A Luz Das Trevas escrita por Filha de Apolo


Capítulo 22
Alexandrita


Notas iniciais do capítulo

Demorei um pouquinho mais do que eu queria mas tá ai
Aos poucos as antigas tão vendo que voltou a fic, fiquei muito feliz ♥



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O resto da tarde passou voando em frente aos olhos da deusa. Lembrava vividamente de ser arrancada da própria memória pelo raio que trouxe Zeus para o meio das duas deusas. Ele se interpôs entre elas, pronto para apartar a discussão. Deméter se virou e marchou para casa sem responder nem a filha, nem a irmã. Perséfone não a seguiu. Se ela não estava pronta para conversar, melhor não ir atrás.

Agora, de joelhos na terra do jardim, finalizava a última fileira de plantas que precisavam de seu auxílio. Tomou seu tempo e revirou a terra que a mãe dizimara. Repôs os nutrientes antes e só então reviveu as plantas. Fez questão de fazer aquilo naquele momento, nem ouvindo mais a madrasta dizendo que ela podia deixar isso para depois. Ela queria ocupar sua mente.

Não funcionou muito bem. Nem pensava mais sobre o fato da mãe ter tentado privá-la de seu futuro, de repetir os passos fracassados daqueles que fugiam do destino. Agora, só o que conseguia pensar era que talvez fosse de fato destinada a seu rainha do Mundo Inferior desde o começo de sua vida reprodutiva.

Será que ele sabia? Soubera disso este tempo todo? Os sentimentos que tinha e tivera eram, então, falsos? Frutos dos meios que as parcas tinham de chegar ao seu fim? Será que todos os relacionamentos eram assim? Por que não lembrou daquela tarde na sua infância antes? Teria sua mãe apagado sua memória daquele momento? 

Suspirou aliviada quando terminou o jardim e encontrou a madrasta com duas xícaras de chá ao seu lado, sentada no banco de mármore mais perto dela. Agora estava pronta para conversar. Agora tinha perguntas bem e uma sensação de que Hera teria as respostas. Já ouvira Poseidon dizer que ela tinha nascido para ser Rainha do Olimpo. Se isso era verdade, não eram tão diferentes.

Sentiu seu corpo gelar ao imaginar que seria por isso que Hera nunca se separara de Zeus, mesmo depois de todos as traições, os desrespeitos. Não queria ficar assim. Não conseguia se imaginar assim. 

Se ergueu, bateu a terra para fora de seu vestido e se sentou ao lado da deusa. Umedeceu sua garganta com o chá antes de começar. Seria uma longa noite.

—_____

 

—Desentendimento, você disse? - Hades quebrou o silêncio. Se endireitou em seu trono, fitando a deusa a sua frente.

—Uhum.

—Quando?

—Ontem mais cedo. Zeus até interveio. 

—E ela?

—Chegou depois, Deméter parecia brava com ela também. 

—Obrigado, Hemera.

—Não precisa agradecer, meu senhor. - A jovem deusa se curvou e saiu andando, seu brilhante vestido amarelo-queimado destacando-a de todo seu entorno. Parou para deixar sua mãe beijar-lhe a testa e saiu do salão.

—Você que pediu a ela que observasse? - Hades perguntou, polindo com as vestes a ponta de seu cetro enquanto Nix se aproximava.

—Não pedi, pedi, expressamente. Comentei, sim, sobre a sua situação. Ela já a conhecia, corriam juntas quando eu a levava para brincar no Olimpo. E ela te adora, você sabe. - O deus assentiu. Alongou o olhar em seu cetro antes de fitar a deusa. 

—Você quer me dizer algo. Vá em frente.

—Você já sabe o que é. - Nix conjurou uma cadeira e se sentou em frente ao trono do deus.

—Eu não vou até lá. 

—Não vá. Fique se remoendo em casa. - Hades revirou os olhos frente a face de deboche da deusa. - Faça contato. Talvez ela queira falar com você.

—Talvez. 

—Dê tempo a ela.

—Estou dando. Justamente por isso que não acho que deva ir até lá. Nem entrar em contato. Não quero pressioná-la.

—O que você não entende é que você não está dando tempo para ela se decidir se continua sofrendo esperando que a qualquer momento ela lhe chame. Ou vá, faça contato, ou tente se distrair. Eu entendo que seja difícil, mas tente. 

Ele se limitou a bufar. Era mais fácil tomar um chá amigável com Deméter do que conseguir tirar a jovem deusa de sua mente. Entretanto, estava decidido. Não entraria em contato com ela.

 

—________

 

Voltou a conversar normalmente com a mãe uma semana após a briga. Sua mãe voltou a ignorar o acontecido. Ela passou a frequentar a casa de Hera uma vez por semana. As ninfas não a seguiam como antes. Ainda via o suspiro que a mãe dava quando ela chegava em casa, a alegria de quando ela aceitava passar os dias ao seu lado, abençoando as colheitas. Já fechava dois meses que estava de volta ao Olimpo.

Andando pelos campos, passou, como ritualmente vinha passando todos as manhãs pelo último mês, em frente ao local onde Hades a raptara. Parava, ficava um minuto ali, todos os dias. Sentada, os olhos fechados, a terra ressequida em mãos, a despertava mais do que os cafés fortes de sua mãe, lançando arrepios por todo seu corpo. 

Naquele dia, sentiu a terra áspera. Abriu os olhos e fitou suas mãos. Entre a terra enegrecida, pequenas pedras preciosas de diferentes cores. Assustada, derrubou as pedras e recuou, erguendo-se de sobressalto. Deu um passo atrás e de onde estava, surgiram mais algumas jóias, um pouco maiores que as anteriores. 

Piscou fortemente, duas, três vezes. Queria ter certeza de que não estava alucinando. Se abaixou e tocou as pedras de novo. Apanhou as menores e se ergueu. Fechou uma mão cheia delas e quando a abriu, uma grande pedra se formara das pequenas. Grande, homogênea e metamorfa. Alexandrite, um tipo de crisoberilo, pelo que lera nos livros. Um pedra rara, de coloração mutante. Olhou o chão coberto por outras pequenas pedras. Não precisava refletir para saber de onde vinham. Guardou a pedra nas dobras de seu vestido e continuou sua caminhada.

O coração palpitante a desviou de todos os afazeres do dia. Mesmo distraída, terminou suas obrigações com duas horas livres antes do pôr do sol. Se afastou da casa de sua mãe mais do que estava acostumada e achou um pequeno lago pouco agitado por uma discreta cachoeira. Deu a volta buscando olhares curiosos, se despiu e entrou na água, o toque gélido um descanso amigável do calor do sol. 

Nadou até os braços cansarem e a pele enrugar. Esfregou bem os cabelos sob a queda d’água. Voltou para beira, sacudiu o vestido para liberá-lo das gramas e o vestiu rapidamente, o corpo ainda ensopado. A pedra preciosa voou alguns metros a frente, sendo atingida por um dos últimos raios de sol do dia. Apanhou-a na mão e novamente a colocou nas dobras das vestes. 

Ao chegar em casa, mal cumprimentou a mãe. Foi direto para o banho. Procurou pela sua gaveta com fundo falso, o abriu e colocou a pedra ao lado do saco dourado que continha as duas semestes de romã que Perséfone ainda não colocara fora. Jogou praticamente todas pela janela logo nas primeiras duas semanas. Por mais que tivesse sentimentos ainda ambíguos sobre voltar (cada vez menos ambíguos, na verdade), não queria ser obrigada a ir apenas por causa da romã. Já estava sentindo que seria obrigada a voltar por conta da sua memória do encontro com Reia, não queria mais nada influenciando sua escolha.

Independente do que as Parcas quisessem, ela voltaria para ele se quisesse.

Quando quisesse.

—____

Atena se lançou por cima do único inimigo ainda de pé no campo de batalha. Deixou que seu corpo desenhasse um arco no ar, passando em milésimos de segundos de fitar as costas para fitar a frente dele. Mirou sua lança e a cravou no peito. Golpe fatal. Repousou seus pés no chão, apoiou com as mãos o agora cadáver em sua frente, deitando-o com delicadeza e fechando-lhe os olhos. Murmurou uma singela prece que fazia a todos os que caíam bravamente em campo, seja a favor, seja contra ela.

Endireitou o corpo, ergueu a lança e urrou seu melhor grito de guerra. O exército urrou de volta, em uníssono.

A guerra acabara. 

Antes que pudesse perceber já estava em pé no Salão dos Tronos, o pai sorridente, orgulhoso, a sua frente. Ergueu sua taça mimetizando o movimento do Rei dos Deuses e brindaram a paz. Estava cansada. Não gostava de se meter em guerras nas quais ela não se envolvera desde o começo, porém cedeu a insistência do pai para evitar confrontos.

“Precisamos ganhar logo, não sabemos se Hades não retirará seu exército de nosso apoio.” Zeus repetira numerosas vezes até vencer Atena pelo cansaço. Ela sabia que Hades não faria isso. Se fosse fazer, já teria feito. Deu de ombros, evitou a discussão e foi se unir aos poucos olimpianos que restavam em campo. O exército de Hades era excelente para proteção, dado que não morriam, porém eram muito menos letais do que quando ele mesmo liderava eles. Sozinhos, sem líder, eles apenas absorviam os impactos da luta sem causar muito dano. Teriam ganhado a guerra sem ela mesmo assim, os inimigos teriam se cansado, os esqueletos começariam a acertar mais os singelos golpes que desferiam.

O tilintar das taças trouxe a mente turbulenta de Atena de volta ao momento. Sorriu frente aos agradecimentos do pai, abraçou a madrasta, acenou para alguns de seus irmãos presentes e saiu a tempo de escapar da exclamação do pai.

—Vamos ter que dar uma festa para comemorar! Quem me ajuda a organizar?

—____

Se esquivou de dormir com a mãe mais uma noite e foi para seu quarto. Deméter praguejou, porém entendeu que precisava dar espaço à menina. Perséfone vestiu sua camisola ouvindo os fogos de comemoração que vinham do Olimpo. “Da guerra, será? Ou alguém novo nasceu?”. Deu de ombros.

Ficou sentada em sua cama, folheando uns livros até dar o tempo que a deusa acreditava ser o suficiente para sua mãe adormecer.

Tomou nas mãos os objetos em seu criado-mudo. Retirara eles de seu esconderijo. Estava cansada de se esconder. Do saquinho dourado retirou as duas sementes de romã. Uma lançou fora, pela janela. A outra deixou repousar sobre a pia enquanto lavava a bolsinha que as continha, retirando o pouco suco de romã que entremeara suas fibras tão delicadamente trançadas. Esfregou um pouco e pendurou o saco limpo para secar em seu banheiro. Pegou a semente saiu do banheiro. Se inclinou pela janela do quarto para pular, se virando para olhar a jóia que deixara repousar no quarto, cintilando com a luz do luar, seu turbilhão de cores combinando em muito com o estado de espírito da jovem deusa. 

Saltou de sua janela e aterrissou no chão silenciosa, amortecida pelas flores que ela conjurara ali. Correu se afastando da casa sem olhar para trás. Se sua mãe tivesse acordada, Perséfone já teria percebido. Se sentia uma criança, correndo à luz do luar, o vento frio da noite beijando todas suas curvas. 

Chegou rapidamente onde queria. Parou, ofegante. O agora já familiar local de seu rapto parecia ainda mais escuro do que as sombras ao seu redor, mesmo a luz do luar entrando perpendicular ao centro da clareira. Abriu a mão, olhando a frágil semente que restara na sua palma. Suspirou

—_____

A notícia correu rapidamente aos ouvidos dele. Antes de receber o memorando oficial, recebera as almas enviadas por Atena. A guerra acabara. Não esperou seu irmão ter a bondade de lhe avisar. Se postou em frente ao Estige e ergueu seu cetro, abrindo os braços. 

—Επιστροφή“Retornem”.

Em poucos segundos, seus soldados emergiram da escuridão. Marchavam silenciosos de volta aos seus postos. Cravou o cetro no chão e aguardou. Quando a última alma retornou ao Submundo - e Hades sabia todas as almas que precisavam retornar - voltou lentamente para o Palácio. 

Parou para fitar Cérbero dormindo. Andou até ele, afagou-lhe a cabeça do meio e foi lambido de surpresa pela da esquerda. Sorriu e se sentou com ele. Se apoiou na cabeça do meio que ainda dormia, deixou a da direita repousar sobre seu colo e a da esquerda sobre a da direita. Fez carinho nas acordadas e recostou-se para trás. 

Quando se deu por si, havia adormecido. Acordou faltavam algumas poucas horas para o café da manhã. Tateou o chão em busca de seu cetro. O encontrou ao lado de uma pequena pedra. Apanhou-a e se permitiu sorrir. “Alexandrita, é?”. Há anos não via uma dessas. Ocupava cerca de meia palma da mão do deus, bem esculpida. Estranhou por ela estar cintilando como se estivesse sendo atingida por raios de sol ou luar. Mal entrava luz artificial ali na caminha de Cérbero. Usou a pedra para encontrar seu cetro que rolara para perto de uma das patas do cachorro. 

Guardou a jóia no bolso de suas vestes. Alguns séculos separavam aquele momento da última vez que Hades havia conjurado uma pedra preciosa sem querer. Franziu o cenho, entretando decidiu pensar sobre isso durante o dia.

Se ergueu e beijou cada uma das cabeças que agora ressoavam em conjunto. Foi até o Castelo tentando endireitar as costas. Hesitou em frente aos portões. Conjurou um travesseiro e mudou seu rumo. 

Passou pelo portal e respirou o ar puro da noite no campo. Viu as plantações dela e suspirou. Se aconchegou onde, há poucos meses atrás, estivera com ela. Descansou a cabeça sobre as mãos, no travesseiro, fitando as estrelas. 

Deixou que o cheiro embriagante das flores o embalasse para dormir.


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Notas finais do capítulo

Ficou menorzinho, mas não achei que coubesse mais nada nele, gostei dele assim
espero que gostem também
vejo vocês nos comentários ♥



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