A Luz Das Trevas escrita por Filha de Apolo


Capítulo 28
Festa II




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  -E então? – Ele disse. Haviam se afastado alguns poucos metros dos outros deuses, conseguindo o balanço exato entre ter ou não privacidade, dependendo do tom de voz que usassem. Deméter não falava nada fazia alguns minutos.

             –Não aprovo isso. – Finalmente conseguiu dizer.

             –Eu estou ciente. Você se fez ouvir em todos os cantos do universo. – Ela bufou para ele antes de continuar.

             –Pouco me importa o acordo doentio que você fez com Zeus, ou que ele seja pai dela. Eu sou a mãe dela. Ela vive comigo. – Hades endireitou as costas novamente. Havia recuperado sua taça e bebia um gole demorado esperando a deusa continuar. – Eu quero deixar claro que ela estar aqui nesta festa e vocês conversarem ou não, não muda nada disso.

             –É claro. Conversar comigo não a faz menos sua filha. É impossível.

             –Não me venha com piadas. Você sabe muito bem o que quero dizer. – Hades fechou os olhos com força, sabendo o que o aguardava. – Independente do que aconteceu — ela exalou, como se a ideia de se referir ao Submundo de qualquer outra forma fosse repulsiva. – não muda o fato de que ela voltou. Ela está em casa. Vocês podem conversar quanto quiserem essa noite, mas ela não sai do Olimpo. – Ele abriu os olhos que agora ardiam, seu tom dançando de preto a vermelho, as pupilas dilatadas.

             –Até onde eu sei, irmãzinha— ele se inclinou, se aproximando e deixando seu olhar nivelado horizontalmente com o da deusa. Percebeu de canto de olho seus outros irmãos se inquietando. – isso cabe apenas a Perséfone decidir. - Hades ouviu o ranger de dentes de Deméter e segurou um sorriso. Voltou a se endireitar. – De mais a mais, você está certa. Essa noite, ela não vai a lugar nenhum. Afinal, a festa está no Olimpo, não?

             –Não brinque comigo. Nem com ela. Você se acha grande coisa, mas eu não tenho medo de você. – “Pois talvez devesse” a consciência dele respondeu, “você mal me conhece”. – Se você machucar ela eu vou lhe fazer sofrer em dobro. – Ele suspirou, relaxando os ombros. Por mais divertido que fosse brigar no Olimpo, ele não queria mais perder tempo ali. Ela franziu o cenho em resposta.

             –Não se preocupe, Demi. Se eu a machucar, eu mesmo vou me fazer sofrer. – Ela relaxou um pouco os ombros, porém seguiu com olhar desconfiado. – Você tem minha palavra.

             –Pff. – Ela exalou ar de suas narinas em desdém. Ele imaginou que a palavra dele de nada valeria para ela. Ergueu o olhar enquanto tomava mais um gole e encontrou por acaso o olhar apreensivo de Perséfone, agarrada ao braço de Hera. Suspirou ao perceber que seu coração disparou. Talvez estivesse de fato na adolescência.

             –Eu lhe juro, Deméter, filha de Reia, – Ele entoou, tentando manter o tom de voz o mais alto que conseguia que ainda fosse inaudível para os deuses à sua volta. – deusa da agricultura e da colheita, que minhas intenções com a sua filha são as melhores e que você pode me punir como quiser caso eu algum dia lhe cause mal por vontade própria. Assim eu, Hades, Rei do Submundo, lhe juro pelo Rio Estige. – Uma névoa gélida envolveu os dois.

Deméter estava de boca aberta, tentando assimilar como aquele deus que tinha tudo para ser cafajeste como seus irmãos, tinha a coragem de fazer um juramento tão sagrado para ela. Sem ela nem pedir. Assim que percebeu que transparecera estar atônita, voltou ao seu olhar desconfiado.

—Não ache que me convenceu. – Ela disse. Ele riu.

—Vai ter de me perdoar por ser apenas isso que tenho para lhe oferecer hoje. Agora, se me dá licença. – Ele ergueu a taça e acenou com a cabeça uma reverência, como os cavalheiros geralmente faziam ao se escusar da companhia de uma dama. – Minha esposa me aguarda. – Ele disse, um sorriso cortando seu rosto de lado a lado. Ele andou até onde estavam Hera e Perséfone, dando as costas à outra irmã.

Deméter se manteve de costas também, escondendo o pequeno sorriso confuso que ameaçava brotar em seu rosto. Talvez ele não fosse de todo ruim para sua filha. Por hora, deixaria assim. Se ele aceitou estender essa trégua, ela a acolheria. Partiu para dentro do salão, vendo de canto de olho o sorriso enorme de sua filha quando o deus alcançou ela e a Rainha dos Céus.

Tentou afastar a lembrança de que para tê-lo, Perséfone teria de sair do Olimpo. Deméter acenou para um servo garçom lhe trazer uma bebida. Talvez assim ela suportasse o aperto em seu peito.

 

             –Vou deixar vocês a sós. – Hera disse, quebrando o silêncio entre eles. – Vamos deixar vocês a sós. – Ela enfatizou, empurrando Poseidon para longe do casal e puxando Zeus pelo braço. Perséfone encontrou voz para falar algo somente após os outros deuses se afastarem.

             –Não quero nem saber o que você disse à minha mãe para evitar que ela lhe batesse. – Ele riu, fazendo-a sorrir em resposta. Hades acenou com a cabeça para os jardins atrás do palácio, onde alguns deuses conversavam dispersados, bem diferente do burburinho do centro da festa. Ela assentiu e eles se puseram a andar em direção às escadas que desciam para o jardim, precisando, entretanto, passar no meio da festa para isso.

             –Não falei nenhuma mentira. – Ele respondeu. Estendeu seu braço direito para que ela enrolasse seu esquerdo, o seu toque arrepiando todos os pelos do corpo do deus, dos tornozelos à nuca.

—Eu sei.

Não passaram muita dificuldade para atravessar o salão, as outras divindades abrindo caminho para eles assim que os notavam, efeito que Hades já causava na maioria dos olimpianos sozinho, muito acrescido pela imagem belíssima de sequestrador cruel que Deméter pintara por aí. Os sussurros não tão discretos seguiam o caminho que eles percorriam, as pessoas confusas com o clima amistoso do casal, novamente influenciadas pelas palavras de uma mãe raivosa.

             Trocaram poucas palavras até chegarem ao topo da escada. A deusa grudara seu corpo no dele, como se isso afastasse os murmúrios.  

             –Tudo bem? – Ele arriscou perguntar, enquanto desciam e se afastavam, enfim, do salão. Sentaram-se em um banco de mármore, virados de costas para todos e de frente para alguns arbustos.

             –Uhum. – Ela soltou o braço dele ao se sentar, mas manteve a proximidade dos dois. – Não estou acostumada com tanta atenção, apenas. Costumava passar despercebida.

             –Desculpe. – Ele deixou escapar.

             –Não, não. Não se desculpe. A culpa não é sua e eu não estou reclamando. Só estranhei. – Ela sorriu para confortá-lo. Hades não conseguiu impedir que sua esperança borbulhasse com a última frase da deusa: - Vou me acostumar.

             Segurou a vontade sobredivina que sentiu de pergunta-la se voltaria ao Submundo em algum momento. Não queria parecer que estava pressionando ela. Voltaria se quisesse. Hades estendeu sua mão que portava o anel de alexandrita e tocou o colar da deusa, as pedras brilhando com a proximidade. Perséfone sorriu.

             –Você fez um anel! – Hades assentiu.

             –Mais prático do que carregar uma pedra bruta por aí. Você escolheu o colar.

             –Claro. – Ela levou a mão até o colar e retirou a pedra de dentro, mostrando a ele a funcionalidade do colar. Ele arqueou uma sobrancelha. Ela sorriu frente a confusão dele. – Eu não mostrei a pedra para minha mãe quando ela apareceu. – Ele assentiu, entendendo a ideia de esconder a pedra de Deméter.

             Conversaram sobre frivolidades por um tempo. Pouco mais de uma hora depois, a deusa encostou sua cabeça no ombro dele e bocejou. Hades sorriu.

             –Você acorda muito cedo.

             –Sim e estou acostumada a dormir várias horas, ao contrário de você que dorme tarde e acorda cedo. – Hades forjou um olhar surpreso.

             –Eu? Bobagem. – Ela riu. Fechou os olhos e deixou que seus dedos corressem o braço do deus até encontrarem os do deus e se entrelaçarem. O gesto fez Hades se virar para fita-la, o movimento fazendo a deusa abrir os olhos novamente. Ficaram se olhando por alguns segundos até ele tomar coragem e se inclinar.

             Beijaram-se como se fosse a primeira vez. O deus sentiu-se embriagado pelos doces lábios da deusa. Ela soltou a mão dele e deixou que a sua pousasse na nuca dele, apertando o beijo. Sentiu mais falta dele do que havia se permitido admitir a si mesma. Ele aproveitou o embalo e passou o braço por trás do corpo dela, abraçando sua cintura.

             Um som ao fundo despertou o deus de seu transe. Era... uma torcida?

             Ele separou os lábios de ambos bruscamente e abriu os olhos na direção do barulho. Ia levantar e matar a plateia, se não fosse a risada de Perséfone, que também notara agora seus espectadores. Ela escondeu o rosto próximo do pescoço do deus, envergonhada. Ao longe, Poseidon, Nix, Afrodite e Hera riam do deus. Logo se dispersaram, Nix a única que desceu as escadas e foi até eles.

             Perséfone ergueu a cabeça ao notar alguém se aproximando e sorriu, o rosto que havia se avermelhado inteiro de vergonha retornando lentamente a sua coloração original. 

             –Boa noite, querida. Desculpem a indiscrição, foi inevitável. – A deusa mais jovem se ergueu para cumprimentar a outra com um caloroso abraço. – Você está radiante.

             –Muito obrigada! Você está maravilhosa como sempre. – Ela respondeu e voltou a se sentar no banco, quase colada ao deus para dar espaço para Nix sentar-se com eles.

             –Bom, eu ia apenas me despedir, mas se você insiste. – Ela acenou a mão para o espaço no banco e Perséfone assentiu com a cabeça. A jovem apoiou suas costas contra o corpo do deus e passou a conversar com a outra deusa. Hades deixou sua mão correr pelo lado da deusa e não segurou um sorriso ao ver a nuca da deusa arrepiar-se. Pousou os dedos sobre a cintura dela e a abraçou. Ela se aconchegou melhor no deus e seguiu sua conversa.

             Pouco mais de meia hora depois Nix se levantou, abraçou a ambos e se retirou, explicando que iria para casa, porém reenviaria a carruagem para pegar Hades mais tarde. Ele agradeceu e se virou para voltar até a deusa apenas para encontrá-la de pé, longe do banco. Ele arqueou uma sobrancelha.

             –Quer dançar? – Ele arqueou a outra sobrancelha, formando uma face surpresa. – Eu quero.

             –Pois então, vamos. – Ele estendeu o braço para que ela o tomasse com o seu. Foram até a pista conversando. Perséfone encontrou suas amigas ninfas com quem cresceu e trabalhou por muito tempo até que elas foram morar no reino mortal, passando adiante a eles os ensinamentos de Deméter. Ela se soltou dele e as abraçou. Hades se manteve alguns passos atrás do grupo entusiasmado de mulheres. Costumava destruir as conversas de grupos assim, as pessoas sempre receosas de estarem próximas dele. Tentou encontrar algum garçom e não visualizou nenhum em sua volta.

             –É verdade que você se casou? – Ele ouviu ao fundo, pouco depois de ele se decidir por ir diretamente ao bar. Perséfone se virou como se só então lembrasse que ele estivera ali. Ele sorriu, reconfortando a deusa de que estava tudo bem. Ela acenou com a mão para que ele se aproximasse. Ele obedeceu, relutante. As ninfas logo se silenciaram e endireitaram sua postura. A deusa se pôs a apresentá-las uma por uma. Por fim, se virou sorrindo para ele.

             –Esse é meu marido. - Ela se virou novamente para as ninfas enquanto enlaçava seu braço no dela. – Hades. – A maioria das ninfas permaneceu estática, com exceção da mais velha, que aparentava ter a mesma idade da deusa, que abriu um grande sorriso, retribuindo a felicidade com que a deusa portava a notícia. Ela foi até eles, abraçou Perséfone forte e depois a ele também, o que o surpreendeu.

             –Parabéns! Você parece ótima, Core. - Logo, as outras ninfas repetiram os parabéns da ninfa, porém não fizeram questão de se aproximar. A mais velha se inclinou para a deusa e sussurrou: - Eu lhe disse que você tinha sangue real. – Perséfone riu alto e cochichou algo de volta para ela que Hades não conseguiu ouvir.

             Em poucos minutos elas já estavam conversando sobre outras coisas, cada ninfa contando onde e como estava vivendo. Quando duas das ninfas começaram a discutir algo entre elas, sem envolver a deusa, Hades se inclinou até a altura dela.

             –Eu vou ao bar pegar um vinho, você quer alguma coisa? -  Ela se virou para ele.

             –Uhum, pode ser o mesmo que o seu, ou você vai tomar suave?

             –Bebo o seco para lhe acompanhar. Volto já. – Ele assentiu com a cabeça em sinal de licença e começou a dar dois passos para trás. A deusa segurou o braço dele, interrompendo seu movimento, e esticou o pescoço para dar um selinho nele, o que pegou tanto às ninfas quanto a ele de surpresa. Ele sorriu e terminou de se afastar.

             Ele sentia por um momento como se o tempo que passara longe dela não acontecera. O que, pelo visto, era a mesma sensação da deusa. Se o tempo no Olimpo mudara algo sobre como ela via ele, ela escondia muito bem.

             Chegou ao bar ainda sorrindo e foi obrigado a dar explicações ao irmão, que o fitava, o sorriso já embriagado estampado em seu rosto.

             –Que fofo, até parece que vocês são casados.

             –Poseidon.

             –Eu sei, eu sei. Vocês parecem namorados. Fico feliz que você está feliz. Você é menos chato assim. Não chega a ser legal, porque aparentemente ela ainda não faz milagres.

             Hades nem se importava. Sorriu junto com o irmão e pediu as taças de vinho.

             –Achei que você ia finalmente conseguir convencer Nix essa noite.

             –Nah, aquilo é um caso perdido. – Ele respondeu, os olhos vidrados na pista de dança. Hades seguiu seu olhar e suspirou.

             –E ela não é? Você tem critérios estranhos. – Poseidon desferiu um leve tapa ao ombro do deus, fazendo-o rir.

             –Pare, vai acontecer, você vai ver. Não pode ser que seja apenas ódio. Não pode.

             Hades deu de ombros. Atena se virou e pegou os dois deuses a fitando. Hades acenou a cabeça em cumprimento. Pegou as duas taças recém servidas de cima do balcão e iniciou seu retorno.

             Quando chegou se demorou vendo a deusa dançar com as ninfas. Ela parecia flutuar sobre a pista e Hades não conteve um suspiro apaixonado. Entregou a taça para a deusa e sussurrou que ficaria pelo bar, que não queria atrapalhar ela. Se ela se importou, não demonstrou. Assentiu e voltou a dançar.

             Bom para ambos, pois Hades nunca fora o maior fã de dançar em público. Sabia e até gostava de dançar alguns estilos, porém não era sempre. Voltou e se sentou ao lado do irmão, que apenas lançou um olhar confuso para ele e voltou a falar com a deusa encostada no balcão ao seu lado, com quem Poseidon trocava cantadas.

             Duas taças depois, Hades viu as ninfas indo embora. Ela o notaram e algumas acenaram um tímido tchau. Ele retribuiu o gesto e vasculhou a pista com os olhos. Encontrou Perséfone dançando no mesmo grupo que estava Atena. Ela demorou algumas músicas para encontrar o olhar do deus. Sorriu e ergueu a taça vazia para ele, que sorriu de volta.

             Deixou que o garçom repusesse seu vinho e pegou outra taça cheia para a deusa. Esperou mais uma música e atravessou o salão até ela, que agora dançava com outro grupo de divindades menores que ele nem conhecia. Entregou a taça para a deusa e colocou seus corpos, dançando junto a ela.

             De longe, o olhar perfurante de Deméter cortava o ar até os dois.


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