A Luz Das Trevas escrita por Filha de Apolo


Capítulo 27
Festa I


Notas iniciais do capítulo

feliz ano novo, mores



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Uma semana se passou. Três dias desde o último dia que ela ligara. Ele tentava seu melhor para não ficar paranoico. Fitava atônito as escadas que levavam ao Salão da festa. O pigarreio ao seu lado o despertou.

            -Por Gaia, Hades. – Poseidon resmungou. – Você é um rei, recomponha-se. Ela vai vir, você vai poder beijar na boca, seu adolescente. – O deus riu e não parou mesmo com o tapa que levou do irmão. – Ai! – Brincou.

            -Meninos, vamos fingir que somos educados e melhores que esse povo do Olimpo, não? – Disse a deusa, deslizando com seu vestido preto longo com brilhantes encravados em toda sua extensão, redundantemente vestindo a noite.

            -Nix! – Poseidon pegou uma das mãos dela nas suas, levando-a aos lábios. – Sempre um prazer vê-la. – Ela revirou os olhos ao flerte do rei dos mares. – Hades não me contou que você vinha.

            -Para evitar que você planejasse algo mirabolante para tentar conquista-la. – O deus respondeu, estendendo o braço a ela. Nix riu e enlaçou seu braço no dele e oferecendo o outro para Poseidon, que sorriu marotamente e mostrou a língua ao irmão, como deboche.

            Subiram as escadas majestosamente, as outras divindades abrindo espaço para que eles passassem. Hades conseguia ver de canto de olho os cochichos que se seguiam aos passos deles. Nix o cutucou e se inclinou para sussurrar perto de seu ouvido.

            -Não dê atenção a eles. – O deus assentiu. Odiava ter de ser lembrado por alguém como se portar frente àquele povo que tanto o odiava. Em geral, passava por eles como se fosse o único deus, e eles, seus temerosos mortais. Deu de ombros mentalmente. Se precisaria de alguém para ajudar-lhe naquela noite, melhor que fosse mesmo Nix. – Veja. – Ela acenou para frente. No topo da escada, de braços abertos esperava, na opinião de Nix, uma das deusas mais resilientes e belas do panteão. A cauda azul escura do vestido de tons degradê azuis e verdes ao seu lado, ocupando alguns degraus da escada. Ao seu redor, todos afastados, como se houvesse uma redoma separando ela, deles.

            -Irmã! – Poseidon se soltou da dupla do Submundo e foi abraçar a deusa. – Sempre tão bela. Se continuar assim, podemos arranjar-lhe um segundo marido facilmente. – Sussurrou enquanto beijava-lhe a face. Ela lhe bateu de leve no ombro.

            -Hera. – Nix se aproximou e também abraçou a deusa. Haviam tido suas desavenças já, porém nada que impedissem ambas de se admirarem. – Sempre radiante.

—Como você. – Sorriu, retribuindo a carisma da companheira. Nix se inclinou e sussurrou.

         -Ele parece que não vai parar em pé de tão nervoso. – Hera não segurou a risada. Se inclinou para responder.

—Vai dar tudo certo, mesmo que dê errado. Você vai ver. – Piscou a ela antes desta dar espaço para seu rei. – Irmão, bem-vindo à festa que não existiria sem seu exército. – Ela o cumprimentou, alto o suficiente para que algumas divindades e ninfas que olhavam de canto pudessem ouvir. Abraçaram-se e Hades a respondeu, em tom muito mais baixo.

—Sem a intromissão de Atena também, você esqueceu de comentar. – Hera deu de ombros, sorrindo. Enlaçou seu braço no dele para que adentrassem o salão enquanto Nix ia com Poseidon, rindo de algumas de suas cantadas. 

O salão estava todo decorado em azul e branco, diversas mesas de conformações variadas, indo de quatro até dez lugares estavam espalhadas pelo espaço aberto. Fitas de seda azul se erguiam enroladas nas altivas colunas dóricas que sustentavam o teto sob eles. O único espaço vazio era o que Hades entendera como a pista de dança, em frente a um palco disposto no exato centro do salão, apoiado na parede oposta à entrada principal.

—Ela ainda não chegou, antes que você pergunte. – Ela cochichou. Ele soltou um riso abafado. Ele não ia perguntar, ela sabia disso, mesmo que quisesse assim que a viu. A deusa os guiou até seus lugares. Explicou que Deméter viria junto e, por isso, achara melhor não os colocar na mesma mesa durante o jantar, porém que havia orquestrado de modo que pudessem se olhar sem empecilhos. Ele assentiu, deixou Nix ao seu lado e foi com ela até o pequeno palco onde agora se erguiam os tronos dos Rei e Rainha e depois comportaria as musas e os instrumentos musicais para entretenimento de todos. Sentado, conversando com dois servos ao seu lado, estava Zeus. Sorriu quando avistou Hades e o cumprimentou sem erguer-se, o aperto de mão e aceno de cabeça interação o suficiente dentro da inimizade de ambos.

Retornou à sua mesa e aguardou ansioso enquanto o salão se enchia. Suspirou em derrota quando conseguiu avistar, já no começo do discurso de Zeus, os dois lugares onde inferiu que Deméter e Perséfone sentariam. Talvez houvesse desistido. Amaldiçoou sua mente divagante que o fez não prestar atenção em nada que o irmão caçula dizia. Se ergueu quando este citou seu nome para agradecê-lo pelo auxílio apenas porque Nix o sussurrou que deveria.

           Terminada sua fala, começaram a comer. Para surpresa do deus, conseguiu se distrair. Sua mesa de seis lugares era central e composta pelos cinco Crônidas presentes, ele, Poseidon, Héstia, a quem cumprimentou com entusiasmo quando chegou, Zeus e Hera. Ocupando o lugar de sua acompanhante estava Nix, naturalmente. Era estranho estarem todos ali e Hera fazer questão de sentar Deméter longe dos irmãos, porém por mais que ele desejasse imensamente sentar-se com Perséfone, entendera que era melhor assim, e tinha certeza de que Deméter preferiria morrer a sentar-se com ele. Ela e Héstia eram bem mais afastadas que os outros quatro, mesmo com a animosidade entre os três deuses. Era próxima de fato apenas dele.

            Boa parte do salão já comia as sobremesas do vasto cardápio olimpiano. Os que sobraram se ergueram, trocavam de mesas, saíam e voltavam. Os deuses-crianças já estavam correndo pela pista de dança. A sobremesa em frente ao deus dos mortos jazia intocada, enquanto sua taça de vinho se enchia pela quinta vez. Héstia há pouco se despedira, fazendo com que ambas as cadeiras ao lado do deus estivessem vagas. Nix, que também já estava algumas taças afrente da média, passeava pelas outras mesas, lançando olhares preocupados para ele com diminuta frequência. Se distraiu o suficiente para perder o exato momento em que o ar escapou por completo do pulmão de Hades. Os olhos levemente arregalados, lábios entreabertos. Ao fundo, conseguia ouvir a risada de Poseidon e Zeus. Hera apenas sorria. 

—___

 

—Vamos, mãe, já estamos atrasadas! – A deusa batia o pé incessantemente. Esfregou as mãos na colcha de sua cama, secando o suor de nervosismo que brotava delas, tentando ao máximo não estragar o vestido. Já subira seu comprimento para deixar suas pernas respirarem, a cauda espalhada pela cama. Estava há duas horas arrumada, esperando sua mãe que há uma hora se enrolava, atrasando-as.

             Perséfone tentava seu melhor para não brigar, mesmo sabendo que Deméter o fazia de propósito. Queria muito entender a motivação da mãe, porém o atraso estava passando da conta de paciência da jovem.

             Quando finalmente Deméter saiu, Perséfone se arrependeu de não terem brigado mais cedo. A mãe vestia seu vestido fúnebre, longo, colado ao corpo, uma discreta fenda na perda direita mal mostrando seu tornozelo, o decote horizontal fechado o detalhe final que faltava para que o vestido fosse praticamente o oposto de tudo que Deméter vestia: tons amarelos e verdes, tecidos soltos, leves, esvoaçantes, decotes abrangentes. Agora, ela não tinha mais tempo. Bufou, revirou os olhos e se levantou, indo até a porta.

             –Você não vai esperar eu colocar minhas joias? – Ela gritou, ainda dentro do quarto.

             –Coloque-as no caminho. – A filha bufou. Cruzou os braços e ficou esperando, parada em frente ao espelho. Outro motivo pelo qual não queria brigar mais com a mãe é porque já haviam discutido sobre sua roupa. Deméter sugerira que a filha usasse um vestido muito parecido como o que ela mesma estava usando. Felizmente, Hermes entregara a ela um vestido com o bilhete de que Hera gostaria que ela usasse ele a noite. Deméter não teve como refutar. Imagine se soubesse que Perséfone fizera o próprio vestido e Hera apenas o enviara, prevendo a reação da irmã.

             De mais a mais, lá estava ela. O decote em “v” tanto na frente quanto atrás muito mais escandaloso do que o que sua mãe gostaria. Seu colo estava adornado com o colar de alexandrita, a pedra escura contrastando com a parte de cima do vestido, branca. Ele começava assim e aos poucos se tornava vermelho, vermelho escuro e, finalmente completando o ciclo de degradê, preto, cor que tintava a “cauda” do vestido. “Cauda”, e não cauda de verdade, pois ela era longa até os pés, sem arrastar, porém. a parte do vestido era mais curta, pouco acima dos joelhos. “Jovens não ficam tão bem de vestidos longos, meu bem” a voz de Afrodite ressoou em sua cabeça.

             Completava sua roupa um bracelete de ouro tom chumbo, assim como delicados brincos de pouco mais de 5 centímetros, do mesmo material. Sobre o cabelo descansava uma delicada coroa de ciclames vermelhas, que a deusa sempre usava nas festas que ia no Olimpo.

             Seu coração batia forte e tão alto e distrativo que ela nem ouviu a mãe a chamando, já da porta.

             –Você não estava com pressa? – A deusa se limitou a dizer, um sorriso malicioso no rosto. Perséfone estranhou, mas jurava a si mesma que notara alguma fagulha de felicidade no olhar da mãe.

             E ela não estava errada. Deméter estava implicando o que conseguia, entretanto, parte de si conseguira notar a felicidade transbordando da jovem deusa, que começara a se arrumar pouco depois do almoço, saltitando de um lado para o outro da propriedade. Estava começando a fazer as pazes com seu destino inevitável. Ainda queria matar Hades e provavelmente brigassem quando o visse, porém não conseguia mais ignorar a euforia da filha.

             A travessia até o salão fora rápida, um servo as buscou assim que desceram da carruagem e indicou-lhe seus assentos. Estava claro que haviam perdido praticamente toda a janta, tamanha a demora da deusa. Mesmo assim, o prato de entrada chegou assim que Deméter se sentou em seu lugar, cumprimentando os deuses ao seu lado. Fitou a cadeira vazia à sua frente e ergueu a cabeça, tentando achar a deusa que há pouco estava seguindo ela.

             Quando a encontrou, seu peito apertou, a culpa de resistir tanto a essa estranha relação em que a filha havia se metido atingindo-a em cheio. Parada em meio ao salão, entre a mesa dela e a de seus irmãos, sua filha exibia o provável maior e mais genuíno sorriso que ela dava desde que provara açúcar puro, quando criança. Balançou a cabeça e se focou na comida, evitando virar-se para ver o correspondente de tamanha felicidade, se agarrando ao fim de negação que ainda existia em si.

—__

             O tapa forte que recebeu nas costas o fez esbarrar na louça sobre a mesa e desgrudar seus olhos de seu oásis em formato de deusa.

             –Vá logo, lerdo. – Zeus sussurrou em seu ouvido. – Daqui a pouco o tapa não vai ser meu.

             Hades se ergueu, desvencilhando seu tronco do irmão. As vestes completamente negras contrastando até mesmo com as sombras dos objetos do salão. Alisou-as, tentando se deixar o mais apresentável possível. Sentiu sua cabeça pesar e odiou ter esquecido que os irmãos insistiam em usar coroa nessas festas de Zeus. Ele não usava a própria coroa nem para julgar seus piores casos, imagine para uma situação social fútil como essa.

             Ele andou até a deusa como quem pisa em lava ardente de um lado e cacos de vidro do outro. Vasculhou com o olhar rapidamente para ver se sua carcereira estava por perto, avistando a irmã jantando, sentada há alguns metros de onde a filha estava de pé.

             Voltou a fitar a deusa, fazendo um esforço sobre-divino para controlar seu sorriso idiota. Tinha uma reputação a manter. Achou que seu coração ia explodir quando chegou, estendeu-lhe a mão e a deusa lhe cedeu a dela para que ele levasse aos lábios.

             –Boa noite. – Ela foi a primeira a quebrar o silêncio, a troca de olhares tão intensa que pesava o ar a sua volta.

             –Boa noite. – Ele respondeu. Queria elogiá-la, contudo, não encontrava palavras que fossem o suficiente. Se contentou com o que saiu. – Você está... estonteante. – Ela sorriu, as bochechas corando levemente.

             –Você não está tão mal também. – Ambos riram. Estava tão embriagado em seu sorriso que não ouviu o que Deméter resmungara da mesa, sem virar para eles. – Eu vou aproveitar que ainda estão servindo a janta.

             –Uhum. – Foi tudo que ele conseguiu dizer. Ela se afastou, acenou um adeus com a cabeça e foi se sentar. Ele se virou de costas com muita dificuldade e ignorou os olhares curiosos que ardiam com o fervor da fofoca olimpiana. Chegando em sua mesa já encontrou Poseidon de pé. Passou por ele, que o acompanhou para a varanda mais próxima. Ficaram em silêncio até que Zeus se unisse a eles.

             –Caralho, hein. – Ele pragueou. – Você parece mesmo um adolescente. Achei que ia entrar em combustão com aquele mero toque de mãos. – Hades revirou os olhos, porém assentiu. Ele sentira a mesma coisa.

             –Deixe, Zeus. Ele não teve a puberdade junto conosco, deixe tê-la agora. Ou seria uma crise da meia idade? – Poseidon disse e riu, sem se abalar pelo empurrão que levou do irmão mais velho. Ficaram discutindo futilidades até a janta terminar de ser servida e os outros deuses começarem a se dispersar, a música a tocar, as bebidas a aumentarem sua frequência de distribuição.

             –Oh, oh. – O mais novo emitiu. Assim que os outros avistaram o que ele chamara a atenção do deus, fizeram suas taças e a do irmão desaparecerem. Quanto menos objetos possivelmente afiados, melhor. 

             A deusa parou de pé em frente a eles e pigarreou. Hades endireitou suas costas, ficando alguns centímetros mais alto do que o comum, forçando a deusa a olhá-lo com o pescoço quase todo estendido.

             –Podemos conversar? – Deméter exalou. Hades trocou olhares rapidamente entre ela e Perséfone, que estava alguns metros atrás da mãe, a face mais esperançosa do que Hades imaginaria quando via a face furiosa da irmã em sua frente. Enfim, achou o olhar curioso de Hera e assentiu, aliviado de saber que a irmã mais nova estava ali para argumentar a seu favor. Por mais poderosos que podiam ser seus irmãos, já haviam se provado inúteis frente a uma mulher raivosa. E disso, Hera entendia muito bem.

             –Claro.


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Notas finais do capítulo

Espero que tenham gostado
vou fazer uma forcinha pra postar o próximo até o fim do mês



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