A Luz Das Trevas escrita por Filha de Apolo


Capítulo 24
Convite


Notas iniciais do capítulo

Ficou mais curtinho que o resto, espero que gostem



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/247579/chapter/24

A reunião tomara o dia inteiro. Hades estava exausto. Levou sua pilha de trabalhos para ler no quarto apenas para desistir assim que chegou e jogá-los sobre a cama. Trancou a porta do quarto e começou a se despir. Graças a Hécate, não se sentia mais à vontade na própria casa, o medo de ser emboscado, mesmo que pequeno, sempre presente. Ligou a banheira e se jogou nela antes mesmo de estar cheia, a movimentação da água caindo sobre água ajudando o deus a relaxar. 

Trouxe consigo a pequena pedra. Não entendi o porquê ou como, mas sabia que ela estava de alguma forma ligada à Perséfone. A balançou de uma mão para outra. Durante o dia a pedra ficou mais quente, então mais fria até ficar quase escaldante e Hades ter de retirar ela rapidamente de seu bolso, confundindo os presentes na reunião. 

Ficou brincando de fazê-la flutuar no ar de um lado para o outro e a fechou em sua mão. Descansou a cabeça no encosto da banheira e cerrou os olhos. Suspirou e se deixou relaxar até quase adormecer.

—___

—E então?

—Preferia lhe pagar com as pedras preciosas. - Ela disse e acabou por rir junto quando o irmão riu. Andaram até a entrada da caverna e ali pararam. Já estava escurecendo. Perséfone suspirou. - Não é uma resposta tão curta.

—Não tenho pressa. Se quiser, te largo na casa de sua mãe com um autômato, você não precisa caminhar no escuro, embora acredito eu que seja seguro por aqui e que você saiba se cuidar. - A deusa sorriu e agradeceu a oferta. Hefesto puxou uma pequena alavanca ao lado da porta e duas cadeiras se montaram acopladas à parede da rua. A brisa fresca aliviando o calor exterior e um pouco do calor interno que subia pelo corpo da deusa. Ela se preparou para quebrar o silêncio e Hefesto tornou a falar. - Você não precisa me falar se não quiser. Eu lhe disse, é seu presente de casamento, estava brincando sobre a pergunta. Sou curioso, porém não sou invasivo.

—Não se preocupe. Não é por isso que estou hesitante. Adoro conversar com você e confesso que estava morrendo para conversar com alguém não enviesado sobre o assunto.

—Desabafar quase sempre ajuda… - O deus complementou. Puxou outra alavanca e uma bandeja com pernas automáticas andou até eles com dois copos e uma jarra de suco de frutas do bosque. Perséfone sorriu e agradeceu, dando um grande gole antes de continuar.

—A verdade é que não sei. Não sei se vou voltar. 

Hefesto não parecia surpreso. Esperou para ver se ela continuaria falando para só então perguntar.

—E você quer voltar?

—Eu… - A deusa hesitou. Fitou o chão, o bosque à sua frente e então se virou novamente para o deus, fixando o olhar no dele. - Quero. Não queria quando cheguei, estava confusa, cansada física e emocionalmente. Vivi os 15 dias mais estranhos e longos da minha vida. 

—Foi só isso, é? Aqui em cima sua mãe fez parecer 15 séculos. - Ambos riram.

—Eu imagino. Para mim também pareceu mais tempo. Agora percebo que sinto mais falta dele do que achei que sentiria. Casei com ele porque quis, sabe? Ele não me obrigou a nada. 

—E você gosta dele? Sem querer parecer um sátiro falando assim, ou um humano adolescente. É difícil sustentar um casamento sem boas motivações. - O deus baixou os olhos, mas ela conseguiu ver a tristeza passando em seu olhar. 

—Gosto. Ele é… fascinante. Intrigante. Muito diferente do que falam sobre ele por aqui. E acredito de verdade que ele goste de mim. Não sei se é muito além disso já que mal nos conhecemos. Sei que os casamentos “deveriam” ser por amor e que nós começamos estranho…

—Olhe, a maioria dos casamentos do Olimpo começou estranho, o meu incluído. Os dos Três Reis, então, nem se fale. - Perséfone assentiu. - Hades me parece um homem razoável. Se você não se enlouquecer com a coroa, tenho certeza de que podem se divorciar caso necessário. 

—Sim… quero acreditar que sim. Porém, mesmo que eu consiga me decidir sobre isso, como iria fazer? Morar lá e nunca mais voltar ao Olimpo? Minha mãe vai matar a vocês todos. - Um arrepio chegou a passar pelo corpo do deus à menção de Deméter.

—Olha, por mais que eu confie na capacidade da sua mãe de dizimar a vida no Olimpo, acho que você não pode levar tanto isso em consideração. Ela conseguiu me enlouquecer e você sabe que eu confio o menos que posso com o resto dos Olimpianos. Mesmo assim, é a sua felicidade. Você pode combinar com ele de visitá-la. Se tem uma coisa que eu aprendi com a minha esposa, aos trancos e barrancos que seja nosso relacionamento, é que é melhor você acreditar no amor e sofrer do que viver sem ele. 

Perséfone suspirou. Hefesto riu e tomou dramaticamente seu suco como quem limpa a garganta de tanto falar. A deusa riu junto. 

—Obrigada. Eu vou levar isso em consideração. Acho.. acho que está na hora de eu falar com ele. 

—_____

Se acordou quando a cabeça submergiu após se soltar do encosto da banheira. Há tempos não relaxava assim. Saiu da água, secou os músculos, agora um pouco mais rígidos, e vestiu-se apenas da cintura para baixo. Transferiu a alexandrita para o seu criado mudo, recolheu os papéis que estavam sobre a cama e sentou-se na poltrona de sua sacada. Separou as condenações para lê-las por primeiro, depois os relatórios de serviço e por último outros comunicados.

Ao terminar todas as condenações e entrar novamente no quarto para guardá-las, notou o envelope do memorando caído no chão. Se abaixou para pegá-lo e deste caiu uma folha azul-céu cintilante. Hades a recolheu e levou para a rua para lê-la. O fez três vezes e a deixou sobre a mesa de apoio, fitando o horizonte negro à sua frente. Na folha, se lia:

Hades,

Você foi contemplado com este magnífico convite para nossa espetacular festa de comemoração da 10.304ª guerra seguidamente vencida pelo Olimpo contra nossos inimigos. 

Sua presença é muito aguardada e celebrada por sua Ilustre Majestade Zeus, que aguarda pacientemente sua confirmação de presença ao evento até o fim do mês.

Marque X para confirmar:

[  ] Janta pré baile.

[  ] Baile.

[  ] Acompanhante para janta. Nome__________

[  ] Acompanhante para baile. Nome__________

[  ] Farei desfeita e não comparecerei ao evento.

 

Agradecemos a sua atenção e aguardamos sua resposta.

Atenciosamente, 

COFE - Comissão Organizacional de Festas e Eventos

 

Convite assinado por: Apolo e Afrodite

 

Hades suspirou. Imaginou que “sua ilustre majestade Zeus” fosse organizar uma festa, porém preferia nem o convidasse, como já o fez inúmeras outras vezes. Agora caía em seu colo a responsabilidade de decidir se ignoraria o convite, deixando sua reputação à mercè dos fofoqueiros de plantão que vão afirmar que ele não foi por medo de Deméter, ou se iria e enfrentaria a fúria da irmã. Se fosse para ver Perséfone, valeria à pena, porém quem poderia garantir que ela iria? Deméter não permitiria que ela fosse sozinha, muito menos como acompanhante dele. 

Deu de ombros e balançou a cabeça, tentando se livrar do pensamento. Precisava trabalhar. Iria se focar no presente e discutir isso consigo depois. Amanhã, talvez. Teria tempo para se flagelar com o assunto até o fim do mês.

Fez seu melhor para se concentrar, falhando miseravelmente. Ergueu-se e encheu seu copo de uísque, tomando-o em um só gole. Pegou os papéis que faltavam, tomou mais um copo e se deitou na cama, a cabeça atordoada. 

Com o dobro do tempo que necessitaria normalmente, terminou os afazeres e se enfiou embaixo das cobertas. Pegou um livro de sua gaveta do criado-mudo e passou a folheá-lo, tentando ao máximo absorver as palavras. 

Amaldiçoou Afrodite. Por existir. Por provavelmente tê-lo enfeitiçado. Por tê-lo apoiado no plano. Por mandar o convite. Suspirou. A deusa nada podia fazer se estava cumprindo seus papéis. Queria ter alguém para culpar.

Mexeu em seu anel de casamento. Poderia culpar Hera por legitimar a união deles, mentindo a si mesmo de que não estaria neste sofrimento se a deusa tivesse apenas ido embora como chegou, descompromissada com ele. 

Dois meses sem ela. Talvez os mais longos meses de existência do deus desde que fora expelido do corpo de seu pai após alguns longos anos de permanência lá. 

Fechou os olhos e se aconchegou melhor nas cobertas, acenando para que as luzes do quarto se apagassem. O que restou foi a fina luz prateada que a pedra preciosa emitia, como se a lua pudesse estar ali, inúmeros metros abaixo do nível do mar. Mesmo assim, ali estava, como se refletisse o luar dentro do quarto do deus. Observar a jóia o acalmou e assim ele adormeceu.

—_____

—Ele não virá. Falei para Afrodite não enviar o convite, não sei porque não me respeitou.

—Você não sabe não. Está repetindo isso a si mesmo desde cedo porque queria convencer ela a não enviar o convite porque teme que ele de fato venha.

Zeus bufou. Tomava banho antes de dormir justamente para relaxar, não para ser contrariado a essa hora da noite, logo naquele dia que ela aceitara se juntar a ele. Pendurou a toalha e se deitou, vestindo apenas a roupa íntima. Hera sorriu, observando-o. Ela estava de camisola sentada na cama, em mãos continha os convites da festa ainda não enviados.

—Digamos que você esteja certa. - Hera sorriu e murmurou “digamos” fazendo aspas com as mãos. - Por que ele veria? 

—Céus, você é inacreditável. Para vê-la. 

—Tem milhões de outros jeitos de fazer isso sem comparecer ao evento. Ele odeia as nossas festas, Hades não é do tipo que vai tão longe fora da zona de conforto por causa de uma mulher. 

—Você se surpreenderia. - Ela provocou, deitando ao lado do marido. Guardava para si a felicidade que sentia ao tê-lo ao seu lado tantas noites seguida. Estava ela se contentando com o mínimo que se espera de um marido? Sim. Mas isso era discussão para outra hora.

—Você é muito romântica se acha que ele a ama. 

—Por mais que você tenha tentado com muita vontade destruir meu romantismo, ele ainda está aqui. Você não teve o prazer de vê-lo no altar. Achei que ia entrar em combustão. Confio que ele venha.

—Vamos ter que esperar para ver. - Zeus cedeu, colando seu corpo no da deusa. Ela se virou para beijá-lo de boa noite. 

—Já providenciou o corte de suas orelhas? Se Deméter enlouqueceu a todos antes, imagina se eles se encontrarem…

—Ah, por Gaia, é verdade. Já enviaram o convite para ela? Se não, era melhor nem enviar. Entendo convidar ele por causa do exército, agora Deméter já é pedir demais. Pelo menos se eles se matarem eu não preciso lidar com nenhum dos dois depois.

—Você não tem tanta sorte, querido.

—_____

—Você não falar com ele desde que veio?

—Sim…

—Bom. Está aí uma tarefa para você antes de começar a enlouquecer com as decisões. Vai ver ele até já pensou em tudo. - A deusa sorriu e assentiu. Ficaram em silêncio até acabarem a jarra de suco e se ergueram para dar adeus. Perséfone o abraçou forte e agradeceu a conversa. Hefesto agradeceu de volta, a companhia dela quebrando a monotonia de seu dia de trabalho. 

A deusa insistiu para ir sozinha para casa, porém acabou cedendo e deixando-se ser levada por um pégaso-autônomo até a praça central. Agradeceu ao cavalo e alisou sua crina metálica, mesmo não tendo certeza se ele era capaz de sentir o gesto. De lá, desembarcou e foi caminhando até sua casa, uma mão sempre acariciando o colar em seu pescoço, a lua cheia alta no céu guiando seu caminho. 

Quando avistou sua casa, as luzes acesas, logo desviou-se da rota e passou na clareira. Para compensar ter chegado tão tarde talvez devesse dormir com sua mãe e se o fizesse não conseguiria escapar durante a noite. 

Acelerou seu coração e acalmou seus passos ao se aproximar de seu destino. Se surpreendeu do pé de romã já estar um pouco maior do que durante a manhã. Se sentou em frente à ele, pensativa. 

Talvez devesse escrever uma carta. Demoraria mais tempo, mas teria mais tempo para refletir sobre o que falar. Deu de ombros. Não se torturaria com isso mais.

Retirou a pedra do colar e trouxe próxima do rosto, fitando-a com atenção. Não sabia se iria funcionar, mas mal não faria.

Levou a pedra aos lábios e prenunciou a palavra, o sussurro quase inaudível se misturando com a brisa da noite.

—Hades…


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Perdão pelo final... kkkk



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "A Luz Das Trevas" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.