Absinthe escrita por Moira Kingsley


Capítulo 10
Capítulo 10




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Ela estava correndo. Em uma praia adormecida pela escuridão cega do céu. Não sabia ao certo por que continuava a afundar seus pés no denso e macio pano que era a areia. Estava descalça, pode notar, ao olhar para baixo enquanto sentia os grãos entrarem em suas unhas. Seu rosto simplesmente a proibia de olhar para os lados, como se estivesse usando um cabresto. E o aperto em seu coração parecia a multilar como pequenas agulhas por todo o corpo.

E ao sentir algo molhado em sua face, libertou-se e conseguiu parar de correr. Seus finos dedos tocaram as bochechas úmidas em confusão. Por que estava chorando?

Ouviu um barulho. Virou-se para os arbustos que iniciavam uma floresta negra. Poderia ser belíssima, ela pensou. Porém, agora, somente transmitia medo aos uivos das árvores dançando a sintonia do vento.

E ela temeu. De uma forma estritamente nova, ela estava assustada.

Nunca teve medo da noite, mas naquele momento, o lugar trasbordava morbidez. De modo que, quando avistou o brilho lúcido a alguns metros dela, quis gritar de felicidade.

Mas a luz que via era constantemente escurecida por um ser cavernoso de pele pálida. O ser estava a segurar as mãos do caloroso rapaz dono de uma incandescente luz. Isso a perturbava, pois não conseguia assimilar quem era a pessoa ao lado dele.

Não iria esperar mais. Podia quase sentir o calor e a segurança de estar com ele, então se forçou a correr. Ao mesmo tempo, o borrão macilento desaparecia como fumaça.

– Apolo, eu não entendo... Onde estamos? – Perguntava ofegante a garota segurando as mãos fortes do deus.

– Veja minha irmã. Agora, suas mãos também estão sujas de sangue. – Disse com um sorriso carinhoso.

A deusa olhou para suas próprias mãos manchadas de um líquido espesso e rubro. Seus olhos arregalavam-se em desespero. Como se seus pulmões estivessem sendo esmagados lentamente, não conseguia respirar. A mão de Apolo, tão ensanguentada quanto à da moça, tocou-lhe a maçã do rosto, a sujando e marcando com mais fluido sem vida. Os olhos brilhantes e cristalinos dele direcionavam para algo no mar.

– Não! – Ártemis estava sentada, respirando pesadamente, sentia seu pulso acelerar como se estivesse em uma maratona. Demorou uns segundos para notar que o telefone ao seu lado a chamava escandalosamente. – Alô? – Perguntou com uma mistura de voz trêmula e rouca.

– Bom dia, senhorita Monroe. Perdoe-me, mas... Hum... Vejamos, sim. Sandy White ligou para o hotel, desejando falar-lhe. Posso disponibilizar a linha dois para que ligue, senhorita.

– Oh, entendo... Obrigada, mas tarde ligarei para ela. – Falou, tentando raciocinar direito.

– Sinto muito, mas a senhorita não compreende: ela já ligou cinco vezes durante a manhã.

– Tudo bem, acho que deve ser importante. – Replicou, remexendo o cabelo de ondas loiríssimas.

Após ligar para Sandy, descobriu que ela era uma tagarela de carteirinha, mas engraçada. No final, ela só queria perguntar se Ártemis não estaria interessada em visitar o Central Park naquela tarde. Bem, “aquela tarde” significava daqui a duas horas. A deusa não se perdoou por ter dormido tanto tempo. E ainda aquele pesadelo. Apolo, aquele ser sombrio e o sangue. Sabia de quem era.

Deveria ser tudo aquilo que tinha revirado seu subconsciente e embaraçado com algum filme de terror que deveria ter visto. Talvez ela soubesse mesmo onde estava e de quem era o sangue em suas mãos. Entretanto, a esguia aparição ao lado de Apolo era exclusivamente estranha aos seus olhos.

Sentiu-se suja e doente. Poderiam ter sido as doses de ontem à noite, porém, tinha convicção que aquele sonho ruim a deixou com o estomago embrulhado. Ainda podia sentir o cheiro agridoce do sangue nas suas palmas, pingando de seus dedos.

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– Toc-toc! – Apolo apareceu em sua fumaça dourada, ao mesmo tempo, que Ártemis estava a por seus coturnos.

– Você é maluco?! – Ártemis gritou em fúria pelo ato ofensivo do deus. – Não sabe bater na porta? E se eu estivesse...

– O que? Nua? – Apolo pendeu a cabeça para o lado e pôs o dedo indicador no queixo másculo, olhando para Ártemis como a um catálogo de viagem. Riu com escárnio em seguida, ao olhar a expressão da deusa em choque. – Então, hoje vamos para onde? – Cruzou os braços, mudando de assunto ainda sorrindo.

– Eu não sei você, mas eu já tenho planos para essa tarde. – Comentou altiva ao se levantar da cadeira vitoriana de veludo.

– Onde?

– Não que seja da sua conta... – Salientou. – Mas vou ao Central Park.

– Ótimo, então vamos. Ah, adoro o Central Park! – Ártemis pigarreou e o fitou sem emoção.

– Eu disse, “eu vou”. Não, “nós vamos”.

– Está me proibindo? – Desafiou levantando uma sobrancelha negra. – Pois eu tenho absoluta certeza que o Central Park é um local público, minha cara.

– Perfeito. – Ríspida falou. – Mas não ouse me perturbar e nem as minhas amigas.

– Amigas? – Perguntou sem entender. Ártemis puniu-se por ter dito aquilo, seria melhor ele não saber de nada sobre Carly, Meg e Sandy. Suspirou e disse:

– Ok, Apolo, vamos combinar uma coisa: Você pode até ir, eu não me importo. Só que, não vai chegar perto, paquerar ou fazer qualquer idiotice com as garotas, ouviu?

– Você com amigas mortais, essa é nova. Elas são bonitas? Assim, só perguntei por perguntar... – Disse olhando para os pés.

– Vamos logo.



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– Quer sorvete? – Apolo parecia despreocupado. Exceto por algumas pessoas tirando fotos dos dois como se fossem um casal de supermodelos, nada estava fugindo do controle. Normal demais, pensava Ártemis. – Bem, eu quero. Aqui nos despedimos, beladona.

– Não me chame assim. – Mas era tarde, Apolo já passava para a sorveteria mais próxima em frente ao Central Park.

– Hey! Ainda bem que com essa cabeleira dá para te avistar de qualquer lugar! – Alguém saltitava a sua frente. Sandy.

– É, você parece melhor do que ontem, hein? – Dizia Ártemis enquanto abraçava Sandy.

– Ah, aquilo? Passado, querida! Agora, vamos. As meninas estão esperando mais na frente.

De certo, o Central Park parecia um Oasis dentro da conturbada e barulhenta New York. Os lagos por onde passaram eram incrivelmente maravilhosos. Definitivamente, passaria no aquário do parque da próxima vez que estivesse ali. Ou viria patinar no gelo no inverno. Além de ver os animais do zoológico e assistir a peças teatrais á noite. Não era como estar em seu bosque, todavia, o ar dali era mais respirável e limpo do que a movimentada Manhattan.

– Oi, meninas! – Bradaram em uníssono Carly e Meg de supetão, dando a mortal e a deusa um pequeno sobressalto.

– Por que não vamos para perto do lago, conversar. – Dizia a ruiva Carly, com outro de seus grandes brincos. Esses pareciam penas prateadas de ferro.

– O que? Mas sempre ficamos aqui. É o lugar perfeito! – Resmungava Sandy. A desordem das duas com seus olhos esbugalhados estava deixando Ártemis desconfiada.

– O que vocês duas estão escondendo?

– E-escondendo? Ora, nada, Caroline. Aqui é só... Hum... É só muito barulhento, isso! – Meg ficava, por algum motivo, nas pontas dos pés.

– Estão olhando para os lados como se estivessem procurando uma saída, não mantém contato visual e parecem nervosas. Estão mentindo. – Continuou Ártemis, como se falasse da paisagem de forma monótona. Carly e Meg se entreolharam derrotadas.

– Olha aqui, garotas. Não sei porquê tanto desespero. Afinal, aqui podemos ver os gatos da quadra... – Disse Sandy, passando pelas duas e apontando com a mão aberta para a quadra de basquete onde alguns homens jogavam. – Ah, não! – De repente, a garota petrificou como se estivesse sido congelada.

– Ahn? Sandy? – Ártemis passava a mão para cima e para baixo na frente do rosto da garota. Ela parecia em transe.

– P-P-Peter! – Sussurava em um fraco som de sua voz. Ainda apontava para o lado da quadra quando virou bruscamente. – Droga! – Encolheu como um gato molhado. – Ele me viu!

– Ah, então, aquele magricela de perna peluda é o Peter? – Riu sozinha, enquanto as outras meninas tentavam acalmar Sandy. – Ei, é a sua chance! Enfrente-o!

– O que?

– É claro! Você é uma mulher independente, bem profissionalmente.

– Na verdade... Ela se demitiu do Cornelia’s porque o Peter trabalhava lá também. Ai! – Carly levou uma cotovelada de Meg. – Desculpa...

– Bem, mas você é forte, bonita e autoconfiante.

– Sim, você tem toda a razão, Caroline. Eu vou... – Virou-se decidida para a direção da quadra. – Vou enviar uma carta para o endereço dele amanhã! – Marchou de volta rapidinho. – Agora, que tal um cafezinho, hein?

– Sandy, tem que tirar satisfações. Isto é errado!

– É fácil para você dizer, Caroline. É linda, tem pernas enormes, olha essas roupas! Eu sou só uma perdedora do subúrbio, vivendo de aluguel. Desempregada e traída! – Começou a pseudo soluçar a pequena Sandy.

– Ops... Sandy. – Cantarolou disfarçando um sorriso Meg para a moça de mechas californianas. – O Peter está vindo aí...

– O que eu posso fazer agora?! Ai, o que ele quer? O que eu digo? Acham que se eu simular um ataque do coração ele vai embora?

– Enrole-o, eu resolvo tudo.

Enquanto recomendava tais atos, viu alguém a passos tranquilos e desfrutando de um sorvete de casquinha como um garoto feliz sendo seguido por suspiros de jovens mulheres e até mais velhas. Estreitou os olhos e se fosse possível, uma lâmpada apareceria acima de sua cabeça loira. – Está na hora de pedir ajuda ao único sujeito com mais capacidade de mentir sem alterar as feições. Capacidade de frequentar lugares sem mesmo ser convidado e não se importar com isso. De justificar ações erradas sem nenhum tipo de culpa ou peso. – Comunicou mais para si mesma, caminhando a passadas firmes.

– Você!

– Eu...? – Perguntou fazendo bico em confusão.

– Está vendo aquele homem? – Apontou com a cabeça para um jovem adulto com um boné azul e verde para trás das têmporas e roupas largas de basquete. – Ele traiu a minha nova amiga, e futura feminista, ali. Enfim, quero que finja estar com ela para causar ciúmes naquele tolo.

– Hum... - Apolo mordeu a casquinha de biscoito do sorvete. – E por que eu faria isso mesmo?

– Porque...bem, porque...

– Exatamente, porque você vai me obedecer por um dia. Sem brigas, ou frias represálias de megera. Vai ser gentil e delicada como uma flor. Por um dia inteiro. – Terminou de comer todo o biscoito e andou agilmente até as garotas com o sorriso mais bonito que conseguia fazer.



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Notas finais do capítulo

Não estou tendo reviews das antigas leitoras...isso me desanima um pouco. Vocês vão entender melhor o plano de Apolo no próximo capítulo. Isso aí só foi uma bomba, depois escrevo em detalhes. Espero que tenham gostado desse capítulo.