4 – Sasuke não era maníaco por limpeza

            Quem visse Sasuke sempre tão metódico pensaria que sua casa e seus pertences seriam extremamente organizados, com tudo muito arrumado. Pelo menos, Sakura pensava. Naruto tinha certeza que Sasuke tinha mania de perfeição, tendo em vista os modos sisudos do Uchiha e o jeito  do “não me toque. Sou de porcelana e você tem germes.”. Entretanto, dos outros três que compunham o time sete, Kakashi descobriu a verdade quase sem querer: Sasuke era tudo, menos organizado com suas coisas. E Kakashi conseguiu entender bem porque ele era assim, porque também conheceu Itachi.

            Não tão bem quanto Sasuke, mas Kakashi sabia o suficiente sobre seu irmão para entender a complexidade dos seus sentimentos.

            A casa de Sasuke casa não era excessivamente limpa, tampouco era uma sujeira; era apenas uma casa normal. Não era sempre que Sasuke se dispunha a arrumá-la e deixá-la impecável – não receberia visitas ou sermões por isso. E essa constatação doía. Por isso que ele se irritou tanto com Sakura quando esta lhe disse que Naruto era indisciplinado porque não tinha pais e que isso era algo bom. Não era. Não dava para ser. Isso o irritava, porque Sakura não entendia. Ela dizia gostar dele, mas sequer conseguia compreendê-lo. Se esforçava, é claro, mas ela se apaixonara por uma ilusão sobre o que imaginava ser ele; de ilusões Sasuke só precisava a dele.

            Era comum encontrar uma fina camada de pó sobre os móveis que menos utilizava ou encontrar a lavanderia acumulada de roupas sujas e espalhadas pelo piso. Na sala era frequente encontrar uma ou outra arma jogada a esmo no sofá. Seu quarto era razoavelmente limpo, mas sempre que chegava de um treino mais severo, sempre ficava abarrotado de coisas pelo chão; as vezes parecia um arsenal.

            Não era desleixo com suas coisas, mas pura falta de tempo e disposição para tanto, já que Sasuke considerava mais produtivo treinar para ficar forte. Ele passava muito tempo na floresta, treinando seus jutsus ou aprimorando suas técnicas de combate; gastava toda sua energia nisso.

            Para Sasuke, deixar todos os objetos em seus respectivos lugares ou deixar tudo exageradamente limpo era sinônimo de organização, uma característica que não possuía. Ou melhor, não poderia ter.

            Sasuke podia ser disciplinado e obstinado com seus objetivos, mas não conseguia ser organizado com suas coisas. Não havia uma ordem natural em seu guarda-roupa, nem na geladeira e nem em nada na sua vida – mesmo seus treinos eram irregulares. Ele treinava sempre que podia, por quanto tempo achasse necessário. Se esforçava, claro, mas não havia um padrão sobre o que iria treinar ou quanto tempo levaria até aperfeiçoar alguma de suas habilidades. Então, o máximo que ele poderia fazer quanto a sua ausência de organização seria mentir descaradamente.

            Ele se considerava, inclusive, um bom mentiroso. Poderia mentir e transmitir ao mundo que ele poderia se passar por organizado, mas não queria fazê-lo.

            Organização lembrava Itachi.

            E todas as vezes que lembrava o irmão era inevitável lembrar da última recomendação: me inveje, viva uma vida miserável. Sasuke invejava Itachi, não apenas a força monstruosa e o brilhantismo que seu irmão tinha; Sasuke também invejava sua organização. Itachi sempre foi meticuloso com todas as coisas que possuía, seu quarto, além de impecável, transmitia toda a serenidade do dono; era horrível admitir isso, mas era verdade.

            Por mais que Sasuke quisesse apagar de sua lembrança qualquer boa memória sobre Itachi, era impossível esquecer o quão sereno e calmo o outro era; Itachi sempre foi morno, seus olhos sempre foram fumaça. Não havia o fogo que existia no olhar de cada Uchiha do clã, Itachi sempre foi diferente. Seus olhos sempre eram esfumaçados, envoltos em um pensamento que ninguém seria capaz de entender.

            Itachi era terno. Aquela organização toda transmitia isso também, porque seu irmão tinha diversas obrigações, com o clã, com a vila e com a família e, muito embora nem sempre fosse possível conciliar tudo, ele tentava e as vezes conseguia conciliar todos seus compromissos e encontrar tempo para ele; Sasuke vivia para esses momentos.

            Como o seu aniversário de quatro anos. Era um dia chuvoso e Itachi demorou para chegar em casa. Sua mãe fazia um bolo (os melhores bolos que existiam) e seu pai estava fora trabalhando. Sasuke lembrava que ficou brincando até tarde, até que Itachi entrou em seu quarto com duas batidinhas discretas.

            “Posso entrar?”

            “Nii-san!”

            Ele lembrava de correr até o irmão e abraçando-o pela cintura. Houve o som de um farfalhar, mas ele estava feliz demais para reparar nisso.

            “Vamos brincar?”

            “Você não quer saber o que eu trouxe para você?”

            “Sim!”

            Dentro de uma pequena cestinha, havia um pequeno dinossauro verde de pelúcia. Era pequeno, mas a pelúcia ainda era macia e nítida. Sasuke lembrava de ter olhado seu irmão com expectativa.

            “Era meu quando eu tinha sua idade. Gostou?”

            “Sim!”

            E Sasuke conseguia lembrar bem do quão desacostumado ficou quando seu irmão já não tinha tempo nem para ele, porque aquela sensação foi uma das piores que já sofreu; não gostava de ser ignorado pelas pessoas que ele considerava importantes e Itachi foi importante. Itachi foi o mais importante, por muito tempo.

            Ainda era.

            Toda sua vida miserável destinava-se a superá-lo, matando-o em seguida. Sasuke não queria se desviar desse foco. Ele precisava ser desorganizado. Se não o fosse, ele acabaria encontrando mais tempo para ficar ao lado de Naruto e Kakashi, talvez até conseguisse ficar mais tempo na presença de Sakura, se ela parasse um pouco com essa obsessão que tinha para com ele. Sasuke não conseguia corresponder os sentimentos dela por ele, não da forma como ela ambicionava.

            Se Sasuke fosse organizado, ele certamente iria jantar lámen todos os dias ou mesmo deixaria a solidão do bairro Uchiha para dormir na casa do perdedor, implicando pela sujeira habitual da casa do outro, embora a sua própria casa não fosse tão diferente afinal. Talvez não se importasse de aguentar a tagarelice de Sakura enquanto a acompanhava até sua casa após as missões, assim assegurando-se de que a amiga estava bem. Certamente, ele também encontraria um tempo para caminhar com Kakashi e conversarem algum assunto irrelevante; talvez ele até lesse o tal icha icha escondido.

            Ás vezes, de todo o seu coração, Sasuke queria encontrar esse tempo e gastá-lo dessa forma. Ficando até mais tarde com os integrantes do seu time, implicando com Naruto, recebendo conselhos de Kakashi e ouvindo Sakura tagarelar ao seu lado.

            Naruto lhe fazia desejar isso quase o tempo todo. Porque era bom demais não ser tão sozinho, não ter uma vida tão miserável. Era bom ficar ao lado de seus companheiros de time, mesmo que as vezes houvessem desavenças; a verdade é que ele gostava demais de qualquer coisa que envolvesse seus amigos. Ele gostava da vivacidade de Naruto, da tranquilidade e Kakashi e, céus, ele até passou a suportar Sakura, porque apesar de parecer superficial, a menina realmente se importava com ele.

            As vezes ele queria tanto isso que chegava a doer. E então Sasuke lembrava de Itachi, todas aquelas memórias agridoces;        Sasuke voltava ao foco. 

            E somente quando ele voltava ao foco, à destinação de toda a sua mágoa e rancor que ele percebia que a tranquilidade que a convivência com seu time lhe trouxe desviava sua atenção do foco principal: matar Itachi. Por isso, Sasuke precisava tentar, pelo menos tentar, não fazer vínculos tão profundos com seus companheiros de time. Mesmo que inconscientemente, já estivesse ligado a todos eles.

            Assim, só lhe restava invejar Itachi e esperar o dia em que poderia gastar o tempo da forma que desejava. Nem que para isso ele precisasse afundar em seu próprio mundo sombrio.

Sakura jamais sonhou que Sasuke podia ser tão frágil.

Kakashi nunca comentou o que descobriu.

Naruto teria gostado de saber. Muito.

Sasuke se arrependeu.

(Mas ele não voltava atrás numa palavra dita)