Recém-nascida escrita por Cambs


Capítulo 15
Quatorze




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Como se tivesse cansado da rapidez dos acontecimentos anteriores, o mundo agora se movia em câmera lenta, com tudo indo devagar e parando a cada segundo que demorava minutos para passar. No fundo, Riese ainda esperava que tudo fosse uma mentira e que toda aquela lentidão era apenas algo que anteciparia a sua ação de acordar, porque certamente aquilo era um pesadelo. Algumas coisas lhe pareciam verdade, no entanto. O corpo de Seth no chão a sua frente parecia real, assim como a estaca de madeira de pinheiro manchada de sangue jogada ao lado do cadáver. O choro silencioso de seu pai e os murmúrios de consolo de Carlo também. Mas não podia ser, não é? Tudo aquilo era apenas um pesadelo, um amostra de seus medos que sua própria mente insistira em mostrar-lhe.

— Riese? — viu primeiro os cabelos cor de caramelo, e, quando deixou a cabeça desencostar do joelho, viu o rosto sereno de Erin, marcado por lágrimas secas e sentimentos que certamente refletiam os dela.

— É de verdade, não é? — a voz não passava de um sussurro, passando pelos lábios cheios e pálidos entre um soluço e outro. Apertou os olhos para fazer as lágrimas saírem de sua visão e olhou para a vampira, esperando pela resposta. Erin frisou os lábios até fazê-los virar uma linha reta e logo em seguida abaixou a cabeça, levando a ponta dos dedos até um dos braços de Riese. — Arrancaram a cabeça dela.

Não aguentou. Voltando a chorar e a soluçar, Riese deixou o corpo cair para frente, onde Erin já a aguardava de braços abertos, abraçando-a forte enquanto o corpo tremia com os soluços que apareciam quase tanto quanto as gotas transparentes que lhe saíam dos olhos. Ficaram assim por alguns minutos, com a vampira abraçando forte a dhampir de luto e a balançando em um ritmo de canção de ninar, até que Carlo apareceu, determinado a levar a criança para o quarto ou outro lugar e deixá-la junto com o pai.

— Apenas lave as mãos, está bem? — Carlo pediu, fazendo Riese desencostar a cabeça do ombro de Erin e encarar as próprias mãos. Estavam sujas com o sangue já seco de Seth, certamente indo parar ali depois que ela havia tentado tirar a estaca das costas dele.

Concordando com a cabeça, Riese começou a se soltar de Erin e, quando estava prestes a levantar, Carlo a pegou no colo. Ouviu a menina reclamar no começo, mas depois ela ficou em silêncio, sendo que o único som entre eles eram os suspiros pesados da garota. Levou-a, primeiro, até o pequeno banheiro no corredor do subterrâneo. Assim que as mãos de Riese estavam limpas, Carlo a pegou novamente no colo e agora a levou até seu quarto e a deixou em cima da cama. Não ficou surpreso por Eliah entrar no cômodo segundos depois. Ele estava visivelmente pior que a filha. Eliah evitou a mão de Carlo, mas apertou o ombro do vampiro e logo se encaminhou para a cama, onde se deitou ao lado da filha.

— Chamem se precisar — Carlo não demorou a sair do quarto e, quando o fez, escorou-se na porta que evitou bater quando saíra. Passou a mão pelo rosto e suspirou, apertando os olhos com os dedos, usando sua força para não ir parar no chão assim como suas pernas queriam.

Foram atacados e dois guardas Amattris estavam ali. A última coisa que Carlo queria acreditar, além dos outros problemas que já tinha, era que Mégara fosse baixa a esse ponto.





Acredito que eu já deveria ter me acostumado com coisas rápidas. Afinal eu passei grande parte da minha vida com vampiros e eles geralmente encontram soluções rápidas — claro que a solução rápida que sigo é, geralmente, a morte, mas nós podemos deixar esse detalhe de lado — para a maioria dos problemas. De qualquer maneira, eu já deveria ter me acostumado com várias coisas além de rapidez. Sangrar, por exemplo. Essa devia ser a terceira vez que o líquido vermelho e viscoso vazava por algum corte. Só hoje.

— Acho que já está bom — Kyara disse. Seu braço pálido estava esticado em direção a Ryan, o pulso voltado para cima agora apresentava um pequeno corte e sangue manchando a pele de porcelana que certamente voltaria ao seu estado de perfeição. — Kyara Alecia Atlee, prazer — ela sorriu rapidamente e levantou da cama, sacudindo os braços para fazer as mangas da camisa descerem.

— Suas apresentações não melhoraram em nada — Rodric comentou. Ele ainda passava a ponta dos dedos na área do rosto em que eu o havia socado. E eu estava achando isso maravilhoso. Ele até poderia ganhar outro soco assim que eu conseguisse largar o algodão que mantinha prensado no novo corte na testa.

— Bem, você também não melhorou em nada — Kyara respondeu. — Continua com o mesmo casaco de, o que, trezentos anos atrás?

— Duzentos e cinquenta e três, para ser específico — Rodric sorriu.

— Já me é estranho o bastante saber que vocês dois se conhecem, então, por favor, calem a boca — disse. Larguei o algodão por um momento e sentei na ponta da cama, preparada para levantar o mais rápido possível se fosse necessário. Observei Ryan encarar o braço de Kyara, e, por um minuto, imaginei que ele saltaria nela. — Como está?

Ryan virou-se para mim. Analisei seu rosto de queixo forte, revestido pela pele pouco bronzeada, a rala barba castanha havia se salvado da sujeira do sangue, diferente da boca ligeiramente cheia, que estava manchada no canto perto da bochecha esquerda, marcada por uma covinha que aparecia com qualquer movimento, diferentemente da covinha da bochecha direita, que necessitava de um sorriso para aparecer. Os cabelos castanhos estavam bagunçados e certamente embaraçados, principalmente pelo seu comprimento que os levava até a altura do queixo. — Estranho — a voz continuava grave e acentuada pelo sotaque francês. No geral, ele parecia o mesmo Ryan de sempre. Exceto, é claro, pela nova cor dos olhos e a sede de sangue.

— Acontece — Yulio disse, fazendo com que eu e Ryan olhássemos para ele. O vampiro apenas balançou a cabeça, quase como que pedindo desculpas por ter pensado alto demais. Não que fosse difícil ignorá-lo.

— Sophie — Ryan me chamou. Havia uma linha em sua testa e aquela linha só aparecia quando ele tinha a total certeza de que iria se arrepender do que diria a seguir. — O que você é?

— O termo correto é dhampir — suspirei. Sentando de uma maneira melhor, coloquei minhas pernas em cima da cama e abracei os joelhos. — O termo fácil é híbrida ou mestiça.

— Metade vampira, metade humana. Uma das poucas que ainda existem no mundo — Rodric disse. — Não que isso seja uma surpresa, você verá o motivo.

— Devo encarar isso como um elogio? — perguntei sem olhá-lo. — Mas, bem, basicamente é isso mesmo.

— Como pode ser metade vampira? — ele pareceu confuso. Ryan poderia simplesmente seguir o roteiro e fazer perguntas sobre si mesmo. Seria bem mais fácil. No momento seguinte, como se tivesse esquecido que eu lhe devia uma resposta, ele voltou a encarar Kyara, agora com uma sobrancelha arqueada. — Você disse “Atlee”? Você é da família Atlee? A família de militares descendente dos vikings colonizadores, dona de quase todas as terras do nordeste irlandês e de metade do porto de Cork¹?

— Nós não descendemos de vikings. Atlee parece um sobrenome viking para você? — ela cruzou os braços, mas sorria de modo leve tirando toda a seriedade que havia em sua voz. — Vejam só, estou em um livro de história, não é legal?

— É perigoso, para dizer a verdade — Rodric disse. Ele tinha mesmo que falar mesmo quando ninguém lhe perguntava algo direitamente? E o sentido da pergunta retórica, onde fica?

— Você não está em um livro de história, logo, você não pode dizer nada.

— Enfim — interrompi Kyara e Rodric, antes que minha mente começasse a pensar em situações que explicariam o motivo de os dois se conhecerem. Afinal “é uma longa história” dá espaço para muitas teorias e eu poderia evitar todas elas. — Por onde quer começar, Ryan?

Ele ainda estava formulando uma resposta quando a porta do quarto abriu e ninguém conseguiu dizer mais nada, tanto pela interrupção quanto pelas manchas escarlates nas roupas de Carlo. Sangue demais para tempo de menos.





— Até onde eu sei, você conhece o significado da palavra “problema” — Louis rosnou, abrindo e fechando a mão esquerda enquanto observava o processo de cura devolver a pele de seu antebraço. — O que foi aquilo?

— Como é que eu vou saber? — a voz estridente de Anitta ecoou pela floresta.

— Acha que eu sou idiota? — Louis arqueou as sobrancelhas. Se conseguisse correr Anitta certamente o faria, mas sua perna quebrada a mantinha presa no chão forrado de folhas alaranjadas, quase indefesa enquanto o outro se aproximava. — Acha mesmo que eu sou idiota? Acha que não vi você ligando para alguém minutos antes de nós entrarmos?

— Eu não sei do que está falando, seu lunático.

Em um movimento rápido, Louis passou os dedos pelo pescoço da vampira e a ergueu no ar. Não apertou, no entanto. Na verdade, não fez nada além de levantá-la. Ele sabia que Anitta mais falava do que fazia e, mesmo que soubesse lutar, ainda se intimidava fácil demais. Não fazia ideia do motivo da mulher continuar no clã, ela era praticamente inútil. — Você me subestima, Anitta.

— Já disse que não sei do que você está falando — Anitta murmurou em resposta, com a testa enrugada de pura frustração. Louis era instável demais para tentar qualquer coisa. — Me solte.

— Assim que você parar de tentar me enganar poderá voltar para o chão — ele sorriu de canto —, que é o lugar de onde não deveria sair. Principalmente para mentir.

— O que você quer, exatamente?

— Que você me explique o motivo de eu estar no meio de um ataque combinado.

Com o rosto quase se encostando ao da vampira, Louis esperou por uma resposta que tinha certeza que não viria. Anitta era uma pessoa desprezível, falava de quem não devia pelas costas, dormia com quem pudesse lhe oferecer algo interessante, mordia quando não havia chance de defesa e torcia para quem pudesse lhe fazer subir. Uma oportunista interesseira, na verdade. E a coisa mais irritante nela, certamente, era a capacidade de ser cínica a ponto de convencer qualquer um.

— Eu não sei — disse apenas, encarando as orbes safira de Louis, intimidada e determinada a fazer o vampiro acreditar que ela estava dizendo a verdade.

Com um suspiro cansado, Louis soltou Anitta e a ignorou quando começou a praguejar pela dor que a perna quebrada lhe dava.

— Se quiser ser uma traidora, que seja, eu não me importo. Mas não me coloque no meio disso. Eu não sou descartável e ninguém vai me tratar como se eu fosse. Muito menos você.


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Notas finais do capítulo

¹Cork foi originalmente uma colônia monástica fundada por São Finbarr no século VI. No entanto, apenas alcançou um carácter urbano entre 915 e 922 quando colonizadores de Norseman fundaram um porto comercial. Foi proposto que, como Dublin, Cork fosse um importante centro comercial no comércio mundial escandinavo.



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