Era inevitável. Um de nós morreria, e eu sabia que aquela mulher sempre optaria pelo lixo. Afinal, eu era o inimigo. Talvez por algum segundo eu quisesse estar no lugar de Kurosaki Ichigo. Era ele quem estava destinado a viver. Apenas o desespero dela bastava para acordá-lo. Meu desejo era que ele morresse e tudo acabasse logo, mas ela jamais me perdoaria. Desde o início era assim que deveria ser. Para mim, não havia um bom final. Mesmo que eu quisesse parar agora, o poder descontrolado daquele shinigami- ou seria mais certo dizer Hollow?- ia me vencer, e não deixaria que eu chegasse a um passo dela.

Havia algo em mim que me impedia de dar tudo de mim agora. Como um aperto na garganta, mas eu tinha que acabar com isto. Não havia esperanças depois de ter meu corpo mutilado, e agora, enquanto espero o cero que com certeza trará a minha morte, eu só queria olhar para ela. Seria isso o desespero? Estou no momento da minha morte e tudo que consigo pensar é em porque tenho feito tudo isto até hoje. Mas o que quer que seja, me deu uma segunda chance. Aquele sobre mim não era o shinigami que aquela mulher conhecia. Ele feriu o próprio companheiro. Se aquilo que ela dizia sobre coração era verdade, por que aquilo estava acontecendo?

“Eu me tornei mais hollow,ou você é que se tornou mais humano?”

Eu me lembrei dessas palavras repentinamente. Seria possível que os dois tivessem acontecido? Sim, eu tinha me tornado mais humano. Ainda é difícil admitir isto na minha situação. Mas em poucos segundos, o shinigami estava de volta. Não tinha passado de uma farsa, então. E eu via ali a minha chance de provar que eu era melhor do que ele. Eu tiraria as esperanças daquela mulher. Eu queria fazê-la provar daquele vazio em que eu vivia. Se ela não tivesse aparecido, eu não estaria lamentando morrer agora.

Eu entreguei a espada ao shinigami, e lhe desafiei novamente. Que ele viesse com tudo. Que acabássemos com nossa luta. Pelo menos Las Noches eu protegeria, se o matasse agora. Então aquele humano veio com suas idéias tolas. Eu as acataria; tornaria mais fácil para o meu estado. Quando me movi, o sopro da morte veio sobre mim. Não podia fazer mais nada.

“Vamos, faça. Mate-me agora.”

Eu pedi a ele. Se não fizesse logo, nossa luta jamais terminaria. E ele se recusou. Não queria vencer daquele jeito. Por que humanos são tão piedosos? Mesmo agora, no fim, ele não fazia o que eu pensava que ia fazer. E justo quando eu estava me interessando...

Eu olhei para ela. Imagino como seria se ao menos pudesse tê-la abraçado uma vez. Sentido o calor de seu corpo ainda vivo, ao contrário da minha alma, oca e dura.

-Você está com medo, mulher?
Orihime.

Eu refiz a pergunta. Seu olhar... eu pensava que ela me odiava, no entanto seu olhar era o mesmo que tinha quando anunciei a morte de seus nakamas. Mas ela não devia olhar para mim assim. Eu era o seu inimigo, no fim.

-Não estou com medo.

Era a mesma resposta, mas era um alivio. Clara e objetiva,como sempre. O que é isto dentro de mim, Orihime? É como algo me aquecendo. Por que toda a angústia aumenta agora que sei que estou desaparecendo e nunca mais a verei? Pelo menos uma vez, eu quero tocá-la. Você me alcançará, se eu estender minha mão? Me aceitará?

Não tive uma resposta ao gesto, e eu pensei em quão estúpido tinha sido. Humano... Eu podia ser comparado àqueles lixos agora. Eu estava prestes a desistir de tocá-la, quando ela se moveu, e correu para tentar me alcançar. Mas era tarde. Eu mal pude sentir seus dedos tocando os meus, mas senti que ela tinha deixado algo ali. Ela teria segurado minha mão se pudesse. E eu teria a abraçado, se não estivesse morto. Então eu entendi o que era a sensação. E o olhar dela já não era uma incógnita. Ela também sabia, e sentia. Era exatamente isto, o que eu sentia me aquecendo quando estava com ela, e que eu podia segurar; era a única coisa que seria levada comigo pela morte. Justo quando eu pude entender, ou sentir, aquilo na palma da minha mão era...

o coração.