Recém-nascida escrita por Cambs


Capítulo 9
Oito




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/242345/chapter/9

O lugar lhe era familiar, com um campo grande e verde estendendo-se até além dos olhos, junto com a água do lago ao lado, formando uma serpente azul e cristalina. As árvores altas e lotadas de diferentes tons de verde cercavam o local, derrubando folhas com o vento que ocasionalmente aparecia. Os animais escondiam-se em suas casas, assustados com os barulhos que os vampiros produziam, com a escuridão da noite contrastando com a luminosidade da lua cheia, que deixava tudo mais escuro e brilhante, vivendo um paradoxo que os presentes conheciam bem.

— Para cima Még — Kyara ralhou com a irmã, que se mantinha concentrada em Marco e não no treinamento. Não era de se surpreender, o líder Amattris estava com o peito nu, exibindo seu tronco e braços fortes e musculosos, delineados e rígidos, cobertos por uma pele suada pelo treinamento que estava tendo com Paolo.

Algumas vezes, Marco sentia olhares em suas costas nuas, mas não sabia dizer se eles vinham de Mégara ou de Anthony. Ele sorriu de canto. Eram certamente de Mégara, os olhos de Thony perdiam-se na paisagem de sonho e nos movimentos do treinamento que necessitava aprender. Tinha sorte que Kyara fosse gentil com ele.

— Ei, Thony — Paolo acenou antes de passar as mãos pelos cabelos compridos e negros, grudados em seu pescoço. — É a sua vez.

— Podem continuar, sou ótimo como observador — um sorriso passou pelos lábios finos de Anthony, fazendo Kyara rir com suas palavras.

— Não me faça te carregar até aqui Anthony — Marco revirou os olhos, mas não evitou sorrir de canto. Se era por observar Mégara ofender a irmã pelo novo corte no braço ou não, ele já não sabia.

Quando o Amattris voltou à realidade, fora como um balde de água fria, e, nesse caso, literalmente.

— Sonhando com seus anos dourados? — Kane perguntou abaixando o balde até encostá-lo no chão. O ellenség encarou Marco, acompanhando cada movimento que o prisioneiro fazia ao passar a mão pelo rosto marcado de linhas de sangue, antigas e novas, e agora por água. — Está aguentando terrivelmente bem, eu certamente já teria pedido piedade.

— Guarde a piedade para si mesmo — Marco cuspiu as palavras e, embora elas fossem raivosas, não passaram de um resmungo aos ouvidos do assassino de aluguel.

— Piedade é algo que não consta no vocabulário do nosso convidado, Kane.

As cabeças de Kane e Marco viraram-se para a origem do som. Nas escadarias, quase nos últimos degraus, encontrava-se o vampiro por trás do sequestro de Marco, encontrava-se o vampiro que deveria estar morto, assim como o resto de seu clã.

— Fala como se você também a conhecesse — os lábios de Marco curvaram-se em um sorriso de escárnio enquanto sentava-se, passando as costas descobertas pela parede mofada e gélida.

— Ah, meu caro, eu a conheço, só não a pratico faz muito tempo — o vampiro sorriu para o prisioneiro antes de virar-se para Kane. — Executou sua função com destreza, assim como o fez anteriormente. Seu pagamento encontra-se em seus aposentos.

— Ainda se lembra do valor, certo Levin? — Kane arqueou uma das sobrancelhas negras.

— Lembro e fiz questão de aumentá-lo um pouco mais.

Kane maneou a cabeça em um sinal positivo e lançou um último olhar para Marco antes de dirigir-se às escadarias cinzentas e, com passos pesados e ecoantes, subiu as escadas, deixando apenas o silêncio para trás.

— Levin? — Marco arqueou uma das sobrancelhas. — Oh, está mentindo para ele?

— O que esperava? Que eu simplesmente lhe desse meu verdadeiro nome? — Levin puxou um dos caixotes de madeiras que estavam jogados no fundo do local e sentou-se ali, de frente as grades da cela em que seu prisioneiro estava. — Mas não, Kane sabe muito bem quem sou e o que quero, ele apenas preferiu entregar-se ao vício, afinal, por aqui, ele é o único que sabe.

— Mente para seus próprios subordinados, veja só você.

— Minto para assassinos, mercenários, traidores... Não para minha filha ou esposa, muito menos para meu amigo.

— Não me venha com amizade agora, sabe tão bem como eu que sentimentos assim não valem nada nesse jogo de poder em que vivemos.

— Amizades têm o seu valor, você nunca será nada completamente sozinho.

— São bonitas palavras vindas de um homem que sequestra, encarcera e tortura seu “amigo”.

— Ainda não entendeu? Você deixou de ser meu amigo há muitos verões.

Certas coisas são irônicas. Sim, o que seria do mundo a doce ironia? A minha ironia momentânea encontrava-se no fato de eu ter herdado o lado forte de duas espécies, e ainda assim havia coisas com as quais nem mesmos os genes poderiam lutar contra. Sono, fome, sede e a necessidade de Vitamina D.

Verifiquei meus bolsos até encontrar meu celular para ver as horas. 12h12. O que significava essas horas iguais? Tinha alguém pensando em mim, certo? Aposto que é o travesseiro. Resmunguei e joguei o celular na beira da cama, passando o pé por cima do mesmo segundos depois enquanto eu me contorcia até encontrar outra posição para continuar dormindo. Eu disse que precisava da vitamina D que o Sol oferecia e não que eu estava com vontade de levantar da cama e ir recebê-la.

Mas, de qualquer maneira, acabei levantando em menos de meia hora. Banheiro. Eu precisava de um banheiro. Tenho a ótima visão de que havia dormido de jeans e tênis, caminhei preguiçosa até a porta e a abri, parando para pensar só quando estava parada do lado de fora.

— Onde, raios, eu vou encontrar um banheiro por aqui? — murmurei.

Os subterrâneos do castelo tinham a mesma arquitetura de Hunyad, mas, se fosse realmente tudo igual, não havia banheiros por aqui.

Andei por várias direções tentando encontrar a escada que levava até o nível térreo, soltando bocejos pelo caminho inteiro. Assim que achei a escadaria, parei em um dos degraus.  

Turistas.

Droga. Eu havia esquecido essa parte. Era exatamente por isso que os subterrâneos existiam. O jeito seria voltar para cama — o que era uma tragédia, claro.

— Não me diga que é sonâmbula.

Virei-me em um salto e encontrei Kyara parada atrás de mim, com os braços cruzados e aquela maldita sobrancelha arqueada.

— Não, não — suspirei colocando a mão no peito, tentando desacelerar os batimentos cardíacos. — Estava procurando um lugar mágico que resolve as necessidades humanas.

Kyara manteve a sobrancelha arqueada, mas riu e girou os calcanhares, fazendo os cabelos escuros balançarem quando começou a andar.

— Vamos, no meu quarto tem um banheiro que você pode usar — ela disse. Eu apenas resmunguei e a segui, acelerando o passo para ficar ao lado dela. — O que acha que Még irá fazer?

— Nunca soube o que se passa na mente de Mégara. Talvez você devesse perguntar isso para Vicktor, ele é quem deve ter a resposta.

— Estou evitando contatos com aquele lugar, principalmente com o loirinho.

— Não quer sucumbir à paixão avassaladora que sente por ele? — brinquei, recebendo um forte tapa no braço e uma cara feia em resposta. — Certo, entendi.

— Fui embora por uma razão, vivi em diferentes lugares por uma razão. Mas, até agora, não encontrei razão nenhuma para continuar aqui.

— Na verdade, acredito que você tem uma razão, mas não quer admitir porque, ou é humilhante demais ou sentimental demais.

— Você sempre faz especulações assim?

— Não, é só sono mesmo.

Kyara balançou a cabeça e permaneceu em silêncio pelo resto do caminho. Assim que chegamos ao seu quarto, ela me indicou uma porta onde, felizmente, havia um banheiro.

— Qualquer coisa que você precisar encontrará pelo banheiro — Kyara jogou-se na cama e pegou um livro. — Acho que minhas roupas não servem para você, mas fique confortável em revirar minhas malas até encontrar algo.

— Obrigada — sorri de canto e entrei no banheiro. Fiz toda a rotina de higiene pessoal e voltei para o quarto, vasculhei as malas de Kyara até encontrar algo que me servisse e tomei um banho. Bem melhor.

— Ficou melhor em você do que em mim — Kyara comentou. O que era estranho porque ela não tinha tirado os olhos do livro desde que saí, olhos biônicos talvez.

— Não sabia que gostava de coisas floridas — sentei-me em sua cama.

— Não gosto — ela fechou o livro com um suspiro pesado e olhou para mim. — Eu deveria perguntar sobre sua vida ou alguma coisa do gênero, não é?

— Se perguntar, sabe que não irei responder. É maçante demais.

— E Még? Ela ainda não te aceita?

— Acho que você não entendeu a parte que significa que “não precisa perguntar”. De qualquer jeito, não, e duvido que um dia ela o faça.

— Ou ela já o fez e continua agindo do mesmo jeito. — encarei Kyara. Certo, elas eram irmãs, me parecia óbvio que ela iria defendê-la, mas isso não era um assunto do qual eu gostaria de conversar. — Certo, não sei por que estou falando isso, deve ser sono também. Acha que a cama é grande o bastante para nós duas?

— Eu tenho um quarto bem ali na frente — apontei para a porta enquanto Kyara arrumava-se no edredom.

— Só cale a boca e deite garota. Boa noite.

— Você quis dizer “bom dia”.

— Cale a boca.

Sorri e acabei deitando. Era mais confortável do que parecia.

Não soube descrever como era. Só tinha consciência de uma única coisa e isso não era algo agradável. Já não sabia se o que corria em suas veias era sangue ou apenas dor líquida, que passava por todos os lugares existentes em seu corpo, levando-o a beira da loucura, onde ele certamente faria qualquer coisa para pará-la. Até mesmo gritar era doloroso. Fazer o ar passar por sua garganta e transformá-lo em som era esforço demais para um corpo em chamas. A dor diminui quando seu braço fora puxado, começando bem lentamente a devolvê-lo à sã consciência. Sentiu algo provocando atritos contra seu rosto, mas atentou-se ao forte cheiro de queimado que provinha de algum lugar perto de onde se encontrava. Ouviu seu nome, sentiu seu corpo mover-se sem comando e depois parar e sentiu o ar ficando mais leve e frio.

— Vamos cara, vamos — Elliot balançou a cabeça de Demetri mais uma vez, tentando, novamente, obter uma resposta. Retirou a jaqueta e a camiseta de Demetri e afastou-se, apenas para fazer uma pequena inspeção no tronco coberto por várias queimaduras do vampiro sentado a sua frente. — Demetri, pode me ouvir?

— Elliot — a voz de Demetri manifestou-se após alguns segundos, e, embora fraca, era um sinal de que ele havia recobrado a consciência. — Elliot, o que...?

— Fomos atacados no meio da estrada. O carro capotou e nós dois caímos para fora dele. Caí mais perto do galpão, e, basicamente, não me queimei, já você caiu no meio da rua — Elliot suspirou. — Tirei-o de lá não faz nem dez minutos.

— Obrigado — a cabeça de Demetri moveu-se até que os olhos do vampiro pudessem enxergar Elliot.

— Teria feito o mesmo por mim — Elliot retirou sua jaqueta, jogando-a por cima da perna que mantinha esticada, enquanto a outra estava dobrada para que ele pudesse apoiar o cotovelo no joelho. — Sabe o que nos atacou?

— Para causar aquele estrago? Rebeldes, com certeza. São os kamikazes não ocidentais e imortais.

— Ótima descrição — Demetri soltou uma leve risada antes de deixar o rosto contorce-se em uma careta de dor. — E Karissa?

— Não faço ideia. — Elliot suspirou enquanto Demetri concordava com a cabeça. Ah, a dor. Diminuíra, mas ainda estava presente, concentrava-se em seu tronco queimado e descoberto, que exalava um cheiro de carne queimada, não exatamente bom. Ao menos estava protegido e em breve as queimaduras desapareceriam. — Eu gostava dela... Ela me lembrava de Lena.

— Você não costuma gostar de pessoa que te lembrem da Lena.

— Existe uma exceção para tudo, até mesmo para o desgosto.

Demetri resfolegou e Elliot sorriu de canto, encostando a cabeça na parede. Com os olhos fechados, ele se permitiu relaxar momentaneamente. Tudo o que restava agora era esperar que a noite chegasse e ficar atento para que nenhum humano entrasse ali, mesmo que isso fosse difícil de acontecer já que o galpão parecia estar abandonado, embora em um ótimo estado de conservação ainda. Passeando entre a consciência e o sono, Elliot lembrava-se de Lena e até mesmo de uma época mais fácil, não sabe quanto tempo passou assim, mas só voltou a prestar atenção no que acontecia ao seu redor quando a noite finalmente chegara.

O galpão vazio estava abafado e sem qualquer sinal de umidade, embora, em seu fundo, podia-se ouvir o que pareciam ser batidas ritmadas como o som de gotas caindo. Gotas pesadas demais para ser água.

— Dem, está melhor?

— Ainda não posso lutar, preciso de mais tempo — Demetri manteve os olhos fechados. — No bolso interior esquerdo da jaqueta.

Elliot pegou a jaqueta de Demetri e encontrou uma adaga de cabo prateado no bolso indicado. Levantou-se devagar e, com passos lentos, aproximou-se do fim do galpão. O som das gotas aumentava de acordo com a velocidade que Elliot se aproximava do fim do galpão. Quando apenas a parede separava o vampiro da origem do som, o vampiro teve que virar-se para lutar com o rebelde que entrara pela porta da frente.

— Vocês Amattris são realmente duros de matar — sorriu abertamente o rebelde, dando passos lentos. — Resistem até ao Sol, caralho.

— Porque não dá meia-volta e nós fingimos que nada aconteceu? — Elliot endireitou a postura, com a voz grave e com sotaque australiano ecoando pelo galpão.

— Não estou com vontade, mas obrigada pela oferta. Sabe, tem algo a oferecer também. Que tal uma luta? Acho que irá querer vingar a morte da sua amiguinha loira, embora vocês Amattris sejam todos sem coração. Aliás, prazer, sou Darohl.

— Karissa? O que fez com ela?

— Eu, praticamente nada. O carro fez. Ah, aqueles bonitos cachos dourados agora todos pintados de vermelho pelo sangue. Ela tinha um cheiro bom também, pena que o pescoço quebrado fez com que não sobrasse quase nada para eu me alimentar.

Elliot atacou, conseguindo atingir o rebelde, ainda surpreso pelo ataque repentino, mas não fora o bastante. Com a adrenalina correndo pelas veias, o guarda Amattris posicionou-se outra vez, preparado tanto para o ataque quanto para a defesa. Darohl sorriu e passou a ponta do polegar pela grande linha escarlate que Elliot deixara em seu rosto. O vampiro retirou um canivete do bolso da calça, e, ainda com o sorriso no rosto, avançou para o outro sem pensar mais de uma vez, lançando-se com força para o tronco de Elliot, que, por míseros segundos e milímetros conseguiu defender-se, utilizando então o rebote para atacar e derrubar o rebelde no chão. Darohl rolou para o lado e esquivou-se de Elliot, ficando em pé segundos depois e dando um chute no estômago do vampiro, que caiu e rolou pelo chão praguejando de dor. Antes que pudesse ser alcançado, porém, Elliot colocou-se de pé e, ainda de costas para Darohl, deixou o cotovelo ir para trás e para baixo, acertando a coxa esquerda do rebelde, fazendo-o cambalear para trás e deixando-o vulnerável para o próximo ataque, que se caracterizou por um chute na perna, determinando o segundo encontro do rebelde contra o chão.

— Bons sonhos.

Foi rápido e provavelmente dolorido. A adaga de Elliot passou por pele, músculos, veias e ossos até que finalmente penetrou o coração de Darohl, que indicou sua morte deixando o restante de ar em seus pulmões sair, fazendo com que seu tórax se mexesse pela última vez.

— Foi muito fácil — Demetri sussurrou, arrastando o corpo para conseguir ficar ao menos sentado.

— Para você é claro que foi — Elliot levantou-se em um suspiro pesado. Alisou a camiseta e voltou a prestar atenção no fundo do galpão. Novamente contra a parede, ele respirou fundo mais de uma vez tentando sentir o cheiro das estranhas gotas que caíam no lado de fora. Realmente, não era água o que pingava ali. Lembrou-se do que Darohl havia dito e arfou, tanto de surpresa como de choque. Karissa.

Não que eu tivesse algo contra manicures, pelo contrário, estava até mesmo precisando de uma para limpar esse maldito esmalte verde musgo de minhas unhas, mas vamos concordar que acordar com o cheiro de esmalte não é uma coisa realmente agradável.

— Você tem mesmo que pintar as unhas agora? — bocejei e levantei a cabeça do travesseiro para olhar Kyara, que se mantinha sentada na cadeira decorada feita de madeira da escrivaninha.

Opa. Kyara não era ruiva.

— Sinto muito se o cheiro não lhe agrada — a mulher virou-se para me olhar. — Mas, quem é você?

Não parecia ser alta e era magra, a pele pouco bronzeada parecia brilhar junto com o glittler que havia em sua roupa. O rosto triangular ostentava bonitos olhos azuis, que, no momento, brilhava de diversão. Logo acima estavam os cabelos ruivos, caindo em cascatas brilhantes e vermelhas pelos ombros até parar pouco acima da cintura. Definitivamente não era Kyara.

— A pergunta é: quem é você? — sentei-me rapidamente na cama.

Ela sorriu e colocou o vidrinho de esmalte em cima da escrivaninha.

— Dannika, prazer.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Então é nataaaaaaaaaaaaal e ano novo tambéeeeeeeeeeeem lalalalaaaaaaaaaa Enfim, não postei antes do Natal, mas resolvi aparecer antes do Ano Novo, então Feliz Ano Novo! rs
Próximo capítulo só ano que vem (e, pfvr, não falta muito tempo ok) e eu não tenho nenhuma mensagem bonitinha para dizer, então ficarei apenas no eu amo vocês e tenham um ótimo fim de ano e que o ano que vem possamos continuar juntos e que nossos sonhos permaneçam intactos e cada vez mais alcançáveis. Até ♥