indo? – O menino continuou.

– Eu não sei para onde estou indo.

O garoto loiro riu.

– Eu também não! – Harry suspirou e começou a andar. Ele odiava o motorista do porsche. Ele odiava todo mundo. – Eu sou o Malfoy. – Se apresentou, soltando a embreagem para que o carro deslizasse n velocidade em que Harry marchava.

– Vá tomar no cu, Malfoy.

– Eu não, você é quem vai se continuar aí. – O que havia de tão engraçado na desgraça de Harry que fazia com que todo mundo se divertisse com ela? Ele chutou pedrinhas furiosamente. – Eu também estou fugindo, seu idiota. – Isso fez com que Harry tornasse a olhá-lo.

A porta do copiloto subiu automaticamente.

– Você é algum tipo de pervertido sexual? – Harry perguntou quando sentou no banco de couro, humilhado e derrotado demais para se negar algum tipo de conforto depois de horas ao relento. Ele não tinha nada realmente perigoso, mas ainda poderia socar e chutar Malfoy se fosse preciso.

– Não, eu sou de outra classe de pervertido. – Ele riu. Só então Harry passou a pensar na possibilidade dele estar sob o efeito de drogas.

– Você roubou esse carro? – Sabia que estava parecendo idiota.

– Não. É um presente do filho da puta do meu pai. Vou vendê-lo em Londres e usar o dinheiro para abrir meus negócios. – Harry achou melhor não perguntar que tipo de negócios.

– Eu sou Potter. – Resolveu dizer.

– Que tipo de nome é esse? – Fez uma careta – Potter. - Repetiu como se estivesse dizendo uma coisa horrível. Depois riu. – Maneiro.

– Você por acaso teria algo aí para matar a sede? – Não se conteve. Draco bisbilhotou o porta luvas e ofereceu a garrafa de whisky que encontrou.

Harry bebeu como se fosse água.

– Potter! – Ele não tinha mudado muito. Ainda mantinha um ar de quem acabara de injetar drogas ilícitas. Os cabelos permaneciam loiros insuportavelmente claros e continuava sendo o maior babaca do mundo.

– Malfoy. – Harry arqueou uma sobrancelha por ele ter se materializado na mesma hora em que pensara em como o conhecera.

– Potter! – Repetiu, guinchando, e só então Harry reparou no corte que apresentava na testa.

– Que isso?

– Isso? Isso? – Parecia a brecha que ele estava esperando para fazer drama. – Provavelmente a causa da minha morte.

– Draco, porque diabos você está aqui ao invés de estar num hospital?

– Porque eu vim prestar queixa contra aquela maluca! Isso é tentativa de homicídio, não é? Não é isso que você investiga? – Harry girou os olhos e apanhou o telefone.

– Detetive, ao contrário do senhor, eu tenho uma vida, com todo respeito.

– Alô para você também, doutora. Sei que está saindo, mas pode dar uma passadinha aqui no departamento? – Draco continuava esbravejando sobre colocar uma ativista na cadeia, mas Harry não lhe deu atenção, o que o deixou ainda mais irritado.

– EU ESTOU MORRENDO AQUI! – Harry lhe mostrou o dedo do meio e encerrou a ligação.

– Sente seu traseiro rico nessa cadeira, fazendo o favor.

– Eu não quero me sentar! Eu acho que estou perdendo os sentidos. Aquela hippie, aquela... Aquela... Harry, socorro, eu nem consigo pensar em palavrões!

– Então o caso é sério. – Analisou, fingindo se importar.

– É o que estou tentando te dizer! – Draco exclamou outra vez e embora tivesse negado, sentava na cadeira que Potter indicara. – Hoje eu estava de folga. Então estava curtindo a manhã jogando golfe...

– Golfe? – Harry precisou interromper.

– Golfe. – Repetiu. – E então...

– Quem joga golfe?

– Eu jogo golfe, porra! Posso falar?

– Esse é o conceito de diversão que você tem? – Potter implicou. – Passar a manhã inteira batendo em bolas?

– Eu... – Mas o que quer que Draco fosse falar, se perdeu. Ele olhou para frente e o rosto pareceu mais pálido do que nunca. – Santa Mãe de Deus.

– Astoria Greengrass para os íntimos. – Harry disse ao olhar para a mesma direção.

– Esse ainda não está morto. – Astoria resmungou ao se aproximar. Gostava de seguir horários religiosamente. Especialmente os horários em que seu expediente encerrava.

– Infelizmente. – Harry concordou. – Você pode ajudar, ainda assim?

Astoria olhou de Draco para a própria maleta.

– Vai custar caro.

– Eu pago. – Malfoy gaguejou, mas ela o ignorou e olhou para Harry que, por sua vez, concordou com a cabeça.

– Bilhetes para que? – Perguntou, suspirando.

– Ainda não sei, pensarei a respeito. – Harry anuiu novamente. – E me arranje um espaço fechado, odeio gente me olhando enquanto trabalho.

Poucos minutos depois, Malfoy estava numa sala vazia de interrogatório.

– Ai! auch! Calma aí! – Harry girava os olhos constantemente enquanto observava Astoria cuidar do machucado de Malfoy pelo vidro fumê.

– Potter, diga ao seu amigo para tirar as mãos da minha cintura agora ou abrirei ainda mais esse machucado. – A voz da legista soou pelo aparelho de áudio.

– Ah, por favor, abra mais o machucado. – Harry bufou, apertando o botão do auto-falante.

– Você pode abrir o machucado que você quiser, g...

– Se você me chamar de gracinha ou de gatinha, eu vou apertar e espremer suas bolas até elas saírem pela sua boca. Já me disseram que é impossível, mas eu estou disposta a fazer mais tentativas pelo progresso da medicina. – Astoria disse em voz baixa e intimidante.

– Harry, ela pode fazer isso? – Malfoy perguntou, dividido entre medo e o divertimento.

– Eu não tentaria a sorte. – Harry aconselhou, prendendo o riso.

– Se a minha sorte fosse com ela... – Malfoy começou, sendo interrompido por um puxão na testa. – Ai, cuidado!

– Potter, eu quero bilhetes com locais mais que privilegiados. – Astoria ignorou Malfoy. – Manchester United e Chelsea.

– Esse jogo é sábado! Isso é na verdade quase impossível... Não, ok, tudo bem. – Harry sorriu, olhando para quem pagaria pelos ingressos através do vidro fumê.

– A sua sorte, Potter, é que eu precisava mesmo dar uma palavrinha com você. – Ela espanou o ar, avisando que já tinha terminado com Malfoy e em seguida o olhou com desprezo. – Em particular.

A postura de policial era praticamente instantânea quando se tratava de Harry, isso assustava Astoria quase da mesma maneira como a fazia admirá-lo. Em poucos minutos estava mirando a linha do tempo da noite do assassinato de Tom Riddle, enquanto Harry tentava despachar Malfoy, que relutou em esperar no gabinete de Potter. Só não deixe Ron te ver. Astoria o ouviu dizer.

– O que tem pra mim? – Harry perguntou ansioso.

– Primeiramente, por nada, é um prazer ajudar seus amigos boçais. – Astoria bufou, cruzando os braços.

– Obrigado, Tori. – Harry falou, oferecendo a cadeira a médica.

– Não pretendo ficar por muito tempo, estava indo para casa quando você me fez acreditar na urgência do seu chamado. – Ela girou os olhos. – De qualquer maneira, não tenho os recursos necessários para te mostrar minhas descobertas.

– Que são...

– Bem, andei olhando as autópsias dos crimes similares a esse...

– Pessoas assassinadas por armas raríssimas? – Harry perguntou, sentando-se de frente para ela.

– Não, quer dizer, também, no inicio. – Ela respirou fundo. – Eu procurei por autópsias que tivessem, a marca. E a verdade é que poucos legistas ou preguiçosos notaram ou quiseram adicionar em seus relatórios a presença de uma queimadura feita por ferro em brasa nos corpos... Mas, eu Astoria Morgaine Greengrass, sou brilhante.

– Explique a natureza desse elogio a si mesma.

– Simples. – Astoria sorriu, e começou a andar de um lado ao outro. – E se, assim, não querendo fazer o seu trabalho de detetive, esse tal de Voldemort só matasse as pessoas que tivessem um certo de grau de importância para ele... Pessoas com quem ele tinha algum problema pessoal?

– Normalmente, Dra. Greengrass, sou eu quem faço as conjecturas. – Harry sorriu vendo Astoria girar os olhos. – Você sempre me diz que eu não devo ficar supondo, porque as repostas...

– Eu sei o que eu disse. – Ela tentou evitar girar os olhos novamente. – Mas, como sempre, eu achei as respostas nos corpos e na internet, devo dizer. A verdade é que eu achei crimes similares, com armas variadas, mas marcas parecidas. Um em especial, me chamou a atenção: o assassinato de Dorcas Meadowes.

– Quem? – Harry perguntou, pegando a pasta recém tirada da pasta de Astoria.

– Uma pessoa que não teve a morte investigada como deveria, e acabou arquivada. – Astoria disse. – Mas se você notar bem aqui – Ela apontou para a foto das costas dela, abaixo das costelas. – Aí está a marca, provando que isso foi obra do carinha lá, mas ela não morreu de maneira convencional. Diz o laudo do perito que algo foi enfiado através do conduto auditivo externo... Enfim, furaram o cérebro dela com esse objeto através da orelha.

– Como uma furadeira? – Harry perguntou, tentando evitar a careta.

– Exatamente como uma furadeira. – Ela parou de andar. – O ponto é, que ele não mata sempre da mesma maneira. E ás vezes as vítimas estão ligadas, como Dorcas Meadowes que foi encontrada no mesmo local em que Frank e Alice Longbottom foram encontrados, após serem torturados.

– Você está dizendo que há uma ligação entre o caso de tortura de Frank e Alice Longbottom e o assassinato de Dorcas Meadowes? – Harry franziu o cenho. – Como assim?

– Eu fiquei um tanto quanto curiosa e resolvi olhar o laudo médico de Frank Longbottom, que sugere amnésia por trauma, afonia seletiva por exposição a algum acidente ou experiência traumatizante...

– Como ser torturado até a beira da morte.

– Isso. – Astoria falou. – De qualquer maneira, ele e sua esposa não foram torturados por apenas uma pessoa, na verdade há indícios da presença de pelo menos três indivíduos. Alice, por exemplo, fraturou duas costelas no lado esquerdo do corpo. A chutes, foi a conclusão que eu tirei, pelos raio-x. E ela tem marcas do que eu acho que era um salto alto, o que combina com a força dos golpes. Ou seja, o cara tem uma gangue e se você encontrar as conexões nos arquivos, eu posso provar com os corpos.

– Mas isso não está certo. – Harry disse pensativo. – Ele é um serial killer. Seriais seguem padrões, e não há padrões nesses homicídios.

–Não é verdade, há um certo padrão de crueldade. As mortes são rápidas, porém o assassino em questão não dispensa a tortura, imprimindo sua marca enquanto suas vítimas estão vivas. – Astoria disse, também pensativa. – É quase como se ele se exibisse na execução, com pistolas raras e equipamentos engenhosos e assinasse para provar que foi ele, caso ninguém conseguisse ligar os casos.

– Você viu tudo isso através dos raios-x, doutora? – A voz de Malfoy fez Astoria contrair o rosto em uma careta. – Faz Bones parecer real.

– Quem é Bones? – Harry perguntou, olhando feio para Malfoy.

– Bones é antropóloga, eu sou médica. Há uma grande diferença. – Astoria cruzou os braços.

– Ambas são chamadas de doutora. – Malfoy implicou.

– Eu tenho um vizinho que tenta tocar bateria enquanto eu tento dormir, e você são dois idiotas. – Astoria falou. – Mas dizer que você é igual ao cara, é um insulto ao talento dele.

– Dra. Greengrass, acho que não me apresentei direito... – Draco começou, com um sorriso convencido e charmoso no rosto.

– Ah, eu sei quem você é Draco Malfoy. Mais um cara com dinheiro suficiente para salvar um país da África que prefere perder o próprio tempo importunando pessoas que tem mais o que fazer e alimentando essa desgraça de ideologia capitalista liberal-conservadora. – Astoria disse, com um sorriso afetado. – Até amanhã Harry.

– Ok, quem é Bones? – Harry perguntou irritado após acenar para Astoria.

– Arranje uma televisão, pelo amor de Deus. – Malfoy girou os olhos.

– E você arranje o que fazer ao invés de ficar ouvindo a conversa alheia. – Harry respondeu duramente.

– Só se você me arranjar o telefone da médica. – Draco sorriu. – Arranjarei uma lesão todos os dias. – Divagou.

– Você vai precisar arranjar mais que lesões. Para ser atendido por Astoria novamente, só morto. Literalmente. Ela é a Chefe dos Legistas, seu panaca.

– Tudo bem – Malfoy raramente se deixava abalar. E raramente mudava de ideia quando se fixava em uma. Fora a sua persistência que o levara até onde estava. – Ao que me parece eu tenho sete vidas para gastar.

– Que? – Harry fez uma careta, confuso, mas arrependeu-se um segundo depois, ao entender a analogia. Balançando a cabeça, ele refutou a ideia. – Nem ouse terminar seu raciocínio. – E já andava para longe dele, de volta à segurança de seu bagunçado e pequeno gabinete, na esperança que ele desse meia volta e fosse embora.

– Você sabe que eu vou conseguir o telefone dela de qualquer modo. – Harry encolheu os ombros, com indiferença.

– Boa sorte com isso. Talvez você queira saber que Astoria é uma mulher de palavra. – Ele queria que Malfoy se lembrasse da ameaça, mas não teve sucesso.

– Pois eu também sou.

– Uma mulher de palavra? – Harry não pôde deixar de implicar.

– Um homem de palavra, seu babaca. - E aprumando-se, ele ajeitou a lapela da gravata, antes de dizer – E anote o que estou te dizendo Potter, aquela mulher vai se casar comigo. A minha filosofia de vida é que a gente não vê um glorioso par de peitos daquele tamanho, milagrosamente naturais e simetricamente perfeitos sem pensar em altar.

– Objetificá-la certamente é o caminho certa para seu coração. - Harry ironizou. - A pancada foi forte mesmo, não foi? – e o encarou com uma cara de tédio completo. – Porque você não se manda antes que eu tenha que pedir para alguém escoltá-lo para fora daqui? Não tenho tempo para papinhos, Draco. Tô atolado. – Algo na expressão dele fez Draco encará-lo por um instante a mais.

– É sobre aquele negócio que conversamos? – Perguntou num tom mais contido.

– Não tenho permissão para discutir o caso com você. – Respondeu naquele jeito de tira habitual.

– Ah, corta essa! – Draco abanou as mãos e bufou. – Olha, se você quiser uma ajudinha aqui ou ali... – Ele tamborilou os dedos por sob a mesa desgastada.

– Você me daria uma ajudinha se fosse embora.

– Ok, ok. – Se deixou vencer. – Quem perde é você – Harry o ouviu resmungar e foi obrigado a soltar uma risada cansada.

Era terrível de admitir, mas Draco o fizera se esquecer do problema por um instante. Enquanto anotava e pesquisava sobre as pistas novas - cortesias de Astoria – ele ponderou que precisava se concentrar de verdade; Deixar que suas emoções pessoais interferissem na investigação apenas atrapalharia e atrasaria o desenvolvimento da mesma.

Ele nunca se perdoaria se não fechasse o caso.

E foi pensando nisso que guardou todas as memórias antigas e incomodas em um pequeno espaço do cérebro e turbinou o relatório escrito. Depois acrescentou dados e linhas de investigação que poderia seguir no quadro de assassinato.

Quando finalmente deixou-se ir para casa, sentia-se cansado. Mas, estranhamente, revigorado também.

– Agora, lentamente, me explique o motivo dessa loucura. – Neville pediu, jogando-se no sofá.

– Nunca quis fazer algo para simplesmente... Não sei, sentir a adrenalina? – Gina perguntou, evitando olhar nos olhos do amigo.

– Já! – Neville respondeu, sem titubear. – Se eu quero adrenalina, eu ligo o videogame e escolho a Sonya Blade para derrotar Shao Khan na fase final de Mortal Kombat.

– Eu quero dizer na vida real! – Gina falou, andando de um lado pro outro.

– Você já cobriu guerras, já foi ameaçada e sei lá mais o que, e ainda queria sentir mais adrenalina? Acho dificil de acreditar. – Ele negou com a cabeça. – Isso tem a ver com... Aquele-que...

– Voldemort.

– Agora falamos o nome dele? – Neville viu Gina girar os olhos. – De qualquer maneira isso só prova minha tese de que isso é perigoso demais.

– Eu sei me cuidar. – Ela falou, encolhendo os ombros.

– É claro que sabe. – Gina quis ignorar o traço de amargura que escutara na voz dele.

– Eu não quis dizer que... Ah, Neville. – Criou coragem de encará-lo nos olhos. – Eu tenho raiva, tudo bem? Eu gostaria de pegar a cara daquele desgraçado e socar até que ele ficasse deformado.

– E esse é um dos motivos pelos quais você não deveria estar nesse caso. – Neville a censurou.

– Vai me dizer que você não sente raiva? Que você não gostaria de pegar quem quer que seja que fez aquilo com... Você sabe? – Gina perguntou, escondendo o rosto com as mãos. – Nem um pouquinho de raiva?

– Raiva não é algo que eu consiga explicar, Gin, então eu prefiro não sentir. – Neville encolheu os ombros.

– Não tem que fazer sentido, não tem que ser explicado! É... Algo que acontece com você, sabe? Dentro de você e então você tem vontade de bater, destruir algo.

– E qual é a lógica disso?

– Lógica? – Gina riu, escarnecida.

– O que você ganha com isso? – Ele perguntou deitando-se novamente no sofá. – Você bate no cara, ele fica ensanguentado e você alcança seu nirvana, mas e aí? Isso traz de volta meus pais ou o seu irmão? Não é lógico. Não é racional, por conseguinte, eu não sinto.

– Você é um tipo de robô? – Gina perguntou, semicerrando os olhos.

– Se eu fosse, será que eu te contaria? – Neville ergueu a sobrancelha. – De qualquer maneira, participar disso é burrice e você vai acabar machucada, na melhor das hipóteses.

– Eu prometo te deixar a glória de dizer ‘eu te avisei’. – Gina falou.

Neville com certeza faria uma observação sobre isso, mas não pôde por conta das batidas suaves e incessantes na porta. Gina se esgueirou até lá e quando voltou, trazia uma pálida Luna consigo.

– Eu o feri. Feri de verdade. Essa não era minha intenção. – Respirando fundo, pousou a mão no coração. – Deuses... Eu não... Eu...

– Porque você não se senta? – Neville quem a conduziu até o sofá, o que teria divertido Gina, não fosse o desespero da amiga.

– Eu vou preparar um chá. – Ele murmurou, de repente muito consciente da proximidade entre ele e Luna, o que o deixou constrangido. Gina aproveitou a deixa para sentar ao lado da artista.

– Ele quem? Trabalho para a policia agora, garota, mas você é minha amiga e se matar alguém e precisar de ajudar eu enterro corpo e evidencias na hora! – Brincou.

– Você acha que ele vai morrer? – O que sobrava de cor no rosto de Luna, esvaiu-se.

– Uma coisa de cada vez. Ele quem?

– Crápula Malfoy. – Ela deixou o pescoço pender e seu olhar adquiriu um ar distante. – Minha aura nunca mais será a mesma.

– Vai sim, Lu, eu hein, que papo é esse?

– Eu era uma pacifista. – Ela balbuciou, desnorteada. – Mas eu estava com tanta raiva daquele ganancioso sem escrúpulos... Eu não queria machucá-lo. – E pensando melhor, acrescentou. - Não muito.

– Você prestou ajuda?

– Eu tentei. – Ela suspirou no instante em que Neville voltava com uma xícara fumegante. – Ele gritou para que eu não o tocasse. Disse que prestaria queixa contra mim e mais um monte de coisas.

– Se ele teve tempo de falar toda essa asneira é porque está ótimo! – Gina alegou.

– Você acha?

– Tenho certeza. – Tranquilizou-a. Neville sentou-se em silencio e ofereceu a xícara.

– Obrigada, Neville. É muito gentil da sua parte. Estou muito abalada.

Gina achou que ele teria uma convulsão naquele mesmo instante.

Para seu espanto e prazer, observou-o levantar o braço se jeito e dar uma batidinha solidária no ombro de Luna.

– Você vai ficar bem. – Conseguiu dizer e tomando coragem, arriscou um pouco mais. – Eu admiro a sua determinação e trabalho para causas sociais.

– Obrigada. – Repetiu, mas dessa vez sorriu. – Eu faço o que posso. – A fala mansa parecia ter voltado ao estado normal. Ela bebericou o chá. – A empresa onde você trabalha adere ao plano de sustentabilidade ao meio ambiente? – Neville perdeu o ar.

– Ah... É...

– Luna. – Gina desviou a atenção da amiga enquanto Neville tentava a muito custo não sufocar. – Falando em verde, você sabia que Neville gosta muito de plantas? Se ele não fosse tão nerd, seria paisagista. Ou botânico.

– Verdade? – Neville concordou. Os olhos dela brilhavam de empolgação. Era mais bonita que todas as elfas de todos os jogos que jogara na vida.

– Verdade. – A voz saiu a muito custo.

– A avó de Neville adorava cuidar de plantas exóticas, ele acabou adquirindo gosto pela coisa. Você precisa ver o jardim de inverno que ele tem no próprio apartamento!

– Que maravilha! – Ela continuou a sorrir daquele jeito que o deixava zonzo.

Em outro ponto da cidade, Hermione Granger também sorria e também tirava outro homem dos eixos. Krum nunca poderia descrever – mesmo porque era um individuo de poucas palavras – o quanto gostava de arrancar sorrisos da advogada. Ainda mais agora que eles eram tão raros.

Desde que decidira pegar o caso do Comissário Dumbledore, Chefe de Polícia da Divisão de Homicídios, ela raramente conseguia relaxar o suficiente para curtir uma noite tranquila com ele que lutara bravamente até conseguir o posto oficial de namorado. Se vangloriava por isso e se empenhava em manter o relacionamento pelos dois quando ela estava muito indisposta e fatigada do trabalho.

Sabia que a prioridade dela sempre seria a profissão e isso o incomodava e orgulhava na mesma proporção.

– Isso está ótimo. – Ela elogiou a escolha do vinho, mas ainda parecia ter a cabeça em outro lugar.

– O que há de errado Hermione? – O sotaque carregado estava perdendo a força, a medida que passava mais tempo em Londres.

Havia tanta coisa errada que ela não saberia por onde começar. Estava cansada da cabeça aos pés e teria, de bom grado, topado ficar em casa, debruçada no sofá, lendo um livro velho para tentar se distrair enquanto bebericava chá ou qualquer coisa que ainda estivesse a disposição na cozinha.

– Não há nada errado. – Ela se aprumou e olhou para o vestido elegante e preto que vestia, pensando em como aquela droga parecera um pouco menos sufocante na ultima vez que usara. Para todos os fins, era diplomática, séria e educada demais para reclamar de algo. Vitor é um bom homem, sua consciência lhe lembrou e por isso ela se forçou a outro sorriso.

Estavam juntos a tempo o suficiente para terem intimidade, mas, por algum motivo, ela não existia. A relação era polida demais. Não havia brigas, não havia nada extremo.

– Você parece um pouco cansada. – Ele insistiu, como raramente acontecia.

– Talvez eu esteja um pouco. – Mas sua expressão mudou repentinamente quando avistou o casal que adentrava o restaurante em que estavam. – Oh Deus, não... – Murmurou, baixando os olhos.

– O que houve? – Vitor olhou para a mesma direção.

– Nada, é só que eu conheço aquelas pessoas. – Continuou falando em voz baixa, como se a qualquer momento os novos clientes fossem pular em sua mesa.

– Gente do trabalho?

– Mais ou menos. – Ela bebeu mais um gole do vinho, desejando sumir.

Rezou para que a mulher de cabelo claro não a reconhecesse, mas a prece se mostrou de pouca ajuda.

– AI-MEU-DEUS! – Se Gina estivesse ali, teria associado Lilá à Janice, de Friends. Era uma pena que Hermione não fosse adepta à programas de TV porque, nesse caso, com certeza concordaria. – Granger Danger! – E soltando risadinhas pela própria piada, aproximou-se da mesa, levando seu acompanhante a tira colo.

– Só Granger. – Seria impossível corar mais do que Hermione já estava corada. Ali, bem na sua frente, havia alguém que ela esperava nunca mais ver na vida depois do colegial. E junto de um dos homens que ela mais detestava na atualidade.

– Você está um arraso, Só Granger! – Lilá abriu um daqueles sorrisos desnecessariamente grandes. Hermione também tentou sorrir, mas seus lábios mais pareciam estar sofrendo espasmos do que qualquer outra coisa. – Amooooor, esta é Hermione Granger, nós estudamos juntas no colegial. Na época eu nunca diria isso se alguém me perguntasse, mas o tempo faz bem às pessoas!

– Nós já nos conhecemos. – Ron teve o senso de espírito de parecer tão desconcertado quanto Hermione.

– Já?! – Lilá guinchou de surpresa. Hermione se perguntou quanto tempo demoraria até que todo mundo estivesse olhando para eles e era melhor não tê-lo feito, porque um instante depois Lilá finalmente pareceu reparar que a menina que vivia sozinha no colégio, definitivamente não estava sozinha no momento. – AI-MEU-DEUS! – Repetiu, colocando as mãos na boca. – Você é Vitor Krum? – E antes que ele pudesse responder, Lilá já empurrava Ron para frente. – Meu namorado é o seu MAIOR fã, não é amor? – Ela parecia histérica de felicidade. – Puxa, esse restaurante é chique mesmo! Será que você poderia nos dar um autografo ou algo assim?

– Na verdade, não precisa se incomodar – Ron gaguejou, odiando-se por dentro. O que Hermione pensaria agora? Ele não precisava de nada dela ou daquele... Namoradinho dela. E em pensar que até um segundo atrás ele encheria o peito para falar bem do jogador!

– Senhor, sua mesa já está pronta. – O maître do restaurante falou, exibindo um sorriso plástico. – E o senhor está com sorte, vai ficar com a melhor mesa da casa hoje.

– Ótimo. – Ron suspirou aliviado por se ver fora daquela situação. – Até mais, Granger Danger.

– Não me chame de... – Hermione controlou sua respiração até soar calma o suficiente. – Ok, tenha uma boa noite, Policial Weasley.

– Detetive. – Ele disse, consertando o paletó e soando mais rabugento que o normal. – Detetive Weasley. Onde é essa tal mesa?

– Bem aqui, senhor. – O maître apontou para a mesa e sussurrou – Sua adorável namorada mencionou que você é um grande fã do astro do futebol aqui, então eu os arranjei esse local privilegiado.

– Não precisava. Não precisava mesmo. – Ronald disse tenso, pressionando as têmporas com os indicadores, enquanto procurava alguma mesa vazia que não fosse bem ao lado da mesa da advogada.

– Foi um prazer. – O maître sorriu, puxando a cadeira para que Lilá se sentasse. – De qualquer maneira o restaurante está lotado, mesmo se esse não fosse o melhor lugar, seria o único disponível.

– Único? – Ronald balbuciou quase que para si mesmo. – Que sortudo eu sou, não é?

– Com licença, ele se sentará aqui? – Hermione indagou, um pouco mais alto que gostaria, grunhindo ao ouvir a reposta positiva do maître.

– Algum problema, Danger Granger? – Ron provocou, sentando-se.

– É Granger Dan... Ok. – Ela respirou fundo.

– Ele está te incomodando, Hermione? – Krum resolveu se pronunciar, erguendo a sobrancelha esquerda e para Ron tudo sobre ele tornara-se instantaneamente irritante.

– Não. Não. – Hermione forçou um sorriso. Ronald Weasley não estragaria sua noite. – Vamos apenas fingir que não fomos interrompidos.

– Como tem passado, Granger? – Lilá perguntou, com sua voz estridente costumeira, chamando a atenção de metade do restaurante.

– Bem. – Hermione respondeu, mas seu senso de educação a fez sentir-se inclinada a perguntar – E você?

– Melhor impossível! Sabe, eu e Uon-Uon vamos nos casar! – Ela guinchou de alegria, batendo palmas e fazendo as orelhas de Ron queimarem.

– Hmm, que bom para vocês. – Hermione falou.

– E então, como vocês se conheceram? – Quis saber Lilá.

– Provavelmente ele esqueceu de pagar pensão para um dos filhos e ela o tirou da cadeia. – Foi Ron quem respondeu.

– Eu não tenho filhos. – Krum riu. – Filhos são caros.

– Você não quer ter filhos? – Lilá soltou um gritinho de horror. – Eu quero ter uns seis ruivinhos como o meu Uon-Uon.

– Você quer ter filhos, Hermione? – Krum perguntou, com uma careta.

– Talvez. – Hermione encolheu os ombros. Não com você. Acrescentou mentalmente. – Em um futuro distante, quem sabe.

– Vocês pretendem se casar? – Lilá perguntou, apoiando a cabeça com as mãos e sorrindo romântica.

– Essa é uma questão muito pessoal, Lilá. – Hermione respondeu ao mesmo tempo que Krum respondera sim.

– Acho que... Deveríamos deixar que os os dois jantem em paz, Lilá. – Ron disse, envergonhado.

– Ah, tudo bem. – Lilá disse, e depois sussurrou para Ron. – Sabe, no anuário escolar ela foi a única com dois títulos daqueles que a galera faz sobre o futuro. Esquisitona dos Doze Gatos e Eterna Piolha de Biblioteca.

Toda aquela conversa deixara Hermione constrangida e ela mal via a hora de ir embora, porém não conseguiria sem antes revidar ou pelo menos aliviar a sensação estranha que sentia no estômago quando olhava para o cabelo impecavelmente loiro e controlado de Lilá, ou escutava aquela voz horrível que a fazia querer arrancar os tímpanos e mirar um revólver na própria cabeça para se livrar de vez daquele som irritante.

Algo era ainda pior que os hábitos inconvenientes da mulher e aquele conjunto de características nauseantes, mas Hermione não conseguia dizer o que era.

– Então, Lilá, você já contou para o Detetive Weasley quais foram os seus feitos no ensino médio? – Hermione sorriu para a moça, e tomou o resto do vinho na sua taça. – Na escola onde a gente estudava, tinha um time de futebol, um de pólo aquático e um de rúgbi, e não era lenda e sim fato, que as líderes de torcida como a Lilá faziam uma competição saudável para ver quem dor...

– Chega! – Lilá cobriu o rosto com vergonha e voltou a sorrir mais controlada. – Isso não tem a mínima importância, é passado...

– Dizem por aí que recordar a viver. – Hermione encolheu os ombros e sussurrou para Krum. – A propósito, de acordo com os rumores da escola, ela foi campeã invicta nos dois últimos anos.

Parecia que Hermione não se preocuparia com a voz de Lilá por um bom tempo.


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