Absinthe escrita por Moira Kingsley


Capítulo 13
Capítulo 13




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Ártemis se afastou de Apolo como se ele fosse fogo. O que ela estava fazendo? Ártemis possuía uma responsabilidade. Uma única. E todos estavam cientes dela. Era algo inesquecível e sagrado.

Porém outra coisa chamava mais a sua atenção:

– O que você faz aqui? – Ártemis perguntou tentado recuperar o fôlego. Nunca se sentiu tão vulnerável.

– Você me decepciona, Ártemis. – Éris a observou em desdém, cruzando os finos braços. – Nem uma semana e já se jogou nos braços dele? Vergonhoso. – A deusa pôs uma mão nos lábios sem cor, reprimindo um pequeno riso.

Ártemis se sentiu suja, culpada. Ela engoliu em seco e se levantou:

– E-eu... Eu – O que eu fiz?

– Está tudo bem, Ártemis. – Apolo se pronunciou pela primeira vez, depois do ocorrido. Sua voz era reconfortante. Ele segurou a mão de Ártemis e pôs-se ao seu lado.

– Não! Não está nada bem. Você não entende a gravidade desse erro. – Ela falou eufórica, livrando-se do aperto. A palavra “erro” causando uma dor no peito do deus do sol. Apolo respirou profundamente antes de começar a questionar a presença de Éris.

– Você ainda não disse o que está fazendo aqui. – Apolo quase rugiu para a deusa de cabelos vermelhos como sangue.

– Eu realmente preciso dizer? – Éris replicou. - Prazer, Discórdia. – Piscando em seguida.

– Agora, Ártemis, querida como vai explicar a todos no Olimpo que você violou o seu voto? Mas que destino cruel, apaixonar-se pelo carrasco do seu ex. Ops... Esqueci. Foi você que matou ele, não é? – Fez uma careta. - Como é mesmo o nome dele... ? – Levantou o olhar para o céu, soando vaga:

– Ah, sim, Órion.

Ártemis queria abrir um buraco no chão e se enterrar ali. Ela podia sentir o calor que ainda restava em seus lábios depois do beijo. Só de pensar no que tinha acontecido, arrepios a invadiam.

E ela foi pega. Pega fazendo o que não deveria. O cérebro da garota estava à beira de um colapso, sufocando com a frustração e a culpa. A confusão de sentimentos, embaralhados, engalfinhados, a imobilizava e somente os seus olhos percorriam todo o perímetro, tentando achar uma saída.

– Você vai jogar de novo essa brincadeira doentia, Apolo? Vocês dois simplesmente não podem ficar juntos. Eu não vou permitir isso.

– Éris, você perdeu a sanidade. Essa obsessão é lunática e nociva. – Apolo exclamou, desesperado. - Você tem que parar!

– Não seja mesquinho! – Éris estava visivelmente fora de controle. Seu sorriso afiado como o de uma fera.

– O quê? Do que vocês estão falando? – Ártemis gritou, buscando por respostas dessa briga entre os dois. Era uma rixa ocultada e a deusa merecia saber o porquê do inquieto aparecimento da senhora da discórdia e desse confronto (esse que proporcionava uma dor negra na boca do estômago de Ártemis e ela não fazia ideia da causa).

Apolo prendeu a respiração e encarou Ártemis:

– Ártemis, eu-

– Oh, isso mesmo, docinho. Eu, você e Apolo temos uma... Vamos dizer assim: conexão. – Éris parecia animada, porém, de um jeito sórdido.

– O que você está dizendo...? – Ártemis perguntou em uma voz cansada e impaciente.

– Eu me pergunto, por que você nunca exigiu explicações sobre a vontade de Apolo de acabar com o seu preferido há éons atrás. – Ela comenta em um sussurro, exasperada. Éris se sentia no meio de imbecis. Não estava sendo tão divertido como ela pensou que seria.

– Chega a ser ofensiva a sua ignorância. Deuses, eu fiz você ter sonhos para implantar nessa sua cabecinha de porcelana, a vontade de cavar os motivos para Apolo matar Órion. – Ártemis sentiu uma urgência de mandá-la não ousar em tocar no nome de Órion. Éris não era merecedora de ter o nome do caçador dançando na língua. Entretanto, franziu o cenho em incompreensão.

– Sonhos? Você quer dizer que aquele pesadelo foi você? – Ela perguntou em indignação, relembrando do sonho ruim de dias atrás.

– Bem, mas eu sei que uma coisa você entendeu, não é? Para estar quebrando o seu voto. A questão é que esse não era o meu ponto. – Ela falou aparentando desapontamento quase infantil.

Éris era chamada de “besta infernal”, pois ela, mesmo após batalhas sangrentas, mesmo após todos os vencedores se retirarem do campo manchado de seiva rubra, permanecia e observava ao desespero dos últimos suspiros de vida dos moribundos dilacerados. Por puro deleite. Estava na sua natureza, sugar qualquer tipo de harmonia ou alegria.

– O que você está tramando? – Apolo fechava as juntas com tanta intensidade que estavam ficando brancas.

– Sabem, talvez eu não seja tão ruim assim. Vejam isso como uma... Libertação. – Ela informou com convicção.

– Cale-se, vá embora! – Apolo exclamou.

Ártemis o fitou em receio. A aflição do deus somente enriquecia o anelo de entender o que se passava.

– Oh, você parece confusa como uma menina perdida, querida. Enquanto a você, Apolo. Eu estou te fazendo um favor! – Disse incrédula com o temperamento hostil do deus.

– Agora Ártemis não vai te odiar tanto assim. Vamos dividir este fardo. E eu não me importo com a cólera. De fato – Ela pôs o indicador no queixo:

– Só me deixa mais forte. – Completou como se estivesse contando um segredo.

***

Ártemis foi abatida por uma náusea, enquanto observava com olhos arregalados o chão. Talvez ela não estivesse respirando, ela estava mais ocupada tentando não se contorcer em dor pelo que acabara de ouvir. Era como tudo estivesse acontecendo em câmera lenta. Coração batendo tão alto. Ela fechou os olhos lentamente, ao mesmo tempo em que uma brisa passava por ela e as lágrimas começaram a pedir passagem.

Apolo tentou alcançar seu braço, todavia ela se afastou rapidamente como se ele fosse uma praga e se envolveu em seu próprio abraço.

– Não me toque!

– Ártemis – Era visível o pesar no tom do deus.

– Isso é doentio. Isso é doentio! – Ela repetia para quem quisesse ouvir. Desequilíbrio na voz.

– Falsária e hipócrita. Todos nós somos loucos aqui. – Éris disse, levantando uma sobrancelha. Apolo podia sentir o frio nas palavras gélidas da Discórdia.

Ártemis ergueu o rosto para a pálida deusa:

– Você! – Ela desejava esfolar aquela criatura insidiosa , drenar todo o sangue ruim que passava pelas suas veias, escalpelar seu rosto com as unhas. – Você é repulsiva, deveria apodrecer sua existência no Tártaro!

Foi nesse momento que Ártemis partiu para cima dela.

Éris estava dando uma gargalhada, quando notou a garota chegando perto, vendo seus membros tremerem em fúria. A deusa da discórdia soltou um pequeno grito de surpresa, todavia, os braços de Apolo conseguiram alcançar a cintura de Ártemis e ele bradou:

– Vá embora! Só vá embora, Éris. – Enquanto Ártemis protestava através de ruídos de pura ira e lágrimas inesgotáveis.

Éris obedeceu sem nenhuma palavra a mais e se foi em uma fumaça poluída. Ártemis ainda tentava se desvencilhar de Apolo dando chutes no ar e gritando entredentes palavras que ele não conseguia identificar. Ele a soltou rapidamente. Ela se afastou alguns passos e cambaleou um pouco desnorteada pela água inundando os olhos.

– Aquela cretina. Covarde! – Ártemis exclamou em uma voz estrangulada.

– Ártemis, me deixa explicar... – Ele viu a deusa virar as costas e mexer a cabeça em proibição:

– Eu já ouvi. Eu não preciso que você repita. Da sua boca, eu só vou me sentir pior. – Ela respondeu se encolhendo.

Entretanto, Apolo replicou dizendo que ela merecia saber. Merecia saber toda a verdade, por mais duro que fosse. Porque ele estava cheio com cada pequena coisa que guardou através do tempo. Pois aquele era o momento e podia ser que nunca mais tivesse a chance.

– Não! Eu não quero ouvir, eu não quero ouvir! – Ela pôs as mãos sob as orelhas, fechando os olhos com força e fugiu.

Ártemis apareceu no seu quarto de hotel. A luz azul do anoitecer pingando a cor nas paredes claras do cômodo. Ela abraçou sua barriga e suspirou. A garganta cortada com toda a angústia e dor que existia. Ela andou para trás até sentir a porta bater em suas costas e caiu, abraçando os joelhos.

– Abre a porta. Por favor. – Ártemis levantou a cabeça ao ouvir o som da voz fraca e séria de Apolo. Ele não entraria no quarto dela se ela não quisesse. E sem receber uma réplica, Apolo encostou a testa no mármore frio e respirou pesadamente.

– Eu te amo. – Ele falou e a garota do outro lado gemeu em dor, antes de por uma mão na boca. Apolo engoliu em seco, pois ele ouvia o choro de Ártemis.

– Lembra do nosso primeiro Solstício de Inverno? – Ele perguntou com um sorriso leve, lembrando-se da memória. – Foi naquele dia que eu percebi que amava você. Foi por isso que, quando você disse que prometeria ao Estige, eu quase implorei para você reconsiderar. Pelo menos até a minha viagem de volta com a cabeça da serpente que nos perseguiu.

Apolo passou a mão pelo cabelo em frustração:

– Eu deveria ter dito naquela hora o que você significa para mim. Mas, não. Eu fui embora para pensar se, não era mais um capricho meu. Só que, Ártemis, eu sentia tanto a sua falta. Eu tentei me concentrar na caçada em busca da Píton – Ele riu consigo. – Mas, a minha mente estava em você. De qualquer forma, eu consegui acabar com a besta. Eu estava tão ansioso para te ver, mostrar o prêmio da minha caçada, como tinha te prometido e finalmente... Finalmente dizer o quanto eu precisava de você.

Ele parou, fechando a boca em um aperto e prosseguiu. Dessa vez seu tom estava composto por amargura e desencanto:

– Eu não voltei no dia em que você me viu na ilha. Eu tinha retornado um dia antes. Ártemis, eu queria tanto te ver que nem parei em casa. Fui de uma vez para sua floresta, porque eu sabia que você estaria lá. – Ele virou e se encostou à porta:

– Foi então que eu vi vocês dois. O caçador já estava – A voz dele parecia quebrada, fatigada. – se declarando para você. E quando você o beijou eu... Eu não pude aguentar, Ártemis. Nunca tinha sentido tamanha dor. Era como se o mundo tivesse me apagado. Eu não era mais o sol. Era a chuva. E eu a deixei cair e com ela eu parti floresta adentro, não olhando para trás.

– Eu estava desnorteado, eu nem me recordo muito bem para onde eu ia. Eu só segui até meus pés doerem mais que o meu coração. – Apolo disse encarando a porta. - O breu já tinha pernoitado o bosque e eu só me lembro de estar cansado, fazer uma fogueira e sentar na floresta úmida pela chuva.

– Eu ouvi um barulho vindo da mata. E eu me deparei com Éris. Ela tem um obsessão ridícula por mim! – Ele exclamou sem paciência. – Quando eu perguntei por que ela estava ali, Éris só disse que estava procurando ervas. – Ele informou um pouco menos aturdido.

– A questão é, Discórdia é uma grande controladora de mentes. E eu estava tão absurdamente demente com a cena que eu vi. – Ele engoliu em seco admitindo sua vergonha. – Eu só contei tudo a ela. Não era como se Éris fosse a pessoa que eu mais confiasse, porém, eu estava tão irritado, tão magoado que eu contei tudo.

– Lembro-me de andar de um lado para o outro, gritar e esmurrar alguns troncos de árvores. Foi aí que ela começou a murmurar as palavras venenosas. Eu estava tão intoxicado que eu deixei ser pego como por um feitiço. E simples assim, eu me ceguei com o plano de matá-lo.

– Eu fui fraco! Tão fraco! – Apolo exclamou ríspido. Para a sorte de ambos, ninguém passou pelo corredor do andar. Se bem, que o deus não se importava com isso. Era como se existissem somente os dois no mundo.

– Éris o conhecia. Disse que ele era um filho de Poseidon. Então nós decidimos mandar uma besta ao seu encontro. Uma que fosse tão forte na terra como na água. Como eu tinha previsto, o caçador refugiou-se no mar. Eu assistia tudo de longe, sentia um ódio tão grande. Eu ainda podia ouvir Éris me dizendo que ele não te merecia. Que eu deveria ser a pessoa que você tinha deixado ser tocada.

– Ele foi corajoso, um verdadeiro guerreiro. – Apolo tinha que julgar. – Ele conseguiu ferir e despistar o monstro. Foi então que eu enviei uma mensagem através de Hermes. Para você me encontrar na Ilha de Delos.

– A partir daí o plano foi meu. Quando eu notei que ele estava seguindo para minha ilha, decidi que eu o mataria. – Ele pausou como se doesse continuar. – Mas você chegou Ártemis. Eu estava pronto para atirar, quando você chegou. Estava tão alegre e radiante vindo ao meu abraço, que por um momento eu esqueci o ódio.

Apolo cerrou os olhos lentamente:

– Então você falou dele. Com fervor, admiração e um carinho que me queimavam. E eu vi vermelho de novo. Eu joguei com você e descobrir o quão negro eu posso ser. Mas não tem um dia, um dia que eu não me arrependa disso. Eu fui perverso. Imoralmente vingativo. Eu me desprezo por isso. – Apolo admitiu e pôs uma mão no sólido de mármore a sua frente:

– Mas eu sou um ser tão torto que ainda me vejo tendo esperanças. Porque eu sinto, Ártemis. Eu sinto por você.

Ártemis não conseguiu identificar todos os sentimentos e emoções que a abateram durante toda a revelação. Ela só podia constatar que suas mãos estavam trêmulas e uma fraqueza inclemente alastrava-se por todo o seu organismo.

Seu rosto molhado e corado e o órgão pulsante em seu peito palpitava em tortura. Não se assemelha a ela quanto tempo ficou encarando o nada em um olhar vazio e infeliz.

Seu rosto estava enterrado nas mãos agora. Ártemis podia sentir o gosto de suas lágrimas. Gosto de desalento e punição. Apolo ouviu quando ela apoiou os cotovelos na porta e começou a se levantar. Ele notou seus ombros tencionarem com o silêncio assombroso.

Apolo tinha razão. Ela tinha que ouvir dele. Foi mais doloroso, mais cortante e intenso que as frias palavras de Éris. Entretanto, foi mais real e, de alguma forma medonha mais explicativa. Era como se tivessem arrancado os pontos das feridas do passado. Arrancado com força e ela estava sangrando novamente. Porém, a dor era mais alucinante, pois, existiam outras impressões e sensibilidades no meio.

– E-eu – Ártemis engoliu em seco, tentando conter as lágrimas. – Eu não sei o que fazer. – Ela disse com uma voz tão fina e baixa que Apolo quase não escutou. E era a verdade. Ártemis não fazia ideia do que seria daqui para frente.

– Mas, eu preciso de um tempo. – Ela continuou depois de respirar fundo. E foi embora dentro de uma fumaça luminosa.


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Notas finais do capítulo

Eu não quis escrever a Éris revelando tudo por trás da vingança de Apolo porque eu achei que só seria uma repetição. E eu tenho que dizer: não sei mesmo se vou deixá-los juntos ou não... O que vocês acham? Porque, realmente, é muito complicado perdoar (principalmente nesse sentido). Reviews, sim???