A Luz Das Trevas escrita por Filha de Apolo


Capítulo 8
Quinto dia


Notas iniciais do capítulo

Oi galerinha medonha (?)
Saudade de vocêeees ♥
fiquei um tempão sem entrar mas quando entrei não me decepcionei *-* alguns leitores novos e vários comentários, isso me dá uma aquecida no coração que vocês nem imaginam.
Mas enfim, sei que teve gente que esperou bastante pelo caps, então tá aqui, aproveitem:



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/247579/chapter/8

O resto do dia anterior estava na memória de Perséfone como um borrão, clareando-se de pouco a pouco em sua mente. Lembrava-se de que, passado seu estado de choque inicial, entrara em estado de negação. Tentou argumentar com o deus, dizer que era muito nova, que não queria se casar com ele, que ele era mais velho que seu pai, que ele a enojava... coisas básicas.

Vendo que seus argumentos não estavam funcionando, Perséfone decidiu ser um pouco mais drástica. Avançou para cima de Hades com unhas e dentes. Conseguiu, com o elemento surpresa, arranhar-lhe a face do canto do olho até o lábio inferior, mas foi somente esse o sucesso que obteve. Ele tinha mãos fortes, a segurara como se ela fosse uma criança esperneante. O incrível é que ele não a machucara ao lhe segurar, não que Perséfone se importasse.

Lembrou-se que foi trazida ao seu quarto por Caronte e Nix, logo após Hécate, que pareceu se materializar de uma coluna atrás de Perséfone, lançou-lhe um feitiço que a fez desmaiar. A última coisa que vira era o rosto de Hades, com uma lágrima escorrendo pela sua face direita.

Agora, sentada em sua cama, não conseguia controlar suas lágrimas. “Rainha? Não posso!”. Queria voltar para casa, para os braços da mãe, do pai, dos irmãos. Não gostava daquele lugar. O detestava, por sinal. Havia atirado diversos objetos pelas paredes do quarto. Quebrara o espelho da penteadeira. Talvez fossem seus jovens hormônios, mas havia surtado surpreendentemente mais do que o normal de um dia para o outro. Ou talvez fosse o fato de não ser madura o suficiente para ser retirada à força de casa e então ter de assumir um Reino sombrio e cruel há uma profundidade imensurável da superfície terrestre, sem nunca mais ter contado com o sol, a natureza ou qualquer resquício de família que lhe restasse.

“Tecnicamente, ele é família”. Ah, ela odiava sua consciência. “Você entendeu!”.

Perséfone revirou os olhos e se enterrou nas bolhas de sua banheira, fechou os olhos e deixou suas emoções virem à tona novamente. Talvez se ele ouvisse seus gritos e entendesse sua ira, a deixasse livre.

–Lembra quando eu lhe disse que não era uma boa ideia? - Nix falou de sua cadeira na mesa do almoço.

–Lembro-me, assim como quando lhe respondi que eu manteria tudo sob controle.

–Certo, mas enquanto você não tiver tudo sob controle, eu me abstenho a uma simples constatação: - Hades ergueu os olhos para fitar a deusa. - Eu te avisei. - O deus apenas bufou em resposta.

–Rainha, Hades? Essa foi sua solução fantasiosa para todos os seus problemas concretos? - Hécate rolou os olhos, agressivamente terminando de almoçar e empurrando o prato para o meio da mesa. - De tudo que você poderia fazer com o seu poder, seu reino e seus servos, você foi até o seu mais odiado irmão e barganhou pela vida de uma adolescente rebelde? - A deusa suspirou e balançou a cabeça, em sinal de decepção.

–O que você esperava que eu fizesse, Hécate?! - Hades ergueu seu tom de voz, encarando a deusa da magia. - Eu preciso de uma Rainha, você sabe muito bem disso, e eu adoraria muito se fosse ela! - O deus gesticulava furioso. - Não era para acontecer assim, ela não devia ter surtado daquele jeito. Era para ela ter...

–Aceitado seu sequestrador como futuro marido tranquilamente? - Hécate revidou, elevando o tom de voz. Hades segurou a fala por alguns segundos antes de continuar.

–Não banque a superior para cima de mim, o que você sabe? Se tinha uma alternativa melhor para isso, que me dissesse antes de eu me ap... - Hades deixou a palavra no ar, pela metade, antes que fosse tarde. Estava com a cabeça quente e não iria proclamar nada precipitadamente. Se ergueu de sua cadeira e foi para seu quarto.

Demorou-se quando atingiu o segundo andar da escada. Fitou a porta do quarto de Perséfone. Mais tarde mandaria comida, imaginava que ela não sairia de lá tão cedo. Suspirou, desapontado. Deveria ter esperado mais tempo para contá-la, ou então deveria tê-la dito assim que chegara, teria facilitado as coisas. Por hoje, talvez já estariam falando um com o outro. O deus sacudiu a cabeça e continuou até seus aposentos.

Sentou-se na sua cama, observando o quarto. Sempre o achara agradável, mas há algum tempo estava o sentindo muito frio. Precisava de algo que iluminasse o cômodo, algo diferente, que se destacasse. Claro que o fato do quarto ser todo em variações de preto e madeira não ajudava muito, mas era um quarto elegante e aconchegante ao mesmo tempo. Tinha apenas uma cama box tamanho king, uma cômoda, dois criados-mudo e portas para o banheiro, closet, uma porta de ligação com seu escritório e uma para a sacada, esta que dava para a frente do Palácio, proporcionando-o uma visão quase completa de seus domínios. Não era como se ele quisesse observar seus domínios, mas a pobre vista tinha suas vantagens.

Enterrou a cabeça nas mãos. Como pudera ser tão estúpido. O que ele estava esperando, que ela caísse aos seus pés, admirando-o? Nunca aconteceria. Mas ele não desistiria. Desejava-a, e desejava muito. A teria para si, de um jeito ou de outro.

Sentia todos os músculos de sua pele enrugados. Passara a tarde inteira dentro da banheira. Por sua sorte divina que sua cabeça não afundara durante seu cochilo. Lavou-se e saiu do banho, enrolando-se em uma toalha e deixando-se estirada na cama. Podia sentir as lágrimas secas em seus olhos. Um ponto positivo era que a dor de cabeça que ela sentia antes, de tanto chorar, havia passado com a soneca.

Suspirou. Não queria mais chorar. Queria voltar para casa. Antes de dormir, havia pensado, e pensado, e pensado. Pensou muito. Estava claro que ela não conseguiria sair daquele lugar, não enquanto seguisse as regras. Já era tempo de aceitar que iria ficar ali. Não aceitaria o casamento, mas iria levar os próximos dias como levara os últimos, até que alguém a encontrasse e viesse buscá-la. E eles viriam. Sua mãe provavelmente não sossegara desde que ela desapareceu. Queria ao menos poder falar com ela, explicar-lhe o acontecido.

“Seu pai sabe que você está aqui...”. Tivera ele avisado sua mãe? Ou talvez tudo isso fosse parte de um plano que ele também estava envolvido? E se ele mentira para todos e estivesse impedindo que grupos de busca saíssem atrás dela?

Seu estômago roncou. Como consequência de ter dormido praticamente a tarde inteira, pulara o almoço. Amaldiçoou-se por não ter saído no meio da tarde, poderia ter escapado até a cozinha, pego algo para comer e voltado para o quarto. Tinha de arranjar um modo de chamar alguma das servas. Precisava comer algo.

Não havia passado meia hora que Perséfone estava se perdendo em devaneios em cima de uma livro sobre pássaros quando ouviu batidas em sua porta. Franziu o cenho e uma centelha de nervosismo brilhou dentro dela. Não queria falar com ninguém. Antes que pudesse se levantar, a porta fora aberta. Uma alma entrava, carregando uma bandeja. Fechara a porta atrás de si e colocara a bandeja na cama.

–Delta! - Perséfone não resistiu ao impulso de abraçá-la. A serva sorriu e abraçou-a de volta. - Como você adivinhou? Eu estou faminta.

–Ah, querida, quando você não apareceu para o almoço imaginei que viria de tarde, mas você não apareceu, então decidi fazer-lhe uma visita. Se quiseres ficar sozinha, posso ir embora. Só quis ver como você estava.

–Não, não, fique, por favor. - Perséfone sentou se na frente da bandeja e começou a comer. Ofereceu um pedaço para a serva, que recusou formalmente.

–Então, como você está? - Delta gesticulou por permissão para sentar-se enquanto falava. - Deve ser desconcentrante...

–Oh, nem me fale. Eu esperava qualquer coisa, sabe? Até que ele fosse me torturar para arrancar informações sobre o Olimpo, mas nunca isso. Eu não posso ser uma Rainha, e eu não quero me casar com ele! Não sei nem se quero me casar com alguém, imagina forçada assim! - Perséfone suspirou depois de desabafar. Uma lágrima escorreu pelo canto de seu rosto. - E eu não sou ingrata, eu sei que vocês todos me tratam muito bem por aqui, e não é um lugar tão horrível para passar uns dias, mas não consigo me imaginar vivendo aqui para sempre. Eu sinto falta da minha mãe, da minha família.

–Ora, mas eu acredito que ele vá deixá-la visitar-los. - O rosto pacifico da alma impedira que Perséfone argumentasse com ela. Queria brigar, xingar e espernear como uma criança, mas não queria fazer isso com Delta. Queria fazer fiasco para os outros. Não tinha porquê fazê-lo para a serva.

–Por que você o defende, Delta? Eu vi como você é a mais experiente das almas. Há quanto tempo você está com.. Hades? - A deusa hesitou ao falar o nome dele. Não queria mais nem ouvir falar dele, mas tinha que perguntar. A serva parecia ser a mais íntima do deus, era quem comandava o resto delas e era quem tinha maior liberdade para ir e vir.

–Estou com Lorde Hades há muito, muito tempo. - Delta levantou-se, colocou na penteadeira destruída a bandeja, agora vazia depois de Perséfone tê-la devastado, e voltou a sentar-se. - Quando viva, eu servia a Lady Reia, mãe de seu pai, de sua mãe e de Hades, como você já deve saber. Eu sou uma oréada, querida, uma ninfa. Ou era. Trabalhava na caverna que Reia guardou Zeus antes de entregá-lo para que Amalteia o criasse. Vivi por um longo tempo, morri perto da ascensão de Zeus para o poder. Antes de servir Lady Reia, eu abitava as montanhas em busca de seres perdidos que precisavam de um guia para a salvação. Quando cheguei ao Mundo Inferior, Lorde Hades me acolheu e não permitiu que minha alma fosse enviada para o Tártaro, me deixou então o fazendo companhia. Desde então, não apenas sirvo-lhe quando ele precisa, mas o aconselho, o auxilio, dentre diversas outras funções. Ele é como um filho para mim.¹

–Uau. Então, você cuidou dele quando ele veio para cá?

–Sim, sim. Eu o vi crescer e se tornar o homem justo que ele é, senhora. - Perséfone se remexeu inquieta.

–E você acha que eu devia aceitar essa proposta dele de virar Rainha?

–Não posso lhe dizer o que deves fazer, querida. Eu posso lhe dizer que o Mundo Inferior está funcionando maravilhosamente, apenas precisa de algumas expansões e mais alguns funcionários extras, mas que uma rainha não seria a resposta para os problemas do reino.

–Então por que raios Hades quer me fazer rainha?

–Não é pelo reino, meu bem. É por ele. Ele precisa de você. - Delta disse, determinada. Perséfone bufou.

–Eu sei, ele já me disse isso, mas eu não entendo.

–Isso eu não tenho como lhe explicar, querida. Isso você terá que perceber sozinha.

–Milorde, - A deusa entrou no escritório de Hades, o encontrando sentado em sua cadeira, mexendo em alguns pergaminhos. Sabia que o encontraria ali, ele sempre trabalhava para esquecer os demais problemas. - perdão pelo meu comportamento mais cedo.

Ele havia passado a tarde daquele modo e não saíra do escritório nem para a janta, havia pedido que lhe entregassem um prato de comida ali mesmo, para não ter de pensar em mais nada além do trabalho.

O deus dos mortos ergueu os olhos e a fitou friamente.

–Está perdoada.

–Não me olhe assim, você sabe que, em parte, eu estou certa. - Hécate caminhou até o balcão de bebidas e serviu uma dose dupla de néctar com gelo para o deus, como sabia que ele gostava. Caminhou até a escrivaninha e depositou o copo na mesa, postando-se atrás da cadeira onde ele estava sentado. O deus se esticou e bebeu um gole, suspirando.

–Não, você não está. Ela me fará bem. Você verá.

–Sabes que não é verdade. Você entregou seu exército para seu irmão para tê-la para si. Logo vai estar negociando com as Parcas, ou com Afrodite! Recomponha-se, você merece mais que isso. - Hécate inclinou-se para cima da cadeira, deixando suas mãos caírem nos ombros de Hades e os massagearem levemente. - Olhe como está tenso, só por causa de uma deusa menor. Você é tão poderoso, meu Senhor, merece alguém que lhe respeite, que lhe conheça, que seja experiente, não uma novata. Mereces uma mulher de verdade... - as mãos de Hécate desceram para o peito de Hades, o que fez o deus sair de seu transe momentâneo e levantar-se rapidamente da cadeira.

–Você sabe que eu esperei por uma mulher assim por muito tempo, e nunca me apareceu nada.

–Podes ter esperado, mas não procurou. Se tivesse o feito, terias visto que o que precisas está mais perto do que imaginas. - Hades caminhou até a janela e fitou imensos campos, a deusa acompanhou-o.

–Isso não é possível. Nenhuma das mulheres com as quais e envolvi eram dignas do posto de Rainha. Olhe todas as amantes que eu tive, todas que eu tive de largar logo depois de começarmos, pois me entediaram. Perséfone não me entedia, Hécate. É isso que você tem que compreender. Ela é um mistério pra mim, não é como as outras deusas de sua idade. Eu sinto que com ela eu preciso me esforçar mais, preciso ser um bom homem.

–Eu te entedio, Hades? - A deusa se aproximou enquanto ele negava com a cabeça e se virava para respondê-la. Seus corpos estavam a centímetros um do outro. Suas respirações quase sincronizadas, seus olhares trancados um no outro.

Ela não entendia como as flores continuavam a brotar, como o vento seguia levando folhas consigo, como o sol ousava ainda brilhar. Há cinco dias que ela havia perdido sua menina, sua preciosa, a razão de seu sorriso. Fora tão sozinha a vida inteira que havia se acostumado a descarregar sua solidão na pequena deusa. Tentara arrumar encontros, talvez se conseguisse estabelecer um relacionamento com algum deus, poderia deixar a menina mais livre, mas de nada adiantou.

Mas sabia que ela não havia fugido. Não fugiria sem deixar um bilhete, sem levar nenhuma de suas roupas, ou uma semente. Não deixaria tudo para trás. Deméter admitia que estava pressionando a menina um pouco demais. Queria que ela se casasse, não queria que acabasse como a mãe. Ela era tão linda, tão inteligente e talentosa, poderia fazer milagres com seus poderes.

Deméter passara talvez mais de um dia inteiro pensando em quem poderia ter feito algo assim. Certo que Zeus mantinha inimizades por todas as partes, mas se quisessem atingi-lo, teriam tantos outros filhos para escolher. Filhos que, de alguma forma, e Deméter não podia mentir sobre isso, Zeus preferia. Sim, ele tinha seus preferidos. Ficou claro quando ela contou a ele sobre o sumiço da filha, e ele mal expressou surpresa. Era como se já soubesse, como se estivesse esperando que algo acontecesse. Ela queria arrancar-lhe a cabeça.

Ao menos agora Apolo e Ártemis estavam procurando por ela. Deméter não tinha mais forças para procurar, ficara deitada na cama o dia inteiro, praticamente sem se mexer. Não queria se focar em nada a mais além da filha. As lembranças vinham como ondas de dor em sua mente. Queria ter protegido a menina melhor. Tinha medo que ela estivesse sofrendo. E se tivesse saído para caminhar e se perdido? Quem a ajudaria?

A deusa da agricultura não criara uma filha autossuficiente. Desde o dia mais trágico da infância de Perséfone, Deméter teve certeza de que a filha precisava de seus cuidados. E a deusa fez com que a pequena crescesse em uma bolha, sem saber se defender. Se soubesse que a filha se perderia de qualquer modo, teria a criado diferente. Teria deixado a menina passar as tardes caçando com Ártemis, como ela sempre quis, ou ir assistir às aulas de Atena.

Talvez estivesse exagerando, mas ela era praticamente a personificação de uma mãe super protetora. Quando fechou os olhos, lembrou-se da noite maldita.

“Os gritos ecoavam por toda a floresta, mas ninguém a ouvia. A pequena menina se debatia nas paredes do poço. Lembrava-se de estar correndo atrás de uma borboleta e sentir-se perdendo o chão. Quando acordou, horas após a queda, estava toda molhada e com uma imensa dor de cabeça. O fundo do poço continha pouca água, talvez uns cinco centímetros de profundidade, o que mantinha a menina molhada, a fazendo sentir frio, e a impedia de deitar-se. Passou as próximas horas, ou talvez fossem minutos, ela não tinha noção do tempo ali, tentando escalar as paredes, mas a pedra era muito polida, lisa demais e úmida. Nunca sairia dali. O poço parecia ter quatro metros de profundidade, e a pequena Perséfone, que havia recém entrado na pré-adolescência, mal media um metro.

Chorou muito, pedindo por sua mãe, por seu pai, pelos irmãos. Não conseguia entender o porquê do Olimpo ter um poço no meio dos campos. Desde quando eles precisavam de um poço?

Viu o sol nascer, se pôr e depois nascer novamente, até que ouviu ruídos do lado de fora. Era o pequeno Apolo, seu irmão, que se inclinara para ver o poço. Ela viu o arco que ele carregava, junto com suas flechas. O deus mal aprendera a ler e escrever e já estava caçando. Eles não trocaram palavras, apenas olhares. Depois de passados alguns minutos, o menino se virou e saiu correndo. Pelo que Perséfone imaginou ser o meio da tarde, ouviu passos acelerados e a voz da sua mãe. Só então conseguiu parar de chorar.

Deméter passou os próximos três dias depois do resgate com a filha nos braços. A menina se alternava em chorar e contar os pesadelos que tivera. Descobriram mais tarde que o poço era uma armadilha de caça antiga que não havia sido ativada de verdade, apenas depositada lá. Se estivesse funcionando, Perséfone teria ficado presa em ganchos enferrujados. Sorte da pequena deusa. Muita sorte.”

Deméter abriu os olhos e suspirou. Coitada da sua pequena.

Depois de passar o resto do dia conversando com Delta, Perséfone se esgueirou atrás da serva pelos corredores, pegou algo para comer na janta e subiu correndo para o quarto. Notou ter passado por um cômodo que continha uma porta aberta, e vagamente percebeu Hipnos a observando, talvez confuso, talvez com pena. A deusa não se importava. Jantou sozinha em seu quarto. Sabia que teria bastante o que fazer essa noite. Ao menos a sua mente teria. Era como se ela não estivesse conseguindo pensar claramente desde o momento que chegara ao Submundo, como se os gritos abafassem seus pensamentos e sua mente apenas conseguisse absorver a falta de cores do reino.

Deitou-se, fitando o teto. Não queria ficar ali para sempre, mas admitia que aguentaria mais alguns dias. Havia apreciado a companhia de todos por ali, e, de certa forma, tinha liberdades ali que sua mãe não lhe concedia. O que mais a incomodava, porém era a ideia de não ter a opção de sair, de voltar para casa, de ver seus amigos. Talvez se ele se mudasse para o Olimpo, eles pudessem viver juntos...

Ela balançou os pensamentos para longe. “Não pense asneiras, Perséfone. Casar com o Deus dos Mortos? Você? Ele a raptou!”. Sua consciência gritava, tentando abafar o seu outro lado, mais passional, que tentava convencê-la que podia ser rainha, sim. Podia governar um Reino. Só não precisava ser aquele reino. “Por que não o deus dos mortais? Deus da natureza? Deus do luar? Tinha de ser logo o deus dos mortos?”. A jovem deusa suspirou, inconformada.

Não queria parecer mimada, fazer birra e insistir para ficar com sua mãe novamente, mas também não queria ser forçada a se casar. Eram tantas dúvidas. Imaginava que, passado seu retorno ao Olimpo, começassem os rumores, deuses dizendo que ela fora covarde, ou que dissessem que já era esperado, que ela não servia para rainha. Ugh, não devia ser tão orgulhosa.

Depois de refletir durante incansáveis duas horas, decidiu-se. Levantaria mais cedo para acompanhar Hades em seu café da manhã, e então eles conversariam. Ela tinha de explicar porque recusaria a oferta, de outra forma seria deselegante. Perséfone esperava que, depois de claros seus motivos, ele pudesse repensar a estadia dela ali. Talvez ainda a mantivesse por mais alguns dias, mas a libertaria ainda como uma menina livre.

Os lábios dele eram frios, hesitantes e deliciosos. Se ele soubera o quanto ela esperara por aquele momento, o quanto ela imaginara. No começo, era apenas curiosidade, mas com o passar dos anos veio a curiosidade deu lugar a admiração, o encanto. Se apaixonara perdidamente pelo deus, pelo seu modo retraído, defensivo. Depois de ignorada, o amor “de verdade” sumira, e ela continuava a alimentar uma paixonite dentro de si. Talvez nem fosse paixão por ele, fosse a ânsia do poder. Ela aspirava ser sua rainha, queria governar aquele reino com as próprias mãos. Sabia o quão poderoso ele era e o quão poderosa ela era. Seriam invencíveis juntos. Ela o ajudaria a atacar seus irmãos, controlaria a névoa para enganar-los. Na mente de Hécate, eles eram o casal perfeito.

O hálito fresco dela o hipnotizara. Durante um longo momento, ele não sabia onde estava e o que estava fazendo, apenas seguiu seus instintos. Suas mãos agarraram a cintura da deusa, trazendo-a para mais perto. Ele pôde sentir que ela sorria entre o beijo. Hades a empurrara contra a parede, e ficaram lá, se beijando, corpos colados, por quase dois minutos, até o deus quebrar o beijo repentinamente.

–Hécate! - Ele praticamente gritou o nome dela, se afastando. Respirou fundo, fechou os olhos e balançou a cabeça em reprovação. - Nunca mais ouse usar sua magia em mim! Ora, onde já se viu. - Ele deu as costas para a deusa, que ainda se segurava no balcão em baixo da janela, um atônita. - Me respeite! - Ele juntou algumas coisas e se dirigiu a porta que ligava seu quarto ao escritório.

–Hades. - Ela praticamente sussurrou o nome dele, fazendo-o desacelerar o passo para ouvi-la. - Admita, não foi apenas a magia. Você me quer tanto quanto eu te quero, meu Rei. - Ela se pôs de pé e engoliu em seco, esperando ele se virar.

O deus se limitou a terminar sua caminhada até a porta, abri-la e, sem fitar a deusa, dá-la suas últimas palavras antes de entrar no quarto para se deitar.

–Não me siga. - Foi tudo que ele disse, deixando uma Hécate devastada para trás. Mas ela não estava inconsolada ainda. Sabia que ia consegui-lo. Ela sempre conseguia o que queria.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

¹esse mito non ekziste, okay, gente? Tipo, não houveram relatos de nenhuma serva assim de Hades, nem nenhuma Delta, mas Óreadas são ninfas mesmo, assim como Amalteia é a cabra que amamentou Zeus até ele crescer, e tudo mais :3
aos que perguntaram o porquê do poço citado no prólogo, prontinho U-U acharam que eu ia esquecer né? OSADNSIOANSIOD
AH AH AH
e agradeçam a Rafaela M. por ter me lembrado do capítulo. Tipo, eu sempre fico mais alerta no começo dos meses, pra ver se tenho que postar ou não, mas eu ando tãããão estressada que provavelmente teria atrasado; (t amo, mana ♥)
O caps foi mais pra dar uma clareada nos pensamentos da Sephzinha e dar uma puxada de volta no Olimpo, mas me orgulho dele igual u-u Espero que vocês gostem.
E eu dedico esse capítulo a vocês que vão me xingar de tudo quanto é coisa nos comentários por causa daquele beijo. Amo vocês igual



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "A Luz Das Trevas" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.