A Hospedeira - Coração Deserto escrita por Laís, Rain


Capítulo 23
Identidade


Notas iniciais do capítulo

It's amazing
With the blink of an eye
You finally see the light
Oh it's amazing
When the moment arrives
You know you'll be alright
Yeah it's amazing
And I'm saying a prayer
For the desperate hearts tonight

(Amazing - Aerosmith)



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POV Estrela

Ian não ficou por muito tempo. Pouco depois de eu ter lhe garantido pela enésima vez que Logan devolveria o tanque de Peregrina assim que mostrássemos para ele que eu estava segura aqui, ele se foi.

Foi melhor assim. A presença dele deixava meus sentimentos confusos e eu decidi que não queria mais aquelas sensações. Eu agora estava sedenta por outras, por sensações que fossem minhas e não deste corpo.

Eu podia ouvir sua voz ressoando pelos corredores de vez em quando, então eu soube que, apesar de ser difícil ficar ao meu lado, ele também não conseguiria se afastar. Devia ser terrível para ele estar perto de Peregrina e ainda assim não estar. Ian já tinha passado por isso antes com Mel, mas eu tinha certeza de que, neste caso, experiência não facilitava muito as coisas. Isso só me deixava mais ansiosa por devolver o corpo de Peregrina e tirá-lo dessa angústia.

Suspeitei também que ele se mantinha por perto para garantir que eu ficaria bem. Não precisava. Doc estava comigo e Mel e Jamie voltavam sempre, revezando-se no papel de me atualizar sobre as reações do pessoal às “novidades”.

— Todos os amigos de Peregrina estão felizes – disse Jamie. – E eu tenho certeza de que eles vão gostar muito de você. Eles só não vieram aqui te conhecer, porque Doc disse que você precisa descansar.

— E precisa mesmo! – exclamou Doc, agoniado com o fato de que eu não queria permanecer deitada no catre. – Você e o bebê passaram por uma boa hoje. É melhor ficar de repouso.

Depois de algumas horas, Doc já estava se acostumando a mim. Ele ainda não me olhava diretamente, em vez disso, falava comigo dando-me breves olhadelas por cima dos óculos, nos intervalos da leitura de um livro. Acho que era difícil para ele ver outra Alma no corpo de Peregrina, mas ele estava se esforçando, sua voz ficando cada vez mais suave e seus gestos cada vez menos constrangidos quando chegava perto de mim.

— Oh, Doc, eu estou bem! Estou descansando desde que cheguei a este planeta.

— Um motivo a mais, Estrela. Isso quer dizer que seu corpo está frágil e deve ser preservado.

— Tudo bem, eu prometo ficar bem quieta, mas deixe-me ao menos conversar, ficar perto das pessoas. Eu me lembro tão bem de todos, mas nenhum deles me conhece.

— Eu compreendo, mas você terá tempo.

Ao dizer isso, ele me olhou nos olhos pela primeira vez e eu soube que ele já tinha me aceitado completamente.

— Doc tem razão – disse Jamie. – Você terá tempo para fazer amizade com todo mundo. Durma um pouquinho e depois eu volto.

Jamie curvou-se ligeiramente sobre mim, ele estava tão alto agora! Achei que ele ia me dar um beijo, mas não deu. No meio do caminho, ele mudou de ideia, lembrando-se de que não era para mim aquele gesto. Em vez disso, ele passou a mão levemente em minha bochecha, um gesto que me lembrou Logan.

— Tchau, Estrela – ele disse, com seu sorrisinho honesto.

— Tchau, Jamie – respondi, grata por ele se lembrar que eu era outra pessoa e dedicar a mim um carinho que era contido e singelo, mas que era para mim e não para Peg.

Depois que Jamie saiu, eu decidi obedecer Doc e me deitei um pouco. Meu pensamento voou rapidamente para fora dali. Eu quis tanto chegar, mas agora me sentia exatamente igual a antes, como se estivesse num tipo de prisão. Bom, não exatamente igual. Antes, Logan estava comigo o tempo todo.

— Doc, você acha que mais tarde eu poderia ir lá fora?

— Bem, mais tarde o calor vai ficar mais ameno e se seu corpo tiver descansado o suficiente... Mesmo assim eu não acho que seja uma boa ideia – disse ele, num tom meio repreensivo. — Mas por que você quer ir lá fora depois de todo seu sacrifício pra chegar aqui dentro?

Soltei um risinho involuntário. Ele tinha razão. Isso me fazia sentir uma maluca. Na verdade, eu não sabia o que estava sentindo. Eu só tinha uma necessidade enorme de ser eu mesma, de não ser lembrada a todo o momento de que eu não era Peg e ter a ilusão de que isso não fazia diferença, que não fazia ninguém sofrer. Só havia uma pessoa que me fazia sentir assim.

— Bom, é que Jeb não permitiu que Logan entrasse, então...

— Ah! – disse Doc, como se tivesse sido subitamente lembrado da existência de Logan. – Ele não está lá. Ele e Jeb saíram pra buscar os remédios de que você precisa.

— Saíram? Para onde? Mas não é arriscado demais?

Eu não tinha exatamente boas lembranças da última incursão de que Peg participou, por isso o sobressalto de pavor. Logo em seguida, senti-me uma boba, que perigo podia haver para Logan?

— Jeb sabe se cuidar – respondeu Doc, sem sequer atinar por quem era meu temor inicial, mas quando ele me lembrou de Jeb fiquei um pouco inquieta. – E eles voltam logo. Só foram até Tucson – completou ele, mas não foi de muita ajuda.

Permaneci inquieta, sem saber ao certo por quê. Eu sabia que Logan cuidaria de Jeb e também sabia que não havia nada neste mundo que o fizesse nos entregar. Mas e se este lugar fosse estranho demais para ele? E se a proximidade com os humanos fosse mais do que ele pudesse suportar? E se ele não tivesse pensado sobre isso, mas ao chegar em Tucson se lembrasse de como é ser livre? De como é viver longe de todos os problemas que se agarram a mim desde que ele me conheceu?

Logan era tudo o que eu tinha, agora eu me dava conta disso. Quando eu estivesse em outro corpo, as lembranças de Peg, que eram tão valiosas para mim, seriam apenas lembranças, não só de outra hospedeira, mas também de outra vida, de uma vida que não era minha. Eu continuaria amando os humanos, tenho certeza. Esse amor estava impregnado em mim, ele me revestia como a minha própria pele. Mas sem a ressonância tão forte que as lembranças dela tinham neste corpo, seria um amor diferente. Um amor meu, talvez composto por minhas próprias lembranças, eu esperava.

Mas com Logan era diferente. Ele era meu. Sempre tinha sido. E eu simplesmente precisava dele. Eu tinha estado iludida pelo fascínio das lembranças deste corpo, pela intensidade destas emoções, pela necessidade premente de chegar até aqui. E eu tinha achado que conseguir seria o suficiente. Mas não foi.

Cada hora que eu passava longe de Logan me mostrava o quanto eu estivera errada em supor que poderia abandoná-lo. Não se pode abandonar sua identidade. Não se pode abandonar aquilo que te diz quem você é. E não existia nada sobre mim que não estivesse ligada a ele, cada parte do meu ser fragmentado era vista por mim através dos olhos dele.

Para Ian e Mel, eu era uma espécie de imposição, talvez agradável, mas uma imposição. Para Jamie, Jared, Doc e Jeb, eu era alguém com quem eles podiam se acostumar. Para os outros, eu era apenas uma desconhecida, talvez uma situação incômoda que eles mal teriam tempo de estranhar. Mas para Logan, eu era uma escolha.

Ele tinha escolhido estar comigo quando sabia que eu era incapaz de escolhê-lo. Tinha feito inúmeros sacrifícios por mim, sem que eu ao menos os tivesse merecido. Agora mesmo, enquanto eu me dava conta da importância dele em minha vida, eu já me sentia fraca demais para fazer o sacrifício que ele merecia. Novamente, eu me sentia fraca demais para escolhê-lo, porque, por mais que eu quisesse ir embora para Phoenix e passar o resto desta vida ao lado dele, permitindo que ele fosse quem era, eu sabia que não conseguiria.

Se por um lado havia essa vida, uma vida sem humanos, sem problemas, uma vida às claras e sem mentiras, por outro lado havia Peg. E Ian. E Mel. E todos aqueles que eu jamais conseguiria esquecer. Acima de qualquer outra coisa, havia John.

Havia este bebê que eu carregava, concebido pelo amor daquela Alma que, mesmo sem saber, tinha me ensinado o significado do que é sentir, e daquele humano que eu também amava de certa maneira. Havia este bebê que eu tinha gerado até aqui e que, mesmo que em breve não estivesse mais no meu corpo, estaria para sempre dentro de mim. Pensar em ficar longe dele era simplesmente inconcebível.

Levei as mãos à barriga, aquele gesto já tinha se tornado quase automático e, em sua simplicidade, me comunicava com minha essência. Fechei os olhos e desejei com todas as minhas forças que o amor de Logan por John fosse tão grande quanto o meu, mesmo achando que isso seria impossível, porque pensar em John fazia todo o meu corpo estalar de alegria.

Quando abri os olhos novamente, percebi que tinha apagado por um tempo, pois já estava escuro. Foi impressionante que eu tivesse conseguido dormir com tantas ideias fervilhando em minha mente, mas meu corpo estava realmente cansado e, para falar a verdade, meu coração também.

Levantei-me devagar, ajustando meus olhos ao lusco-fusco da lâmpada artificial. Procurei por Doc, mas em vez dele havia uma garota bonita de olhos grandes e cabelos cacheados.

— Olá – ela disse. – Doc precisou sair um momentinho, então eu vim aqui ficar com você.

— Sunny! – exclamei, abrindo meus braços para ela sem pensar.

Para minha surpresa, ela veio ao meu encontro, dando-me um abraço carinhoso, como se me conhecesse. Eu afundei meu rosto nos cabelos dela e fiquei tão feliz que achei que fosse explodir.

— Você não... – Não consegui terminar a pergunta, porque, para falar a verdade, não estava tão a fim de ouvir a resposta.

— Não – ela respondeu mesmo assim. – Não me importo que você não seja Peg. Só fico muito feliz que você a tenha trazido de volta e que haja mais uma de nós aqui.

— Obrigada – eu disse.

— Como você está? — ela perguntou com sua doçura que era quase uma carícia.

— Com medo – respondi, sinceramente.

— Eu sei – ela disse – Mas não precisa. Há muita gente disposta a lutar por você. Ian está tão feliz! Ele não consegue ficar quieto um minuto que seja. E tudo isso é graças a você. Então eu acho impossível que, depois de vê-lo tão triste, as outras pessoas deste lugar não saibam apreciar você.

Sorri ao pensar na felicidade de Ian.

— Ele saiu daqui me garantindo que eu ficaria bem. Que Peg ficaria bem. Que John ficaria bem. Que todos nós ficaríamos bem. Acho que ele disse isso umas mil vezes.

Sunny soltou um risinho.

— Eu imagino. Kyle faz isso também. É como eles agem quando querem convencer a si mesmos das coisas. Foi difícil vê-lo, falar com ele?

— Um pouco. Mas mais difícil teria sido não falar.

Ela assentiu, deixando claro que entendia.

— O que te incomoda, então? – questionou olhando em meus olhos e percebendo minha tristeza. – Do que é que você tem mais medo?

— Tenho medo por Logan. Tenho medo que ele não queira ou não possa ficar aqui. E que eu tenha que escolher entre ir embora com ele ou ficar aqui com John.

— Quem você escolheria?

— Não sei.

— Bom, vamos esperar então que você não precise decidir, não é?

— Você é feliz aqui? – perguntei, na verdade querendo saber se outras Almas, além de Peg, poderiam se acostumar a este lugar. Se Logan poderia se acostumar a este lugar. Se ele faria isso por mim.

— Eu não poderia ser feliz em nenhum lugar onde Kyle não estivesse – ela disse e seu sorriso, de certa forma, respondia a minha pergunta ainda mais claramente do que suas palavras.

Comecei a ouvir a voz de Ian ressoando pelos corredores outra vez. A voz de Jeb veio em seguida, animada. E então, meu coração deu um salto, porque a voz baixa e calculada de Logan veio logo depois.

Sunny olhou para mim e sorriu.

— Viu? Ele já está aqui.

Jeb entrou com seu jeito espalhafatoso, carregando algumas sacolas. Atrás dele, movendo-se devagar e escaneando o ambiente com seus olhos brilhantes e naturalmente desconfiados, estava a parte que faltava em mim.

— Ah, olá, doentinha! Espero que esteja se sentindo melhor. Trouxemos remédios pra você e uma visita. Ei, Sunny, que tal deixarmos esse dois conversarem? – disse Jeb, com aquele seu jeito que me fazia sentir como se fôssemos amigos há muito tempo.

Sunny marchou sem dizer nada em direção a Logan, que ainda estava parado na porta, mas desta vez olhando apenas para mim. Um sorrisinho discreto ameaçava levantar um dos cantos de sua boca e eu reparei que seu rosto estava perfeito. Não havia vestígios do que quer que tivesse sujado as roupas de Ian com seu sangue. Sunny parou na frente dele e os dois se olharam com interesse mútuo, reconhecendo-se. Logan meneou a cabeça, cumprimentado-a e ela respondeu com um “Olá” sorridente, antes de sair dali junto com Jeb.

Estávamos sozinhos então.

Logan continuou me olhando, mas não disse nada. Então, eu olhei em seus olhos e soube naquele instante que eu odiava mais que tudo que este corpo não o desejasse, porque eu o desejava. Lutei contra o meu corpo, recusando-me a ser sua escrava e ignorando a dor em meus músculos cansados, o ardor incessante em minha pele e o enjoo persistente que parecia jamais me abandonar. Sem pensar no que estava fazendo, levantei-me do catre e simplesmente me joguei nos braços dele, antes que ele pudesse protestar pela minha imprudência.

O movimento foi brusco e rápido o suficiente para me deixar tonta, mas eu não me importei e continuei com meu rosto enterrado em seu peito e seus braços em volta de mim, sustentando quase todo o meu peso.

— O que foi? – perguntou ele, assustado. – Estrela, o que é que você tem?

— Só estou feliz que você esteja aqui. Pensei que talvez você tivesse resolvido ir pra casa – respondi com voz abafada, ainda com o rosto enterrado em sua camisa, sentindo o cheiro familiar de seu corpo.

Logan me ergueu em seus braços e me levou novamente até o catre, eu me sentei, mas mantive meu tronco agarrado ao dele, ainda sem conseguir me soltar daquele abraço. Então, ele se sentou ao meu lado, parecendo confortável, embora eu sentisse que estava prestes a sufocá-lo.

— Casa? Ora, Estrela, isso é uma besteira! Esse lugar não existe. Onde mais eu poderia estar se você escolheu estar aqui?

Eu podia ouvir que sua voz sorria e que seu coração batia de forma um tanto descompassada, assim como o meu. Aquele ritmo confuso em que nossos corações batiam juntos era a nossa história e eu senti uma parte de mim que nascia independentemente deste corpo, com suas lembranças e emoções. Eu senti minha identidade separando-se da de Peregrina e constituindo-se com força em torno de algo que era mais forte do que a necessidade de um corpo: amor.

— Você vai ficar comigo? Ian disse que Jeb te propôs ficar aqui, caso os outros humanos concordassem.

No instante em que pronunciei o nome de Ian, me arrependi. Eu não queria trazê-lo para este momento que pertencia somente a mim e a Logan. Porém, era tarde demais. Senti o corpo de Logan se tensionar enquanto se separava do meu.

— Como foi estar com ele? – Logan perguntou, me olhando com olhos tristes.

— Esclarecedor – respondi. – Foi um pouco difícil, mas por uma razão bem diferente da que eu imaginava.

— Como assim?

— Eu vi seu sangue na camisa dele e entrei em pânico. Achei que alguma coisa realmente séria tivesse acontecido e percebi que só me importava com você.

Logan sorriu para mim e eu acariciei seu rosto, sentindo a maciez de seus lábios sob meus dedos. Ele segurou minha mão e beijou a ponta de meus dedos, mas recusou-se a acreditar que as coisas estivessem finalmente esclarecidas para mim.

— Mas você o ama. Quero dizer, você escolheu estar aqui com ele.

— Peregrina o ama. E esse amor está enraizado nas fundações desta hospedeira. É um sentimento quase primitivo do qual eu não consigo me livrar. É por isso que preciso me livrar deste corpo. Eu não quero mais sentir nada por ele.

— É isso que você realmente quer? Perderíamos John, você sabe.

— Nós não o perderíamos porque, como você mesmo já me disse, ele não é nosso. Precisamos aceitar isso. Aceitar que não podemos ser os pais dele, mas podemos amá-lo mesmo assim. Poderíamos ficar por perto, estar ao lado dele para quando quer que ele precisasse. Ian concordou e eu sei que Peg também concordaria. Mas só se você quiser. Não quero te forçar a fazer algo que não queira.

— Bom, é um pouco tarde para isso, não é, Estrela? Você não me deixa muita escolha quando pede as coisas com essa carinha – ele brincou.

— Mas você sempre odiou os humanos! Eu sei o quanto vai ser difícil pra você ficar aqui.

— Na verdade, eu não acho mais os humanos tão repulsivos assim. Pra ser sincero, acho que posso gostar muito de um ou outro.

Fiquei intrigada com aquilo, mas feliz. Teríamos tempo para que eu descobrisse o que tinha acontecido durante as horas em que estivemos separados. Agora, eu tinha ansiedades mais urgentes.

— E quanto a Peg? Você vai devolvê-la logo, não vai?

— Claro! Se é isso que você quer. Eu só estou adiando esse momento porque ela é nossa apólice de seguros – respondeu ele, voltando ao seu jeito calculista característico.

— Mas você não vai... Sentir falta dela? Você se apaixonou por este corpo.

Logan me avaliou com uma expressão estranha nos olhos. Era como se pela primeira vez ele estivesse pensando a respeito disso. Como se aquela resposta que eu temia nunca tivesse feito parte de suas preocupações.

— Não posso negar que essa hospedeira é bastante agradável, Estrela. E eu gosto de coisas bonitas. Mas eu não sou um homem, sou uma Alma. O tipo de beleza com que me importo não vem desse corpo, mas do brilho que você empresta a ele. Eu te amaria de qualquer maneira. A forma de sua hospedeira é apenas uma circunstância.

— Mas eu gosto de seu hospedeiro – disse eu, provocando-o.

— Bom, digamos que o corpo dele também gosta de você – ele respondeu enquanto me lançava um olhar que quase fez com que eu caísse do catre.

— Então você vai ter que me fazer um favor. Escolha um corpo pra mim. Um que te agrade tanto ou mais do que este – pedi, sentindo uma febre se apossar de mim ao imaginar como seria quando não houvesse mais nenhuma barreira entre nós.

— Só o que me importa é que você esteja dentro dele, amor – ele respondeu, fazendo meu coração ficar um pouco mais descompassado.

— Ainda assim – pedi –, não quero ter que passar por sensações confusas novamente. Certifique-se de que você goste da aparência dela e que não haja ninguém por quem ela esteja apaixonada, por favor. Eu não aguento mais me sentir tão dividida.

— Também estou cansado disso. Sinceramente, não sei como aquele humano conseguiu passar por isso duas vezes – disse ele, obviamente referindo-se a Ian.

— Ele é forte, vai conseguir superar. E nós também. Nós todos ficaremos bem – afirmei, ecoando a mania dos O’Shea de garantir aos outros algo de que tentavam se convencer.

— Sim, vamos ficar bem – disse Logan, e seu olhar era tão confiante que eu não ousei duvidar.

— Eu amo você, sabia? – falei, acariciando os cabelos dele.

— Sabia. Você já me disse antes – respondeu ele, com sua arrogância irresistível.

— Sim, mas desta vez não estou me referindo ao amor que tenho por você como amigo. Estou te dizendo que eu, Estrelas Refletidas no Gelo, resistindo bravamente aos apelos deste corpo hospedeiro que me leva em outra direção, escolho ficar ao seu lado. Eu escolho amar você. Pra sempre. E eu te daria um beijo agora, mas não quero que mais ninguém tenha essa lembrança. Eu quero que quando isso acontecer seja um momento só nosso.

— Isso é algo bom de se ouvir, amor. – Quando ele disse essa palavra, quando me chamou por esse nome, eu me senti como se um refletor daqueles de estádios tivesse se acendido sobre mim. De repente, eu era a única pessoa no mundo inteiro. — E eu posso esperar pelo beijo, porque o tal Ian não precisa que Peg tenha a lembrança de como isso vai te fazer sentir – garantiu-me ele, com seu sorrisinho provocador.

— Já estava sentindo falta desse seu humor de Buscador malvado.

— E quem foi que disse que eu estou brincando? Eu realmente estou fazendo isso como um favor a Ian, já que ele me pediu tão educadamente.

— É mesmo? O que foi que ele disse?

— Ele disse que arrancaria meus dedos se eu tocasse no seu corpo.

— Que gentil! E o que você respondeu?

— Eu disse que seria interessante vê-lo tentar fazer isso com os dois braços quebrados.

— Ah, essa educação que lhe é peculiar! E então?

— Ele riu. E me disse que eu me adaptaria bem a este lugar. E que seria uma pena que eu tivesse que fazer isso enquanto a mão dele estivesse arrancando meu baço. Acho que esse Ian tem uma estranha compulsão de sair por aí arrancando coisas.

Nós rimos juntos da constatação bizarra e engraçada.

— E mesmo com toda essa gentileza você decidiu atender ao pedido dele?

— É como eu disse, Estrelinha. Peg não precisa dessa lembrança e nem das outras que eu darei a você quando estiver pronta. Mas agora vamos chamar o tal de Doc e pedir que ele cure você. Temos uns humanos pra convencer.

— Você não está com medo? – Eu sabia que a pergunta era idiota, mas não pude evitar, porque meu estômago recomeçava a se contorcer de maneiras estranhas toda vez que eu pensava em encarar o tal tribunal.

— Não mesmo, Estrelinha. Se é aqui que você quer ficar, eu não vou permitir que ninguém nos tire daqui.

Então ele pôs os braços em volta de mim e meu corpo se amoldou tão perfeitamente ao dele, e a sensação disso foi tão boa, que eu precisei lutar contra o impulso de deixar a marca de mais algumas lembranças no corpo de Peg.


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Notas finais do capítulo

Olá, meus amorecos. Aí está mais um lindo capítulo da tia Rain, esperamos que tenham gostado! Deixem reviews!