Durmo na sala mesmo, um tempo depois de ver todas as entrevistas com o Caesar. Como sempre, tenho sonhos esquisitos... dessa vez pesadelos.

Eu imagino a cena nojenta da mãe do Cato com a língua na boca do meu pai. Acordo suando aterrorizada e quando percebo, já está clareando.

Uma coisa boa dos Jogos Vorazes é que se na família, de um dos escolhidos pra representar o distrito na arena, tiver um estudante, ele fica uns dias em casa até o final dos Jogos ou até a morte... mas eu tenho certeza que ficarei até o final dos Jogos.

Me levanto e tomo cuidado com meu pé machucado, caminho na direção da porta e devagar saio de lá pra ver como minha casa está, consigo ver da entrada que não aconteceu boas coisas... a janela está quebrada e com gotas de sangue. Não penso duas vezes, corro pra lá e ao abrir a porta, encontro minha mãe no chão com olhos vermelhos e as mãos ensanguentadas.

- Mãe?! - eu a sacudo desesperada. - Mãe por favor, fala comigo!

- Bianca... Clove? - ela murmura enquanto abre os olhos totalmente vermelhos.

- Tô aqui, mãe...

- Filha... - ela me olha e me abraça. - Graças a Deus que está bem! - ela chora durante o abraço e me aperta com força.

- O que aconteceu?

- Eu e seu pai brigamos, só isso.

- Mãe eu não sou mais uma pirralha, me fala!

Ela engole em seco e se afasta, fita as mãos ensanguentadas e tenta limpá-las, ao olhar perto de sua testa encontro um roxo enorme.

- Seu pai se descontrolou, brigamos... bem você deve imaginar o que aconteceu.

- Então nós temos que avisar aos Pacificadores imediatamente! - exclamo.

- Não, querida, não será necessário. Estamos bem, não estamos? - ela sorri fraca.

- E suas mãos? A janela quebrada, tem gotas de sangue por toda parte!

Ela começa a chorar, geralmente eu desprezo os chorões mas ela... é minha mãe e eu entendo o motivo.

- Se eu te contar... você não vai contar a ninguém, você e sua irmã são as únicas que saberão. - ela disse friamente.

- Tá.

- Prometa que guardará segredo?

- Prometo. - digo com sinceridade.

Ela me leva a um rastro de sangue, que acaba no porão. Ela abre a porta e nós entramos. Ao acender a luz, vejo sangue por toda a parte, uma das facas foi parar no corpo de alguém, identifico bem... meu pai.

- Você... você o matou? - pergunto sem saber se estou triste ou feliz.

- Eu tive - ela chorou - ele me xingou, ofendeu demais! Me bateu e bem... estávamos perto da cozinha. Entende o quanto isso é grave? Se alguém souber, eu morro ou viro Avox ou uma Pacificadora. - ela chorou mais ainda e caiu no chão, me agacho a ela e a abraço.

- Você entende o seu erro... mas foi auto defesa, certo? - ela assenti. - Então, prometo que ninguém nunca saberá.

- E o corpo? Onde colocamos?! 

Já não gostei mais ainda da história, "nós"? Eu agora sou cúmplice, se ela se der mal eu vou estar ferrada também... Pacificadora Clove... seria terrível.

- Na floresta, é claro! Só precisamos ir de madrugada e depois faremos isso.

- Mas eu sou muito barulhenta, não sei ir devagar e sem fazer barulho, eu iria começar a chorar.

- Então eu faço isso.

Ela me olha com tristeza e me abraça de novo.

- Me perdoe por te colocar nessa confusão, querida, eu prometo que eu pago todo o preço.

- Não, eu que comecei essa história, eu pago o preço.

Depois de muito tempo de ouvi-la como ele a atacou, faço o curativo nela e ponho o cadáver do meu pai dentro de um saco preto. Treino no centro de treinamento dando sustos em Leance chegando sempre na espreita, é uma forma de treinar pra hoje a noite, já que se eu errar, eu pagarei um alto preço. 

vejo Cato treinar enquanto treino também, mas ele evita me olhar por causa da nossa confusão.

Depois de um tempo, vou pra casa e assisto o início dos Jogos com a minha mãe, precisei dar calmantes a ela, a coitada tremia e chorava o tempo todo. Dei uma dose de calmante bem forte pra ela dormir, já basta o que aconteceu ontem.

5...4...3...2...1.

Os tributos correm, uns na direção da cornucópia, poucos pra longe. Bianca foi rápida dando socos nos outros, ela pegou o estojo de facas. Isso! A vejo tacar uma faca em um garoto, ele morre na hora em que cospe o sangue. Ela tenta matar a idiota do 12, nunca fiquei tão feliz. Infelizmente ela não consegue, perde uma faca.

Ver a Bianca se juntando aos Carreiristas é ótimo! Me fez esquecer tudo e me orgulhar dela. 

Quase de madrugada, como rapidamente e depois espero. Por volta das 1:30 da madrugada eu pego o corpo e uma pá e saio de casa, o lado bom disso é que minha casa fica ao lado de outras e é num local bem escuro, nem eu consigo ver muito bem pra onde estou indo.

Quase fui pega por uns garotos mas corri. O corpo pesava muito e eu tinha que fazer silêncio. A parte mais difícil foi ir pra floresta, tive que passá-lo pela cerca sem eletrocutá-lo, foi bem difícil, demorei uns 20 minutos pra fazer isso.

Não suporto a ideia do meu pai morto, evito chorar mas é complicado... um idiota ou não ele é meu pai e eu não queria que isso terminasse assim. Bem... não sei se devo perdoar ou não minha mãe. Isso eu terei que pensar bem.

Ando uns 10 km longe da cerca e começo a cavar tentando ser o menos barulhenta possível, consigo fazer uma pequena cova mas preciso de mais. Meus braços doem e eu tento ir rápido e em silêncio.

- Ai caramba... - digo cansada.

Não consigo terminar nem tão rápido, quando consigo olho pro lado mas não vejo o corpo. Cadê?!

- Procurando isso? - vejo das sombras surgir um garoto alto e forte carregando a sacola com o cadáver, seu rosto está sério e me fitando, os olhos completamente vazios.

Eu conheço ele, como conheço.