A Luz Das Trevas escrita por Filha de Apolo


Capítulo 9
Sexto dia


Notas iniciais do capítulo

Ai eu sei. Eu sei. Eu sei. "1 MES DE ATRASO, HEIN?" mas olha, tentem entender, please.
Foi um mês tumultuado, teve Enem no começo do mês, daí teve provas na escola, e hoje mesmo eu não devia ter terminado o capítulo, mas eu me senti culpada.
Pra vocês terem uma noção de como eu tô, eu tive vetibular ontem, tenho cinco provas na escola essa semana e mais vestibular sábado e domingo.
Mas okay, eu sei, vocês não se importam, querem o caps. Depois eu continuo falando kkk boa leitura



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O travesseiro estava úmido, a saliva que escorrera da deusa durante o sono era quase visível. Perséfone se espreguiçou e desligou o despertador. Suspirou, “péssima, péssima ideia”. Levantou-se e deu de ombros mentalmente. Toda sua estadia no palácio tinha sido guiada por péssimas ideias, então não havia nada que ela pudesse fazer. Lavou o rosto e escovou os dentes. Decidiu deixar o banho para depois, ia acabar se atrasando para o café da manhã.

Teve de ir ao banheiro três vezes enquanto tentava se arrumar. Nervosismo, era óbvio. Um pouco de raiva, talvez. Não estava pronta para falar com Hades, mas tinha de fazê-lo de qualquer modo. Não era uma escolha, não podia procrastinar isso, passara um dia inteiro pensando, se não fosse se decidir agora, não se decidiria nunca.

Por final, depois de se acalmar, escolhera um vestido longo, sem mangas, bordô, quase vinho, com feixes de um vermelho vivo. Escolhera um colar delicado e um brinco pequeno, de pérolas, já que o vestido em si já era bem carregado de informações.

Desceu para o café e parou na frente da porta, hesitante. Praticamente trancou a respiração para ficar em silêncio. Não ouvira Hécate, Tânatos ou Hipnos. Hades estava sozinho. Quando ia encostar na maçaneta, sobressaltou-se com a voz que vinha de dentro.

–Entre, Perséfone, a comida já vai esfriar. - Ele parecia mais frio que o comum, com um toque de tristeza em sua voz. Ela entrou e sentou-se em sua cadeira habitual. - Bom dia.

–Como soube que era eu? - A voz veio firme e decidida por um milagre, já que a deusa achou que nunca mais seria capaz de falar novamente. Seu nervosismo a corroía por dentro, mas sua raiva era mais forte. Se serviu de ovos e uma maçã. Comia silenciosamente, ouvindo-o.

–Bom, sei que dormiu cedo ontem, - Ele continuou antes que ela tentasse perguntar como ele sabia. - logo pressupus que fosse porque acordaria cedo hoje. - Ele ergueu os olhos e esperou que ela o fitasse de volta. Perséfone se limitou a continuar comendo seus ovos distraidamente. - Não imaginei, admito, que você fosse me fazer companhia. Até acho que não era sua intenção, por isso tanta hesitação quando você estava na porta. Se fosse qualquer outra pessoa, teria entrado direto.

–Hum. - Ambos terminaram seus copos de suco juntos e acabaram por cruzar olhares. Se encararam por segundos até ela continuar. - Você acertou tudo, menos sobre minha intenção. Vim exatamente para vê-lo. Eu não chamaria de fazê-lo companhia, apenas acho que precisamos conversar.

–Interessante. - Ele se ajeitou em sua cadeira. - Conversar? Sem brigas?

–Ah, não seja ingênuo. - Ela respondeu. Óbvio que acabariam brigando. Hades reprimiu um sorriso.

–Certo, que seja então. O que tem a me dizer? - Eles mantiveram o contato visual até as servas terminarem de retirar a louça.

–Eu não quero me casar.

O deus suspirou e teve de se segurar para não revirar os olhos. Não queria mesmo ter aquela conversa, mas não iria reprimi-la. Era bom que lhe dissesse como se sente, mas talvez fosse pior proibi-la depois de ela se expressar. Ele acenou para que ela continuasse.

–Não me entenda mal. Não é que eu não queira casar com você, especificamente, é só que eu não previa um casamento tão cedo. Eu sou jovem, gosto da minha vida, gosto de ficar com a minha mãe, não acho que uma união seja necessária.

–Uma união arranjada, você quer dizer? Artificial.

–Sim, isso.

–Quer achar o amor? - Ele perguntou, baixando o olhar. Ele fitava suas mãos. Usava um grande anel com uma enorme obsidiana. Ela já havia notado aquele anel. Ele trocava suas pedras preciosas periodicamente. Desconfiava que era de acordo com o humor de Hades. Não sabia qual poderia ser o significado de um vidro vulcânico. - Quer encontrar seu... príncipe.

Foi a vez de Perséfone suspirar. Odiava aquilo. Ser tratada como criança. Não pensava muito no assunto, mas sabia que não queria um homem perfeito. Só queria amar. Óbvio que amaria um homem perfeito facilmente...

–Não é isso! Eu estou esperando.

–Esperando que uma flecha de Eros lhe atinja?

–Não! Pare com isso, eu não sou assim! Estou esperando alguém que valha a pena! Algum homem com quem em me identifique, que me faça bem, me faça feliz! - Hades engoliu em seco, respirou fundo e tornou a olhá-la. - E não é sobre isso que eu queria falar, não é só o fato de eu não querer me casar, ou com quem eu quero me casar.

–Decida-se, ou você quer, ou não quer.

–Ugh! - Ela quis levantar-se e ir embora. Tinha tanto para dizê-lo, tanto pelo qual confrontá-lo, mas parecia que não conseguia formular as frases claramente, parecia que ele a distraía de propósito. - Eu também queria lhe dizer que não é só o casamento, é o fato de eu não querer morar aqui! Eu sinto falta da minha família, Hades, - Ela pronunciou o nome dele com rancor. - quero ir para casa! Quero minha mãe, poder conversar com ela, abraçá-la! Pode me chamar de criança por isso, mas eu sou muito nova para me desfazer dos que me cercam!

–Mas, Perséfone, o quê há de errado com o Mundo Inferior? - Ele a olhou, sério, enquanto esperava a resposta. Quando identificou a expressão no rosto da deusa como sendo incredulidade, continuou. - Quero dizer, tirando o fato de ser o Mundo Inferior. Não estou falando das almas, e das punições, estou falando daqui, do Castelo, do imenso espaço livre que temos para construir. Você deve sentir falta dos campos do Olimpo, mas nem percebeu que pode construir seus próprios campos, florestas, jardins, bem aqui. - Ele parecia querer vender a ela algo que nem ele mesmo acreditava. Estava mais tentando convencer a si mesmo do que a Perséfone.

–Você não entende! Eu não quero construir tudo de novo! Vou acabar deixando tudo igual ao Olimpo, e seria inútil, pois eu poderia simplesmente ir pra lá!

–Não tem nada que você algum dia quis mudar no Olimpo? Mesmo? Acha que lá é tudo perfeito? - Hades se ergueu, caminhando até a porta. Perséfone foi em silêncio atrás dele. Eles acabaram na mesma varanda que ele a levara no outro dia. Sentaram-se. - Se você for capaz de me afirmar, sem mentir, que o Olimpo é um lugar maravilhoso para se viver, que nada é ruim, que você não mudaria nada, eu lhe deixo ir embora agora.

–Agora, agora?

–É. Agora.

–Hum... E-eu realmente acho que o Olimpo... Quero dizer, tenho certeza que... O Olimpo sempre foi... As pessoas acham... - E assim ela permaneceu, balbuciando começos de frases. Hades se endireitou na cadeira, descansando suas costas. - De acordo com... - Perséfone suspirou. Por quê não conseguia? Será que ele estava certo? Será que ela achava o Olimpo tão ruim assim? “Bobagem, o Olimpo talvez tenha uma ou duas imperfeições, mas é tão bom morar lá..”.

E seria mesmo? Perséfone também se endireitou na cadeira, em silêncio, fitando o vazio enquanto lembranças de sua infância vinham à tona em sua mente. Primeiro, não conseguia identificar nada, mas logo em seguida as memórias se desenlaçaram, ficando nítidas. Um frio correu pela espinha de Perséfone. Certo, talvez algumas das ninfas de lá não eram tão agradáveis, ou ela nunca soubesse ao certo em quem confiar. Também estava um pouco cansada da carência da mãe, das desavenças dos tios, de ser menosprezada por não ser uma dos Doze, das gigantescas brigas que seu pai e sua querida madrasta tinham cada vez que ele saía escondido com alguma outra deusa ou ninfa (o que não eram poucas vezes).

–Foi o que eu imaginei.

–O quê? - Perséfone se virou, sustentando o olhar de Hades.

–Você sabe que eu estou certo. - Ele inclinou seu corpo para perto de Perséfone.

–Talvez o Olimpo não seja todo perfeito, mas...

–É melhor do que aqui? - Ele interrompeu.

–Perdão, o quê?

–É melhor viver no palácio de sua mãe do que aqui?

–Ãn, bom... não que seja pior, só que lá eu tenho mais tarefas, e minha mãe insiste para que eu estude agricultura, e eu tenho horário para tudo mas... eu não trocaria minha casa por esse buraco! - Ela o fitou, só naquele momento entendendo as intenções do Rei dos Mortos.

–Não trocaria? - Hades ergueu uma sobrancelha e quase esboçou um sorriso.

–Você não vai colocar dúvidas na minha cabeça!

–Ora, Perséfone, eu não estou fazendo nada. Quem está criando as dúvidas é vocês mesma.

–Não mesmo! Não venha com jogos para cima de mim! - Ela sustentou o olhar dele e percebeu uma inclinação nos olhos negros do deus que sugeriam algo diferente.. um sorriso. Não com os lábios, apenas com o olhar. - Não ria de mim!

–O quê? Não estou rindo. - Ele se soltara e sorrira de verdade agora. Com dentes e tudo. Ela tentava se segurar, não sabia se sorria junto ou brigava com ele.

–Não tem graça. E não fuja do assunto.

–Ah sim, - O deus fingiu ficar sério e arqueou as sobrancelhas. - a história do casamento por amor.

–Não tem que ser amor, só tem que ser... bom.

Não tem que ser amor?

–Não... - A expressão no rosto delicado da deusa se tornou confusa e pensativa. - Não, quero dizer, tem, mas... - Ela suspirou. - Você conhece nossa família, não temos nenhum exemplo de amor, amor mesmo. Mas temos casamentos bons.

–Na verdade, não temos casamentos bons, mas temos amor.

–Claro que temos! E me dê um exemplo de amor verdadeiro!

–Não, não. Primeiro, me dê um exemplo de um bom casamento. - Foram necessários dez, quase vinte minutos para ela desistir e cruzar os braços, brava e conformada. - Eu sabia.

–Sua vez, então. Eu convivo mais com eles e sei que é muito difícil se amarem de verdade. - Ela franziu o cenho e o observou, paciente.

–Hum, veja só. O amor verdadeiro nem sempre é perfeito. Ou bem expressado, ou nem mesmo correspondido. Amor nós tivemos a vida inteira, e eu não vou nem falar sobre amor de mãe e filha, que você já conhece bem. Um nítido exemplo é a sua madrasta, Hera, e seu pai. Por mais que não pareça, ele cai morto de amores por ela, e ela, obviamente, também morre de amores por ele, senão por qual outro motivo ela aguentaria as barbáries que ele faz? - Ele deixou ela absorver a informação e acenar algumas vezes, provavelmente se recordando dos poucos momentos românticos dos Reis do Olimpo. - E esse é um amor de anos, há desgastado, mas vejo milhões de exemplos de ninfas e sátiros que fogem para o mundo dos mortais, loucos de amor.

–Mas.. achei que fosse somente paixão. Minha mãe me explicou que são coisas diferentes, e que é por causa de paixão que as pessoas acham que se amam sem se conhecer.

–Sua mãe está em parte certa e em parte errada. O amor e a paixão são realmente muito diferentes, mas a paixão é o começo de todos os amores. E para cada pessoa, deus, ninfa e monstro de nosso convívio, há uma outra pessoa que o leve às “nuvens”.

–Sério? - Ela ergueu uma sobrancelha, desconfiada. - Isso não é coisa de criança?

–Mais ou menos. Não estou dizendo que você só vai amar uma pessoa a vida inteira, mas existe uma pessoa que você amará muito, mais do que o normal. Alguém já predestinado para você. A maioria passa a vida sem encontrar essa pessoa, e conseguem ser felizes assim, mas te asseguro que a minoria que encontra sua outra... metade, – Hades quase riu. Estava soando como um adolescente, mas nem se importava. - fora mais feliz do que a maioria afortunada.

Perséfone ficou um tempo em silêncio e respirou profundamente repetidamente.

–Como você entende tanto de amor? - O tom de voz acusador chegou a surpreender o deus.

–Achas que eu não posso conhecer o amor?

–Não, não é isso, – ela disse, meio sem jeito. - é que isso parece uma reflexão tão profunda, tão de Afrodite.

O deus sorriu ternamente.

–Somos grandes amigos, eu e ela, sabia? Nos conhecemos há muito tempo e conversamos muito, mas isso que eu lhe disse eu aprendi há muito tempo, com muitas pessoas, observando de cá e lá. Quando você passa o dia inteiro durante séculos ouvindo a história de vida de incontáveis mortais, você acaba aprendendo alguma coisa.

–Ah... pensando assim, você deve saber muito mais sobre eles do que qualquer um de nós.

–É, eu sei... às vezes é bom, mas às vezes machuca. - Ele não ia explicar, mas a deusa chegou a se inclinar para frente para ouvir. - Eles sentem bem mais profundamente, sabe. Eles vivem mais intensamente os poucos anos de vida que possuem. Fazem muito por razão alguma, por instinto, por vontade. É bonito de se ver, dá vontade de abdicar de tudo e viver assim. Por isso machuca. Porque não sabemos dar valor para o que temos. Os humanos almejam a imortalidade para fazer tudo o que não conseguem em 70, 80 anos, enquanto alguns de nós fazem tão pouco com tanto tempo.

–Hades, isso é... lindo. Você ter esse tipo de percepção, quero dizer.

–Obrigado, eu acho. - Ele sorriu fracamente e se levantou. - Acho que não conversamos tudo o que você queria.

–Não. Na verdade, conversamos mas eu sinto que não me expressei direito.

–Certo... eu tenho compromissos agora, e logo será o almoço, então perdoe-me, mas teremos que conversar mais tarde. Bom dia para você. - Ele foi saindo, deixando-a sentada, olhando para os campos. - E Perséfone?

–Sim? - Ela virou para trás, apenas para ouvir a última frase do deus e vê-lo ir embora.

–Espero que você consiga entender.

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–Você não vai conseguir, sabe? - O deus a esperava deitado em sua cama, sem camisa. - Não sem ajuda.

Ao vê-lo, Hécate forçou uma gargalhada irritante.

–Não sei do que estás falando.

–Ah, porque eu não convivo com você há séculos, não é mesmo? Não percebo os olhares e os suspiros. Você está louca para virar rainha. Inclusive, já vi você algumas vezes sentando-se no trono de Hades. Acho que ele não gostaria nada disso.

A deusa bufou, irritada, gesticulou para que ele sentasse na cama.

–Foram apenas duas vezes, e eu não suspiro por ele.

–Mas quer se tornar rainha.

–Ah sim, muito. - A deusa dá de ombros. Fazer o quê, não adianta negar. - Não entendo como sua ajuda seria útil.

–Não ofereci minha ajuda. - Ele piscou sedutoramente para ela, apenas fazendo-a revirar os olhos. - Mas se você quiser...

–Se não estivesse se oferecendo para me ajudar nem teria vindo aqui, filhote. Como é que você vai me ajudar? Esses músculos definidos não vão te levar à lugar algum.

–Minha querida, esses meus músculos já me levaram a muitos lugares.

Mais uma revirada de olhos da deusa.

–Você esquece que Hades também possui esses mesmos músculos definidos. E não tem essa sua cara de criança.

–Eu... nem sabia que ele malhava. - O deus realmente parecia estonteado por um momento, mas voltou a exibir um sorriso maldoso. - Igual, eu sou mais jovem e mais flexível. Ela pode confiar em mim. Posso tira-la daqui, se você me der cobertura.

–Sabe que ele nunca, nunca nos perdoaria. - Hécate puxa a cadeira da penteadeira e começa a arrumar os longos cabelos em uma trança, para o almoço. - Você só está fazendo eu perder meu tempo.

–Ah, porque você tem um plano melhor, não é mesmo?

–Talvez eu tenha. E se eu tiver, não adianta espernear, não vou te dizer.

Eles ficaram em silêncio por um tempo. Ela, pensativa. Ele, entediado. O deus recém se levanta e encaminha-se para a porta quando ela se decide.

–Tânatos. - Ele se vira, tentando ficar sério. - Faça hoje de noite, e eu lhe dou uma distração.

–Temos um acordo. - Ele estende a mão para ela.

–Um acordo. - Eles se cumprimentam e ele sai da sala com um sorriso enorme no rosto. Não é que ele não queria que Hades fosse feliz, mas uma rainha? E logo ela? Se eles se casassem, Tânatos não iria conseguir deixar de querê-la, então era melhor que nenhum dos dois tivessem-na.

Só precisava arrumar um modo de tira-la dali, e tinha apenas 10 horas para fazer isso. Era muito trabalho para fazer, mas ele já tinha uma ideia.

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Confusa, ela nem sabia se devia descer para o almoço. O que havia feito? Ao invés de impor sua vontade e fazê-lo se sentir mal pelo que estava querendo, acabou conversando com ele amigavelmente? E sobre amor! Era uma vergonha no quesito autoconfiança. Ia ter que repensar melhor o que falar antes de voltar a se encontrar com ele.

Talvez fosse melhor ficar no quarto a tarde inteira, mas Perséfone sabia que enlouqueceria. Decidiu passar na cozinha um pouco mais cedo para pegar algumas coisas para almoçar e saiu porta a fora do castelo, vagando pelo território do Mundo Inferior. Tentou não se aproximar dos Campos de Punição, mas resolveu passar um tempo nos Campos Asfodélios, para tentar entender melhor seu funcionamento. Acompanhou almas chegando e tomando seus rumos até que seu estômago roncasse, então decidiu buscar um lugar mais confortável para almoçar.

Conseguiu dobrar os guardas e entrar no Elísio. Foi até o pomar e se recostou em uma linda árvore que encontrou, triste porém linda. Comeu também observando as almas de lá, sendo que essas eram completamente diferentes das primeiras. As almas condenadas ao Asfodélios não parecem ter força de vontade, enquanto os heróis no Elísio andam livremente, até mesmo fazendo piadas com outras almas, brincando entre si. Perséfone se acomodou melhor após almoçar e cochilou. Toda aquela falta de sol a dava muito cansaço.

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Meia hora ele esperou, até constatar que ela o deixaria almoçar sozinho. Deu de ombros, não adiantava tentar prever o que essa menina faria.

Mulher. Que essa mulher faria.

Hades comeu sozinho e reviu os acontecimentos de sua última reunião. Nada demais, apenas algumas almas em excesso nessa semana. Parece que os humanos andam morrendo de fome por causa de secas em seus solos de plantação. Ele já adiantara isso. Deméter deve estar fora de si.

Passaria a tarde inteira trabalhando, o que limparia sua mente de pequenos problemas.

Não que o fato da sua futura esposa não querer se casar com ele e querer, ao contrário, esperar pelo homem perfeito. Ele sabia que ela não era uma dessas adolescentes que acredita nisso, mas foi o que ela deu a entender. Que se casaria com alguém que a faria feliz e que não se casaria com ele. Logo, ele estava muito longe de ser perfeito. Mas ele já sabia disso. Não queria ser perfeito. Não precisava ser perfeito. Ela iria acabar aceitando o casamento uma hora ou outra, era apenas uma questão de tempo.

Ao menos era o que ele queria.

Depois de trezentas almas julgadas e muitas lágrimas fantasmagóricas, Hades se recolheu em seu escritório. Suspirou ao lembrar de seu contato extremo com Hécate no dia anterior. Não sabia se sentira alguma coisa de verdade ou se realmente estava há muito tempo sem saciação carnal. Sentia-se sozinho, rejeitado. Odiava isso.

Delta, pressentindo seu estado, apareceu-lhe na porta com uma taça de vinho e uma guloseima feita na hora.

–Vamos, você pode desabafar comigo, meu querido.

–Não posso. - Ele molhou os lábios com o vinho e suspirou.

–Pode sim, sou a última pessoa que vai te julgar.

–Mas não é isso, você sabe. Não gosto de me abrir.

–Você não precisa me contar, eu já sei do beijo. - Hades ergueu os olhos, inquisitivo, mas depois desviou o olhar para a torta de frutas que ela o trouxera. - Isso vai te consumir um dia, sabia? Guardar as coisas pra si.

–Não me consumiu todos esses éons, não vai ser agora que vai consumir.

–Você é quem sabe. - A alma beijou a testa de Hades e saiu, deixando-o sozinho com seus pensamentos. Ele necessitava de um tempo para refletir, mas tinha medo de tomar decisões precipitadas. Claro, nada seria mais precipitado do que ter sequestrado a deusa da primavera sem um plano totalmente orquestrado, mas vá que ele conseguisse uma proeza maior.

Recostou a cabeça na cadeira e fechou os olhos. Comer lhe abria a mente e o vinho sempre caía bem. Ponderava as consequências de conseguir se casar com ela. Teria de aguentar sua família de icor pelo resto da eternidade. Ele já tinha de aguentá-los, mas ela seria uma ligação permanente para que ele estivesse presente em todas as comemorações festivas do Olimpo. Odiava a ideia, mas não sabia se podia voltar atrás.

Não ganharia nada com isso, na verdade. Voltar atrás o tornaria um covarde, e ele a observara por muito tempo, a conhecera muito bem. Ele sabia que se identificavam um com o outro, mas temia que ela nunca fosse capaz de enxergar isso.

Um ruído na porta despertou sua atenção. Girou a cadeira lentamente.

–Não esperava você por aqui.

O vestido leve cobria as pernas da deusa delicadamente, com suas pequenas flores bordadas na saia e nas alças. Ela era quase angelical. Ele reprimiu um sorriso. Podia ficar aguentando seus irmãos e irmãs se fosse para seu mundo se tornar tão iluminado quanto ela.

–Fui jantar e você não estava lá. Pensei em chamá-lo. - A deusa remexia uma mão com a outra, como um sinal de...

–Você está nervosa, Perséfone?

–Não... é só que... - Ela olhava em volta com muita frequência. Hades nunca pensou que seu escritório fosse aterrorizante, mas aí lembrou que sua espada e seu elmo estavam em cima de uma mesa no canto da sala. Se ergueu rapidamente em direção a porta.

–Está tudo bem. Vamos, não quero que comemos nada frio.

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Essa era a hora. Não tinha nem jantado de tão nervoso. Odiava isso de ter tanto medo de Hades. Ele era o deus da morte, oras. Não devia temer nada. Não tinha nada pior do que viver ali.

“Sempre há o Tártaro, mas Hades não é tão cruel”.

Ao menos era o que a sua consciência queria acreditar. Ele não podia realmente estar apaixonado por ela. Ele parecia muito velho e cansado para se apaixonar. O amor parecia algo tão jovem, não deveria ser desperdiçado com um ancião mal-humorado. Ele até poderia amar, mas que amasse então Hécate, que o conhecia há tanto tempo.

“Ah, que se dane.” Ele pegou seu cajado e caminhou silenciosamente pelos corredores. Repassava o plano em sua mente no momento em que encontrou Hécate no meio de uma escada. Ela sorriu com os olhos calculistas e continuou seu rumo.

Tânatos não acreditava que ela amava Hades. Era como a rainha dos céus em sua juventude. Só queria o poder. Hera tinha tido a infelicidade de realmente se apaixonar pelo marido, mas Hécate não parecia tão fraca.

Fraca. Aprendera em algum momento, entre seus casos com as mortais, que o amor era uma fraqueza. Talvez estivesse errado, mas alguém teria que prová-lo isso, pois não acreditaria sem ver.

Parou na frente do seu quarto-alvo. A porta de madeira parecia dançar com a luz fraca dos candelabros. Respirou fundo e bateu duas vezes. Podia ouvir o barulho das páginas do livro virando. Era tarde, mas ele não ficou surpreso de ela estar acordada.

Demorou uns dez minutos e mais três batidas para ela levantar e abrir a porta, já começando uma reclamação.

–Hades, são sei lá que horas da madrugada, eu não... - Perséfone parou quando seus olhos encontraram os de Tânatos. - Ãn?

–Não tenho tempo de explicar, só venha comigo. - Ele a olhou dos pés a cabeça e completou. - Na verdade, só troque de vestido e venha comigo... - Ela corou e olhou para baixo. Tinha esquecido que estava com uma camisola branca leve. Fechou a porta rapidamente e deixou Tânatos esperando do lado de fora.

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–Boa noite. - Hécate encontrou a porta do quarto encostada e entrou vagarosamente. Ele estava sentado na frente da janela, segurando uma taça de vinho tinto e fitando o Rio Estige. - Achei que fosse trabalhar hoje.

–Boa noite. - Ele se virou e a encarou. Seus olhos negros pareciam mais fortes agora, como se engolissem a luz. - Só estava fazendo uma pausa.

A deusa abriu um leve sorriso e puxou uma cadeira para sentar perto de Hades.

–De pijama? - Ele esboçou um sorriso e serviu uma taça de vinho para ela. Pode ter sido muito sútil, mas Hécate percebeu que ele afastou levemente sua cadeira da dela. - Mas tudo bem, eu entendo que até mesmo o Senhor da Morte mereça um descanso.

Ela se esticou e pegou a sua taça, passando seu rosto muito próximo do dele.

–O que você está tramando, Hécate? - A deusa tentou parecer surpresa, mas não obteve muito sucesso. - Não ache que acredito que você veio somente dividir uma garrafa de vinho.

–Você sabe porque eu estou aqui. - Ela pousou a mão na coxa de Hades e sustentou seu olhar. Ele não se esquivou, apenas suspirou, impaciente.

–Hécate - Seu tom de voz era de um pai falando com uma filha desobediente. -, já tivemos essa conversa tantas vezes. Não vamos ficar juntos.

–Isso é o que veremos. - Ela se esticou e o beijou, envolvendo-o em sua magia mais forte. Sua névoa subiu e embaçou seus pensamentos. Não precisava de muito, cinco minutos seria o suficiente.

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Correndo pelos corredores, Perséfone tinha as mãos suadas de nervosismo. Não sabia o que estava acontecendo. Só o que o deus havia dito era “eu disse que te mostraria meu trabalho um dia desses”. Ah, claro!

Talvez se ela tivesse ido dormir, não estaria tão sonolenta e estaria reagindo melhor. Só entendeu tudo quando eles pararam na frente de um par de portas iguais. Uma delas era cinza e a outra negra como carvão. Tânatos foi na frente e abriu a porta cinza para ela, revelando enormes campos de plantação que davam em um grande monte com o cume congelado.

Eles estavam fugindo.


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Notas finais do capítulo

Assim, ele ficou um tempo parado e como eu não releio capítulos, porque acabo botando no lixo, talvez tenham partes estranhas... mas não fiquem tristes. Agora com o ano acabando, assim que passar essa semana, eu acho, eu vou conseguir me liberar de tudo, porque até as notas do último trimestre eu já vou ter, então vou tentar (TENTAR) postar um capítulo em menos de dois meses, pra compensar esse aqui... mas gente, eu vou tentar só
e não se preocupem, teve gente me procurando para pedir pra eu não desistir da história. Eu não vou desistir dessa história, okay? Vim muito longe com ela e com vocês, e até eu preciso saber onde isso vai dar.
Enfim, amo vocês, obrigada por esperar e, por favor, me xinguem nos comentários ♥



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