- Você já sabe o que quer ser, Nininha?

Meu irmão me perguntava. Na época eu estava com sete anos, e ele com dezessete. Tinha um sorriso meigo nos lábios, e tanto eu como ele, estávamos sentados em um grande pasto. Flores de todas as espécies e cores nos cercavam, o misto de aromas e o céu claro coberto pelas nuvens faziam parte daquele cenário mágico.

- Claro que sim! Vou ser bailarina! Olha só. – Me levantei e comecei a dar alguns rodopios, nenhum estava bom e às vezes eu tropeçava. Rick ria de cada vez que eu caia no chão. – Para de rir, seu chato! Vou contar para o papai e a mamãe!

- Desculpe, pequena. – Ele me chamou para novamente sentar ao seu lado e quando eu finalmente o fiz, ele falou: - Sabe, Nina, um dia você vai crescer e vai ficar mais madura. E vou querer saber essa resposta de você.

- Porque isso é tão importante, Rick? – Perguntei ingênua.

- Porque você pode fazer grandes coisas. Pode mudar o mundo. – Quando eu fiz careta, ele passou a mão na minha cabeça. – Ou pode mudar aquele lugar em que você está. Tornar tudo melhor.

- E o que você quer fazer?

- Vou ser médico. Assim, quando você ficar dodói, vou cuidar de você. Aliás, não só de você, como salvar vidas de outras pessoas também... Igual aos nossos pais. – Rick falava aquilo com tanta intensidade que seus olhos escuros brilhavam.

- Então você vai ser igual a um super herói? – Novamente ele sorriu e concordou. – Mas mamãe e papai são heróis e não tem tempo para mim... Você vai me esquecer também, Rick?

- Que isso, Nininha. Vou sempre estar por perto, nós temos um elo que não pode ser quebrado. – Dito isso, ele bagunçou o meu cabelo. – Estaremos sempre juntos pequena, dou a minha palavra.

E foi ai que eu acordei do sonho. Notei que tinha lágrimas em meus olhos e que o dia estava chuvoso. Eu queria voltar ao meu sonho! Queria conversar com meu irmão e o ver rindo novamente. Meus olhos escuros focam no relógio digital que marcava cinco da tarde. Hoje eu não tinha feito muita coisa. Fiquei o dia inteiro no meu quarto, via a chuva passar lá fora. Ah, Mel e Steven estiveram aqui. Mel era uma fofa, e tinha até conseguido me animar um pouco. Mas agora...

 Tudo que eu precisava era um bom e demorado banho. Selecionei uma roupa leve e quentinha e me dirigi ao banheiro do meu quarto. Fiquei debaixo da agua quente por muito tempo até meus dedos enrugarem. Queria que a agua levasse tudo que eu estava sentido embora, como se fosse uma sujeira. Quando finalmente eu terminei meu banho, senti que tia Susana iria reclamar da conta de luz. Tive que ser forte para me encarar no espelho, e tudo que eu via era uma garota que estava pálida e com os olhos um pouco inchados de tanto chorar.

 Definitivamente, era a hora que eu não queria que ninguém me visse. Eu estava em pedaços, e... Quando eu abri a porta do meu banheiro, reparei que não estava mais sozinha no meu quarto. Um garoto alto, com cabelos cacheados e olhos incrivelmente verdes estava sentado em minha cama. Ao me ver, tentou sorrir, mas pela cara, Harry já sabia o que tinha acontecido – claro, Luce tinha conversado com ele para dizer o motivo deu não estar respondendo as mensagens e telefonemas dele na noite anterior.

- Oi. – Ele disse.

- Oi. – Abaixei minha cabeça, não queria que ele visse o que eu tinha visto no espelho há poucos minutos atrás.

- Os meninos queriam ver você, mas... – Ele coçou a nuca. – Acho que você iria querer ficar sozinha.

- Então porque veio? – Para minha surpresa minha voz soou seca.

 Sem brigar comigo, ou questionar o modo como eu tinha falado com ele, Harry levantou-se da minha cama e foi para onde eu estava. Senti seus braços me envolveram em um abraço apertado e carinhoso e pela primeira vez desde que soube que meu irmão estava morto, eu me senti confortável, segura e... relaxada. Encostei minha testa em seu ombro e ficamos assim por muito tempo. Tempo o suficiente para me acalmar. No final, sentamos na minha cama e até conversamos um pouco.

- Como... – Suspirei. – Como foi o show?

- Cansativo. Fãs histéricas, Louis ficou irritado porque Eleanor não quis comer cenoura depois do show...

- Não sabia que Louis tinha levado à namorada.

- Ah, levou sim. Ele, Zayn e Liam. Foi divertido... Deveria ter ido.

- Eu não tinha comprado o ingresso, como eu iria?

- Você é minha amiga. Não era preciso comprar ingresso, era só ir comigo.

- Acho que está meio tarde agora... – Forcei um sorriso.

Ele novamente me olhava e me analisava. Não gostava da sensação de estar sendo avaliada por ele. Quero dizer, eu não era bonita e depois de tudo que aconteceu, eu estava longe de ser bonitinha. Novamente, eu desviei o seu olhar, e brinquei com o travesseiro pra ter uma desculpa de olhar para outra coisa.

- Sério, Nina. Quero saber a verdade. Como você está?

- Como você estaria se seu irmão mais velho morresse? – Mordisquei os lábios e fechei os olhos. – Triste, insegura e com medo.

- Eu sei como está se sentindo... Quero dizer, droga, eu não sei! – Harry passou sua mão em seu rosto e se aproximou um pouco. – Era pro Liam estar aqui, ele sabe o que dizer nessas horas... Mas, eu acho que seu irmão não iria querer que você ficasse assim. Você é forte, eu sei. E caramba! Você não pode ficar segurando tudo sozinha. Eu estou aqui, Luce, sua tia... Não precisa passar por isso sozinha.

- Vou ficar bem. Só preciso de um... Tempo.

- Você precisa sair e... passear um pouco. Deixa eu te ajudar com isso, por favor... – Eu o olhava desconfiada. – Olha, prometo que não jogo outra bola de golf em você.

Então para a surpresa tanto minha quanto de Harry, eu ri. Sim, eu ri. Ele ficou confuso por um momento, mas depois sorrio. Era um sorriso tão lindo... Era igual à de um menininho que sua mãe havia deixado comer doce antes do almoço. Nossa, preciso melhorar nas minhas comparações.

- Eu fiz você rir! Tá vendo? Sou a pessoa certa para te ajudar.

- Eu ainda tenho minhas dúvidas.

- Olha, prometo que você vai amar o que eu estou planejando.

- E o que está planejando?

- Não vou dizer, né?

- Você adora surpresas?

- Errado. Gosto da expressão que você faz quando chega aos lugares.

- Você não existe! – Eu ri novamente.

- Existo sim, e espero que esteja pronta às 11 horas da noite.

- 11 HORAS? Vamos assaltar um banco?

- Acho melhor não seguir a carreira como vidente. – Harry riu.

- Médica. – Eu disse subitamente.

- Hein?

- Eu vou ser médica.