Estávamos na praia. Era o nosso último dia ali. Apesar de quase nada ter saído como planejado, eu não conseguia olhar para o horizonte sem já me sentir nostálgico com tudo que tinha acontecido... As férias de verão tinham durado tanto! Já tinha esquecido como era a correria da escola...

O mais inusitado de tudo aquilo era o quanto estávamos diferentes. Só de dar uma olhada em volta, era possível discernir o que tinha mudado desde que chegamos... Não, acho que tudo começou a mudar mesmo desde que eu me declarei para o Shion-kun.

Quem diria que tanta coisa assim aconteceria depois que ele aceitou sair comigo? Será que se ele tivesse recusado, as coisas permaneceriam as mesmas? A Megurine-san ainda estaria com o Kamui-kun? Eu ainda cairia de amores pelo Shion-kun? A Meiko-san teria voltado nas férias? Não tinha como saber... Talvez até estivéssemos melhor, mas isto não importa...

Tudo bem, demorou um tempo até eu realmente perdoar Shion-kun por tudo que aconteceu... Foram uns bons dias até a serenidade que alcancei hoje. Não era só por toda aquela confusão no Jogo do Rei ou pelo que ele disse para mim na rede... Era a mentira. Eu sei que logo no começo ele disse que não gostava de mim desse jeito, mas... Sei lá... A esperança de ter algo a mais foi uma surpresa. Uma surpresa tão boa que eu não conseguia dizer para mim mesmo que estava acabando...

Apesar de tudo, foi algo bem divertido todo esse namoro falso que tivemos... Querendo ou não, eu acabei me aproximando ainda mais da Rin – e até pude entender um pouco essa coisa de yaoi que ela tem – e conheci melhor o Kamui-kun, que, apesar de parecer carrancudo, é uma pessoa bem legal.

O vento soprava meus cabelos. A vista dali era muito bonita.  Eu não estou falando apenas da visão do mar e do céu, mas também de todos confraternizando...

Rin e Hatsune-san comentavam fervorosamente sobre a nova grade de animes que ia estrear no mês que vem. Meiko-san e Megurine-san se divertiam nas ondas e jogando água uma na outra. Kamui-kun e Kimura-kun jogavam vôlei com uma rede emprestada de um quiosque. E Shion-kun... Ué? Cadê o Shion-kun?

— Kagamine-kun, cuidado! – era a voz dele.

Foi neste momento que uma bola a mil por hora acertou com tudo meu rosto, quebrando completamente o clima de calmaria que me cercava até então. Teria caído com tudo no chão de areia se Shion-kun não tivesse aparecido e me segurado pelos braços.

Era uma digna cena dos yaois de Rin.

— Ahhh, pelo amor de deus! – ela gritou – Por que vocês dois ainda fazem isso comigo?! Parem de atiçar!!!!

Rin se referia ao próprio olhar malicioso dela pra tudo que cercava eu e o Shion-kun. Desde o dia que ficamos trancados, era só ver nós dois a menos de um metrô de distância que ela começava a bufar e reclamar que não merecíamos ser shippados, então deveríamos ficar longe. Talvez esse fosse o jeito dela de deixar toda aquela situação estranha menos estranha pra gente voltar a se falar como antes... Ou era a doidera comum da minha irmã mesmo...

— Não é culpa minha, Kagamine-kun! – Shion-kun dizia sorrindo – O universo conspira contra nós...

— Sei...

Agora eu já sabia que ela fingia que estava brava. Quando dei um soco no Shion-kun, ela estava prestes a explodir. Acho que se não fosse a Meiko-san conversar com ela, ele teria ficado todo roxo.  Era estranho pensar em como tudo aquilo aconteceu agora, parecia até um tempo distante...

— Ei! – disse Kamui-kun, vindo por causa da bola – Desculpa, Kagamine-kun, o Mikoto não consegue se controlar...

— Eu ouvi! – Kimura-kun gritou.

— Não foi nada – respondi, sorrindo.

— Não querem jogar com a gente? – Kamui-kun perguntou. Obviamente, ele estava se referindo a mim e a Shion-kun, o que seria extremamente desconfortável há um tempo atrás...

— Claro – Shion-kun respondeu – Vamos, Kagamine?

Ele tinha se virado para mim com aquele olhar doce e meigo que tinha me feito derreter tantas vezes. Confesso que alguns resquícios ainda estavam dentro de mim, ainda mais agora que toda aquela confusão tinha virado passado. Não que eu fosse voltar para ele ou algo do tipo – acho que neste ponto não faria bem pra nenhum de nós dois – mas ainda acho ele um fofo e bonito.

— Claro – disse e, correndo em direção à rede, gritei: – Se prepare para vingança Kimura-kun!

Shion-kun acabou me ensinando algo muito importante com tudo aquilo, isto eu não podia negar. A nossa história tinha me ensinado que eu não devia me sacrificar só pra agradar ele, ou me sentir mal em segredo. Daquele jeito nunca teria dado certo mesmo. Quem sabe da próxima vez que eu me apaixonar por alguém a gente pegue o jeito da coisa?

♥

Os meninos tinham ido jogar vôlei, deixando-me sozinha com a Hatsune-san. O assunto entre nós duas meio que havia morrido com meus comentários à Lenaito – ou Kaiten –, então olhávamos para o horizonte, perdidas entre as ondas.

Eu ainda não tinha perdoado Shion-kun completamente. Ele foi um idiota dos grandes. Depois daquele dia que ficamos trancados, comecei a rever todas as situações entre os dois e, de fato, algo daquele estilo só estava esperando para acontecer. Eles eram bem diferentes dos meus yaois. E os dois tinham muito a perder com isso! Um personagem como o Shion-kun jamais iria ser o mocinho em uma fic minha. Misericórdia! Alguém que além de não ter certeza dos próprios sentimentos, fica no chove não molha com o protagonista fofinho...

Estou mais tranquila quanto a isso – Meiko-san e o próprio Len me ajudaram a superam essa desilusão – tanto que voltei a chamá-lo pelo sobrenome. Mas não seria bom eles ficarem juntos. Acompanhando toda a história de perto, levaria muito tempo até que os dois possam se encaixar nos protagonistas perfeitos para não machucarem um ao outro... É um final super anticlimático, mas fazer o que? Não vou deixar que meu Len sofra de novo. Ele merece algo que dê certo antes de qualquer desilusão amorosa!

Hm... Isto é algo a se pensar...

— Hatsune-san – disse, como quem não queria nada – quais meninos você acha que são bonitos na nossa sala?

— Nossa! – ela exclamou – Que do nada! – depois de uns segundos, ela deu aquele típico sorrisinho curioso dela e acrescentou: – Tá interessada em alguém?

— Não! Não! – disse. Apesar de toda a confusão, Hatsune-san ainda não sabia que Len era gay. Eu não ia deixar acontecer com meu irmão o que aconteceu com Kamui-kun, mas também não iria ficar espalhando o segredo aos quatro ventos... Quando ele quiser contar, ele conta, estarei ao lado dele para o que der e vier.

— Seiii... – ela respondeu – Mas você não vai gostar muito da minha resposta.

— Por que diz isso?! – agora era eu que me surpreendia. A Hatsune-san era uma figura tão excêntrica que qualquer coisa poderia sair da boca dela naquele momento. E, provavelmente, eu nem iria me espantar...

— Porque o cara mais bonito na nossa sala é o Kagamine-kun.

O QUÊÊÊÊÊ?!!!! Não! Não! Para o mundo que eu quero descer! Como assim a Hatsune-san solta uma coisa dessas agora! Isto não vai virar um romance hétero! Não mesmo! O Len pode até se descobrir bissexual, mas nunca que toda esta história vai acabar com ele ficando com uma menina! NUNCA! Isto é sacrilégio!

— Mas desencana – ela continuou, vendo que eu demorei um pouco para responder – eu sei que ele é gay.

O QUÊÊÊÊÊ?!!!! A Miku virou vidente agora?! Será que ela poderia prever se minha fic ganharia mais views ou se meu ship preferido finalmente iria acontecer na próxima temporada?!

Ela realmente uma caixinha de surpresas... Parecia que tinha escolhido as únicas coisas que me espantariam se ela falasse.

— Surpresa? – ela perguntou – Eu até poderia dizer que adivinhei, mas, na verdade, ele me contou esses dias...

— Oras, mas – retruquei, ainda um pouco perplexa – por quê?

Já estava imaginando uma cena ao pôr-do-sol com Hatsune-san se declarando para o meu irmão e ele todo sem graça dizendo que não poderia porque “da fruta que você gosta eu chupo até o talo”... Tá! Len não seria tão incisivo assim, mas seria legal se ele tivesse respondido isto.

— Calma, calma – ela começou a rir – eu não me declarei para ele nem nada do tipo – e de vidente foi para leitora de mentes – o Kagamine-kun só me puxou para um canto e disse que eu era a única aqui que não sabia disso e que eu era uma pessoa legal e tals, então ele ficaria feliz de me contar...

Que maduro – e inteligente – da parte de meu irmão! Ele aprendeu bastante com tudo que aconteceu, hein?

— E porque a senhorita não me contou isto assim que soube?!

Ela sorriu ainda mais e olhou na direção dos meninos:

— Vingança pelos segredos que você guardou por todos esses meses e me fizeram passar a maior vergonha na frente de todo mundo... E tirar o Kamui-kun do armário sem querer.

Olhei bem para Miku. Ela não demonstrava estar com raiva de mim nem nada do tipo.

— Olha, desculpa – disse, constrangida – eu não queria te contar porque era um segredo do Len, mas não deveria ter te deixado tão no escuro ao ponto de você bolar aquela teoria doida sobre o Kamui-kun traindo a Megurine-san...

— Desculpas aceitas! – ela disse animada – A propósito, quer saber como eu cheguei nessa ideia?

— Quero!

Com todas as preocupações que rodeavam minha mente quanto ao Len, o Shion-kun e o Kamui-kun, eu nem tinha percebido que um dos momentos que eu mais ansiava naquela história toda parecia não chegar nunca: eu e Hatsune-san comentando tudo que tinha acontecido, rindo das coisas mais aleatórias e bestas que os três nos tinham proporcionado enquanto espectadoras...

♥

Conversamos sobre tudo. As aulas de yaoi que ela deu para o Kagamine-kun.  A vez que eu suspeitei que alguma coisa acontecia entre os dois. A briga no restaurante. O jantar na casa de Megurine-san. Quando nós duas resolvemos seguir pessoas. A ligação da Meiko-san. As loucuras de verão. Minha paranoia com garotas alienígenas...

Foi incrivelmente divertido botar a fofoca em dia. Trouxe um alívio para mim e, tenho certeza, para Kagamine-san também...

Olhávamos para o mar enquanto conversávamos, onde Meiko-san e Megurine-san se entretiam nas ondas. Dava para ver que as duas estavam se divertindo pra caramba... Será que seríamos assim, a Rin e eu? Continuaríamos amigas mesmo depois da faculdade ou até se mudássemos de cidade que nem fez a Meiko-san? Ou tudo acabaria na formatura do terceiro colegial?

Ela sorria para mim e eu sorria para ela. Sabíamos que aquele era um momento que iríamos falar pelos meses de aula que tínhamos pela frente. Um momento carinhoso, que guardaríamos no fundo de nossos corações.

— O que será que o próximo semestre espera da gente, Kagamine-san? – eu perguntei, quando o assunto sobre Shion-kun e Kagamine-kun começou a minguar.

Ela se virou para mim, levemente surpresa. Eu sabia muito bem que ela sempre achava que o que eu falava era algo surpreendente. Não poderia deixar de negar que isto me deixava acanhada e um pouco envergonhada. Era quase como um elogio para mim.

— Ah... Sei lá – ela respondeu – Não é como se eu pudesse prever nas últimas férias que meu irmão ia se declarar pro Shion-kun...

Nós duas rimos. O sol brilhava e o futuro parecia lindo, cheio de fofocas para papear.

♥

Não tenho ideia de quanto tempo ficamos na água pulando as ondas, mas nossos dedos já estavam enrugados quando eu perguntei para Meiko se não poderíamos relaxar um pouco na areia. Ela concordou, depois de jogar uma montanha de água em cima de mim, e fomos voltando calmamente.

A primeira pessoa em que meu olhar repousou foi Gakupo, que jogava animadamente vôlei com os outros meninos. Ele e o Kimura-kun tinham se aproximado bastante nos últimos dias, não tinha como prever se aquilo duraria depois do verão ou se era apenas um lampejo... Luka, contenha o ciúmes! Isso não deve importar desse jeito... Gakupo depois te contará tudo na volta para casa...

Confesso que essas semanas não foram exatamente fáceis, era bastante coisa para se pensar e desapegar. Claro que fiquei muito feliz que Kaito foi perdoado por todos. Assim como ele e Kagamine-kun terem decidido não ficar juntos, era uma decisão sábia. Talvez, se eu pudesse voltar no tempo, teria tomado esta decisão com Gakupo, assim que ele me contou sobre a sexualidade dele. Mas o tempo não volta por mais longa que seja a rota...

Pera! Nota mental: escrever isto assim que voltarmos à Blue Star.

Eu acabei focando minhas desilusões em letras de música. Eu não estava com nenhum instrumento à mão, mas ia anotando as ideias que vinham na minha cabeça... Quem sabe eu musicaria quando voltássemos para a rotina da cidade? Por um lado positivo de tudo aquilo, pelo menos inspiração não faltava...

Eu ainda olhava Gakupo. Ele parecia muito feliz, assim como eu estava. Era incrível imaginar que o que mais precisávamos para resolver nossos problemas era justamente nos separarmos...

— Corrida até a praia! – gritou Meiko, assustando-me – Um, dois, três, já! – e saiu correndo.

— Ei, assim não vale! – sai correndo atrás, rindo.

Fazia muito tempo que eu não ria como estava rindo naqueles dias...

♥

Eu percebi quando Luka chegou à praia com Meiko-san, não era como se eu pudesse desligar anos de proximidade do nada. Sabia que ela também tinha reparado em mim, jogando vôlei. Na verdade, o mais preciso é perdendo no vôlei.

— Vai comer poeira, ein, Gakupo!! – gritava Kaito do outro lado da rede.

Kaito e Kagamine-kun estavam próximos de ganhar o segundo set. Era esquisito ver duas pessoas pelas quais me apaixonei assim na minha frente, agora que eu estava saindo com outra pessoa. Tudo tinha corrido de uma forma tão natural desde que saí do armário... Deveria ter saído antes, não tinha porque ter medo de meus amigos me abandonarem por ser quem sou...

Todo mundo tinha aceitado tão tranquilamente. Aquilo estava explodindo em minhas entranhas: o que iriam pensar? O que iriam falar de mim? E tudo acabou assim... puf! De manhã estava fingindo que namorava a Luka e de noite tinha saído do armário e já estava com um peguete...

E que peguete, devo dizer! Tudo bem que Mikoto é péssimo no vôlei, mas é tão sexy, tão legal, tão divertido... Será que nossa relação iria durar além daquele verão? Tentei fugir durante essas duas semanas dessa pergunta fatídica... E agora estávamos ali, no último dia de nosso romance de verão.

Eu iria perguntar para ele hoje à noite o que ele achava melhor. Minha paixonite pelo Kaito e pelo Kagamine-kun ainda não tinha passado por completo, mas com certeza eu estava muito melhor quanto tudo aquilo. Iria achar um pouco triste se o Mikoto quisesse deixar tudo apenas no verão, porém iria entender.

Quando voltássemos um novo futuro me esperava... Mal podia esperar para voltar a me aproximar de fato de Gumi-san... Quem sabe até ganharia coragem para me abrir para ela também?

♥

Luka e eu deitamos com tudo na areia, cada uma no seu estilo: ela se postou calmamente na tanga esticada e eu me joguei na areia molhada e lamacenta de perto do mar. Ríamos e conversávamos como nunca naqueles últimos dias... Era realmente uma volta as raízes de nossos tempos de colegial.

Toda a história da Luka e do Gakupo estava resolvida, finalmente! Uma leveza tinha percorrido meu ser de uma forma que me sentia muito mais tranquila com tudo... Com as férias, com o Kaito, com a peça... Eu e Kimura-kun iríamos voltar a nossas vidas normais, a peça estrearia, todos estariam lá para presenciar nosso espetáculo...

Iria dar certo! Claro que não mantinha minhas expectativas super altas e já esperava um sucesso de crítica, mas a venda dos ingressos bem que poderiam pagar os gastos que tivemos com a peça... Sem contar que teríamos um público, ao vivo, vindo toda semana...

Eu tinha encontrado o que procurava. Era muito gratificante poder dividir este verão com todos eles. Sentir-se parte de uma turma de novo. Kimura-kun com certeza se sentira da mesma forma... Por qual outro motivo ele iria naquela noite pedir para continuar seu romance com o Gakupo mesmo depois das férias?

♥

Tínhamos vencido Gakupo e Kimura-kun no vôlei. Tinha sido uma partida bem divertida. Era muito bom poder dividir um tempo assim com o Kagamine-kun sem toda aquela tensão e expectativa entre nós dois... Ali, na praia, podíamos ser nós mesmos. Não precisávamos agradar um ao outro o tempo todo e eu não precisava provar que gostava dele o tempo todo.

Andávamos para onde estavam Kagamine-san, Hatsune-san, Luka e... Meiko-san. Era ainda meio tenso ver ela assim, linda e doida, deitada na areia. Talvez devesse ser assim que Kagamine-kun se sentia quanto a mim depois que ele me desculpou e tudo se resolveu... Bem, de minha parte, ele também não deixou de ser fofo...

É complicado se apaixonar, não tem como não sair machucado... Tipo, tudo isso tinha começado porque eu não queria machucar o Kagamine-kun do jeito que a Meiko-san acabou me machucando no passado, e, no fim, todo mundo acabou machucado... Até o Gakupo!

Naquelas duas semanas eu estava tentando compensar por tudo que tinha feito. Não só com o Kagamine-kun e com o Gakupo, mas também com todo mundo... Mesmo o Kimura-kun, pra quem dei um pouquinho de ódio gratuito.

Como Meiko tinha me dito naquela noite, o futuro só dependia de mim e pode até parecer meio piegas, mas esse futuro parecia brilhante.