A Hospedeira - Coração Deserto escrita por Laís, Rain


Capítulo 16
Dor


Notas iniciais do capítulo

Como prometido, Estrelinha nas cavernas!



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And is it worth the wait
All this killing time?
Are you strong enough to stand
Protecting both your heart and mine?
Who is the betrayer?
Who's the killer in the crowd?
The one who creeps in corridors
And doesn't make a sound...
(Heavy In Your Arms  - Florence and the Machine)

 

POV Estrela

A minha pele ainda parecia queimar.

Continuava como se estivesse sendo pressionada com algo que fizesse o sangue fluir, o ardor se realçar, e me fizesse fritar de uma forma diferente agora. Com gelo. Qualquer coisa que estivesse incomodando meus ferimentos era gelada e seguida por sons estranhos de algo molhado sendo apertado contra algo sólido.

A dor — a percepção de que algo de fato estava doendo — me ajudou então a clarear meus pensamentos. Dor não era o que se esperava no lugar onde os humanos acreditavam que iam depois que morriam. E apesar de eu não acreditar também, certamente a agonia e o incômodo não eram o que eu esperava... Então, flashes de memórias me atingiram.

Minha visão escurecendo no deserto até que a próxima coisa de que me dei conta foi do rosto de Logan, que por minutos, nos meus delírios, acreditei ser o rosto de Ian. Ele aninhando-me em seu colo e seguindo novamente deserto adentro, gritando desesperadamente por ajuda aos humanos. Dois cliques rápidos. Um novo rosto surgindo, familiar e distinto, com a barba branca de sempre contornando a face enrugada. Uma breve conversa entre os dois, com alguns gritos de um nome: Peg. Então caí outra vez na escuridão. A dor em minha cabeça e em meus músculos era intensa demais para que eu continuasse acordada para senti-la.

Mas agora, deitada com a pele levemente em chamas, eu podia me permitir pensar. Logan me encontrara e Jeb havia estado conosco, ou tudo aquilo não passava de mais um delírio da minha passagem para a morte? Eu tinha conseguido, mesmo tendo colocado minha vida e a de John em risco?

A dúvida era demasiada para que meus olhos continuassem fechados. Abri-os devagar, com cuidado, mas logo depois os fechei de novo. Uma luz os cegava de cima, e eu pude perceber pela sua tonalidade de um branco artificial que aquela não era mais a luz do sol.

Meus olhos espreitaram entre as pálpebras novamente, desta vez lutando para se adaptar à luz, piscando inúmeras vezes para se livrarem da visão embaçada no início. Quando se acostumaram, registrei, enfim, o ambiente em que me encontrava.

Um teto escuro e irregular, não exatamente alto, mas também não baixo demais — adequado; de uma cor entre cinza, púrpura e roxo.

A mistura única da cor das minhas cavernas me trouxe uma nostalgia tão grande que, por um segundo, a emoção de está-la vendo novamente foi tudo o que consegui sentir. Por minutos, meus olhos abertos percorreram todo o caminho do teto até a parede leste — onde havia uma mesa em meio a dúzias de livros refestelados — repetindo o caminho a cada instante, para ter certeza de que o que eu via era real. Foi quando um som me tirou do transe.

Um som semelhante ao anterior. Era um splash, como algo sendo mergulhado na água. O ruído não era estranho às minhas lembranças. Minha cabeça girou automaticamente na direção do barulho, vi que estava mais perto do que eu esperava.

Eu estava deitada em uma cama. Em um catre, na verdade. Tão confortável para minhas costas quanto o chão áspero do deserto havia sido. E do lado dele estava uma bacia grande cujo conteúdo — pela forma como eu via a luz baça vindo de cima fazendo formas ondeantes nas sombras — com toda a certeza era algo liquido. Então, uma mão apareceu, branca e comprida, com dedos longos e ossudos, segurando um pano escuro e úmido, afundando-o novamente na bacia, causando o som que eu ouvira.

Ao girar meus olhos para encontrar o rosto da pessoa dona daquela mão, a ligação se fez numa explosão de entendimento.

Eu compreendi o lugar em que estava e a razão das minhas feridas estarem ardendo tanto — tudo quando reconheci aquele rosto.

— Doc?! – eu gritei, o som na minha garganta seca mais parecia um grasnado. – Doc! Oh, Doc!, Como eu senti a sua falta! Onde estão todos? – continuei a tagarelar. – Estão esperando lá fora? Minhas feridas estão feias, não é? Eu sabia que você iria cuidar delas, por isso não me preocupei tanto. – Ri histericamente. – Mas não precisa de tantos cuidados, eu estou bem. Diga-me Doc, como vão as coisas aqui no hospital? A aparência parece a mesma, apenas um pouco mais vazio, acho que é porque tem menos criotanques do que eu me lembrava. Mas Candy se adaptou? Vocês conseguiram mais medicamentos? Doc?

Eu estava tão imensamente feliz em ver um dos meus humanos pela primeira e tão esperada vez, que, inexplicavelmente, achei que ele ficaria feliz também em me ver. Não era nenhum tipo de esperança tola de que eles me aceitassem de todo, mas apenas uma espera pelo meu reconhecimento obviamente mútuo.

Por essa felicidade cega, de início, eu não pude perceber o efeito da minha falação. Mas mesmo com minha confusão, pelo seu silêncio a todas minhas perguntas incansáveis, pude finalmente parar para ver o resultado.

Aquilo no rosto de Doc estava longe de ser uma expressão receptiva. Estava até mesmo longe de ser uma expressão. A mistura indecifrável de emoções conflitantes em seu olhar me impedia de classificar o que ele estava sentindo no momento em relação a mim. Doc, que eu sentia a partir de meras lembranças, ser um dos meus melhores e fiéis amigos nas cavernas, um dos meus humanos favoritos, parecia simplesmente não estar sentindo nada com relação à minha chegada.

É claro que eu sabia que essa confiança e amizade ele havia desenvolvido por Peregrina, reconhecendo sua bondade e pureza. Mas de qualquer maneira, claro que eu também ficaria triste. Triste por mim mesma. Por não estar sendo ao menos recebida com um olhar de gratidão.

— Fique quieta – ouvi surpresa a voz de Doc ressoar dura como uma pedra. – Só aumentará a dor se você se mexer muito.

Eu queria perguntar onde estava o Corta-dor, mas a resposta estava óbvia. Há semanas que eles não deviam fazer novas incursões, provavelmente desde quando tiveram que largar todas as suas compras no dia em que Peg se foi, no dia em que eu cheguei. Havia Sunny, e havia Cal, duas outras Almas aculturadas que poderiam fazer isso pelos humanos das cavernas por algum tempo, até que eles se acostumassem novamente a entrar em uma cidade cheia de seus inimigos sem a Alma que tinha tornado o perigo tão menor. Até que se acostumassem novamente a viver sem Peregrina, o que provavelmente devia ser algo que nem o tempo poderia mudar: a falta que ela fazia na vida de cada humano selvagem e na sua sobrevivência. Mas algo me dizia que Kyle, irmão de Ian, por quem Peregrina estava começando a criar um afeto recíproco e sincero, não deixaria Sunny partir para incursão nenhuma, o medo se alastrando assim como a compreensão de que Peg havia partido para sempre, e Sunny talvez corresse o mesmo risco. E isso era algo que Kyle não suportaria: uma nova perda. E Cal... Bom, Cal tinha seus próprios humanos para cuidar e cuja sobrevivência garantir, não poderia abdicar das necessidades do grupo de Nate para ajudar para sempre a manter o nosso.

Então eu simplesmente obedeci a Doc e fique quieta, me limitando a fazer um biquinho de frustração. Às vezes eu comprimia meus lábios quando o médico apertava o pano com o líquido misterioso nas minhas feridas, fazendo-as arder, ou quando o seu olhar passava ligeiramente sobre o meu, tentado escapar dos olhos que lhe eram tão familiares e, ao mesmo tempo, não eram. Provavelmente, por trás daquela máscara dura que ficava tão estranha naquele rosto que eu estava acostumada a ver tão leve e bondoso, Doc estava realmente tendo uma crise conflitante de como deveria estar reagindo a mim. Eu sabia que, simplesmente por ser Doc, no final ele acabaria não me odiando, ou até mesmo gostando verdadeiramente de mim. Não era da sua natureza branda a irritação e o antagonismo. Vendo o que só ele e talvez Jeb pudessem ver através do medo, acreditaria na minha razão real de ter voltado para as cavernas. Nas minhas e nas de Logan.

Logan.

Oh, meu Deus... Onde estava ele?

Meu peito palpitou quando me dei conta do que podia estar acontecendo, poderia acontecer, ou provavelmente já havia acontecido. Logan havia vindo ao deserto para me salvar, e então me defendera ao se encontrar com Jeb, evitando que eu morresse. Mas eu estava inconsciente, a única que o conhecia de verdade. Então quem defenderia Logan, impedindo que os humanos apavorados o...?

Não fui capaz de terminar esse pensamento. Eu quase pulei do catre quando ele se formou, fazendo cada fibra do meu ser ressoar de medo e dor, porém a menção de me levantar fez com que meus músculos doloridos protestassem e eu batesse de volta no catre. Doc franziu as sobrancelhas, assustado.

— O que houve? – ele perguntou, os olhos arregalados voltando-se para a ferida de que cuidava, para ter certeza de que minha reação não havia sido por conta da ardência.

— Logan! Onde ele está? O que estão fazendo com ele, Doc?! – lancei de volta, minha voz ficando mais aguda à medida que eu ficava mais aflita. – Tem de me deixar falar com Jeb! Não podem fazer nada contra ele!

— Logan...? — Doc franziu as sobrancelhas por um segundo, tentando lembrar-se do nome. Seu rosto se endureceu novamente, assim que ele reconheceu de quem eu estava falando. – O Buscador? — murmurou ele, e eu assenti nervosamente.

— Ele está bem, por enquanto. Jeb não vai permitir que nada seja feito contra ele. Deve haver um julgamento para decidir o que fazer.

A onda de alívio que meu corpo sentiu foi maior que a pontada que minhas costas deram ao se encontrarem novamente contra o catre.

— Vão me deixar falar a favor dele? – perguntei, dando um meio sorriso esperançoso.

— Você quer falar a favor dele? – Doc respondeu minha pergunta com outra, uma ruga de desconfiança e surpresa se formando em sua testa.

Não entendi a pergunta.

Eu me preparava para responder, dizer que a dúvida não tinha razão de ser. Por que eu não defenderia Logan? Por que eu não defenderia o meu Buscador, que tinha me protegido até quando eu o deixara, partindo seu coração?

Mas um som impediu minha resposta.

— Que tipo de loucura é essa, tio Jeb? – uma voz terrivelmente familiar ecoou pelo corredor. – Que tipo de nova loucura é essa? O que diabos há no hospital de tão importante que você não pode nos dizer antes?

— Pô, tio Jeb, eu estava ocupado! Me arrastar do almoço justo quando finalmente temos algo mastigável outra vez não é muito educado! – resmungou outra voz, desta vez aguda e penetrante, que fez meu coração falhar com a lembrança da ternura inexplicável que eu herdara por seu dono.

— Sim, Jeb, você está nos deixando nervosos! – exclamou uma voz mais grave, igualmente conhecida, se aproximando. – Os outros têm direito de saber também se for algo grave assim, certo?! Então, por favor, pare logo com a droga desse suspense e...

As vozes pararam então, assim que se encontravam na entrada do hospital de Doc. Eles não reagiram por um segundo, apenas me fitando como se estivessem vendo um fantasma ali, apoiada nos cotovelos, tentando ver desesperadamente os donos daquelas vozes que me afetavam tão incrivelmente, imersa numa sensação de ansiedade que apertava minhas costelas e meu coração.

Porque Melanie, Jared e Jamie estavam ali.

O que aconteceu a seguir foi tão rápido que minha mente confusa não foi capaz de registrar os movimentos que Melanie fez até sentir seus braços envolvendo meu pescoço, apertando tão forte que eu estava praticamente sendo estrangulada. Mas Mel não estava com raiva, pelo contrário, a expressão em seu rosto era de uma felicidade desvairada.

— Peg! Oh, Peg! Peg! – ela gritava, em júbilo. – Como você está aqui? Ah, minha irmã, você voltou para nós!

Havia um alerta no fundo de minha mente de que receber de Melanie um olhar semelhante ao de Doc seria a dor mais intensa que eu podia sentir, mas eu o ignorei. Estar em contato com Mel, recebendo seu abraço, ver os olhos de felicidade com que Jamie e Jared me olhavam, tudo isso fazia meu coração se encher de amor e esperança. Todos os sofrimentos pareciam lembranças distantes, impossível que pudessem me afetar agora, na presença deles.

Deixei-me levar pela sensação consoladora de que todo aquele amor era de fato para mim, e fechei meus braços em torno de Melanie, sentindo meu corpo relaxar em nosso abraço à medida que meu coração se expandia.

— Oh, Mel! Como eu senti sua falta!

Ao ouvir essas palavras, ao contrário do meu, o corpo dela se enrijeceu. Era com se algo em minha voz tivesse me delatado. Ela se afastou de mim, uma expressão horrorizada em seu rosto. Jared e Jamie também se afastaram e, num instante, como se houvesse uma espécie de mola coordenando seus movimentos, eles estavam mais distantes de mim do que jamais tinham estado. Naquele momento, havia uma distância emocional intransponível entre nós.

— Você não é Peg! – Mel exclamou.

E a expressão nos olhos dela fez com que eu me encolhesse sobre mim mesma. Não porque eu achasse que ela poderia realmente me machucar, eu sabia que ela não seria capaz disso. Mas porque percebi que eu a estava machucando. Minha simples presença impunha a ela uma dor pungente com a qual ela parecia não saber lidar.

Por fim, ela virou-se para a porta, ansiosa provavelmente por ficar longe de mim, mas Jared a segurou. Ele e Jamie me olhavam com olhos pasmados, mas não havia dor — não como nos de Mel —, o que havia era confusão, curiosidade, esperança e mesmo uma certa ternura.

— Qual é seu nome? – perguntou Jared.

Olhar para ele, o fato de ele falar comigo e de haver compaixão em sua voz despertou algo estranho em mim. Era como se um leve choque elétrico percorresse meu corpo deixando-o dormente. Uma lembrança distante de quando Peg o amava, de quando ela ansiava por ele tanto quanto este corpo ansiava por Ian, lembrou-me do porquê.

— Estrelas Refletidas no Gelo. Mas me chamam de Estrela – respondi.

— Bem, Estrela. Parece que você sabe quem nós somos. Posso supor que é porque você tem as lembranças de Peg?

Balancei a cabeça em concordância.

— Então você se lembra de qual foi o motivo de Peg ter vindo até aqui, não é? – continuou Jared.

— Sim, porque ela se lembrava de você e de Jamie. E ela amava vocês.

— E agora você está aqui...

Jared sabia como aquela frase terminava. Ele era um homem que aprendia com o passado. Apenas queria que eu completasse seu pensamento, que saíssem de minha boca as palavras que Mel e Jamie precisavam ouvir.

— Eu estou aqui porque amo vocês também. Todos vocês — disse, olhando também para Doc e Jeb.

Com exceção de Jared e, como sempre, de Jeb, os olhares de todos se voltaram assustados para mim. Talvez porque estivessem esperando que eu estivesse aqui para traí-los de alguma forma.

Aquilo doeu um pouco. Era tão difícil imaginar que eu os amava? Mas era tanta coisa acontecendo que nem me dei tempo para me concentrar em uma mágoa tão desnecessária.

Mel, que estivera de costas para mim, presa na mesma posição em que Jared impedira sua saída, virou-se lentamente em minha direção, o corpo se alinhando com o rosto que já estava me perscrutando. Em seus olhos, entretanto, não havia mais decepção, mas sim, interesse.

Jamie, por sua vez, aproximou-se um pouco mais de mim, a curiosidade vencendo o choque:

— Peg está aí com você? Quero dizer, como Mel estava com ela... você sabe... antes?

Ouvir a voz dele tão perto fez meu coração pular de alegria. Tudo o que eu queria era enchê-lo de beijos, mas eu não era sua irmã perdida. E era dela que ele queria saber.

— Não, Jamie. Isso não seria possível, porque Peg e eu... Bem, nenhuma de nós é realmente dona deste corpo.

Aquela, entretanto, não era a resposta que meu irmãozinho esperava e ele ficou um pouco decepcionado, mas mesmo assim continuou falando comigo, fazendo perguntas parecidas com as que fez quando queria saber de Mel no começo, logo quando Peg chegou aqui.

— Ela sofreu? Doeu muito levar os tiros? Foi muito difícil pra ela achar que morreu? Como ela sobreviveu, afinal?

Eu sorri. Não pelas perguntas em si. Estas seriam difíceis de responder, porque as respostas não seriam agradáveis. Mas era engraçado o jeito como Jamie encadeava suas perguntas numa sequência ininterrupta. Eu me lembrava disso.

— Foi difícil para ela – respondi sem rodeios. – Ela pensou que tinha morrido e sentiu dor, sim. Mas imagino que não tanto como se fossem tiros de verdade.

— Como assim? – ele perguntou, ecoando a interrogação no rosto de Mel e Jared.

Jeb deu um passo adiante, saindo de seu “posto de observação” e adentrando a conversa:

— Não eram balas de verdade. Elas ferem, mas não o suficiente para fazer grandes estragos. Depois que entram no corpo, elas paralisam a vítima. O Buscador me contou.

— Buscador!? – vociferou Jared, entrando subitamente em seu modo bélico. — Jeb?

— Calma, garoto! Você acha que eu não sei o que estou fazendo? Ele não vai nos prejudicar. Temos um acordo de cavalheiros.

— Você perdeu de vez a cabeça, Jeb? Acordo de cavalheiros?

— Vou te dar uma oportunidade única de ficar calado, Jared. E vou ignorar o fato de que você me chamou de louco. Eu sei o que estou fazendo. Ele está lá fora, Estrela. Não era seguro pra ele aqui dentro, mas ele vai ficar bem lá. Contanto que certas pessoas não fiquem matraqueando por aí que há um Buscador lá fora – disse ele, lançando um olhar incisivo para os outros. — Fique tranquila.

— Ah, Jeb, não sei como agradecê-lo! Por tudo.

— Tudo bem, não precisa ficar toda emocional. Um “obrigada” já basta.

— Então, obrigada – disse eu, enquanto ele dava uma piscadela para mim. – Por favor, não fiquem com medo dele. Logan não quer fazer mal a ninguém. Ele não vai nos denunciar.

— E por que acreditaríamos nisso? – indagou Mel. – É fácil acreditar em você. Você tem uma justificativa para querer o nosso bem. Mas e ele?

— Ele também tem – Jeb afirmou.

— Ele não vai fazer nada que me coloque em perigo – expliquei diante da estupefação de todos. – Ele não vai fazer isso porque ele me ama. Porque ele nos ama – completei, pousando a mão sobre minha barriga.

Pela primeira vez, todos na sala, com exceção de Doc e Jeb que pareciam já saber do fato, dirigiram o olhar para o pequeno detalhe, ainda discreto demais, de uma barriga que começava a protuberar neste corpo. Mais uma vez, Jeb veio em meu socorro:

— Quando levaram Peg de nós, descobriram que ela estava grávida. A Estrelinha aqui fez a gentileza de trazer o bebê de volta pra casa. Vocês o chamam de John, não é? É um bom nome.

— Ah, meu Deus! – exclamou Melanie. – Ah, meu Deus! Temos que contar a Ian. Minha nossa! Isso vai ser difícil!

À menção do nome dele, meu estômago se contraiu. Eu sentia um alvoroço de sensações conflitantes quando pensava no quanto eu estava ansiosa por vê-lo e, ao mesmo tempo, no quanto eu temia sua reação. Meus olhos se encheram de lágrimas novamente. Percebendo isso, Mel se aproximou.

— Me desculpe, Estrela. Só agora me dei conta de que se você tem as memórias e as emoções de Peg, então...

Ela não terminou a frase e eu baixei os olhos, tentando evitar encará-los. Doía demais pensar que Ian jamais poderia ser meu. Ele pertencia a Peg, essa irmã a quem eu amava, mas que sequer me conhecia.

— Tudo bem – afirmei, levantando a cabeça. – Eu não quero roubar a vida de ninguém. Pelo contrário, vim aqui para devolvê-la.

— Como é? – espantaram-se todos, quase em uníssono.

— Eu jamais deixaria meu... o filho de Peg viver sem a mãe. E não permitiria que Ian continuasse sofrendo a ausência de Peregrina se ele pode tê-la de volta.

— Então ela ainda está aqui? Neste planeta? – perguntou Melanie, em júbilo.

— Sim, Logan e eu a roubamos do hospital e eu a trouxe pra cá.

— É, mas aí entra um pequeno problema – disse Jeb. – Seu amiguinho não confia em nós. Pelo que pude entender, ele não sabe que você veio aqui nos devolver Peg ou que nós sabemos como fazer isso sem a ajuda dele.

— Não, ele não sabe – respondi, lembrando-me desolada do quanto isso machucaria Logan.

— Pois então. Aparentemente, quando começou sua febre, você confundiu as bolsas e acabou deixando Peg no carro que você roubou dele.

— Você roubou um carro? Legal! – exclamou Jamie, desviando-se momentaneamente do foco da discussão.

Eu apenas sorri para ele, mas estava começando a ficar em pânico com o que Jeb estava tentando me dizer.

— Ele a encontrou e está fazendo o tanque de refém até ter certeza de que você está bem.

— Mas eu vou ficar bem. Eu só preciso de um corpo. Eu estava pensando... Eu sei que vocês não me devem nada, mas eu queria muito ficar aqui com vocês, com Peg, com John. Mel, por favor! Eu sei que você me odeia, mas este bebê, meu John, eu o carrego dentro de mim e o amo mais que tudo. Por favor, Mel! Você fez isso uma vez por Peg, faça também por mim! Eu sei que é pedir demais, mas... – A estas alturas, uma torrente de lágrimas corria por meu rosto, e eu estava absolutamente em desespero.

— Eu não odeio você, Estrela! Como poderia? – disse Mel, segurando minha mão. Era a primeira vez que eu recebia um carinho que era destinado a mim, e não a Peg, desde que cheguei aqui. Isso me emocionou e me tranquilizou além de qualquer expectativa. – Você está dando um presente enorme a nós. Como eu poderia negar o que você precisa?

— Espere aí, mocinha! Antes de tudo você precisa se acertar com seu Buscador. Caso contrário, ele não nos devolverá Peg – lembrou-nos Jeb.

— Mas Logan não vai aceitar. Ele vai achar que John está sendo tirado de nós. Ele não vai aceitar se separar de mim.

— E você quer ficar com ele? Com Logan? – perguntou Mel.

— Sim. Eu... Eu não sei. Eu também quero muito ficar aqui, mas ele e Ian... Isso jamais funcionaria.

— Acalme-se – disse Jared. – Já estivemos em dilemas piores. Quando chegar a hora, convenceremos quem for preciso e traremos você de volta.

— Faremos um tribunal – disse Jeb, evocando uma de suas táticas favoritas de resolução de problemas. – Decidiremos juntos se Logan é digno de confiança e, se ele aceitar ficar aqui, faremos isso funcionar. Não vai ser difícil, desde que ele não abra o tanque de Peg, como disse que faria.

— O quê!? – perguntou Doc, assustado.

Jamie estava em choque e Jared e Mel pareciam prestes a derrubar as paredes e mastigar os destroços de tanta raiva.

— Não, não! Ele não faria isso. Por favor, acreditem. Ele devia estar com medo de que alguma coisa acontecesse comigo. Por favor...

— Relaxe, Estrelinha! – disse Jeb. – Um bom jogador como eu fareja um blefe a distância. Além do mais, ele disse que só faria isso se você estivesse em perigo. É só você convencê-lo de que não está.

— Nada disso! — disse Doc. – Ela ainda não está bem para ir lá fora. – E eu pude perceber, aliviada, que ele tinha voltado ao seu jeito normal.

— Bem, vamos por partes então – falou Jamie. – Primeiro precisamos explicar as coisas a Ian.

Doc apertou os dedos numa espécie de tique nervoso. Jeb coçou a cabeça, tentando imaginar o tamanho do desastre. Melanie e Jared ficaram pálidos e inertes. Eu senti meu estômago afundar e ficar do tamanho de uma bola de gude.

E Jamie... Bem, Jamie disparou pelo corredor afora.


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Notas finais do capítulo

Então, amores da minha vida, desculpem pela demora, mas finalmente aí está, e esperamos que tenham gostado!
Reviews são bem-vindos! ( e Recomendações também, XD)