Crossfire escrita por Jones, isa


Capítulo 2
Capítulo I




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Tateou pelos óculos assim que ouviu o bip incessante do comunicador.

Não havia nem bem clareado ainda e seu expediente só começava às oito, então por que transferiram uma emergência para ele às quatro e meia da manhã? Desejou não ter ficado acordado até tarde da noite revendo papéis de um caso antigo arquivado por estar sem dados suficientes.

Dados insuficientes uma ova.

Ele sabia que aquilo estava mais para trabalho de policial porco e preguiçoso, ou policial sujo e corrompido. Não que existisse muita diferença entre os patifes, de qualquer maneira, odiava ter que cavar em meio a relatórios obsoletos e incompletos, chegando sempre a lugar nenhum. Não por causa do trabalho que tomava seu tempo já escasso, mas pela raiva que o consumia sempre que lia ‘Caso encerrado por falta de provas e suspeitos’. A verdade, no entanto, é que nunca desistiria. Era policial há nove anos, mas aquele era o seu caso principal desde o dia em que se viu consciente o suficiente para entender que nem tudo o que contaram a ele era verdade.

Harry não gostava de dizer que entrara na Academia de Polícia com o objetivo de apenas desenterrar um assunto jamais explicado a ele propriamente. Não. De algum modo ele já sabia que cresceria para se tornar detetive desde sua memória mais tenra de infância.

O que seu parceiro chamava de obsessão, ele chamava de buscar justiça.

Emergência para Detetive Potter. Homicídio na Gloucester com a Oxford, policiais se encontram no local do crime. Detetive Weasley devidamente notificado e a caminho, médico legista se encontra na cena do crime. Prioridade máxima. Evitar contato com a mídia. Entendido? – A voz robótica da telefonista recitou.

– Perfeitamente. – Harry respondeu, já desperto o suficiente. – A caminho.

– Entendido. – A telefonista respondeu e desligou.

Aquele era um típico dia de um policial: pouco mais que quatro horas de sono, olheiras profundas, má alimentação e um salário miserável. Harry amaldiçoou o assassino filho da puta que o fizera levantar cedo e sem tempo para o café da manhã, então lembrou-se que nunca tinha tempo para o café da manhã. Sempre fora obrigado a se contentar com um bagel – que tinha a textura e o gosto de sola de sapato velho – e um café de merda na cantina deserta do Diretório de Homicídios de Londres.

Dirigiu rápido, sem a mínima necessidade de ligar a sirene, já que Londres dormia. Harry bem que gostaria de acompanha-la, mas por mais que reclamasse dos desafios de seu trabalho, não se imaginava fazendo outra coisa. Era responsável – junto ao parceiro desde a Academia de Polícia, Ronald Weasley – pela resolução de casos complicados que outros não tinham coragem de meter as mãos e sujar as botas.

– Bom dia, Potter. – Ron disse, mais desanimado que Harry, estendendo um copo de café. – Peguei a caminho daqui. - Harry o olhou de esguelha - ou você esperava que eu me conseguisse me manter em pé sem isso? - defendeu-se. - Pelo menos esse não tem o gosto das suas meias.

– Olha quem fala. – Harry murmurou. – Me atualize.

– Vítima foi encontrada às quatro da manhã, pela governanta da propriedade. – Ronald disse, apertando o botão do elevador e virando a chave da cobertura. – A mulher teve um verdadeiro ataque, rolou as escadas e quebrou as duas pernas. Coitada, se arrastou para pedir uma ambulância e ligar para a emergência.

– E com que tipo de magnata estamos lidando aqui? – Harry perguntou, erguendo as sobrancelhas. – Somente pessoas com um salário três vezes maior por mês do que eu ganho por ano, a emergência aponta como prioridade.

– Ah, pode apostar. – Rony girou os olhos. – A vítima foi identificada como Tom Riddle, setenta e três anos.

– O dono de metade da cidade? – Harry perguntou, colocando as luvas que Ron lançara para ele.

– Esse mesmo. – O detetive confirmou. – Então vamos ao trabalho.

– Vamos. – Harry grunhiu em resposta.

A médica-legista já estava prostrada ao chão, ao lado do corpo. A equipe de perícia já trabalhava cuidadosa em busca de um fio de cabelo qualquer. Isso não aconteceria se o corpo em questão fosse de um pobre mortal de Tottenham, Ron murmurou para si mesmo.

– Bom dia, Greengrass. – Harry cumprimentou, assim que a viu erguer o rosto.

– Só se for para você, Potter. – A legista bufou por trás da máscara. – Para mim ainda é noite e para esse aqui... Bem, acho que não é um bom dia.

– Snap! – Ron riu do comentário de Astoria que apenas girou os olhos.

– A hora do óbito foi entre três horas e três e meia da manhã. – Astoria disse, levantando-se. – A causa, como vocês podem ver, foram três disparos certeiros, um na testa, um na garganta e um no peito.

– Acho que podemos descartar legítima defesa. – Ron falou, examinando o corpo com os olhos e tentando esconder a expressão de asco pelo cheiro doce e fedorento de sangue.

– Não entendo como um detetive de homicídios consegue trabalhar se tem nojinho dos corpos. – Harry debochou, aproximando-se do corpo. – Não há sinais de luta, correto?

– Eu diria que a vítima foi pega de surpresa. Preciso de testes, mas pelo estrago, acho que o cara foi atingido a mais ou menos oito metros de distância, e as balas são um tanto quanto peculiares. Mas posso adiantar que o calibre é nove milímetros. O outro fator intrigante, como os senhores certamente repararam – Adiantou-se antes que Potter tivesse a chance de lhe encher a paciência com a pergunta – É a ausência do dedo indicador da mão direita. O corte não é perfeito, mas é cirurgicamente razoável, de modo que precisarei do laboratório para analisar melhor o tipo de ferramenta que utilizaram para este detalhe. – Dra. Greengrass falou, tirando as luvas e entregando um saco com evidências para um assistente. – Podem levar.

Era um começo.

– Então vamos ao que interessa. – Harry disse, virando-se para os policiais fardados. – Thomas, vá entrevistar os vizinhos e staff do prédio para ver se eles viram algo. Finnigan, quero todas as imagens da segurança no meu escritório em uma hora.

– Sim, senhor. – Os dois responderam em uníssono e saíram da sala.

– Agora que você parou de amedrontar os tiras, vamos tentar descobrir a vida de Tom Riddle. – Ron disse, vestindo o casaco novamente.

– Tentar? – Harry falou, abrindo a porta. – Um homem que mora em um prédio no qual o apartamento mais barato que é no mínimo sete vezes menor que esse, custa mil e quinhentos dólares semanais com certeza tem os dados mais protegidos que um agente do serviço secreto. – Ronald tirou um sanduíche do bolso e Harry o encarou com a sobrancelha erguida.

– O que foi? Você não esperava que eu conseguisse comer perto de todo aquele sangue, né?

– Claro que não. – Harry debochou. – Mas em minha concepção, agora é que o trabalho sujo começa.

– Dessa vez você que vai dar a notícia aos familiares. – Ron disse, com a boca cheia. – Da última vez fui eu.

– Droga. – Harry murmurou antes de entrar no carro. – Eu dirijo. – Ron encolheu os ombros, indiferente.

– Sra O’Hare, eu sou o detetive Potter e este é meu parceiro, Ronald Weasley. – Apresentou-se à mulher muito pálida, deitada numa confortável cama de um hospital particular. O médico informara aos detetives que ela já não estava em estado de choque, embora insistisse que precisava de repouso. Harry lhe dera uma resposta grosseira antes de adentrar o leito. – Como está se sentindo?

– Como eu deveria estar me sentindo? – Perguntou ríspida, abrindo e fechando as mãos numa clara demonstração de ansiedade.

– A senhora está bem protegida. – Ron a tranquilizou – Nesse exato momento temos dois policiais de guarda logo à porta, com ordens para permanecer à postos até a sua alta, quando escoltarão a senhora em segurança para casa. – Ela meneou a cabeça. Tinha os olhos vagos.

– Nós lamentamos incomodar. – Harry retomou a palavra. Não costumava ser gentil, mas não podia correr o risco de perdê-la para outro colapso nervoso. Fora informado por sua equipe, ainda dentro do carro, que não havia sido encontrado nenhum parente vivo de Tom Riddle, portanto a governanta ainda era sua única ligação com a vítima. – Mas precisamos fazer algumas perguntas.

– Eu pensei que já havia respondido algumas perguntas. – Rony arqueou uma sobrancelha. A velha parecia muito mais digna de compaixão em estado de choque do que em seu estado normal. – Eu estou muito cansada.

– Não vamos demorar. – Harry insistiu, sem se deixar abalar.

Lentamente a senhora O’Hare concordou com a cabeça. Sabia reconhecer um homem irredutível quando via um. Harry ligou o gravador e fez as perguntas de praxe, só para ver se as respostas continuariam a condizer com o primeiro depoimento dela.

– Há quanto tempo a senhora trabalha na casa de Tom Riddle?

– Faria dezessete anos no primeiro dia do próximo mês. – A voz, até então seca, saiu embargada.

– E o que a senhora poderia me dizer a respeito da família da vítima? – Ele já sabia a resposta, mas inquiriu ainda assim.

– Extinta há muito tempo. O senhor Riddle era o último de sua linhagem. Eu era sua única família. – Havia um misto de orgulho e desafio em seu tom.

– Não há ninguém? – Dessa vez a pergunta partiu de Ron – Interesse romântico, amigos íntimos, nada?

– Naturalmente para um homem abastado, bem afeiçoado e que gozava de perfeita saúde como o Sr. Riddle, sempre havia alguém, se é que me entende, detetive Weasley. – A voz tornara ao timbre horrível original. – Mas não fazia parte do meu contrato de trabalho escolher as acompanhantes de meu Sr. Riddle.

– Fazia parte de qual contrato, então? – Harry era perspicaz. Teve certeza de que havia feito a pergunta correta quando a observou travar uma batalha interna para ver se lhe entregava a resposta. Ele esperou pacientemente. Iria obtê-la de qualquer jeito.

– Creio que no contrato de Nicholas Macmillan, seu assessor pessoal. – Murmurou, sem olhar para qualquer um deles. – O único além daquelas putas caras que era convidado a visitar a casa.

Ron anotou o nome.

– Obrigado pela colaboração Sra. O’Hare. – Harry encerrou a entrevista, saindo a frente do parceiro.

– Detestável. Não me admira que seja sozinha. – Ron comentou, olhando com rancor para a porta pela qual acabara de sair.

– Achei ter vislumbrado indícios de uma paixão reprimida pelo patrão. – Harry comentou, absorto.

– Ah, definitivamente colega! – Rony exclamou exasperado. – Você viu o modo como ela o engrandecia? Assustador. – Harry soltou uma risada curta e eles continuaram a andar em direção a saída em silencio.

Como Ron previra, havia um motivo.

Tinham acabado de alcançar a viatura quando Harry disse:

– Vou precisar dar uma palavra com Malfoy. – E esperou Rony recitar sua lista de xingamentos antes de continuar. – Você não precisa ir, sabe. Na verdade, seria mais útil se nos separássemos. Vá atrás do Macmillan e eu sigo de táxi para a empresa. Nos encontramos na central. – Sugeriu.

– Por mim, ótimo. – Rosnou, abrindo a porta do carro com força desnecessária.

– Beleza. – Harry lhe jogou a chave, feliz por não precisar aturar o mau humor repentino do amigo.

Ele pulou do táxi em frente ao arranha-céu negro e imponente. Em algum momento desde que se levantara o sol havia surgido sem que ele percebesse, e agora, às seis da manhã, a temperatura estava agradavelmente amena.
Harry teria apreciado a vista e o tempo por um instante, não fosse a manifestação em frente à fachada bonita do prédio.

Sentiu a cabeça rugir em protesto aos gritos que agora entoavam uma canção cuja única estrofe dizia "salvem o planeta, barrem o Malfoy!’’. Precisou usar toda a força de vontade para se enfurnar entre o aglomerado de pessoas, alem de uma coragem extra para conseguir avançar em meio aos manifestantes. Depois de muitas cotoveladas e empurrões dados e recebidos, ele finalmente alcançou os seguranças que barravam a entrada.

Irritado, esfregou o distintivo na cara de um dos brutamontes. O homem o agarrou pelo braço e antes que Harry pensasse em protestar estava dentro do saguão luxuoso.

Não havia mais som de pessoas gritando, apenas uma musica ambiente tocando num volume agradável a ouvidos humanos. Um pouco atordoado pela mudança brusca de realidade, Harry olhou por cima do ombro e observou através do vidro fume a horda de manifestantes abrindo e fechando a boca em coro. A cena muda parecia quase patética vista por dentro do confortável lobby e ao notar a garota loira de cabelos sujos que parecia liderar o movimento, se perguntou se ela tinha alguma ideia de que os funcionários da empresa estavam protegidos do som.

Meneando a cabeça, dirigiu-se ao balcão de mármore em forma de “U”.

– Bom dia, senhor. Em que posso ajudar para melhorar a sua manhã? – A atendente sorridente parecia tão perfeita que chegava a assustar. Harry depositou o distintivo no balcão.

– Disque para a sua superior e peça para que ela avise Malfoy que Harry Potter está aqui e tem pressa. – O nome dele, obviamente, não significava nada para a moça. Ela olhava receosa do distintivo para o detetive, indecisa sobre o que fazer. Desobedecer a ordem direta de um tira parecia ruim. Por outro lado, incomodar seus superiores também não parecia uma opção viável. Harry resolveu ajudar, complementando: - Seja sensata, Srta. Ellis. – Disse entre dentes, lendo o nome no crachá.

Pressionada pelos olhos verdes raivosos, a recepcionista apressou-se em discar para a chefe, preparada para receber uma repreensão infindável.

Foi com surpresa que viu a mulher se materializar ali no térreo, minutos depois.

– Potter, que surpresa agradável. – A secretária pessoal de Draco abriu um sorriso sincero.

– Caro. – Ele cumprimentou, sentindo-se instantaneamente menos irritado.

– Queira me acompanhar, por favor.

Eles entraram numa cabine privada de elevador que só entrou em movimento depois de reconhecimento de voz de Caro, seguido do scanner de suas duas mãos e a leitura de seu crachá pessoal.

– Um pouco paranoico o homem. – Harry resmungou como sempre resmungava ao entrar naquele elevador. Por alguma razão inexplicável, sentia-se um pouco claustrofóbico ali.

Caro abriu um sorriso moderado.

– Prevenido, detetive Potter. Prevenido.

– Espero que ele esteja te pagando a mais para defendê-lo. – Brincou, fazendo-a rir. As portas se abriram e ele olhou para a sala já conhecida.

Podiam dizer qualquer coisa de Malfoy, menos que ele não sabia viver bem.
Seu gabinete ocupava um andar inteiro de sua empresa e contava com o melhor em nível de tecnologia, design e qualquer coisa que aquele infeliz loiro desejasse ter.

– Babaca, odeio seu timing. Estava ocupado aqui. – Draco, que até então estava ignorando as chamadas internacionais, bipes incessantes e os dados que jorravam nas muitas telas de aparelhos espalhados pela sala apenas para se divertir em observar a manifestação lá embaixo, virou-se para ele. – A que devo o ar da graça? Por favor, me diga que sou suspeito de outro assassinato.

– Você? Ocupado? – Harry soltou uma risada irônica, ignorando todo o resto da frase.

– Nem comece, Potter. Eu trabalho sim, mas em horários e condições agradáveis. – Defendeu-se. – Você saberia o significado disso se aceitasse minha oferta de emprego. Estou me sentindo generoso, poderia até dobrá-la hoje.

– Eu vou trabalhar para você quando o inferno congelar, Malfoy.

– É, você disse algo parecido da ultima vez. – Draco sorriu, estalando os dedos. – Mas eu sou um homem de fé. – Harry sorriu cético.

Não importava quantos anos se passassem, ele nunca entenderia por completo como acabara amigo do homem que gostava de ser desprezível por hobbie.

– Certo, homem de fé. Que tal você se sentir solidário agora? – Harry sentou-se na cadeira que Draco apontara. – O que você tem a me dizer sobre Tom Riddle? – O ar descontraído sumiu do rosto de Malfoy.

– Caralho, foi ele? – Perguntou surpreso – Tom Riddle bateu as botas?

– Eu não me lembro de ter dito isso. – Harry se mostrou impassível. Tinha certeza de que o assassinato iria vazar para a mídia, do mesmo jeito que sabia que podia confiar em Malfoy, mas enquanto pudesse evitar falar sobre o caso, evitaria. Estava ali para colher informações, não para dá-las.

– Puta merda, Potter...

– Você poderia, por favor, se recompor? – Harry perguntou, entediado com a cena dele.

– Não é exatamente uma grande perda para a humanidade, é? – Draco continuou divagando. – Que o diabo o tenha. – Suspirou – Mas não vou negar que sentirei falta dos desaforos que trocávamos de vez em quando.

– Realmente muito emocionante todo esse seu momento, mas será que agora você pode me responder?

– Ok. – Ele relaxou, tornando a encarar o amigo. – Tom era um herói nos meus tempos de moleque. Você sabe, eu me inspirava nele quando entrei para o mundo dos negócios. O filho da puta era burro como uma porta, mas esquivo como ninguém. Sempre escapou ileso dos escândalos públicos e diferente do que as pessoas pensam, não é só dinheiro que conta nessas horas. Tem que ter um pouco de genialidade.

– Pule a parte do seu discurso apaixonado por bandidos. – Harry pediu.

– Tá. O negócio é que o dinheiro de Riddle vem do berço. Família influente, essa palhaçada toda, como no caso dos Malfoy. – Ele falou como se ele próprio não fosse um. – Nunca confiou em ninguém, administrava bem o próprio dinheiro e, até onde eu saiba, não tinha nenhum inimigo digno de atenção.

– Exceto você. – Harry comentou e Draco girou os olhos.

– Nós não éramos inimigos, éramos concorrentes seu idiota, você não está prestando atenção na história? O homem era um porco, de fato, mas eu me divertia travando pequenas discussões com o velho. Sem ele, a outra metade da cidade que não me pertencia fica fácil de abocanhar. – Suspirou pesaroso. – Você sabe quanto tempo pode levar até que me surja outro concorrente a altura? Anos, Potter. Décadas, talvez. – Desanimado, retomou o foco – Olha, eu tenho um verdadeiro dossiê sobre a vida do cara. Posso passar tudo para seu computador de trabalho antes do meio dia, se o seu precioso senso moral permitir. – Harry coçou a barba por fazer e antes que pudesse responder, sentiu o celular vibrar.

– Potter. – Atendeu, fazendo sinal de espera para Malfoy.

– Detetive, acho melhor você dar uma passadinha aqui na Disney. – A voz de Astoria soou e ele sabia que ela estava se referindo ao necrotério. – Tenho uma novidade que vai te interessar. – Harry sentiu um calafrio.

– Certo. Estou a caminho, Tori. – Estava tão intrigado com a pista nova e tão grato pela ligação que nem percebeu que a chamara pelo apelido. Desligou o telefone e se levantou. – Meu senso moral vai permitir sim, Draco. – Decidiu. – Obrigado pelo tempo, te vejo depois.

– Hey, espera aí! – Draco gritou, sabendo que ele não iria voltar. – Você não vai me contar nada? – Harry negou com a cabeça, sem se virar. – E quem é Tori?

– Ninguém para o seu bico. – Harry acenou, ainda de costas, antes de entrar no elevador.

Harry desceria pelas escadas se o ato não fosse consumir anos de sua vida. Zilionários e suas manias de grandeza, murmurou para si mesmo, enquanto passava pela recepção.

Com um suspiro, encarou a multidão que protestava sem cessar no lado de fora da fortaleza Malfoy. Seria realmente difícil chegar ao carro que o esperava agora que o número de pessoas aumentara.

– Com licença. – Harry disse educadamente para a loira com o megafone que parecia liderar a situação.

– O senhor parece ser amigo do Malfoy. Então não. – Ela disse com a voz pacífica, mas com olhos azuis que examinavam Harry de cima em baixo com ferocidade. Ele não parecia se encaixar no contexto do prédio com aqueles sapatos pretos desgastados, a camiseta preta amarrotada quase escondida sobre um casaco em um tom cinzento que não parecia esquentar muito, sem contar os jeans escuros surrados. De qualquer modo, ignorou-o e voltou a usar o megafone – Tudo ele destrói, barrem o Malfoy!

– Senhorita... – Harry tentou não demonstrar irritação.

– Luna Lovegood. – Ela disse, cruzando os braços. – Ativista.

– Eu percebi. – Harry tentou esconder a careta, mas a voz denotava certo escárnio que Luna não deixara passar. – Então, Senhorita Lovegood, a senhorita sabe que eles não podem te escutar lá dentro, não sabe?

– Sei, mas ele ainda pode me ver. – Luna desafiou, com a sobrancelha erguida e o orgulho intacto. – Isso me contenta. Isso e saber que não ficaremos calados enquanto ele tenta destruir mais uma selva natural por uma de pedra! – Voltou a usar o megafone, atraindo gritos entusiasmados dos manifestantes. – Não ficaremos calados!

– Tudo bem, mas enquanto vocês fazem barulho, – Harry levantou o distintivo e deixou-o bem a mostra. – Eu gostaria de trabalhar.

– Ah. Policial. Eu acho que eu senti isso. – Luna disse, sorrindo. – É um trabalho complicado. – Ela completou, abrindo espaço na multidão para que Harry passasse e então tirou uma espécie de planta que Harry não soube identificar da bolsa colorida. – Isso aqui é arruda, senhor Policial, há uma aura negativa a sua você.

– Ah claro. – Harry falou, indeciso em pegar o galhinho que a moça oferecia.

– Isso aqui vai afastar o mal olhado. – Ela falou, como se aquilo explicasse muita coisa. – Proteção.

– Obrigado, eu acho. – Ele disse, guardando por fim o galho dentro do casaco.

Luna sorriu em resposta e continuou o protesto.

Hippies, Harry balbuciou para si mesmo, enquanto entrava no carro e agradecia o taxista pela espera. Com uma instrução de endereço, seguiu para a Disney de Astoria.

– O que você tem pra mim aí? – Harry perguntou, tentando respirar o mínimo possível. Costumava implicar com o estomago fraco de Ronald, mas o odor podre da morte combinado ao cheiro violento de formol e qualquer outra substancia química que Harry não via desde o ensino médio era verdadeiramente insuportável.

– Eu estou bem e você? – Astoria disse, usando o nível habitual de sarcasmo. – De qualquer maneira, eu achei um detalhe no corpo que você vai achar interessante.

– Vamos ver. – Ele cruzou os braços, e Tori ergueu a sobrancelha. – Ah, você acha qualquer coisa que encontra interessante.

– Mas eu disse que você ia achar interessante. – Ela caminhou para o lado do corpo coberto por uma lona azul clara. – Porém eu não tenho tempo para ficar de papinho com você, Harry, tenho muitos corpos para ensacar.

– Então...

– Então, o calibre da arma era nove milímetros, como eu havia dito anteriormente, mas as capsulas são de um modelo muito antigo. Por pura curiosidade e para mostrar que eu poderia ser detetive se eu quisesse, eu descobri que são compatíveis com o modelo Luger P 08, que por sinal são armas raríssimas, que deixaram de ser produzidas na...

– Década de quarenta. – Harry completou pensativo, pois apesar da Luger ser um modelo comum na segunda guerra mundial, era quase impossível encontrar uma arma daquela nos dias atuais. – Esse foi realmente um detalhe importante, Astoria, obrigado.

– Hey, hey! Tem mais! – Astoria sorriu orgulhosa. – Apesar de você ter estragado o fim da minha pesquisa, o que foi indelicado e imprudente de sua parte, já que eu seguro o bisturi. Tenho um detalhe crucial.

– Crucial? – Harry perguntou, desafiando-a com o olhar.

– Obviamente. – Ela disse, baixando a lona azulada até atingir o abdômen do cadáver. – Eu descobri um ferimento na vitima, feito, com certeza, entre o período de tempo do óbito.

– E aí você encontrou DNA no ferimento? – Harry perguntou, animado.

– Você deveria prestar atenção no corpo. Fala do Weasley, mas tem medinho. – Tori girou os olhos e pegou o rosto dele com uma força que Harry julgou desnecessária, fazendo-o olhar para o peito de um falecido e sem cor Tom Riddle.

Então ele reconheceu no ato.

A sensação foi indescritível, mas o treinamento policial o ensinara a disfarçar muito bem sentimentos visíveis como o misto de raiva e excitação em receber uma pista crucial, como Astoria colocara.

Ele voltara a atacar, e dessa vez Harry estava ali para coloca-lo atrás das grades e fazê-lo pagar não só por esse como todos os outros assassinatos que cometera, por tudo que Harry sofrera a vida inteira. Por tudo.

Porque o que vira fora uma marca parecida com a que tinha na testa no peito de Tom Riddle. A marca de sua testa tinha a forma peculiar de um raio fino e a de Tom Riddle era um x bem definido, mas o modus operandi era o mesmo.

– Foi feita por ferro em brasa. – Astoria o fez despertar de seus devaneios, e ele viu uma expressão de asco dominar o rosto da médica-legista. – Ele marcou o homem, como marcaria animais, e eu já acho marcar animais algo bem desprezível.

– Ferro em brasa? – Harry tentou manter o rosto impassível.

– Exatamente, o seu cara esquentou um ferro por um tempo considerável e depois colocou no corpo do cara. E pelo estado do ferimento, eu acredito que tenha sido antes mesmo de mata-lo. – Tori disse, apertando os lábios. – Doentio.

– Muito. – Harry concordou. – Obrigado, Astoria.

– Fiz o meu trabalho. – Ela falou, encolhendo os ombros. – Manteremos contato.

– Sim, qualquer novidade, não hesite em me ligar. – Harry falou, atirando as luvas descartáveis na lixeira e acenando com a cabeça antes de sair do laboratório.

A ferida no peito de Tom Riddle jamais cicatrizaria como a marca de sua testa. Permaneceria assim, em carne viva e depois se deterioraria como o resto de seu corpo, como as feridas nas fotos que não precisava ver todos os dias para ser assombrado por elas. As imagens nítidas em sua mente insistiam em comparar ferimentos, medir e supor fatos.

Não havia necessidade de suposição.

Era ele. O crápula que matara seus pais, o filho da puta que se autointitulava Voldemort. Porém, dessa vez ele não escaparia imune, dessa vez Harry não era apenas um garoto que não sabia nem bem falar, agora ele era um homem crescido com força o suficiente no dedo para apertar o gatilho. E ele apertaria.

Você vai maldizer a hora que você se meteu no meu caminho, Voldemort. Harry murmurou para si mesmo.


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