— EU NÃO ACREDITO! – gritava Kagamine-san, agarrando-se as grades do portão – COMO A MEIKO E A MEGURINE-SAN SAEM E DEIXAM A GENTE TRANCADO AQUI?! – ela balançava as grades com força o que deixou todo mundo meio receoso de que o portão pudesse quebrar.

Todos menos eu estavam na área, logo atrás de Kagamine. Era como se esperassem que as reclamações dela abrissem magicamente o portão ou que trouxessem a Meiko-san e a Megurine...

Não que eu não estivesse assistindo a situação toda também, mas, para todos os efeitos, eu não estava ligando para ninguém. Meus óculos escuros ajudavam a disfarçar o percorrer do meu olhar assim como não deixava ninguém perceber o quanto meus olhos estavam vermelhos e inchados por causa de ontem à noite.

Na verdade, eu não tinha conseguido dormir. Depois de conversar com a Meiko-san e afagar as mágoas, minha cabeça não parou por um segundo. Eu tinha que pensar em como consertar as coisas, não só com Kagamine-kun, mas com todo mundo. Se eu ficasse me lamentando, nada ia acontecer... Não sei o que faria se a Meiko não tivesse aberto meus olhos para isto.

Será que essa jogada de trancar todo mundo aqui dentro foi pra me dar uma chance? Não tinha mesmo como eles fugirem do que quer que eu falasse, e talvez, se as coisas continuassem do jeito que estão, ninguém mais falaria comigo quando voltássemos da praia...

Mas o que eu poderia falar? Uma desculpa não iria adiantar de nada... Nenhum tipo de explicação ou justificativa ia colar também... Ainda mais com tudo tão recente na cabeça de todo mundo... Eu precisava dar um jeito de fazer eles me escutarem de mente aberta... Não que eles fossem obrigados a me desculpar, mas que pelo menos me dessem a chance...

Eu sei que o Kagamine-kun me deu várias oportunidades para isto. Muitas mesmo. E eu só foi um idiota em todas elas. Como eu não pude perceber que tudo aconteceu?! Fui tão tão... Alheio... Sei lá... Se eu estivesse no lugar dele não sei se me ouviria também...

— Ah, se pelo menos ela não tivesse esquecido o celular aqui! – reclamou de novo Kagamine-san – Será que elas saíram há muito tempo?

Os outros começaram a responder suas suposições, nada que agregasse muito ao cenário atual. Era óbvio que as grandes revelações tinham ficado para a noite passada...

— Talvez isso tenha sido uma coisa boa... – disse, já esperando que ninguém fosse dar atenção.

De fato, ninguém virou a cara para mim. É... Acho que desperdicei a chance que você me deu Meiko-san... Não tinha como convencê-los ou conversar com eles dessa forma...

— Como assim, Shion-kun? – assustei-me com a voz. Ela parecia ter surgido em um espaço em que, estranhamente, todos haviam ficado quietos. A origem era ao mesmo tempo a mais óbvia e a mais inusitada de todas as possibilidades ali: Kimura-kun.

Virei meu olhar para ele. Será que estava fazendo uma armadilha para me ferrar ainda mais? Ou estava tentando me ajudar? Aquele rosto sem expressão dele era um enigma. Kamui-kun fez um olhar repreensivo para ele, que pareceu não notar. Kagamine-san e Hatsune-san me fitavam, já desafiando a minha futura resposta. Kagamine-kun era o único que desviava o olhar.

Concentre-se Kaito, concentre-se! Essa é a sua chance de consertar tudo!

Tirei os óculos. Corri meu olhar. Sentia um misto de raiva de todos, inclusive de mim mesmo. Paralisei na figura de Kagamine-kun. Eu tinha de falar olhando para ele. Se aquilo era para se resolver, tinha de ser na cara dele.

— Bem... – comecei, tropeçando nas palavras – Eu queria conversar com todos vocês...

— E o que VOCÊ teria de tão importante pra dizer?! – retrucou Kagamine-san.

Aquilo estava realmente me irritando. Eu sei que não tinha o direito de me sentir assim, mas não pude evitar:

— Que tal você diminuir a bola um pouco e me escutar?! – todos ficaram chocados, se eu ficasse um segundo calado, aí que não me ouviriam mais – Eu tô querendo dizer que eu sinto muito, tá?! Não tô querendo dizer que vocês tem que me perdoar ou algo do tipo, mas eu sou um ser humano! Eu cometo erros! Vocês nunca cometeram erros na vida de vocês?!

Kagamine-kun olhou para mim. Aqueles olhos azuis estavam indecifráveis. Não tinha como concluir se este fato tinha sido algo bom ou algo ruim. Decidi continuar:

— Não tô dizendo que vou reparar tudo só pedindo desculpas, só que... – meu corpo tremia de nervoso – Me deem uma chance! Eu posso ser alguém melhor! Eu aprendi com tudo isso! Não me isolem, por favor...

— Oras – disse Kagamine-san, ainda espevitada – não é como se meu irmão ou Kamui-kun não tivessem dado dezenas de chances pra você, não é?

— Mas...

— Não importa! – o grito dela de alguma forma soou mais alto – Você pisou na bola vezes demais para ser perdoado assim!

Era o meu fim. Sabia! Maldita hora que fui querer sair com o Kagamine-kun! Maldita hora que inventei de vir pra praia! Por que raios eu falei aquilo no Jogo do Rei?! Idiota! Idiota! Agora eu ia perder todo mundo... E o que ia ser de mim na faculdade? Eu só ia ver todo mundo junto como se estivesse numa redoma de vidro?

— Rin... – disse Kagamine-kun, surpreendendo todo mundo que se encontrava ali – Pode parar...

— Como parar, Len?! – a raiva dela parecia aumentar na mesma intensidade que a minha estava diminuindo – Por causa dele você perdeu seu primeiro beijo! Ele ficou te enrolando meses com esta história e te fez passar por um monte de coisa por nada! Ele te usou, Len!

— Muito obrigado, Rin, por dizer isso na frente de todo mundo! – ele tinha gritado na mesma intensidade que ela, era tão incomum pra ele elevar a voz assim...

— Len, desculpa, eu não...

— Relaxa – ele disse, seco – eu tenho que resolver meus próprios problemas! Eu cuido disso – ele foi se aproximando de mim, os passos ecoando como se fossem terremotos indo ao meu encontro.

Ele parou bem na frente do lugar que eu estava sentado. Aproximou-se cada vez mais. Eu estava paralisado. Não tinha como reagir. Aquilo tudo estava acontecendo rápido demais... Como algo que parecia ter acontecido e se arrastado por anos ia se resolver assim em minutos?

Foi aí que ele me beijou.

Eu não entendi porcaria nenhuma e muito menos o que ele queria com isso. Mas eu ia retribuir, senti que deveria. Que queria retribuir... Foi ali, naquele momento, que percebi o quão estava errado sobre o que falei pra ele no Jogo do Rei. Aquilo era...

Antes mesmo que eu pudesse retribuir e o beijo se tornar mais que um selinho, uma dor latente veio em minha bochecha. Abro os olhos que tinha fechado por impulso, sem nem ter percebido. Kagamine-kun tinha me dado um soco com a mão direita. Estava arfando, como se tivesse corrido uma maratona.

— Isso foi o que você fez comigo, Shion-kun! – eu achava que ele fosse chorar, mas parecia tão forte e bravo que qualquer lágrima ali seria uma figura improvável – Você ficou me iludindo por todo este tempo! Por que não me disse logo no começo que não retribuía meus sentimentos?! Droga!

Ele se jogou no sofá, sentando com tudo ao meu lado.

— É claro que eu te perdoo seu idiota! Dá pra ver que você se arrependeu e tudo mais... – eu não podia acreditar! Ele estava me perdoando! Isso era... – Mas NUNCA espere que as coisas voltem a ser como antes! NUNCA!

Aquilo eu merecia.

Kagamine-kun bufou e fechou os olhos, como se estivesse descansando de tudo aquilo.

Virei meu olhar para os outros ali trancados. Dava para perceber que ninguém sabia direito o que fazer ou o que falar depois daquilo. Então é claro que foi justamente neste momento que a mágicas de Kagamine-san surtiram efeito com Meiko-san e Megurine surgindo no portão:

— E aí? Conseguiram resolver tudo de uma vez? – Meiko disse, enquanto destrancava a porta.