Num final perfeito, ao fim daquela noite eu tomaria Peg nos braços, sairíamos apaixonados sob a luz do luar e seríamos felizes para sempre.

Mas aquele não era o final e o mundo não era um lugar perfeito. Então, em vez de Peg, eu me vi quase carregando Jamie para o quarto. O pirralho tinha se empenhado tanto nos cuidados com ela que estava agora literalmente caindo de sono.

Depois que Peg acordou, no começo da noite, Jamie e eu tínhamos ficado quase o tempo todo ao lado dela. Nós ajudamos em tudo o que pudemos e esperamos pacientemente do lado de fora enquanto Mel e Sunny ajudaram Peg a tomar um banho e vestir-se com roupas limpas.

Ficamos todos acordados até o meio da madrugada, quando Peg finalmente sucumbiu ao cansaço e dormiu também.

— Você vai ficar aqui, Ian? – perguntou ela, pouco antes de fechar os olhos.

— Você quer que eu fique aqui com você?

— Na verdade, não. Aposto que você precisa descansar.

— Eu posso descansar aqui, como tenho feito quase todas as noites.

— Não, não quero que vocês se cansem demais. Sei que é muito tarde e vocês todos devem estar com sono. Vou ficar bem aqui com Doc.

Nunca vou estar cansado demais para estar ao seu lado, eu quis dizer, mas Peg já tinha afundado no sono quase que imediatamente depois de terminar a frase. Mel deu um beijo na testa dela e segurou a mão de Jared começando a escoltá-lo para fora. Com a outra mão, ela segurou brevemente a minha e me olhou com seus olhos cansados, sorrindo. Eu sorri de volta e dei uma batidinha no ombro de Jared, todos nós felizes, cansados e aliviados.

— Você precisa de ajuda com alguma coisa? – perguntou ele.

— Não. Está tudo bem – respondi.

— Qualquer coisa eu estou aqui. Nós vamos ficar, não é, Ian? – perguntou Jamie em meio a um bocejo.

— Nada disso, Jamie — Mel retrucou. — Você já está com muito sono e vai dormir em 30 segundos, se eu te conheço bem. Cansados como estamos, nenhum de nós vai ser útil aqui. Foi um dia agitado.

— Táá booom, Meeel! – disse Jamie, arrastando as palavras mais por sono do que por teimosia.

— Pode deixar, Mel. Eu faço ele ir para o quarto.

— Ok. Obrigada, Ian. Nos vemos amanhã.

Mel e Jared saíram. Sunny já tinha ido embora pouco antes, porque Kyle tinha vindo buscá-la para levá-la ao quarto de Lily e Heidi, onde ela estava dormindo. Os dois mal ficavam separados agora, mas Kyle ainda estava trabalhando num novo quarto para eles, já que o nosso estava sendo ocupado por mim e por Jamie também.

Meu irmão não falava a respeito, o jeito dele de lidar com as emoções sempre tinha sido fingir que elas não existiam, mas eu sabia que ele estava sofrendo. Sunny dizia a ele que estava procurando por Jodi, mas todo mundo sabia que Jodi não existia mais. Ele também sabia. Kyle era muitas coisas, mas não era burro. No entanto, ninguém melhor do que ele sabia convencer a si mesmo de que era.

Se Jodi voltasse um dia ele estaria em sérios apuros, porque eu já podia ver aquele olhar de apaixonado na cara dele, quando achava que ninguém estava olhando. Ele olhava constantemente para Sunny quando ela estava distraída e, mesmo tentando se fazer de durão, se derretia todo quando ela estava por perto. Todo mundo esperava que ele superasse logo o luto e admitisse que poderia ser feliz de novo. Mas eu sabia que não era fácil. Tentar dizer isso a ele seria inútil. Ele teria que descobrir por si mesmo.

— Vocês dois podem ir dormir. Agora que Peg acordou, ela vai ficar bem. Eu estarei aqui caso ela precise – disse Doc.

— Não, não. Eu só vou levar o Jamie até o quarto e já volto para ficar com vocês.

— Quê? Eu não preciso de babá, Ian. Pode deixar que eu vou sozinho – protestou Jamie enquanto se virava às cegas e dava de encontro com um catre, fazendo o maior barulhão.

— Shh! – dissemos Doc e eu ao mesmo tempo, enquanto apontávamos para Peg que, felizmente, nem se mexeu em seu sono.

— Desculpe! É que isto não estava aqui agora há pouco!

Sim, há uns dois meses estava mesmo em outro lugar!

— Sei, sei. Mas colabora comigo, vai pirralho! Você me ouviu prometendo à sua irmã que ia te levar para o quarto. E você sabe muito bem como ela vai ficar se descobrir que eu não fiz isso.

— Sim, Mel tem olhos e ouvidos em todos os cantos! Não dá para esconder nada dela – gracejou Jamie, dando uma risadinha que dizia “eu não estou brincando”.

— Então é melhor a gente não dar motivo para levar bronca – disse eu, enquanto passava o braço em torno do garoto, conduzindo-o para que ele não derrubasse mais nada.

Doc já ia se acomodando no seu canto enquanto resmungava:

— Primeiro, Kyle; depois você. Meu hospital não é hotel, não!

— Oh, Doc! E eu que pensei que você me amasse! Assim você parte meu coração! – brinquei, para que ele parasse de rabugices.

— Claro, claro. Sou seu maior fã. Volte à hora que quiser. Eu não mando mais em nada mesmo!

Eu já tinha aprendido que estar com sono deixava Doc de mau humor, algo estranho para um médico. Mas eu podia entender. Nenhum de nós dormia muito bem há vários dias, cuidando o tempo todo do corpo que seria de Peg.

Jamie caminhava quase que de olhos fechados, gastando toda sua energia restante para pôr um pé na frente do outro. Mel tinha tentado manter a rotina dele normal: escola, trabalho e sono. Mas o moleque não era mais criança e Mel estava longe de conseguir controlá-lo como gostaria. Ele tinha estado tão ansioso pela volta de Peg que ficava matraqueando até tarde quando eu estava no quarto. Pelo menos até Kyle acordar e mandá-lo calar a boca.

Na noite anterior, ele nem saiu do hospital, preocupado que estava quando eu disse que Sol estava perdendo muito peso. Ele dormiu um pouco pelos cantos, mas não muito bem. E isso tinha me custado um beliscão de Mel e uma tremenda cara de mau humor que só se dissipou quando Jared a lembrou que eu não tinha obrigação nenhuma de cuidar de Jamie.

E não tinha mesmo, mas aqui estava eu, impedindo-o de cair de cara no chão e ficar ali mesmo dormindo até Mel achá-lo com os dentes quebrados no dia seguinte. Isso sem contar que agora tinha outra irmã mais velha para ficar no pé do garoto e no meu também.

Homens! É só achar uma mulher por quem a gente queira ser controlado, que já vamos logo devolvendo a carteirinha de macho e tirando uma nova de capacho! Mas tudo bem, a partir de amanhã Peg poderia mandar em mim pelo resto da vida que eu ficaria feliz em obedecer. Eu só tinha que descansar um pouco antes...

Quando chegamos ao quarto, Kyle já estava no sétimo sono. Jamie desabou sobre o colchão que tinha trazido para cá e adormeceu na mesma posição em que caiu. Eu me deitei só por um instante no meu próprio colchão, estranhando a ausência do tanque de Peg em meus braços. Ia descansar só uns instantes antes de ir vê-la, lembro-me de ter pensado antes que tudo ficasse escuro demais para continuar raciocinando.

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Naquela noite, sonhei com o sol. Eu boiava na água de um mar tranquilo, despreocupado com para onde as ondas pudessem me levar. Cabelos ondulantes dançavam sobre as águas, escapando dos meus dedos quando eu tentava tocá-los. Olhei para o sol no horizonte e ele preencheu minha visão. Até que nuvens se interpuseram e obscureceram sua luz.

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Acordei pela manhã com uma sensação estranha. Já era tarde, pelo jeito, o sol estava alto visto pela abertura da caverna. Jamie e Kyle não estavam mais no quarto. Meu corpo acordou aos poucos, mostrando-me em detalhes o quanto ele estava me castigando pelas noites mal dormidas e pela tensão em que eu tinha mantido meus músculos nos últimos tempos. Cada parte de mim doía numa intensidade diferente.

Eu me sentia como se tivesse estado numa luta. E, de certa forma, tinha mesmo. Eu tinha lutado e vencido. Por isso a sensação estranha. Era felicidade misturada com ausência. A ausência do propósito que tinha motivado cada uma das minhas ações e tomado conta dos meus pensamentos: trazer Peg de volta.

Nós tínhamos conseguido. Ela estava de volta. Estava segura e feliz ao nosso lado. Eu não precisava mais lutar. Tudo o que precisava fazer agora era apreciar a minha vitória. Por isso, decidi me preparar com calma para encarar o primeiro dia de minha nova vida. Fui até a sala de banhos e me pus apresentável. Depois fui até a cozinha, desviando deliberadamente de qualquer caminho em que pudesse encontrar Jeb, já que tinham acabado minhas desculpas para não trabalhar.

Pensei em levar algo para Peg e tomar o café da manhã com ela, mas deduzi que, àquela hora, alguém já teria feito isso. Por isso, comi sozinho e o mais depressa que pude, engolindo bocados rápidos que ajudavam a empurrar para baixo o bolo que a ansiedade fazia em minha garganta.

Quando estava pronto, me dirigi ao hospital. Tentei não formar nenhuma expectativa de como seria este nosso encontro, mas foi impossível. Eu já podia sentir o calor de seu novo corpo em meus braços e o gosto novo de minha boca sobre a dela. Um sorriso se formou em meu rosto quando ouvi a risada melodiosa que preenchia o corredor enquanto eu me aproximava.

Peg estava com Jamie, sentada numa cadeira e dando pequenas mordidas em um sanduíche quando conseguia parar de rir das palhaçadas que ele fazia. Os olhos dela estavam brilhantes e as bochechas coradas por causa das risadas. Ela era simplesmente a coisa mais linda que eu já tinha visto.

— Bom dia, Bela Adormecida. Seu sono de beleza parece ter funcionado. Você está mais linda do que nunca – eu lhe disse sorrindo.

Peg levantou os olhos para mim, surpresa. Em seguida, os baixou e ficou olhando para os pés, com o rosto ainda mais vermelho do que antes.

— Ah, bom dia, Ian. Eu não te acordei porque percebi que você estava muito cansado – disse Jamie quando me viu. – Obrigado por ter me levado para o quarto ontem. Nem me lembro como cheguei lá – disse ele constrangido, coçando a nuca. — Sabe, Peg, estou dividindo o quarto com Ian e Kyle agora.

— Que bom, Jamie! Obrigada por cuidar dele, Ian – disse ela timidamente, ainda sem olhar para mim.

— Você tem que agradecer é por ele cuidar de você, Peg. O Ian ficou com você o tempo todo. Ele e Mel até ficaram amigos de tanto tempo que passaram juntos cuidando de você.

Peg fez uma cara estranha quando Jamie disse isso. Ela olhou para o outro lado e disse com uma voz sumida.

— Obrigada. Fico feliz em saber que você e Mel são amigos agora. Eu não achei que isso fosse acontecer tão rápido.

— É fácil quando a gente quer a mesma coisa. Nós dois queríamos você de volta.

Eu segurei a mão dela e ela olhou rapidamente para mim, sorrindo um pouquinho, mas logo desviou o olhar de novo. Pensei em beijá-la, mas ela retirou rapidamente a mão da minha quando viu alguém na porta. Seus olhos arredios se firmaram em um ponto e se iluminaram.

Melanie e Jared tinham acabado de entrar.