— Vocês têm certeza de que ela está bem? Ela parece tão... – Era difícil encontrar a palavra certa, aquela garotinha parecia que podia se quebrar a qualquer momento.

— Ela parece frágil, não é? Essa foi a minha parte na escolha. – respondeu Jared, com seu costumeiro ar de arrogância.

— Como é? – perguntei, tentando moderar a agressividade que podia escapar pela minha voz. Eu sabia que não tinha o direito de implicar com a escolha. Eu tinha abdicado dessa prerrogativa. Mas o que ele quis dizer com isso, afinal?

— Nós a observamos por dias – explicou Mel. – E cada um de nós achou que ela preenchia um requisito que achávamos essencial. Eu queria que ela fosse jovem, para que as chances de que pudesse haver vestígios de lembranças da hospedeira fossem mínimas.

— Ela parece bem jovem...

— Sim – Mel me interrompeu, continuando –, mas não é uma criança.

Quando ela disse isso, piscou para mim. Eu entendi o que ela quis dizer com essa piscada, mas simplesmente não sabia o que fazer com essa informação. Esta aqui era só uma garotinha.

Jared pareceu perceber meu embaraço e continuou a fala de Mel, explicando qual era o requisito que ela tinha preenchido para ele:

— Ela parece extremamente inofensiva, indefesa. Quando sairmos em incursão, esse rosto não correrá nenhum perigo.

Isso era mesmo. Eu já conseguia me ver querendo fabricar uma bolha para colocá-la dentro. É, acho que não haveria incursões tão cedo para esta aqui. Ao menos, no que dependesse de mim.

— Ela parece um anjo, não é, Ian? – perguntou Jamie. – Eu queria que ela se parecesse com a personalidade de Peg. Que fosse tão bonita quanto ela. O que você achou?

Jamie tinha razão. Aquele pequeno anjo, tão frágil, mas com encantos poderosos, parecia feito para abrigar minha Peregrina. Eu me vi sorrindo para ela, sem conseguir afastar os olhos de seu rosto pequenino.

Mel afagou o rosto dela, já parecendo apegada à sua nova irmã. Então, vendo meu sorriso, ela disse:

— Ela está bem. Só está muito dopada. Nós preferimos assim para não assustá-la. Além disso, não queríamos correr o risco de nos apegar a Pet.

— Pet?

— Pétalas para o Sol. Esse é o nome dela.

Uma flor! Toda ela parecia mesmo uma flor.

— Você sabe que Peg vai detestar estar tomando o lugar dela, não sabe?

— A gente lida com isso depois – respondeu Mel, pragmática como Peg jamais parecia conseguir ser. – Vamos cuidar bem de Pet e ela vai voltar para o planeta das flores. Peg não vai poder nos acusar de nada.

— Sei...

— Bom, eu não me importo se ela vai ficar brava. Ela vai ter que superar isso. Nós vamos acabar de chegar e chamar o Doc. Você se importa de ficar aí com ela?

— Não, claro que não! – eu disse logo, segurando aquela mão pequena que cabia quase inteira na minha palma. – Ei, Mel?

— Sim?

— Obrigado. A vocês três.

— Tudo bem – Jamie respondeu.

Jared assentiu e Mel sorriu antes que os três saíssem pela porta, me deixando sozinho novamente.

Fiquei observando a menina. Não era bem uma menina, era uma moça. Só que parecia extremamente jovem. Eu não sabia como me sentir em relação àquele corpo. Sim, ela era linda, mas era necessário me acostumar com o fato de que seria preciso olhar através dela para reconhecer meu amor. Um amor que tinha nascido dedicado a outro corpo.

Eu não queria fazer comparações, pois sabia que Peg não gostaria disso. Além do mais, agora que Mel era minha amiga, eu a olhava com um novo tipo de respeito. Mas era tudo muito estranho e surreal para mim. Achei que ao menos a título de reconhecimento, eu poderia me permitir, só daquela vez, fazer um pequeno “inventário” das diferenças que havia entre as duas encarnações de Peregrina em minha vida.

Melanie tinha traços fortes, pele morena e olhar selvagem. Naquele rosto, as expressões suaves de Peregrina formavam um belo e impossível contraste. Eram como fogo no mar. Este rosto era arredondado, de traços delicados. Uma boca pequena, com jeito de que se curvava constantemente em sorrisos inocentemente provocativos. Grandes olhos... Qual seria a cor? Não importava. Eu já conseguia vê-los se preenchendo com a doçura de Peregrina quando se abrissem. E queria imaginá-los se abrindo para mim com um brilho prateado ao fundo de sua cor, fosse qual fosse.

A pele era alva, com sardas em torno do nariz e um rubor natural que era quase como o cheiro do sol no rosto dela, uma cor que combinava perfeitamente com o tato. Ao tocá-la, eu sentia minha mão se misturar àquela textura, como se simplesmente se deixar tocar fosse um carinho. Ela era mesmo como uma flor, uma rosa branca.

Mel era alta e tinha um corpo forte, com músculos possantes e bem delineados. Essa garota, não. Sua silhueta delicada e de formas arredondadas era o oposto disso. Era um corpo bonito também, mas de um jeito diferente. Mel tinha uma beleza de atleta. O novo corpo de Peg era como uma pintura, com linhas sinuosas e cores delicadas. Ela era pequena, mas curvilínea. Eu estava tentando não pensar nisso, mas era quase impossível não imaginar minhas mãos desbravando aqueles contornos intocados, pousando na curva acentuada daquela cintura.

Definitivamente, Jamie tinha razão. Esta garota era a perfeita forma humana para meu minúsculo anjo prateado. Eu já conseguia imaginar aquele corpo se mexendo na dança lenta e cadenciada que eram os movimentos de Peregrina. E o rosto delicado animado pelas infinitas expressões das emoções dela.

Mel era estonteante à sua maneira, você não conseguia escapar de olhar para ela uma segunda vez. Mas com esta garota, a primeira vez era eterna. Uma vez que a olhasse, não conseguiria mais parar. Ela parecia ter luz própria, do tipo que inconscientemente demanda atenção incondicional e te cega para as outras coisas. Era como um pequeno Sol. E as cores solares se espalhavam sobre os longos cabelos cacheados que emolduravam aquele rosto.

Sim, eu podia me apaixonar por ela.