Lily Evans.

Passamos algum tempo em silêncio. Quando digo “algum tempo” quero dizer muito tempo mesmo.

Mesmo assim a presença de Severo era agradável, eu sinto falta daquelas conversas que duravam horas e rendiam muitas risadas, sinto falta de quando vínhamos na praça fazer as lições de casa, sinto falta de seus conselhos e de seus abraços. Ainda continuamos amigos, claro. Mas não é como era antes, éramos mais unidos que irmãos de sangue, porque se necessário o daríamos um pelo outro.

Mas agora só tem o vazio. O vazio do que um dia foi uma amizade “inseparável”.

Uma das ironias da vida é afastar os que você ama, e trazer novos pra que você esqueça os antigos. E mais ironicamente, nós caímos feito peças desse jogo que se chama esquecimento.

– Você está tão diferente, Lily.

– Você acha?

– Acho. Está mais bonita, mais madura, mais inteligente, mais independente, mais mulher. E ao mesmo tempo se esquecendo de mim. Sabe que eu tenho saudades? Saudades de quando você era aquela garotinha com os cabelos ruivos que batiam nas costas, que brincava nos balanços comigo, que ria das minhas piadas totalmente idiotas, sinto saudades de você, Lily. Mas parece que você nem se importa mais.

Ele falou tudo isso com uma voz pesada e triste. Como quem queria desabafar á muito tempo, como quem tinha escolhido palavra por palavra, como quem tinha ensaiado tudo aquilo. Como alguém que estava sendo sincero.

Até que rima, Sincero e Severo.

Severo Sincero.

Ok Lily, não é hora de fazer piadinhas internas, sua lerda.

– Você também mudou Severo, e mudou muito. Não é mais aquele garotinho que usava roupas maiores que o próprio corpo e fazia piadinhas pra me fazer rir. Não é mais aquele que me ajudava nas tarefas, que escutava meus dilemas infantis e me aconselhava. Você também está me esquecendo Severo, está esquecendo que eu posso mudar por fora, mas por dentro continuarei a mesma pra sempre. Está esquecendo que você era e ainda é meu melhor amigo.

E aconteceu oque eu nunca imaginei que aconteceria. Uma coisa totalmente absurda, sem nexo e insana. Uma atitude totalmente impulsiva e estúpida.

Nós nos beijamos.

Um beijo totalmente calmo e desprovido de sentimentos. Era como se estivesse beijando uma pedra de gelo, mas no lugar do frio estava um calor intenso. O calor da saudade.

Nós abrimos os olhos lentamente, sem desviar o olhar um do outro.

Aquelas negras e frias órbitas só faltavam perfurar meus olhos com a tamanha intensidade que os olhava, como se quisessem enxergar oque se passa em minha mente.

Mas só iriam ver confusão, confusão e mais confusão! Porquê nem eu mesma soube distinguir oque havia acontecido.

Era como se eu tivesse beijado um irmão. Se eu tivesse um irmão, claro.

Mas olhando dentro daquele mar negro, eu senti algo diferente. Eu quis algo diferente.

Do nada vieram na minha mente os olhos de Potter, aquele olhar totalmente travesso e divertido, aquela infinita cor de avelã que andava visitando meus sonhos. Era como uma tortura pra mim.

Do nada Severo desviou o olhar, e logo em seguida desviei também.

Sabe aquele estranho momento em que Lily Evans não sabe oque dizer? Pois é, agora você sabe!

– Desculpa Lily.

Ele voltou a focar seus olhos em mim, mas eu não retribui o olhar.

Vou falar uma coisa pra vocês, é impressionante minha capacidade de ficar corada nas horas erradas. Se Lene estivesse aqui, ela diria que estou parecendo um tomate inchado que saiu da validade. De novo.

– Não precisa se desculpar Sev. Quando um não quer, dois não beijam.

Vi os lábios deles se contorcerem de um modo que prefiro acreditar que seja um sorriso fraco.

O clima estava começando a ficar pesado.

– Olha, eu vou indo. Combinei de passar na casa da Lene hoje. Se cuida.

Nem esperei ele responder e saí andando, ainda estava meio dopada com oque aconteceu. E não dopada no sentido de estar nas nuvens, era no sentido “mas que merda foi essa” mesmo.

Ouvi ele respondendo ao longe, alguma coisa como “Tchau” e “Nos vemos amanhã”, acho que ele também estava meio dopado. Só não sei em qual sentido. E isso me preocupa.

Fui andando até chegar na casa de Lene. Era meio longe, mas só percebi quando já tinha chegado e estava tocando a campainha. Que atendeu foi o Henry, o irmão mais novo de Lene. Um fofo.

Subi para o quarto da Lene, e ela estava vendo um álbum de fotos.

Ela estava virada na direção oposta da porta, e bem na estrada do quarto tem várias almofadas que usamos pra ver filmes e comer pipoca. Mas é claro que eu não ia desperdiçar essa chance, peguei duas almofadas, uma com cada mão.

Joguei a primeira com toda a força que pude em meio de um ataque risos. Ela estava se virando e amaldiçoando toda a geração do “infeliz que tinha jogado aquilo nela” quando eu joguei a segunda almofada bem no meio da cara dela. Aí não prestou, saímos correndo a casa todo, eu rindo muito e ela me xingando mais ainda. Parecíamos duas malucas fugindo do manicômio.

Paramos de correr no jardim, pra recuperar o fôlego. Mas antes que voltássemos a correr alguém vem liga a mangueira encima da gente. Era Dorcas. Eu e Lene corremos até ela e arrancamos a mangueira de sua mão. Quer dizer, Lene arrancou a mangueira e começou a molhar nós duas, e só sabíamos rir.

– Para Lene! Já chega.

Acho que Dorcas se arrependeu de ter falado alguma coisa, porquê Lene a molhou mais ainda. Oque me deu tempo pra correr e pular em suas costas. Ela parecia uma barata bêbada tentando se livrar de mim, Dorcas não sabia se ria se chorava se ajudava Lene ou se me ajudava. Ela acabou optando por desligar a mangueira.

Acabou que terminamos deitadas na grama do Jardim encharcadas e sujas. Rindo e chorando de rir.

Mas como toda alegria dura pouco, a mãe de Lene chegou do trabalho e nos mandou entrar e tomar banho, e perguntou se eu e Dorcas iríamos ficar para jantar.

– Meninas, depois do banho tenho uma coisa pra contar pra vocês.

– É coisa boa ou ruim?

– Na verdade são duas coisas. Uma boa e outra ruim.

– Aí meu Deus, lá vem.

Tomamos nossos banhos e Lene nos emprestou algumas roupas.

Eu fui à última a sair do banheiro, Lene e Dorcas estavam sentadas na cama esperando eu sair.

– Uau, que legal. Plateia!

– Anda Lily, fala logo.

Sentei ao lado delas, e penteei o cabelo em silêncio. Não quero nem ver a reação de Lene, uma vez que ela não gosta nem um pouco de Severo.

– Qual vocês querem primeiro, a boa ou a ruim?

As duas responderam que queriam primeiro a ruim.

– Eu beijei o Severo.

Elas me olharam como se esperassem que eu disesse logo depois, “HÁ PEGUEI VOCÊS”. Mas eu não disse, porquê era verdade. Infelizmente.

– Lily, querida, você não está me dizendo que beijou o Snape. Está?

– É isso mesmo.

– Cadê o amor próprio Lily? Cadê o amor próprio?

– Foi dar uma voltinha, pelo visto.

– Ok, ok. Pelo menos ainda temos uma noticia boa, não é mesmo?

– A boa noticia, é que eu não gostei nem um pouco.

– Ele beija mal? Claro né, só chegar perto daquele cabelo seboso dele já deve dar náuseas!

– Não é isso. Quando eu digo que eu não gostei, quero dizer que eu não senti nada. Nem ruim nem bom. Foi como se eu estivesse beijando um cubo de gelo, só que quente. Vocês entendem?

– Não.

Eu até ia explicar, mas a mãe de Lene nos mandou descer para jantar.

Comemos, vimos um filme – que dei três estrelinhas – com a mãe e o irmão de Lene, portanto não deu para voltar naquele assunto. Oque foi bom, acho.

Nos despedimos e fomos embora no suzy. Dorcas me deixou em casa, mas não sem antes me falar que eu não escapei do assunto Snape, mas ela estava cansada demais para falar. Mas que amanhã eu não escapo.

Subi diretamente pro meu quarto e fiquei lá, deitada olhando pro teto. Me revirando tentando dormir, mas não foi nada fácil, meus pensamentos estavam dispostos a me atormentar com Severo e com Potter. Estava disposto a ficar comparando os dois, os olhares, os lábios, os cabelos, e até mesmo os beijos. Mas tem um detalhe, um detalhe muito importante que demonstra que ainda não estou totalmente no fundo do poço: EU NUNCA BEIJEI POTTER!