Absinthe escrita por Moira Kingsley


Capítulo 1
Capítulo 1


Notas iniciais do capítulo

Eu só queria dizer que a fic vai ser dividida em dois períodos: Idade Antiga e os dias atuais, ok? E seja os que os deuses quiserem!



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Ao desabrochar das flores, a aurora despertava os seres com seu ar alegre e juvenil. Os bosques respiravam vivacidade em mais um lindo dia brotando luz na imensidão azul celestial que habitava o céu.

As mechas de um loiro quase branco esparramadas no travesseiro de fios de prata se remexeram um pouco, sinalizando o despertar. Porém, os olhos continuavam fechados, inebriados pelo resquício de sono impregnado na pele pálida de certa divindade. Era nova, de alguma maneira, não daria nem alguns meses desde que tomara o néctar dos deuses. Mas seus traços e habilidades não eram ambíguos.

Sua morada, um castelo adornado de folhas de prata, sereno como a lua, era o mais afastado dos demais pertencentes do tão glorioso Olimpo, mas também o mais próximo de seus bosques. Sim, seus bosques. Oh, como tinha orgulho de chamar de seus aqueles lugares arborescentes cheios de vida. Lá era a sua verdadeira casa. Seu lar era cada ser vivo e não vivo instalado em grande harmonia e principalmente liberdade nos verdes e calorosos bosques que reinava. Apesar de adorá-los, sabia que só eram um presente para mimar a recém-deusa e pedir desculpas e perdão pelo transtorno e sofrimento que fora seu próprio nascimento pelo seu pai. É claro que o culpava. Boa parte do seu traumático vir a vida foi culpa dos que outros chamavam “Deus de Todos os Deuses”.

Olhos azuis elétricos finalmente se abriram ao som de um cantarolar doce demais e um perfume de rosas se alastrou por todos os cômodos daquele castelo, até a voz aumentar evidenciando sua aproximação do quarto em que estava. Duas batidas na porta fizeram-na gemer preguiçosamente. Estava na hora de acordar. Indisposta, abriu a porta do recinto para dar de cara com um sorriso meigo pintado por cor-de-rosa.

– Bom dia, flor do dia! – Cantarolou a deusa do amor já saltitando pelo recinto sem ser convidada a entrar.

– Afrodite. – Disse, esfregando os olhos.

– Para uma caçadora, você não acorda muito cedo, não é? – Falou a dona da maçã dourada de Éris.

– Para uma deusa que deve estar atenta toda noite a iluminar o céu eu posso sim acordar um pouco mais tarde. – Disse-lhe, cruzando os braços. – Mas posso saber o porquê de sua visita?

– Ah, claro! Seu irmão, querida. Há dias não o vejo. Sabe onde o raio de sol se meteu desta vez? – Afrodite sentou em sua cama com um sorriso simpático.

– Por que quer saber? Se for para mais alguma de suas tramas de romances divinos, saiba que já tem Eros como aliado. Não é trabalho de meu irmão ser seu escravo em dramas mesquinhos que o amor é. – Sua voz pareceu rude demais, entretanto a jovem deusa não ligou.

– Eros?! Ah, por favor! Aquele meu filho só me dá trabalho. Acredita que teve a audácia de se casar com uma mortal que ousam dizer ser mais bonita que eu?! Mas a minha vingança a espera... - Afrodite dizia substituindo o sorriso suave de antes por puro ódio. Ás vezes, a deusa da beleza parecia bipolar. Por trás de todo carneirinho existe um lobo preparado para dar o bote. – Mas vamos, onde está o meu amiguinho, Apolo? Sei que você sabe. Diga-me, sim?

– Não posso Afrodite. Se eu te disser, quem me garante que depois já esteja nos ouvidos de todo o Olimpo? – Falou ignorando o beicinho da outra deusa. Afrodite era uma das maiores fofoqueiras dali.

– Ah, vamos! Eu posso guardar segredos, posso sim! Além do mais, não sairei daqui até você me dizer. Pense bem, gostaria de me ter ao seu encalço o dia todo? – Pronunciou as palavras com um olhar felino. Afrodite não era, nem de longe, uma das suas preferidas. E a jovem tinha preparado uma série de atividades nas suas regiões. A caçada a esperava.

– Você promete? – Levantou uma de suas sobrancelhas desconfiada.

A ruiva assentiu inocente.

– Pelo Estige, Afrodite?

– Eu, Afrodite, Deusa do Amor e da Beleza, prometo em nome do Estige. Feliz? – Perguntou pomposa.

– Ok. – respondeu a deusa vencida. – Apolo, foi vingar nossa mãe. Foi matar a serpente Píton! – Falou rapidamente, antes que se arrependesse.

– Ora, Ártemis! Sua madrasta vai matá-lo! Se é que isso é possível... - Ártemis empalideceu, pois sabia que Hera era capaz de tudo. Mas logo se recompôs:

– Que ela tente! Hera terá que passar por cima de mim, antes de meu irmão. Se ele não tivesse saído sem me chamar, estaria junto a Apolo neste momento liquidando aquele ser maligno. – Bradou satisfeita.

– Bem, espero que ele saia vitorioso nessa batalha. Aquele monstro é traiçoeiro, você sabe. – Falou empoleirando o vestido longo e rosa claro, para se levantar sem cair.

– Eu tenho certeza que vai. – A deusa replicou com segurança.

Depois desta conversa, as duas divindades se despediram. Agora, sua meta era a caçada. Há dias procurava o javali que assustou suas criadas ninfas num dia de festa. Dançavam todas, quando um sujo e escandaloso javali interrompeu o júbilo, amassando e destruindo tudo o que via pela frente. E também porque aquele dia parecia perfeito para passear pelos seus bosques. Preparou sua aljava e flechas prateadas, prendeu seus longos cabelos e mandou uma ninfa chamar um de seus melhores cães farejadores.

Preparada e no bosque, deu a ordem para seu fiel cão começar o trabalho. Sua corrida começou enquanto o animal avançava para rastrear a presa. Enquanto aumentava a velocidade de suas passadas, perguntava-se como sua meia-irmã, Atena, conseguia lutar nas guerras com aqueles vestidos cobrindo-lhes as pernas. Seus vestidos mais curtos e coturnos sempre foram seus aliados na hora da caça.

– Tudo bem, amigo. Vamos descansar um pouco, sim? – Disse Ártemis afagando a cabeça de seu cão depois de meia hora de corrida.

A deusa se sentou em uma rocha e rapidamente o vento a lembrou de seu irmão gêmeo. O impulsivo Apolo. A preocupação pairava em sua mente, com as palavras de Afrodite. Píton era mesmo traiçoeira, mas Apolo tinha lhe prometido a cabeça da besta e Ártemis depositava esperança firme nele. Um dos poucos homens que confiava se não, o único. Em seu primeiro dia como deusa, depois de suas apresentações aos demais deuses e após receber seus presentes, a deusa da luz da lua solicitou uma reunião com Zeus. Angustiada pela dor que sua mãe sofreu, pediu a Zeus que a abençoasse na escolha de prometer ao rio Estige, a única coisa que conseguia até mesmo driblar o destino, a sua eterna castidade. Entretanto, Apolo a fez ponderar sobre esse assunto. Ele dizia para esperar algum tempo, pois aquela era uma escolha difícil, a qual não poderia se arrepender. Apesar de determinada, seu irmão a fez prometer que, enquanto estivesse fora, Ártemis permaneceria passiva a essa questão.

Foi absorta a essas lembranças que somente notou seu cão a metros de distância por latidos incessantes dele para chamar sua atenção. Como uma leoa, apressou-se a segui-lo. Deveria ser aquele javali. Passando por uma enorme rocha coberta de musgo que avistou o mal cheiroso mamífero selvagem. Preparava seu arco e flecha quando o animal se virou e percebeu algo. Mas não poderia tê-la notado. Ártemis era a melhor no que fazia, por isso estava escondida de modo que tivesse uma visão privilegiada da criatura sem ter o risco de ser descoberta.

A perseguição teve que ser reiniciada. Lá estava o javali, soltando grunhidos barulhentos e correndo a valer. Todavia, Ártemis conhecia suas terras de cor e decidiu capturá-lo de frente. Chamou a atenção do seu cão com um fraco assobio e foram na direção de um riacho ali perto onde costumava tomar banho. Fora ali, que minutos depois ouviu o ronco do animal chegando perto. Correu na direção do som com um sorriso de vitória antecipada no rosto.

O que veio a seguir fora nada mais que bagunça. Aconteceu tão rápido que nem um “aí” a deusa foi capaz de soltar. O jovem a sua frente, tinha cabelos castanhos e um arco em mãos. Balançava a cabeça, desnorteado e sua presa adentrava a floresta. O rapaz finalmente se levantou, ajeitando suas vestimentas gregas, mas não olhou para Ártemis.

–Perdoe-me, mas não te vi... - Ia dizendo com um sorriso de desculpas enquanto abria uma mão a sua frente a fim de ajudar a pessoa que caiu. Todavia, ao ligar seu olhar ao ser divino caído ao chão, engoliu em seco. A deusa rejeitou sua mão ainda esfregando a área que sua cabeça foi atingida pelo que lhe parecia um caçador, um pouco corada e se levantou.

–Perdeu a voz, caçador?- Perguntou estreitando os olhos.

– Lady Ártemis! – Se ajoelhou o rapaz, deixando seu arco cair a sua frente, ficando entre a deusa e ele.

– Sabe que essas são minhas propriedades. Com que direito vem aqui para caçar em meus bosques? – Desafiou a deusa.

– Perdoe-me, Lady. Eu temia que a senhora aparecesse, mas meu pai me garantiu que não teria problemas. – Respondeu olhando para o chão.

– Seu pai?

– Sim, Lorde Poseídon, senhora. – Disse-lhe olhando nos olhos. Mas é claro, aqueles olhos denunciavam tudo. Verdes como o mar.

– Seu nome, semideus.

– Órion, minha senhora. – Respondeu com admiração nos olhos.

– Pode se levantar, Órion. Dessa vez vou perdoá-lo. Mas só porque gostei de seu arco. É feito de escamas? –Perguntou Ártemis com visível interesse.

–Oh, sim Lady Ártemis. Um presente de meu pai. – Um sorriso de garoto brotava em seu rosto já recuperando a cor depois da surpresa de encontrar uma deusa bem a sua frente. – A senhora gostaria de prová-lo?

Ártemis deu uma boa olhada no arco. Realmente, um arco feito de escamas era uma joia rara. O filho de Poseídon esperava sua resposta. Era um belo rapaz. Esbanjava vitalidade e graça juvenil. Simpático e se mostrava cortês. Pelo menos, a primeira vista. Poderia ela dar uma chance ao moço? Ele era um homem e Ártemis não tivera até então boas experiências com o sexo oposto. Na maioria delas existiram transformações de homens em cervos pelos seus atos inescrupulosos. Porém, olhando para aqueles olhos cor de mar não enxergou nenhuma maldade.

– Por que não? – Disse-lhe com um meio sorriso e viu algo nos olhos do rapaz se acender. – Mas ainda preciso pegar aquele javali atrevido. Então, o que me diz? Disposto a caçar a criatura comigo?

A caçada fora realmente instigante. Á tempos Ártemis não tinha alguém tão habilidoso ao seu lado, o que deixou tudo mais divertido. As ninfas de sua corte eram um tanto femininas de mais, de modo que passavam há gastar seus dias penteado os cabelos e olhando seus reflexos em lagos. Mas estar com Órion era especial, nunca pensou que acharia isso de um homem. Ao final do dia eles já tinham o cadáver do javali arruaceiro consigo.

Ártemis sentou-se no chão para descansar, observando seu cão brincar com Órion. Não demorou muito para o animal se entreter com uma borboleta voando rasteira e o rapaz decidiu sentar ao lado da deusa. A princípio, Ártemis recuou, mas não porque quisesse, era quase um habito quando perto de homens. Todavia tranquilizou-se. Algo na pessoa ao seu lado a fazia esquecer-se de suas divergências com o sexo masculino.

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Os dias passavam e Apolo não retornava. Ártemis escondia a aflição em seu peito. Porém, durante esses mesmos dias, uma alegria estranhamente aquecedora a abatia. E ela tinha um nome: Oríon.

O caçador a surpreendia a cada dia. Oríon, com sua permissão, pediu para visitá-la a fim de caçarem juntos. Um ímpeto a fez dizer sim. E uma sensação insistia em crescer dentro dela. Não sabia identificar ao certo, mas era nova e aumentava quando estava perto dele.

Era como um abraço caloroso. E Ártemis temia por isso. Era um terreno esquisito e tinha medo de pisá-lo. As coisas não estavam muito bem esclarecidas em sua mente, todavia, só a menção de nunca mais ver o rapaz a deixava triste. Então se deixou levar.

Mas naquele dia nublado tudo mudou.

Ártemis estava a experimentar o arco de seu mais novo amigo. Acertando em árvores a dez metros de distância sem o menor esforço e ao mesmo tempo falando da aventura que seu irmão gêmeo estaria vivendo por aqueles dias. Mas quando se virou com um sorriso de vencedora por acertar a árvore mais afastada que sua vista alcançava, reparou que o caçador fitava o chão com perceptível nervosismo.

– Algo errado, Oríon? – Perguntou-lhe, aproximando-se.

– Minha senhora, eu...- O rapaz ainda não conseguia olhá-la nos olhos e isso a deixou desconfortável.

Um silêncio não muito acolhedor invadiu o ambiente. Ártemis não entendeu o fato de toda aquela tensão momentânea e tentou fazê-lo dizer alguma coisa.

– Está com algum problema? Diga-me, talvez possa ajudá-lo. – Falou com um sorriso singelo.

O homem ao seu lado segurou sua mão. Ela hesitou, distanciando-se rapidamente. Era uma deusa, apesar de tudo. Só era tocada se lhe focem permitido tal ato.

– Desculpe-me, Lady. – Pediu Oríon com sinceridade. – Mas o que tenho para falar-te é de tamanha importância e urgência da minha parte. – Agora olhava Ártemis de frente.

A deusa ao seu lado assentiu com a cabeça em um movimento lento. Estava preocupada.

– Há algo que devo dizer. E, se não for mútuo eu irei respeitar a sua escolha. Se desejar nunca mais me ver por minha impertinência, eu o farei de bom grado. Mas, por favor, ouça-me. – Seu gentil modo de falar não a deixou menos ansiosa. Após um longo suspiro, o rapaz a sua frente declarou palavras, que, separadas, de nada tinham importância. Mas uma vez juntas, talvez destruíssem barreiras.

Tais palavras foram ditas. Absorvidas lentamente. E durante esse processo, a jovem deusa entendeu que tudo o que Oríon tinha expressado significavam aquela sensação nunca presenciada por Ártemis.

– ...Assim sendo, compreendo que a senhora não tenha tal sentimento igual ao meu. Mas sei que é muita ousadia minha sentir algo por uma deusa, só que não pude evitar. – Parou, enquanto se levantava. - És linda, senhora. – Segredou-lhe pausadamente.

A divindade que estava inerte todo aquele tempo, foi tomada por um rubor repentino. O impulso foi maior e antes que o caçador fosse embora o alcançou, segurando uma de suas mãos.

– Espere, Oríon. –Sua voz estava suave para sua total surpresa. Todavia, em seu interior, havia explosões novatas e amigáveis percorrendo cada parte de seu ser. Os olhos arregalados do rapaz a sua frente transmitiam uma cor intensa de verde. – Eu não quero que vá. – Segurou a mão de Oríon com mais firmeza. A adrenalina a fumegava e era através dela que tinha forças para continuar pronunciando aquelas palavras.

Um sorriso carinhoso brotou nos lábios do caçador e lentamente aqueles mesmos lábios se aproximavam dos dela. Ainda com suas mãos juntas, suas bocas se encontraram.

A chuva invadiu seus corpos sem sutileza os fazendo se separar. Mas o sorriso continuava ali, perene em ambos os rostos.




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Notas finais do capítulo

Continuo?