Sanji estava sentado numa mesinha no shopping pouco movimentado havia dias. Aliás, dias não, semanas. Não, não havia dias, muito menos semanas, mas era assim que ele se sentia. Ele havia combinado com uma garota que conheceu no dia anterior de se encontrarem nesse pequeno café. Ele chegou muito antes do horário combinado, obviamente nunca correria o risco de deixar uma dama esperando, e sentou-se na mesinha. Pediu um café para não ficar lá sem consumir nada e aguardou.
Sanji não era do tipo que desistia fácil, então seria necessário muito mais que alguns poucos minutos para fazê-lo perder a paciência e ir embora. Tampouco conseguia pensar tão mal de uma lady a ponto de achar que ela não teria educação e não viria sem pelo menos avisar. Mas, fazia tanto tempo que ele estava sentado, e as xícaras de café acumuladas na pequenina mesa eram tantas, que ele começou a ficar desesperançoso. Ele era fã de números redondos, então esperaria dar cinco horas exatas de espera para poder se dar por vencido e deixar o recinto.
O problema é que já estava ficando louco de tédio. E para piorar, não podia fumar dentro do shopping. Aquela placa de "Não fume" bem na sua frente era uma tortura para ele, apenas o lembrava do quanto precisava de um cigarro. Até pensou em dar uma rápida saída para acender apenas um, umzinho só, mas não correria o risco da mellorine aparecer e ele não estar ali. Então se contentava com a cafeína de seus numerosos cafés, e com o palito que mantinha entre os lábios, rolando pela boca com a língua e, eventualmente, tragando falsamente como faria com um cigarro de verdade. Ainda faltavam longos e tediosos minutos, e ele mexia a colher na xícara vazia. Já havia tentado passar o tempo desenhando aleatoriedades no bloquinho de notas que sempre carregava consigo, chegando até a desenhar um padrão atrás de todas as trocentas folhas dele.
Sua mesa ficava bem do lado do local em que dava para ver o andar debaixo e ele tentou se distrair observando o vai e vem das poucas pessoas que passavam no andar abaixo, se entretendo vez ou outra em identificar alguém passando pela segunda vez e imaginando o que deveriam estar fazendo. Observou o segurança do shopping, o qual ele identificou pelo seu segway, passar exatas 37 vezes, parando uma vez para pedir a um rapaz que retirasse os pés do banco e uma para dar alguma informação a uma senhora. Observou uma velhinha demorar exatos dois cafés e meio para atravessar a praça de alimentação com sua bengala. Observou várias mulheres maravilhosas fazendo coisas maravilhosas de mulheres e suspirou em voz alta incontáveis vezes se imaginando ao seu lado, atendendo a todos os seus pedidos, segurando suas compras e comprando tudo que desejassem em qualquer vitrine.
Então, ele avistou algo inusitado. Um homem de cabelos verdes. Ele nunca havia visto isso em toda sua vida, embora soubesse que hoje em dia havia se tornado relativamente comum ver jovens com os cabelos das cores mais inusitadas. Mas, com certeza a combinação de uma cor tão excêntrica com a roupa formal que o homem estava usando era estranha. Até então, estava tudo relativamente normal. Porém, ele viu o homem passar de novo. E de novo. E novamente. Será que aquele homem estava perdido? Não podia ser. Era bom demais para ser verdade. Pensou até que ele poderia estar procurando uma loja específica ou algo do gênero, mas depois de algumas vezes ficou claro que ele estava apenas andando em círculos eternamente.
Era um shopping ridiculamente minúsculo, como diabos alguém se perderia? Até a senhora de seus 90 anos que havia passado mais cedo saberia se movimentar facilmente por ali. E ele até mesmo havia perguntado algo ao guarda, mais de uma vez, com certeza a direção de onde queria ir. Será que ele tinha uma visão horrível? Ou será que todo aquele musgo havia afetado o cérebro dele de alguma forma? De qualquer maneira, era hilário. E fazia maravilhas em relação ao tédio de Sanji. Aguardava ansioso olhando para o andar de baixo, esperando o pontinho fosforescente aparecer, e sequer estava vendo o tempo passar. Estava longe, mas se espremesse seus olhos um pouquinho poderia jurar que conseguia ver a cara de idiota do retardado.
Sanji começou a desviar o foco apenas para a criatura verde, esquecendo-se de contar nas vezes em que o guarda passou e até mesmo esquecendo de observar as mellorines. E, por algum motivo, apenas encarar não parecia o bastante. Sanji sentia um desejo ancestral, instinto, uma vontade irracional de provocar o idiota. Como cutucar um tigre muito bravo e retardado. Hilário. Se ele não acabasse com dentes em sua garganta...se bem que esse resultado também não parecia tão mau assim.
Então, atendendo a seus desejos, ele pegou um guardanapo da mesa e amassou. O papel, como esperado, não se tornou uma bolinha perfeita, e com certeza não teria a aerodinâmica desejada. Então, Sanji tirou do bolso do paletó seu bloquinho e arrancou uma folha do bloco. Desta vez, o papel se tornou de fato uma bolinha, e ele esperou o imbecil passar de novo. Estava se sentindo uma criança de cinco anos. Uma criança de cinco anos competindo com outra criança de cinco anos. Não se reconhecia. Estava numa posição absolutamente infantil. E pior, ainda iria ser mal-educado e sujar o shopping com bolinhas de papel. Ele abaixou o braço que estava mirando e suspirou. Porém, quase como se fosse ensaiado, a briófita surgiu novamente. E seus instintos mandaram se calar o cavalheiro que havia dentro de si, dando lugar ao temperamental boca suja que existia ali dentro. Ele então mirou e atirou a bola com precisão olímpica.
Acertou o alvo esverdeado que parou imediatamente, confuso. Sanji pensou em se esconder, e seu lado cavalheiro já estava morrendo de vergonha de suas atitudes, mas seu lado infantil decidiu que seria muito mais divertido fazer a melhor cara de paisagem possível e continuar normalmente mexendo na xícara vazia, como se nada tivesse acontecido. O homem lá embaixo apenas olhou ao seu redor e deu de ombros. Isso apenas da primeira vez, claro. Na segunda, ele pegou a bolinha e abriu, seu rosto parecendo mais idiota ainda na visão distante de Sanji, e guardou o papel no bolso. Depois da décima (?), trigésima (?), centésima (?) bolinha guardada no bolso já cheio o cara pareceu começar a se irritar.