A Luz Das Trevas escrita por Filha de Apolo


Capítulo 14
Décimo primeiro dia


Notas iniciais do capítulo

OI, GENTE, TUDO BOM?
quando tempo né
sei que já é o fimzinho do dia, eu juro que ia postar antes mas não consegui
obrigadão pra vocês que comentaram nos últimos caps, muito amor pra vocês
e pra Rafa, que não deixa eu esquecer a data de postar
e um obrigada muito especial para a Almofadinhas Taisho, pela recomendação linda que ela fez da fic ♥



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Se espreguiçando bem e se arrastando até o banho, Perséfone lentamente acordava seu corpo e mente. Poderia parecer sem nexo, mas apenas de dormir com sua coberta preferida já se sentia muito mais descansada do que estivera nas últimas semanas.

Deixava as bolhas e os sais de banho beijarem sua pele enquanto ela lavava o cabelo. Ainda não decidira se desculparia Hades, mas estava muito ansiosa para ver esse campo do qual ele falara. O conhecendo tão bem quanto ela pelo menos achava que conhecia, sabia que talvez ele não o levasse ele mesmo até ele, mas que ela acabaria o conhecendo ainda hoje.

Quando terminou com o cabelo, Perséfone apenas descansou a cabeça e fitou o teto. Seria certo sentir ciúmes dele? Para sentir ciúmes, ela precisava sentir algo a mais. Torcia para que fosse apenas um sentimento de posse, mas sabia que não era somente isso. Começaria com o simples: gostava dele. Se importava com ele e o queria bem. Conseguia aceitar tranquilamente o casamento porque sabia que talvez não fosse tão insuportável com ele, já que ele era tão doce com ela. Claro, isso antes de saber sobre Hécate...

Algo dentro dela gritava que ela estava errada, que Hécate estava apenas mentindo para ela, que Hades era inocente. Queria tanto acreditar nisso, apenas precisava de uma razão. E essa mesma parte dela, que torcia por eles dois, dizia para ela que ele certamente tinha uma boa desculpa para sair trocando salivas com deusas mau-humoradas. Até porque não seria uma surpresa Hécate tê-la enganado. A mulher claramente a odiava.

Ela se vestiu depois do banho e desceu para tomar o café da manhã. Novamente, ele não apareceu, e ela suspirou. Por mais que ainda estivesse um pouco brava, queria vê-lo. Sabia que quando olhasse nos olhos dele, ele iria lhe dar a desculpa que ela precisava e ela poderia aquietar seu coração.

Ao invés de quietude, passou o café inteiro discutindo internamente. Afinal, poderia muito bem estar exagerando, afinal, era apenas um beijo, certo?

XxxxX

Fora direto da cama para o escritório. Queria conversar com ela, mas não queria fazê-lo durante o café da manhã. Tinha um plano para isso. Comera em seu escritório mesmo, entre um pergaminho e outro.

Uma das servas o viera avisar que ela levaria Perséfone agora para conhecer o presente que ele havia preparado para ela. Ele agradeceu e esperou um tempo antes de ir ao encontro delas. Não queria atrapalhar, apenas ver qual a reação da deusa a sua pequena surpresa.

XxxxX

No fim, depois de comer um pedaço do seu bolo de ontem, ela fora convidada pela serva Hye para acompanhá-la. Perséfone imaginou que fosse para receber o presente que Hades mencionara, e não ficara decepcionada.

Depois de caminhar até o último andar e sair para o que aparentava ser uma sacada em um dos telhados das torres do castelo, Perséfone e a serva pararam na frente de uma visão. Sim, ela não estava ficando louca, era uma visão de um campo virgem, pronto para ser utilizado. Pelo portal ela não conseguia ter a noção correta do espaço, mas era tão lindo e tão vivo que ela quase podia sentir o vento embaraçando seus cabelos.

A serva acenou para a deusa entrar no portal, mas não a acompanhou. Perséfone passou sozinha pelo que parecia ser uma poça de água vertical que refletia um mundo perfeito. Ela conseguia praticamente sentir o cheiro da liberdade quando seus pés pisaram na grama fresca.

Claro que não era a liberdade mesmo que ela estava cheirando, e sim as flores e as árvores ao redor de seu campo, que por sinal era magnífico. Simples, porém espaçoso e bem separado. Bem no meio, a alguns metros da deusa, havia uma pequena construção, onde ela entrou para vasculhar.

Era uma pequena casa de um piso, com uma cozinha pequena, para lanches, um pequeno quarto com uma cama comum de casal e um espaço na parede onde ela acreditara que ficava o portal de volta para o Submundo, um banheiro e um cômodo largo com todos os tipos de utensílios de jardim que ela pudesse precisar.

Sorridente e exploradora, passara uns bons dez minutos sem notar a mancha negra sentada em meio ao espaço verde. Ao invés de repugná-lo, ela caminhou até ele e se sentou ao seu lado. Ela entendia que isso era um grande passo.

Não sabia bem onde esse campo ficava, mas certamente não era dentro dos domínios de Hades como o Mundo Inferior inteiro, o que a dava muito mais chances de se comunicar com sua família. Ela podia ver algum tipo de redoma de feitiços em volta do campo, mas não se importava. Naquele momento estava mais preocupada com o calor do sol amaciando sua pele.

–Obrigada. Você não precisava fazer isso.

–De nada. E não é uma questão de eu precisar ou não. Você merece.

–Por quê?

–Por voltar para mim. Por, pelo menos até ontem, não me ver como um monstro, que é o que todos enxergam em mim.

O silêncio pairou com eles por alguns instantes. Mesmo que ele houvesse traído ela de propósito, o que Perséfone acreditava ser cada vez mais e mais improvável, ela nunca o veria como um monstro. Não depois do modo gentil como ele a tratara.

E naquele momento ela percebeu. Ele nunca a manteve ali. Ela nunca pedira seriamente para ir embora e agora, sustentando o olhar o deus, ela entendia que ele a teria deixado partir se ela quisesse. Se, ao invés de fugir, ela tivesse olhado desse modo, fundo nos olhos dele, e pedido para voltar para casa, ele teria deixado.

Ela arrumou o corpo em diagonal com o dele e pegou uma das mãos dele em ambas as suas.

–Obrigada por confiar em mim. - Ela sorriu melancolicamente e ele acenou com a cabeça, fixando seu olhar no horizonte enquanto a respondia. O toque das suas mãos o dava uma energia que ele não estava preparado para receber ainda. Algo inesperado.

–Disponha. - Ele deixou o assunto se aquietar antes de mudá-lo. - Pelas suas reações, acredito que seja um bom palpite dizer que você gostou do presente?

–Adorei, muito obrigada! - Ela sorria abertamente para ele e tirou sua mão esquerda de cima da dele e iria tirar a sua direita, mas ele a segurou. Não bruscamente, apenas o suficiente para ela entender que aquilo não era um incômodo, não precisava passar.

–De nada. Você pode trabalhar nele o quanto quiser e, ainda assim, o pátio em volta do castelo e os Campos Elísios também estão a sua disposição. - Ela apenas acenou com a cabeça e sorriu para aceitar a oferta.

Sentados daquele modo, sozinhos, uma mão na outra, ele nem pareciam um casal tão estranho. Talvez nem fossem. Claro que ele havia se apegado a ela e se aproximado dela de um jeito um tanto quanto... perturbador. Perséfone parou para refletir sobre todos os relacionamentos complicados de sua família e deu de ombros mentalmente. Pra quê se preocupar? Seu pai se transformava em animais mundanos para ter relações com as mortais, nada poderia ser mais estranho e perturbador do que isso.

Ela deixou sua cabeça descansar no ombro de Hades, fazendo-o arrumar o corpo para chegar mais perto dela. Ele deixou sua mão direita acariciando o cabelo da deusa, enquanto sua mão esquerda ainda segurava a dela. Depois de algum tempo, nenhum dos dois sabendo exatamente quando, seus dedos se entrelaçaram, e ambos fecharam os olhos. O vento estava presente apenas para mantê-los cientes dos seus arredores.

Talvez uma hora após terem chegado, Perséfone se endireitou e deixou suas duas mãos em cima de suas pernas. Eles ficaram se olhando por algum tempo até ele entender o que faltava ser feito.

–Desculpe-me pelo que aconteceu com Hécate. Você não me deu a chance de explicar.

–Na verdade, você se explicou um pouco... - Ela disse, desviando o olhar para a casinha no meio do campo.

–De qualquer modo, você não entendeu, então eu explico novamente. - A escolha rude de palavras inquietou um pouco Perséfone, mas ela não conseguia ficar brava com ele no meio daquele jardim inteiro somente para ela. - Ela usou um feitiço de sedução, uma poção do amor, como você quiser chamá-la. Eu não fui forte o suficiente para resistir, e ela o usou para criar distração para Tânatos levá-la para o Olimpo. Era uma parte do plano deles.

–Ah... Mesmo assim, plano ou não, é evidente que ela sente algo por você. Eu vi o jeito que ela lhe olha e o jeito que ela me olha, como se eu fosse uma pedra em seu sapato.

–Indiferente do que ela pense ou não, ela não vai nos atrapalhar, certo?

–Certo... a não ser que ela queria te “seduzir” novamente. - Perséfone disse em tom de brincadeira mas ele podia ouvir a pequena pontinha de mágoa em sua voz. Não, mágoa não...

–Isso tudo é ciúmes, pequena Perséfone?

–Ciúmes? Imagina só! Claro que não. - Ela desviou o olhar, fitando a barra do seu vestido.

–Sei.. está tudo bem.

–Eu não tenho ciúmes de você, okay? Eu só acho injusto você me trazer aqui para ficar de amasso com outra qualquer. - Ele a olhou, sorrindo, e ela teve de levantar os braços em rendição. - Tudo bem, eu me ouvi.

–E?

–Só um pouquinho de ciúmes.

–Certo. - Ele ainda estava sorrindo.

–Não se vanglorie, você também tem ciúmes de mim!

–Eu?

–Uhum. - Ela o olhava acusadoramente. Ele apenas deu de ombros.

–Hum, aconteceu algumas vezes, eu admito. - Ela não esperava que ele se entregasse, e, assim, a cara de confusa de Perséfone o fez soltar uma risada que quebrou qualquer indício de briga que havia no ar.

Conversaram por mais um tempo sobre coisas do dia a dia até voltarem a posição de antes, lado a lado, a cabeça da deusa descansada no ombro dele, ele acariciando os cachos castanhos dela, ela agora acariciando levemente a perna dele.

Depois de alguns minutos assim, Perséfone sentiu a cabeça dele se mover até ficar fitando-a, então ergueu seu olhar para sustentar o dele. Ela podia não só ouvir, mas também sentir a respiração dele, e ele conseguia quase ver as batidas aceleradas do coração dela. Os lábios dele começaram lentamente a ir de encontro um do outro, cobrindo os poucos centímetros que ainda os separavam.

A raiva de ser interrompido fora tão grande que Hades quase lançou uma bola de fogo na direção do pigarreio que os chamara atenção. Ambos se voltaram para olhar a pessoa que atrapalhara. Se não fosse Caronte, certamente Hades teria surtado mesmo.

–Meu senhor, desculpe a interrupção... - Hades suspirou e o barqueiro pressentiu que ele não responderia. - Sei que pediste para não ser interrompido aqui, mas há uma coisa urgente que o senhor precisa saber.

Franzindo o cenho, Hades se levantou para ir até o outro deus. Perséfone, preocupada, foi junto com ele. Os três andaram até a parte de trás da casa, por fora, onde a deusa ainda não havia notado, de encontro a um portal que daria para o portal que Perséfone usara para chegar ali.

Caronte foi primeiro sem hesitar, enquanto Hades se virou para se despedir rapidamente.

–Mais tarde eu volto a me encontrar com você, okay? - A deusa apenas assentiu. Hades pegou uma das suas delicadas mãos que, mesmo com todo o trabalho com jardinagem que ela gostava de fazer, continuavam macias, e trouxe-a aos seus lábios. Ela sorriu e ele se desculpou por ter que deixá-la sozinha, mas a sugeriu que trabalhasse no campo enquanto isso.

–Pode ter certeza que eu não vou sair daqui tão cedo.

Ele se inclinou e beijou-lhe a bochecha. Seu beijo fora tão perto dos lábios de Perséfone que ela quase os sentiu no canto de sua boca. De olhos fechados, Perséfone sentiu e ouviu ele passar pelo portal. Ela se virou e começou a se distanciar da casa, para explorar o jardim e a clareza que eles proporcionavam para os pensamentos dela. Talvez fosse apenas impressão, mas parecia que o simples vento mexendo seus cabelos já clareava sua mente.

Ela se pegou esperando que Hades voltasse logo. Ela sabia o que teria acontecido se Caronte não tivesse chegado, e sabia que as probabilidades do próximo encontro deles ser para terminar o que eles não conseguiram nem começar eram grandes. Então ela percebeu que não repugnava o pensamento. Pelo contrário, ela queria que ele acontecesse.

Na verdade, tudo o que ela queria era poder parar um pouco de pensar tudo e somente se jogar de impulso no momento. Afinal, seus pensamentos a faziam ficar em dúvida sobre tudo, até mesmo o casamento, que ela já havia aceitado. Seria muito mais fácil poder fazer as coisas sem ter de pensar nas consequências.

Perséfone suspirou e caminhou até casa para pegar alguns materiais que ela precisaria. Aquela terra necessitava de um pequeno tratamento especial de Perséfone antes de receber qualquer semente, então lá fora ela, começar seu trabalho.

XxxxX

–Ele o quê?! - Hades chegou a se ergueu do trono com a notícia. Sua voz ecoou por todo o castelo e fez com que os ajudantes de Caronte, que estavam ao seu lado na frente do rei, se encolhessem.

–Foi o que Jeremias viu, senhor. - Caronte disse, apontando para um dos homens ao seu lado, que assentiu nervoso.

–Mas onde isso? Como? Quando? - Hades voltou a se sentar, jogando a cabeça para trás e depois deixando-a cair sobre suas mãos.

–Pa-passan-ando pelas nuvens, se-senhor. O Mensageiro esta-tava com muita pre-pressa mas não estava-va carregan-ando nenhuma mensagem...

–Eu sugiro que o senhor mande uma mensagem para o Lorde Zeus antes que Hermes chegue aqui. - Caronte assumiu de novo a conversa de pena da pobre alma gaguejando de medo. Hades suspirou e concordou com a cabeça.

–Vou fazer melhor. Caronte, prepare a carruagem. Vamos ao Olimpo novamente.

–Mas, senhor, e a donzela?

–Nós vamos rapidamente, voltaremos ainda antes do jantar.

–Como quiseres.

XxxxX

A viagem foi longa e Hades fora esbravejando do Submundo até o Olimpo como as medidas de segurança de Zeus eram exageradas. Claro que uma vez ou outra eles eram atacados, mas ele poderia ter liberado pelo menos a entrada de seus irmãos, certo? Por mais que eles ameaçassem se virar um contra o outro, nunca havia acontecido mesmo.

Se não fosse por essa besteira, Hades teria viajado pelas sombras até o Olimpo, mas só o que pode fazer foi chegar até o topo do Monte e depois deixar que seus cavalos fizessem o trabalho pesado.

Pensando melhor, dependendo de como a reunião com seu irmãozinho terminasse mais tarde, talvez o sistema de segurança não fosse tanta besteira assim. Hades não havia nem planejado o que dizer e fazer, iria apenas chegar lá e enfiar dedos na cara do irmão por tê-lo traído e estar planejando mandar alguém buscá-la. Eles tinham um acordo e Hades havia cumprido sua parte dele.

Ele nem parou para prestar contas a guarda nenhum, exibiu sua cara de ira e eles o deixaram passar sem perguntas. Ele sentia os olhares se voltando para ele, mas que se dane. Ele foi direto para a Sala de Tronos e entrou portas a dentro sem aviso. Dois sátiros que estavam conversando com Hera arregalaram seus olhos e saíram correndo para um canto. A deusa se levantou lentamente. Hades tentou se acalmar e não soar como um trator querendo saber onde Zeus estava.

Hera o estudou por um momento e uma parte dele achou que ela iria acobertar o marido. Mas, o que é isso? Hera é Hera, e sempre será. Ela sorriu e disse que ele estava no quarto deles. Quando Hades passou pelas portas no fundo da sala para ir para a casa deles, ela deixou escapar um inocente “espero que eu receba o convite” e voltou a conversar com os amedrontados sátiros.

Ele bateu uma vez na porta. Não que quisesse ser delicado, mas a última coisa que ele precisava naquele momento era pegar Zeus nu na cama. Isso se ele estivesse sozinho.

O rei dos deuses murmurou algo sonolentamente e Hades tomou isso como um incentivo para escancarar a porta, passar por ela e batê-la rudemente atrás de si. Zeus pareceu assustado, primeiro, e depois bravo. Mas então ele se sentou e seus olhos focaram no homem a sua frente.

–Hades, eu não sabia que...

–Corte o papo, Zeus. Só vim lhe fazer o favor de dizer para não mandar ninguém nem perto da minha casa, caso você queira vê-los de volta. Você sabe muito bem que a única razão para Hermes poder entrar e sair do Mundo Inferior com vida é porque eu deixo, então não venha brincar com a sorte. Nós temos um trato e não adianta voltar atrás.

–Nós não juramos pelo Estige, porém. - Zeus disse, cauteloso. Quando ele viu a indecisão passar nos olhos de Hades, ele continuou. - E me dê um tempo, está um inferno aqui em cima por causa da Deméter.

–Aqui está um inferno?

–Você entendeu.

–Eu não me importo. Você sabia disso quando aceitou, não tente me burlar com burocracias. Acordo é acordo, você não pode quebrar o que fizemos.

–Sinto muito, mas eu posso sim. - Ele disse, casualmente, vestindo uma túnica por cima de suas roupas de baixo que ele usou para dormir. - Na verdade, eu nem sinto muito. Pensando bem, é meio doentio você querer casar com sua própria sobrinha.

–Zeus, você a fez com a própria irmã! E casou-se com a outra! E se transforma em animais para abusar de mortais indefesas! E esqueceu o que você fez com Métis?!

–Hey, não precisa ofender. Não importa o que eu fiz, importa que ela é minha filha e eu não quero vocês.. futricando.

–Futricando, Zeus? Você fode meninas mais novas que ela, com idade para serem suas tataranetas, por todos os cantos do Olimpo, e não consegue uma palavra melhor que “futricando” e uma desculpa melhor do que “eu de repente tenho um senso moral”. Por favor, eu lhe conheço há mais tempo que você mesmo. Não venha brincar comigo.

–Hades, não é uma decisão aberta para discussão. Hermes vai buscá-la daqui três dias e você não vai impedi-lo.

Depois de muitos e muitos xingamentos virem do rei dos mortos em todas as línguas que ele conhecia, ele parou por um tempo, pensou e exibiu um sorriso traiçoeiro que fez Zeus ser obrigado a perguntá-lo o que ele havia pensado.

–Você pode querer enganar Deméter ou seu povinho aqui, mas eu sei que você nunca se importou com a pobre menina. E, independente do que você fizer, no fim ela vai continuar sendo minha.

Zeus zombou do irmão com um pigarreio e deu de ombros.

–Se você diz.

–Aguarde-me. Adeus, irmãozinho.

Hades saiu para voltar para sua carruagem, deixando Zeus que, por mais que quisesse aparentar o contrário, havia ficado um tanto quanto desconfiado com a certeza do irmão.

A viagem era longa e ele estava morrendo de fome. Já havia passado da hora do almoço, porém ficar para comer no Olimpo não era uma ideia muito boa. Até ele sentir mãos delicadas puxando seu pulso. Ele abriu um sorriso enorme antes mesmo de vê-la.

–Héstia!

–Hades, meu querido irmão!

Abraçaram-se e ela o levou para dentro de seu lar, acenando para que Caronte viesse junto. Ele sabia que a razão pela qual ela veio atrás dele não era apenas saudades e uma oferta de refeição, e sim para tentar mudar sua ideia sobre manter Perséfone. Héstia sempre sabia de tudo o que acontecia e raramente dava sua opinião, mas ele sempre contou com ela e ela com ele, então sentiu como se pudesse tentar orientá-lo.

Mal sabia ela que já era tarde demais. Hades estava decidido e não abriria mão de Perséfone por nada.

XxxxX

Ela perdeu noção do tempo enquanto remexia a terra e somente almoçou porque Delta a trouxe uma bandeja por conta própria. Perséfone primeiro se sentiu mal por deixar Hades almoçando sozinho, mas então a serva a disse que ele havia saído para fazer uma viagem, mas que voltaria até o jantar.

Perséfone não se importou na hora, e comeu acompanhada pela serva. Depois, enquanto fazia seus cansativos e já automáticos movimentos com o fertilizante e as sementes, ela se pegou pensando que viagem seria essa que o fez sair correndo sem aviso nem planejamento algum.

Aí lhe ocorreu que só havia duas explicações possíveis. Ou uma guerra muito séria havia estourado e ele precisava se reunir com seus irmãos. Ou um de seus irmãos a queria de volta. E ela não acreditava na possibilidade de uma guerra estar acontecendo sem ela ficar sabendo...

Alguém iria levá-la para casa.

XxxxX

Durante a janta, Perséfone apenas não o questionou porque eles não ficaram sozinhos. Nix e os gêmeos haviam vindo jantar com eles, o que ela, pela primeira vez, odiou, pois queria muito poder perguntá-lo o que queriam com ele mais cedo.

Mas ela tinha formado um plano já. Ele certamente não negaria a ela um café na sacada ou uma volta para mostrar-lhe como o campo estava ficando. E aí ela teria bastante tempo para saber quem viria e quando.

E ela estava certa. Mal haviam terminado as sobremesas, já sozinhos na sala, apenas com as servas retirando tudo, Perséfone pigarreou levemente para chamar sua atenção. Hades levantou os olhos para ela e esperou.

–Vamos ver como estão ficando as plantações?

–Nós podemos até ir até lá, mas está escuro já, e não veríamos nada.

–Ah... sim, sim... - Perséfone mordeu o lábio. Sabia que deveria ter optado pela sacada. Agora, se ela o convidasse para fazer alguma outra coisa, ficaria evidente que ela tinha segundas intenções. Mas, de qualquer modo, ele já havia entendido que ela possuía segundas intenções. Somente não entendera corretamente quais.

–Mas nós podemos passar um tempo na Sala de Estar...

Fora o suficiente para ambos já estarem indo, silenciosamente, até o cômodo. Era um pouco estranho fazer isso, pois ela sabia que eles estavam esperando coisas diferentes nessa conversa. Mas no fim talvez ambos poderiam conseguir o que queriam..

Sentados no sofá, Perséfone resolveu ir logo ao assunto.

–O que era tão urgente hoje que teve de atrapalhar nosso.. momento juntos. - Ela pegou-o com suas defesas baixas, e ele ficou um tempo refletindo antes de responder. Ela temeu que ele fosse mentir, mas ele apenas se endireitou no sofá para ficar um pouco mais perto dela e a olhou nos olhos.

–Seu pai mandou Hermes vir buscá-la. Daqui três dias. - Ela conseguiu mascarar suas reações controversas à constatação e ele continuou. - E, por mais que achasse que tinha tudo sobre controle, pelo visto eu não tenho. Não posso impedi-lo de vir aqui, e seria drástico demais impedi-lo de sair. - Ela fitou suas mãos por um tempo e o que ele capturou de seus olhos não era o que ela queria que ele visse. - E eu entendo que você queira voltar para casa.

–Mas.. e o casamento? - Ela disse, tentando se redimir. Ele se levantou e serviu-se de uma taça de vinho tinto. Acenou para ver se ela queria uma, mas ela negou-lhe com a cabeça. Ele respondeu apenas quando estava sentado novamente.

–Não temos mais tempo para planejar e, se você vai embora, é melhor que vá ainda solteira.

O silêncio condensou o ar quando ela assentiu e virou para frente. Estava feliz que alguém vinha buscá-la, sim, mas já havia aceitado essa rotina como sua nova vida. Sentia muita falta de sua mãe de tempos em tempos, e ficar o dia inteiro no seu jardim fez com que ela percebesse o quanto ela sentia falta da luz do sol e do vento soprando nos seus cabelos. Queria conversar coisas banais com suas ninfas novamente, e passear pelos jardins do Olimpo nas tarde de domingo. Porém, ela já havia se decidido.

–Não. - Hades a fitou, confuso. - Dois dias é tempo suficiente para planejar a cerimônia e nós nos casamos no terceiro dia, antes dele chegar.

–Você não precisa fazer isso.

–Não, não preciso. Mas eu quero. Eu disse que iríamos nos casar, e nós vamos nos casar.

Hades ponderou a ideia por um minuto e não conseguiu conter o sorriso em seu rosto de vê-la tão determinada, tão séria.

–Você dará uma ótima rainha, Perséfone. Boa noite. - Foi só o que ele disse, se levantando e saindo da sala, em direção ao seu quarto, suspirando de alívio. Era isso que ele precisava, que ela o quisesse. Seria melhor se ela se apaixonasse logo por ele, mas ele ainda estava trabalhando nisso e ele nem sabia se amava ela ainda.

Na verdade, ele já sabia sim, só não gostava de admitir.

Ele deitou a cabeça no travesseiro, tranquilamente, e dormiu sorrindo naquela noite.


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Notas finais do capítulo

É isso, espero que tenham gostado!
Sem querer dar spoilers, mas eu acho que o próximo capítulo (o dia 12) é um dos melhores :3
então a gente se vê em novembro! Beijões, amo vocês



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