Recém-nascida escrita por Cambs


Capítulo 5
Quatro




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— Tire isso da minha cara — murmurei empurrando a lanterna de Karissa para o lado. Muita falta de consideração da parte dela colocar aquilo focado em meus olhos.

— Ela certamente já se recuperou — a voz de Demetri veio zombeteira de algum canto do aposento.

— Estou ótima, obrigada — esfreguei os olhos e tentei ficar sentada, mas não tinhas força suficiente para tal ato. Foi então que me lembrei do ataque do rebelde e minhas costas arderam, com o corte também mandando lembranças. — Perdi a consciência, não foi? — levei a mão até a testa, com cada movimento provocando dor.

— Foi, mas pelo que vi do seu ferimento, você resistiu bastante — Karissa disse suavemente. Típico dela. Karissa era provavelmente a melhor mensageira que eu conhecia. — Vamos, lhe ajudo ficar sentada.

Com o apoio de Karissa — e muita força de vontade para não soltar nem palavrão — sentei-me no que parecia ser um divã e respirei fundo, tentando afastar a dor.

— Como aconteceu? — Elliot perguntou, sentado não muito longe do divã em que eu estava.

— Pode pular a parte do corte, já sabemos que isso aconteceu ao fato de você ter sido descuidada — Demetri sorriu irônico enquanto balançava um os pés. Ah, lá vem ele com a postura e tom de professor que não admite erros, que porre. — Sabe a sorte que teve por ter sido atingida nas costas e não em qualquer outro lugar mais precioso, como seu coração?

— Agora não Demetri — Elliot suspirou passando a mão pelos cabelos loiros, fazendo-os ficar ainda mais bagunçados do que já estavam.

— Ele está certo — fiz uma careta ao falar. — Fui descuidada, porém convenhamos que um ataque rebelde no meio da estrada não é algo que esperamos para ter algum cuidado já preparado. Ele simplesmente apareceu do nada e me atacou, certo que isso não justifica meu erro na luta, mas ainda sim...

— Sabe se ele foi enviado por alguém? — Elliot perguntou.

— Segundo ele, por um dos grandes.

— Dos grandes? — uma das sobrancelhas louras de Demetri arqueou-se. Virei minha cabeça em direção a ele e o observei. Meus olhos passearam por todo seu corpo, que era enorme só para dizer, desde os cabelos louros e adorável mecha caída em sua testa pálida, passando pela boca desenhada e o queixo forte, até as mãos rígidas e pernas grossas cobertas por uma calça jeans.

— Pois é. Não sabia que algum deles queria me matar — pendi minha cabeça para o lado, observando Elliot e Demetri se entreolharem.

— Você é a queridinha de Anthony e Carlo, cale a boca — Demetri, gentileza encarnada, disse enquanto revirava os olhos. — E Marco não quer te ver morta, caso contrário já estaria embaixo da terra, garota.

— Mégara ainda não ordenou nada — Karissa disse de repente, fazendo-me lembrar de que ela ainda estava ali. Bem, ai está um ponto, Mégara. Aposto que ela adoraria me ver dentro de um caixão.

— Tem certeza? — perguntei. Na condição de Mensageira, Karissa tinha muito mais informação que nós. Mesmo que ela não nos possa contar tudo. Adoro as Encantadas por isso.

— Todos temos — Elliot respondeu no lugar de Karissa. — Aliás, ela está dando o prazo de uma semana para retornar ao castelo.

— Que ela continue aguardando, ainda tenho que falar com Carlo.

— Você acredita mesmo que ele é inocente, não é?

— Carlo é, provavelmente, a última pessoa que poderia causar algum mal a Marco, apesar de tudo — Demetri recostou-se na poltrona de couro em que estava, mordendo os lábios e assumindo seu costumeiro tom pensativo. — Atrás de Anthony, é claro. Marco tem inimigos muito piores que os Mottris.

Troquei um rápido olhar com Elliot e cravei minhas unhas em uma das almofadas do divã, minhas costas latejaram e reclamaram de uma dor que apareceu do nada, mas forte o suficiente para me dar até mesmo uma tontura.

— Vou buscar algo para você comer e algum remédio para dor, depois que descansar mais um pouco você pode fazer novas decisões — Karissa mordeu o lábio inferior, caminhou até uma porta branca perto do fim do cômodo e desapareceu. Tinha ido até a cozinha provavelmente.

— Você está bem, mesmo? — Elliot inclinou o corpo para frente, apoiando os cotovelos nos joelhos. Sorri de canto.

— Estou, não precisa se preocupar — olhei para Demetri. — Limparam o lugar?

— O que você acha? — tanto sua sobrancelha quanto o canto de sua boca arquearam-se. — Só nos falta arrumar o carro. O cara era mesmo gigante não é?

— Acho que, ou ele era do seu tamanho ou era maior, então sim, ele era gigante — revirei os olhos. Nós três suspiramos cansados e nos olhamos em silêncio. Talvez com o mesmo pensamento. O que me lembra... — Como aconteceu? Como Marco foi levado?

— Estava perto do amanhecer quando um dos vampiros enviados por Carlo pediu para conversar sozinho com Marco, nós saímos e fomos para nossos quartos, sabe descansar após o fim da ronda e da guarda, até que acordamos com minutos antes do anoitecer com uma Mégara histérica pelos subterrâneos — Elliot olhava para o chão enquanto falava.

— Deixaram um bilhete dizendo que Marco fora levado e que pagaria por cada crime que cometeu. A caligrafia era de Carlo — Demetri fez o mesmo que Elliot. — Com a nota deixada no travesseiro ao lado de Mégara, ela simplesmente entrou em pânico com a possibilidade de alguém ter entrado em seu quarto. Vicktor levou algumas horas para conseguir acalmá-la, afora a situação de Marco.

— E vocês não estão olhando para mim enquanto explicam porque certamente estão com um estúpido sentimento de culpa, não é? — foi a minha vez de arquear uma sobrancelha, e, quando os dois vampiros levantaram os olhos para mim, sorri. — Parem, vocês são dois dos melhores guardas que eu já vi. Estavam apenas cumprindo a ordem de Marco de deixá-lo sozinho.

Não sei ao certo se isso ajudou em alguma coisa, mas eu não poderia ficar em silêncio enquanto eles se martirizavam por algo. Sinceramente, os caras são totalmente geniais, eu é quem deveria estar se martirizando por estar com um corte — extremamente dolorido e provavelmente prestes a inflamar — e ter falhado estupidamente com as armas. Afinal, aonde já se viu deixar a adaga e a estaca caírem durante um luta?

— Vamos levá-la até Carlo assim que se recuperar — Demetri disse. — Deixamos você no portão e voltamos para Hunyad. E, antes que diga algo, você não tem permissão para reclamar.

— Vai deixar Demetri falar assim comigo? — olhei para Elliot.

— O quê? Ele está certo minha cara — ele sorriu de canto.

Senti algo semelhante a uma pancada na cabeça quando algo me ocorreu. Sou muito inteligente, nossa.

— Espera... Vocês disseram que deixaram Marco sozinho com um vampiro enviado por Carlo, certo? Quem era esse vampiro?

— Não quis se identificar e não conseguimos arrancar essa informação — Demetri bufou.

— O nome dele é Sórun — Karissa retornou segundo uma xícara e alguns comprimidos brancos. — O outro é Moure. São ellenséges¹. O rebelde que lhe atacou fora um deles — Karissa me estendeu os compridos, mas eu demorei um pouco para pegá-los.

Ellenséges? Ainda existiam ellenséges? Achei que todos haviam sido mortos no Segundo Expurgo e, como o massacre promoveu muitos danos à comunidade rebelde, ninguém realmente acreditou que dariam algum crédito a essa classe social. E, bem, se o rebelde que havia me atacado era um ellenség até posso dizer que não estavam investindo tanto assim na classe mesmo.

— Está dizendo, então, que o vampiro que atacou Sophie e que os dois vampiros que foram mandados até Marco são ellenséges? — Demetri perguntou enquanto eu tomava os remédios. E queimava a língua com o chá, mas isso é apenas um detalhe irrelevante.

— O vampiro que atacou Sophie é um dos dois que, segundo vocês, foram enviados por Carlo — Karissa passou as mãos pelos cabelos louros.

Tenho certeza que Karissa não falaria mais nada. Deixei minha cabeça cair para trás e suspirei. “Segundo vocês”. Ah ótimo, ai tem coisa.


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Notas finais do capítulo

¹ Ellenséges = (pronúncia: élen-chi-é-cho). Tradução literal dar-se por hostil do húngaro, no singular é ellenség e significa inimigo. Na história possui o significado de sua forma singular e é usada para caracterizar um grupo seleto social da comunidade rebelde, formada principalmente por mercenários mais treinados e assassinos de aluguel.