A Hospedeira - Antes e Depois da Chuva escrita por Rain


Capítulo 8
Capítulo 8 - Decisão


Notas iniciais do capítulo

Neste capítulo, a história se intercala com a da fic Luz do Sol Através do Gelo, que também é minha. Não é necessário lê-la para entender o que acontece aqui. No entanto, eu ficaria contente se você lesse.



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— É difícil dizer, Kyle. Cada corpo reage de um jeito.

— E como o corpo da Jodi está reagindo, então?

Doc estava às voltas com a tarefa dolorosa de explicar a Kyle que o corpo de Jodi estava em perigo. Quando ficou claro que ela não acordaria no primeiro dia, ele e Candy se empenharam em mantê-la hidratada. Lily, Heidi e Trudy também estavam ajudando e eles todos se revezavam na tarefa de fazê-la beber alguma coisa, sempre de hora em hora. Enquanto um a colocava sentada para que a gravidade fizesse sua parte, o outro colocava água em pequenas quantidades na garganta dela, através de um pequeno tubo improvisado. À noite, Doc e Kyle levantavam algumas vezes para fazer essa tarefa. Até eu já tinha ajudado.

Além disso, todo o nosso estoque de leite e suco tinha sido trazido para cá, a fim de tentar dar a ela algum tipo de alimentação. Essa parte era mais difícil. A garganta dela nem sempre aceitava o líquido mais espesso. Era preciso colocar em quantidades mínimas para evitar que ela se engasgasse.

As mulheres eram encarregadas da higiene dela e Doc estava dizendo para Kyle que elas repararam que suas roupas estavam cada vez mais limpas. Mesmo naquele calor intenso, ela não suava. E as outras funções estavam cada vez mais escassas. O corpo dela já quase não eliminava mais líquidos. Isso era péssimo sinal!

— Há uma série de fatores envolvidos – explicava Doc. – O metabolismo dela é importante. Estou imaginando, pelo tempo que ela está aguentando, que ela não tinha o costume de ficar comendo toda hora.

— Não, ela comia bem, mas não procurava comida toda hora.

— Isso é bom, significa que o metabolismo dela é mais lento na queima de energia e ela não precisa se alimentar com uma frequência grande. No entanto, ela é uma mulher pequena, não tem muita gordura para queimar. Não temos uma balança, mas a perda de peso é visível.

— Mas vocês estão dando as coisas para ela!

— Não é suficiente. No calor que faz aqui, o corpo se desidrata mais rapidamente e quase todo o líquido que ela consome é para evitar isso.

— E se eu conseguisse soro ou algo assim? Posso sair numa incursão e voltar em pouco tempo.

— Já estamos dando soro caseiro, embora o outro certamente fosse mais fácil administrar se você conseguisse o equipamento intravenoso. E Candy me disse que as Almas têm uma medicação chamada Nutrir, que seria útil para ela. Mas como você vai sair? Não tem nenhuma Alma para conseguir isso para você. No instante em que você entrar num hospital deles, todos nós estaremos em perigo.

— Quanto tempo ela aguenta? Será que ela aguenta até Peg voltar?

— Essas coisas são imprevisíveis. Ela pode ficar viva durante muitos dias ainda. Ou pode não passar do dia de amanhã...

Um calafrio percorreu o corpo de Kyle. Ele não chorava com frequência, mas eu podia detectar lágrimas em sua voz, mesmo que ele desviasse o olhar para que eu não visse seus olhos. Tentei não me meter, nem impor minha presença. Eu já tinha feito a minha parte e isso tinha sido o suficiente para que ele ficasse bastante chateado comigo. Doc, entretanto, continuou fazendo a sua. Como médico, ele tinha que pensar na paciente. Já tinha sido insensato demais levando os sentimentos de Kyle em consideração. Ele pôs a mão no ombro de meu irmão e colocou em questão algo em que todos nós já havíamos pensado, mas ninguém sabia responder:

— Eu sou um homem da ciência. Esta parte é metafísica demais para mim. Mas eu venho me perguntando... Se Sunny não está mais aí e Jodi talvez não esteja, como um corpo pode sobreviver estando vazio? Eu nem sei pela vida de quem estou lutando aqui.

Todos nós ficamos mudos. Não havia nada a dizer sobre um assunto tão delicado. Mas Kyle tinha muito no que pensar. E era isso que ele estava fazendo quando Doc quebrou o silêncio:

— Façamos o seguinte, Kyle. Jodi está estável. Estou certo de que ela ficará bem até amanhecer. Você precisa de um tempo para pensar e eu preciso dormir. Além disso, precisarei da ajuda de Candy para a cirurgia. Se for isso que você quiser. Mas, Kyle, sinceramente, não vejo outra opção.

Doc se retirou silenciosamente para seu canto e eu para o meu. Logo pude ouvir um ressonar tranquilo de novo. Junto com esse som, havia mais outro. Um que eu só tinha ouvido nas noites que se seguiram à morte de minha mãe.

********

Quando amanheceu, Kyle estava decidido. Eu sabia que ele não tinha dormido o resto da noite, porque eu também não tinha. Bem que eu queria, mas não tive coragem de me mexer para ir para o quarto. Fiquei deitado de lado, olhando para a parede, tentando dar a ele um pouco de privacidade.

Eu sabia que ele estava sofrendo, mas quando Doc acordou, Kyle vestiu sua cara de ogro e determinou:

— Vamos trazer Sunny de volta.

Candy chegou logo e Trudy também veio, ficando por perto para ajudar quando Sunny acordasse. Eu me mantive afastado, para não atrapalhar. Já bastava um O’Shea com os nervos em frangalhos espreitando cada movimento de Doc.

Quando o corpo estava pronto, Candy abriu o criotanque e retirou Sunny. Ela olhou para a fita prateada e se arrepiou. Uma delas já tinha estado em seu corpo e a experiência para ela não tinha sido nada boa. Eu estava tentando não me meter, mas não pude resistir. Achei que Sunny precisava de um pouco mais de respeito.

— Olhe para ela, Kyle. Veja como ela é linda!

— Sim. Ela é mesmo linda.

Então ele a pegou das mãos de Candy e a passou para Doc, observando maravilhado a vida dela se espalhando no corpo que ele amava.

Assim que o corte foi fechado e eles endireitaram o corpo, o rosto começou a adquirir vida. Os olhos de Sunny começaram a se mexer de um lado para outro embaixo das pálpebras, mas ela não os abriu.

— Doc, acho que ela acordou, mas ela não abre os olhos – disse Kyle, preocupado.

— Calma, demora um pouquinho para ela voltar completamente à consciência. Além disso, ela está muito fraca.

Alguns minutos se passaram antes que Sunny abrisse os olhos e sorrisse. Ela tentou se mexer, mas não conseguiu.

— Você está bem? – perguntou Kyle.

Sunny tentou responder, mas sua garganta devia estar tão seca que o esforço desencadeou um acesso de tosse.

— Calma, calma – disse Doc. – Kyle, ajude-a a se sentar. O acesso de tosse vai passar mais rápido. Trudy, traga um pouco d’água.

Kyle pôs um braço ao redor dela e a puxou para cima. A tosse parou por uns segundos e Trudy trouxe um pouco de água. Ela bebeu, de início aos pouquinhos, depois a garrafa toda. Ainda assim, sua voz saiu áspera:

— O que está acontecendo?

Kyle explicou tudo a ela. A pobrezinha nem sequer sabia que já tinha partido e estado fora por tanto tempo. Imaginei como seria voltar e ter seu corpo tão fragilizado. Eu esperava que o corpo que Mel escolhesse para Peg não a fizesse passar por tanto sofrimento.

Talvez Kyle tenha sido o único que não percebeu o quanto seu rosto estava cheio de tristeza. Não tinha as boas-vindas que Sunny merecia. O rosto dela escureceu também, numa expressão toda particular que eu nunca tinha visto no rosto de Jodi.

— Eu vou continuar tentando. Vou continuar procurando por ela, tentando ouvir a voz dela dentro de mim.

Ah, cara! Isso está sendo duro de assistir.

Ele sorriu e afagou o rosto dela com a mão livre.

— Estou com fome – disse Sunny, sem causar surpresa.

Kyle tentou ajudá-la a se alimentar com a sopa rala que Trudy fez, mas aquilo tudo tinha sido demais para ele. Doc percebeu que ele precisava de um tempo e inventou uma desculpa que soou plausível para todos, inclusive para o próprio.

— Nada disso, Kyle. Você não dorme há muitas horas e precisa descansar um pouco. Além disso, assim que Sunny se sentir melhor, Trudy vai levá-la para andar um pouquinho e se limpar na sala de banhos. Ela precisa movimentar os músculos um pouco. Pode ir — ele insistiu, quando Kyle não se moveu. – Ela vai ficar bem e vai precisar que você esteja forte para ajudá-la.

— Tudo bem, então. Você vai ficar bem, Sunny – ele disse antes de ir embora.

Abençoado seja Doc! Nestas alturas, eu já o tinha perdoado. Como não poderia? Sorri para ele e assenti devagar quando ele me olhou, para que ele soubesse que estava de novo tudo bem entre nós.

Kyle também tinha me perdoado. Antes de sair, ele desmanchou meu cabelo, repetindo o gesto que, na nossa linguagem de irmãos, queria dizer que tudo ficaria bem entre nós. Em resposta, olhei para ele de um jeito que o deixava saber que eu compartilhava sua dor.

Passei o resto do dia observando os cuidados que todos estavam tendo com Sunny. Alimentando-a devagar e com a moderação necessária a seu estômago fragilizado, ajudando-a a movimentar seus músculos dormentes aos poucos. Lily e Heidi tinham vindo todas as manhãs para fazer uma espécie de fisioterapia nela, por isso não foi tão difícil. Doc disse que era o que se fazia nos hospitais com os pacientes em coma. Eu observava tudo e tentava aprender o máximo possível, temeroso de que esses cuidados tivessem que ser repetidos com Peg.

Um dia inteiro se passou e Kyle não apareceu. Sunny estava ocupada com tudo que seu corpo estava tendo que suportar, mas eu via os olhos inquietos dela. Eram olhos doces como os de Peg, e eu me peguei simpatizando imediatamente com ela. Quando a noite chegou, Jeb e Trudy levaram Sunny para fora. Doc os seguiu para se certificar que tudo ficaria bem.

Eu estava sozinho e perdido em meus pensamentos, quando uma voz familiar se projetou pelo corredor.

Mel!

Nem tive tempo de sentir nada antes que Jared irrompesse pela porta carregando um pequeno corpo nos braços.


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Notas finais do capítulo

Não quero ser "pidona", mas se você leitor(a) achar que a história está boa, pode deixar uma recomendação? Não se sinta obrigado (a), no entanto. É apenas uma sugestão...