Coletânea escrita por Luana Santiago


Capítulo 5
Quinto


Notas iniciais do capítulo

Aposto que muitos de vocês já tinham perdido as esperanças, né? Mas cá estou eu, dando uma de Mamãe Noel e presenteando-os com este... Presente?
ROU ROU ROU FELIZ NATAL ROU ROU ROU. Tudo bem, eu não tenho créditos para tentar ser legal com nenhum de vocês. Podem me xingar, eu entenderei.
Por enquanto vou poupá-las/poupá-los de um grande pedidos de desculpas, mas, espero todo mundo lá embaixo, sim?
PS: A Katniss comenta que o aniversário da Prim é no fim de maio, no caso, 31 de maio - Que por sinal é o dia do meu aniversário também xD



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O passado da caçadora – Parte 1

Eu sabia que seria um dia ruim desde o momento em que acordei gritando nos braços de Peeta. Agi irracionalmente quando o empurrei e estapeei meu próprio corpo, tentando apagar as cicatrizes de queimaduras. Foi o primeiro pesadelo em três meses, e, com uma troca de olhares rápida, soubemos ali que os dias perfeitos e pacíficos haviam chegado ao fim.

– Katniss... - Levanta as mãos e dá um passo em minha direção. Desabo no chão e puxo meus cabelos, que estão longos novamente. É injusto que Peeta tenha que passar por isso, mas o passado nunca vai me deixar. Agora lembro-me das palavras de minha mãe ditas pelo telefone, há mais de um mês atrás: “O tempo cura tudo, Katniss” e percebo como ela está errada. Como o tempo pode curar tudo, afinal? Olhe para ela, definhando em um hospital no Distrito 4, incapaz de seguir com a própria vida por causa de perdas irreparáveis.

Deixo-o me envolver com seus braços fortes de novo e me levar de volta para a cama. Aqui, quando o silêncio da noite é interrompido pelo meu choro incessante, Peeta apenas afaga meus cabelos e sussurra palavras reconfortantes. Ele ainda é o melhor com elas, moldando-as com maestria e arrancando um sorriso involuntário dos meus lábios. Entretanto, ele não tenta nada desta vez.
Peeta sabe que é um dia ruim para mim e, consequentemente, para ele também.

Mal percebo quando meus olhos se fecham, mas estou ciente da fraca luminosidade prateada que atravessa a fresta da cortina. Um dia nublado que combina com a ocasião. Não é um sono sereno, de qualquer forma. A garota de madeixas louras ainda clama por mim enquanto eu fico assistindo sua dor, sem poder mover um músculo. A risada ensanguentada de Snow também decora estes pesadelos, enquanto Peeta grita quando uma equipe de médicos injeta mais veneno em suas veias.

Novas lágrimas molham meu rosto, porém, tenho o bom senso de não gritar desta vez. Quando abro os olhos, o garoto com o pão está lá, atento aos meus movimentos, indicando que não cochilou desde a madrugada.

– Você está bem? - Murmura e desliza o polegar na minha bochecha. Tento passar confiança a ele, mas ambos sabemos que sou uma péssima mentirosa. Eu estou em cacos e não preciso dizer isto em voz alta. Peeta sabe, como sempre.

– Você não dormiu – Observo e levanto o indicador para circular suas olheiras arroxeadas, elas não combinam com seu tom de pele claro. Ele apenas dá de ombros e me concede um sorriso desanimado.
Viver com Peeta durante cinco anos me ensinou algumas coisas. Ele já havia comentado muitas vezes sobre minhas canções, por isso, reaprendi a Canção do Vale apenas para fazê-lo dormir. É simples, porque ele ainda tem um pouco do menino inocente e puro de antes dos Jogos.

– Não! - Sibila quando tento fazê-lo deitar em meu colo. Finjo parecer ofendida e ele cede, provavelmente por causa dos meus olhos marejados e a expressão abatida. Brinco com seus fios dourados e, mesmo em um dia de chuva, os tordos se calam lá fora.

Peeta tenta resistir, mas sua exaustão o consome. Ele resmunga sobre como sou injusta por fazer isso e que um dia será imune ao meu encantamento. Milagrosamente, sua birra me faz dar breves risadas.

Desço com passos de caçadora, ciente de seu sono leve e fico estatelada na sala, esperando por alguém que não virá. Buttercup me assusta quando se esfrega nas minhas pernas e mia, pedindo comida. Encaro seus grandes olhos amarelos, perguntando-me se ele também sente falta dela ou se ele – um simples gato acabado – sabe que dia é hoje.

Uma memória toma minha mente: Prim risonha com Buttercup. Apenas ela poderia me fazer tolerá-lo, unir dois seres que, naturalmente, deveriam se odiar. E minha jovem irmã conseguiu, é claro. Acho que Prim tinha o mesmo dom de Peeta e ninguém conseguia resistir aos seus doces olhos azuis.

Eu a vejo em todo o canto. Eu a vejo correndo pela casa, eu a vejo escondendo minhas balas de menta, eu a vejo brincando com Lady enquanto a cabra lambe sua bochecha rosada, eu a vejo admirando os desenhos de Peeta perto da lareira, eu a vejo cuidando de uma pobre alma do Distrito 12.
Por fim, eu a imagino como uma adulta, caso sua vida não houvesse sido interrompida. Ela estaria completando 18 anos hoje, no dia 31 de maio. Talvez nem estivesse aqui comigo, encabulada demais por estar no meio de um casal recém-casado.

Prim já seria uma mulher, dona do próprio nariz e a melhor pessoa do mundo. Eu provavelmente estaria a procurando pelos hospitais, e, com mais alguns anos, minha irmã caçula carregaria o título de Dra. Everdeen. Sei que esse era seu maior sonho e ela provavelmente estava feliz em ajudar os outros na guerra, só que sua ingenuidade não contava com o excesso de má sorte de nossa família, e nem ela, nem nenhuma daquelas crianças, podiam prever o que estava guardado naqueles paraquedas prateados.

E eu não estava perto o suficiente para avisá-la. Ou arrancá-la das chamas, mesmo que fosse para viver com cicatrizes assustadoras, como as minhas.

Minhas pernas bambas me levam para o jardim, onde Peeta faz questão de renovar as prímulas cor-de-rosa. Está chovendo forte, mas a água gelada em contato com minha pele traz uma sensação boa, como se amenizasse minha dor ou algo parecido. Ajoelho no solo molhado e colho algumas flores, incapaz de arrancar todas. Dali mesmo, parto para a Campina.

Os sobreviventes do Distrito 12 não esqueceram as vítimas do bombardeio e, de tempos em tempos, os mais fortes aparecem aqui para prestar suas homenagens. Prim não está aqui, mas para mim está. Ela sempre pertenceu a este lugar e a Capital não é um bom lugar para se descansar. Não houve corpo para enterrar e foi melhor assim. Acho que eu não conseguiria viver com a imagem do cadáver que antes era minha irmã cheia de vida e esperança.

Às vezes sinto raiva por tudo que aconteceu, de todo o meu sacrifício, que de nada serviu. Prim morreria de uma forma ou de outra, indo para os Jogos ou não. Estávamos fadados a perdê-la, eu só adiei tudo e lhe dei a chance de conhecer um pouco além do 12.

– Katniss, querida... - A suave voz de Hazelle Hawthorne chega aos meus ouvidos e levanto a cabeça para vê-la me protegendo da chuva com um velho guarda-chuva preto. Não que vá adiantar, já que cada centímetro da minha roupa está molhado; Ela voltou para cá por conta própria, com seus três filhos mais novos. Quando a fui visitar pela primeira vez, ela disse que aqui era seu lugar, e não no Distrito 2, para onde Gale os levou por algum tempo.

Ela ainda é a mesma mulher forte e trabalhadora que criou com dificuldade meu melhor amigo, Rory, Vicky e Posy. De tempos em tempos a mulher nos visita, age como uma verdadeira mãe, mas respeita nossa privacidade. Ela ainda toma conta de Haymitch, principalmente quando ele está bêbado demais para alimentar os gansos. Ainda assim, ela está se adaptando ao novo Distrito 12, que em cinco anos mudou bastante, enquanto voltou para cá apenas no ano passado.

– Saia da chuva, sim? - Um sorriso gentil transparece em seu rosto trabalhado pelo tempo. Ela continua bonita com os traços da Costura. Seus olhos cinzas e misteriosos ainda me lembram muito de Gale.

Hazelle não reclama quando a abraço inesperadamente. De alguma forma, ela sabe que dia é hoje e a importância que ele tem para mim. Afinal, que outro motivo ela teria para vir à Campina em um dia de chuva se não me tirar daqui?

Voltamos com passos lentos para sua casa e ela trás uma xícara de chá e uma toalha. Fico brincando com a pequena colher, incapaz de encará-la. No momento em que eu levantar os olhos, ela irá ver a acusação. É injusto com Hazelle, condená-la pelos pecados do filho.

– Eu entendo você, Katniss – Suas mãos ligeiramente enrugadas vagam pela mesa e finalmente encontro coragem para olhar seu rosto. Ela está pacífica, é claro. Não há raiva em seus olhos, como eu imaginei que haveria. - Ele também se sente culpado, não tenha dúvidas disso.

Nunca tivemos a oportunidade de conversarmos sobre isso desde que chegou, eu mesma prometi que Gale ficaria no passado, uma vez que escolhemos seguir caminhos diferentes. É irracional culpá-lo pela morte de Prim, mas ambos sabíamos que ele carregaria esse fardo pelo resto da vida e não sou eu quem irá livrá-lo dele.

– Ótimo – Digo no meu melhor tom frio. Gale sabe o que fez e isto me consola. Não é como se Prim estivesse sendo vingada, ela teve a memória honrada desde o momento em que minha flecha atingiu Coin, mas todas as minhas noites desperdiçadas com pesadelos foram vingadas.

– Você devia perdoá-lo – Murmura. A resposta vem rápida, quase automática:

– Não cabe a mim fazer isso, Hazelle – Dou de ombros e tomo um pouco do chá apenas para agradá-la. - De qualquer forma, não vai trazer minha irmã de volta.

– Ele sente falta sua falta, Katniss – A confissão me pega desprevenida, mas nada acontece quando a escuto. É como a saudade que sinto da minha mãe, está lá, mas não é forte o suficiente para eu largar o Distrito 12 para ir vê-la. Estou muito bem aqui com Peeta e Haymitch e acho que ela também está bem, trabalhando para esquecer a dor. Como Gale nunca mais me procurou, imaginei que tivesse acontecido o mesmo com ele.

– Também sinto falta do meu melhor amigo, Hazelle – Suspiro e tento não pensar muito nas vezes em que íamos para a floresta e ficávamos lá o dia inteiro. - Mas é só isso.

A mulher me analisa com as sobrancelhas franzidas e ri para si mesma, sibilando algumas palavras.

– Você é realmente uma mulher adulta agora, não é?

Franzo o cenho, incerta se devo responder. Os anos passaram e o rótulo de adolescente não serve mais para mim, entretanto, não me vejo como uma mulher. A verdade é que nunca parei para pensar no quanto amadureci desde o fim da guerra. Talvez seja mais fácil para os outros perceberem, não para mim, que ainda encaro o espelho e vejo uma pessoa quebrada.

– Bom – Dou de ombros e desvio do olhar intenso da mulher – Ter vinte e três anos deve significar alguma coisa.

A idade não é grande coisa. Pelo menos não para mim, que ainda cultiva os hábitos antigos, como se ainda fosse uma adolescente. Talvez eu tenha mudado um pouco, dizem que quando a mulher amadurece ela perde as feições criança e ganhar um pouco de corpo. Mas esta não é uma regra que se aplica a mim, já que sempre fui seca por não ter o que comer – uma típica criança da Costura.

– Não são os anos – Hazelle ratifica meus pensamentos – É a forma como você age.

Tenho vontade de perguntar o que faço de tão diferente na forma de agir, mas seguro a língua. Tive uma conversa similar com Haymitch – pouco antes de me casar com Peeta – e o velho bêbado citou algumas proezas que eu mesma nunca perceberia. É claro que a ocasião fora levada em um tom irônico e brincalhão, onde Haymitch vibrava por eu não ser a adolescente explosiva e irritada de sempre.

Fico mais um tempo na companhia da matriarca dos Hawthorne. As crianças acordam – É um pouco errado chamar Rory de criança, já que ele tem a mesma idade que Prim teria – e os menores me contam sobre as incríveis coisas que estão aprendendo no novo Distrito 12. Tento sorrir para Vick quando ele comenta que está trabalhando para ajudar a mãe, mas a imagem de Gale me vem à mente e logo fecho a cara, sem nenhum motivo aparente.

Felizmente, a situação desta família melhorou muito com o governo de Paylor. Eles recebem uma parcela de comida – como se nossa vitória nos Jogos ainda vingasse – todo mês. E por mais que eu e Peeta insistamos em ajudá-los, Hazelle sempre recusa. De qualquer forma, Gale também manda o que consegue no Distrito 2, oferecendo aos irmãos luxos que eles nunca sonharam ter.

– Katniss? - A mulher me chama timidamente. Já estou pronta para voltar para casa, Peeta deve estar preocupado com a minha demora.

– Sim?

– Há algo... – Ela respira fundo e puxa um papel amarelado de dentro do casaco. Arqueio as sobrancelhas, confusa com o que quer que seja aquilo – Gale me pediu para te entregar.

– Ah! - Sussurro quando compreendo o que está me oferecendo. Uma carta de Gale.

Tento não parecer surpresa, mas é impossível esconder meus olhos arregalados quando estendo – hesitante - a mão e pego o papel envelhecido; Por que Gale se daria ao trabalho de se comunicar comigo, eu não sei, mas estou curiosa com o que ele pode ter para dizer.

– Ele realmente sente sua falta, Katniss – Seu murmúrio parece uma súplica. Hazelle está pedindo – entrelinhas – que eu perdoe seu filho. É a segunda vez que ela pede isto hoje, mas ela escolheu um péssimo dia para tal coisa.

– Obrigado, Hazelle – Aceno com a mão livre e lhe ofereço um sorriso desanimado. Saio da casa antes que ela implore no lugar de Gale mais uma vez. Se seu filho quisesse tanto assim o meu perdão, deveria vir ele mesmo pedi-lo.

Covarde!

Enquanto caminho pelas ruas encharcadas do Distrito, meus dedos se fecham como garras em volta da maldita carta de Gale. Achei que nunca mais me incomodaria com este nome, – Não depois de tanto tempo – mas estava claramente errada. Meu melhor amigo ainda surte um estranho efeito em mim.

Eu não o amo, é verdade. O que senti por Gale não é nada comparado ao que sinto por Peeta agora. O amor que tenho pelo garoto do pão me fez enxergar a diferença entre este sentimento – que é o que sinto por ele – e a paixão – que era o que eu sentia por Gale.

Rancor, abandono e nostalgia. São estas as três sensações que me vem à cabeça quando me lembro de Gale. Em parte, culpo-o pela morte de Prim – Por mais que seja irracional, pois ele não tem culpa por Coin ter usado sua invenção para matar crianças inocentes, e, consequentemente, minha irmã. Mas o culpo, principalmente, por ter me abandonado quando eu mais precisava. Enquanto eu definhava no Distrito 12, Gale estava atrás de poder no Distrito 2. Eu precisava de um amigo e ele era tudo o que eu tinha próximo à isso.

Para ele, foi fácil me esquecer. Mesmo com todo o amor que ele dizia sentir por mim, mesmo depois de termos ajudados um ao outro para sobrevivermos. Pensando como a mulher adulta que Hazelle diz que sou, Gale deveria ter superado a rejeição em prol do que sentia por mim.
Abro a porta sorrateiramente, na esperança que Peeta ainda esteja dormindo.

É claro que ele não está.

– Katniss! - Os olhos azuis pousam em mim e sua expressão torna-se brilhante e aliviada na mesma hora – Você está toda molhada! Por que saiu na chuva? Você pode pegar um resfriado!

Reviro os olhos com a típica preocupação de Peeta. É tão característico dele ser assim, se preocupar mais com os outros do que consigo mesmo. Principalmente se essa pessoa for eu. Não duvido que Peeta abdicaria de tudo por mim, por mais que isto me faça torcer o nariz, pois eu faria o mesmo por ele e então entraríamos num impasse.

– Outro resfriado – Ralho rude.

– É – Ri fracamente, provavelmente lembrando-se do inesperado resfriado, gripe, na verdade, que peguei logo após oficializarmos nossa união. Passamos nossa incrível “lua de mel” com Peeta trocando panos molhados da minha testa enquanto eu me revirava na cama, mal conseguindo respirar.
Aposto que Haymitch nunca riu tanto na vida como naquela semana.

– Vem – Pega minha mão e começa a me arrastar para as escadas, em direção ao nosso quarto – Você precisa se trocar antes que aquilo aconteça.

Antes que Peeta possa dar mais um passo, puxo-o bruscamente pelo braço, fazendo-o parar. Não dou nem tempo para ele perguntar o que está errado, simplesmente ataco sua boca.

Ele parece surpreso, mas não se opõe à minha súbita necessidade de afeto. Suas mãos seguram minha cintura e o fogo conhecido começa a se alastrar pelo meu corpo.

Caminhamos lentamente até o sofá e caímos por cima dele. Peeta sustenta seu corpo para não me machucar e sorri marotamente quando envolvo minhas pernas em torno do seu quadril. De certa forma, é bom que eu esteja com roupas molhadas, o tecido gelado contra a nossa pele torna tudo mais exitante.

Esta é a sensação que Gale nunca me proporcionaria. Nunca cheguei perto disto com ele, mas duvido que muito que – se chegássemos – ele faria eu me sentir assim. Há algo em Peeta, talvez o seu zelo e a forma doce como me trata, que faz com que eu me sinta me bem, verdadeiramente amada.

Mesmo ele, que sofreu tanto por minha causa, não desistiria de mim como Gale fez.

Suspiro quando os lábios de Peeta descem para o meu pescoço. Meus dedos se embolam em seus cabelos e – mais uma vez – vou precisar me esconder do meu velho mentor, que se ver as marcas que ficarão aqui amanhã, começará uma nova rodada de piadinhas maldosas.

Todavia, eu não contava que Peeta fosse perceber algo a mais em minhas ações.

– Por que estamos fazendo isto? - Pergunta, afastando-se subitamente.

– O quê?! - Pisco os olhos, furiosa por ele ter parado. Peeta não precisa saber que estou fazendo isso para – secretamente – afrontar Gale e seu sentimento vago por mim.

– Aconteceu alguma coisa, Katniss? - Arqueia uma sobrancelha e desliza para o meu lado, sentando-se no espaço vazio do sofá.

– Não – Minto e me ajeito também, alisando a blusa que ficou um pouco amarrotada nosso recente contato.

– Katniss... – Ele pondera no tom, mas há desconfiança em sua voz. Lógico que Peeta sabe que estou mentindo, não é muito fácil esconder as coisas dele.

– É errado querer alguma coisa com o meu marido? – Dou ênfase na palavra marido porque sei que ele gosta quando o chamo assim. Espero ansiosamente que ele aceite minha desculpa esfarrapada, pois não estou pronta para tocar no assunto Gale novamente, principalmente com Peeta, que é um candidato potencial à uma crise de ciúmes.

– Não – Analisa minha resposta e franze o cenho – Mas hoje é...

– O aniversário de Prim. E daí? - Não queria ser hostil, mas a curiosidade de Peeta está começando a me deixar aborrecida.

Ele não precisa nem responder, sei o que está pensando: Que eu deveria estar inconsolável, encolhida em algum canto da casa, chorando pela morte dela. Então é assim que ele e Haymitch esperam que eu fique toda vez que trazemos Prim à tona?

Sim – Penso entediada – Porque foi assim que agi toda vez que falaram dela nos últimos cinco anos.

Peeta desvia as íris as alvas de mim, envergonhado por estar me achando tão fraca e tão frágil. Eu nunca fui assim, sempre fui vista com outros olhos: Como o Tordo, a face da rebelião, uma guerreira, uma ameaça. A imagem de alguém tão destruído não devia se assemelhar a mim, Katniss Everdeen – sem contar meu último novo nome, já que ainda não estou acostumada com ele. Porém, por minha própria culpa, é isto que está acontecendo.

O que explica, por exemplo, todo o zelo e hesitação que Peeta tem em relação à mim.

Me desvencilho de Peeta e pulo do sofá, magoada demais para encará-lo. Ele não tenta me impedir, fica em um silêncio incômodo que se estende até que eu feche a porta do nosso quarto, trancando-a logo em seguida.

Eles acham que sou estúpida, então? - Envolvo os braços em torno de mim mesma, tentando controlar as lágrimas que não tardam a escorregar pelas minhas bochechas – É por isso que todos se afastaram? Minha mãe, Gale? Por que eles sabiam que eu não conseguiria superar e não queriam viver ao redor de alguém tão... Vulnerável?

Talvez fosse isto mesmo, talvez estejam certos. Diferente de Peeta e Haymitch, ambos sabem que de nada adiantaria tentar me resgatar da minha própria dor. Eu sou um caso perdido, não valho a luta.

Isso é amar? Pois não parece amor para mim.

– Katniss? - Peeta bate na porta suavemente, sua voz é controlada e paciente. Me encolho ainda mais com sua presença. Quero gritar para que vá embora e me deixe só, agindo exatamente como ele espera que eu aja.
Ignoro-o, mas ele sabe que estou aqui, pois continua:

– Isto é... - Murmura acanhado – Uma carta?

Prendo a respiração no momento que percebo o que acabou de acontecer. A carta ficou lá embaixo, à vista de Peeta, quando me descontrolei e corri aqui para cima. Agora as palavras de Gale estão na mão dele e sabe-se lá o que está escrito ali.

Mantenho-me em silêncio. Não porque quero ignorá-lo, mas porque sei que minha voz soaria chocada demais e denunciaria o remetente. Não quero dar motivos para Peeta ficar magoado, então, é melhor que ele não saiba de nada.

Afinal, o que uma simples carta pode mudar?

– De quem é? - Pergunta preocupado, provavelmente já imaginando a resposta. Trinco os dentes e puxo meus próprios cabelos, sem saber o que fazer. Ele fez a pergunta.

Exatamente aquela que não deveria ter feito.

– Katniss – Repete com um tom de ameaça. São estes momentos que trazem de volta o garoto telessequestrado. É por isso que evito mentir e omitir coisas dele. - De quem é a carta?

Não sei como funciona a mente de uma pessoa telessequestrada, – ninguém sabe, nem mesmo os mais inteligentes, como Beetee – mas o Dr. Aurelius tem uma teoria. Como estou disposta à facilitar as coisas para mim e para Peeta, – Porque ambos não queremos suas mãos apertando minha garganta mais uma vez – tento não parecer uma ameaça da maneira que posso.

Foi complicado, nas primeiras semanas, porque eu não sabia como agir.

Respiro fundo e abro a porta, capturando o olhar quase enlouquecido dele. Alívio pinta as íris azuladas quando Peeta vê meu rosto. Tento não demonstrar medo diante de sua postura rígida, mas acabo recuando minimamente.

– É de Gale.

Peeta vai falar algo, mas desiste. Vejo seu rosto passar de preocupação para raiva e, então, compreensão. Eu não deveria estar esperando um ataque de Peeta. Ele não é como eu ou Gale, que sempre explodimos quando somos contrariados.

– Certo – Absorve a informação e cruza os braços, tentando parecer confortável com a revelação.

– Eu não li – Desço o olhar para o papel em suas mãos, controlando-me para não arrancá-lo dali.

– Você não vai ler? - Franze o cenho, intrigado com a minha falta de interesse e ansiedade.

– Não – Dou de ombros e passo por ele, descendo as escadas com pouco entusiasmo. - Gale não significa mais nada para mim.

E é verdade. Não estou tentando fazer com que Peeta se sinta melhor, não há nenhum esforço em minhas palavras: Elas são genuínas e expressam exatamente o que sinto. Talvez eu tenha ficado um pouco surpresa com o fato de Gale ainda se lembrar de mim – de alguma forma – e ter me procurando, mesmo que por meio da mãe.

– Katniss, você não precisa... - Começa a argumentar, mas não há nada que fale que vá me desviar da convicção. O caçador pelo qual já fui apaixonada não é mais nada para mim, nem mesmo um melhor amigo.

– Não estou fazendo por você, Peeta – Rebato ríspida, mas meu tom acaba colocando um sorriso no rosto dele.

– Mesmo? - Cruza os braços e faz uma careta, tentando não rir da minha expressão irada – Lá embaixo... - Suas bochechas ficam vermelhas e ele encara o piso – Não me atacou para ter certeza que o que sente por mim é diferente do que sentia com Gale?

Engulo seco com a percepção dele e meu nervosismo me entrega.

Era exatamente isto.

Não quero discutir com Peeta, mas seu sorrisinho presunçoso está me tentando à fazê-lo.

Sério, Katniss? - Desce alguns degraus e coloca uma mecha rebelde atrás da minha orelha – Você realmente achava que eu acreditaria na história do marido?

Agora é minha vez de desviar de seu olhar zombeteiro por puro constrangimento.

– E se fosse? - Murmuro.

– Você odeia me chamar assim – Acrescenta, certo de que ganhou esta luta. É claro que ganhou, Peeta tem a vantagem de saber manipular as pessoas através da palavras. Tudo o que tenho a meu favor são ações notáveis e impulsivas.

Levanto os olhos e franzo o nariz quando encontro aquele sorriso não deveria estar lá, mas ainda está. Peeta se inclina para mim e me dá um beijo casto, depois desce as escadas e me deixa só, parecendo uma estúpida.

Fico tentada a ir para floresta, mal-humorada demais com Peeta para ficar perto dele, porém, a chuva da manhã voltou a cair e se estendeu até a noite.

– Katniss... - Ele tenta chamar minha atenção puxando entrelaçando minha mão na sua. Viro a cara, ignorando-o.

– Katniss, por favor... - Tenta mais uma vez com uma voz suplicante.

De certa forma, é bom tê-lo por perto desta maneira. As pequenas discussões que tivemos hoje me distraíram completamente do dia de hoje. Nem mesmo Buttercup com seu rosto deformado e amarelo me deixaram melancólica, secretamente contradizendo as expectativas de Haymitch e Peeta, o que me deixou até um pouco orgulhosa.

– O que é? - Respondo com um meio sorriso quando seus braços fortes me envolvem e ele deposita um beijo no meu ombro nu.

Peeta não responde, está distraído demais com meu corpo para isso. Esta é a nova técnica que descobriu para me fazer sucumbir aos seus encantos. Eu, como uma mulher madura de vinte e três anos, não posso ir contra minha natureza.

– Peeta – Exagero no tom ameaçador quando suas mãos deslizam para dentro da minha camiseta. Cerro os olhos e seguro-as antes que cheguem aos meus seios.

– O quê?! - Sussurra com uma ingenuidade fingida – É errado querer alguma coisa com a minha esposa?

Bufo e reviro os olhos para a maneira como me chamou e também como reutilizou minha frase, mas acabo estremecendo com a proximidade sua voz em meu ouvido.

– Não – Mal consigo falar quando acabo caindo em seus braços e Peeta me carrega para o sofá, ignorando o jantar e recomeçando aquilo que não terminamos de manhã.

[...]

A carta de Gale caiu no esquecimento. Ainda é difícil encará-la, repousando sobre a mesa da cozinha. Peeta nunca ameaçou abri-la, ele sabe que é um assunto meu e respeita isso. De qualquer forma, todas as rixas que tinha que com Gale são desnecessárias agora que eu estou casada com ele.

Passaram-se cinco dias e estou disposta a jogar o papel direto no lixo, porém, toda vez que giro os calcanhares em direção as palavras do meu velho melhor amigo, meus joelhos fraquejam e tomo meu rumo original à floresta.

Não foi diferente hoje, quando saí de casa junto com Peeta. Fazemos isto toda o dia – exceto quando está chovendo, pois ele mesmo tenta me proibir a ir para os bosques – e como é entediante ficar sem ele, fico o dia inteiro batendo perna pelo Distrito, ajudando onde posso.

Atravesso a cerca desativada – Não vejo sentido de ela continuar ali, mas imagino que Paylor tenha assuntos mais importantes para se preocupar – e escalo um majestoso carvalho, exatamente onde era meu ponto de encontro com Gale. Acerto alguns esquilos, rindo como uma idiota com a sensação nostálgica que caçar me traz.

Desço em um salto, quase me desequilibrando e caindo com tudo no chão. Não havia percebido antes, mas há um farfalhar de folhas secas atrás de mim que me faz arregalar os olhos. É estranho ter alguém tão longe em uma floresta que só eu conheço como a palma da minha mão.

Exceto outra pessoa, que aposto que nunca mais pousará os pés no Distrito 12.

– Parece que está perdendo o jeito! - Uma risada rouca invade os meus ouvidos e nem me dou o trabalho de preparar o arco, pois reconheço-a imediatamente.

Viro com uma expressão assombrada na direção do visitante inesperado, contemplando-o depois de anos.

– Olá Catinip.


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Notas finais do capítulo

O encontro com o caçador bonitão estava totalmente fora dos planos, mas a maioria de vocês pediu tanto... Ah, também achei que este capítulo ficou Mary Sue demais, mas... Pera lá! Eles são casados agora e a Katniss não é um coração eterno de gelo, né?
De qualquer forma, tentei manter os padrões que pelos quais sou tão elogiada por vocês e espero ter conseguido de novo. Qualquer coisa, é só comentar e no próximo vou corrigir o exagero... Ou não.
Então, vamos para a parte chata: Por que demorei tanto para postar? Simples. Estava com probleminhas na escola - e não tenho vergonha de falar isso - e meus pais me proibiram de escrever/usar o computador até que eu passasse de ano. Felizmente, eu passei. Mesmo sendo injusto com vocês, não posso colocar meus estudos em risco, né? Peço que sejam compreensivos e não me abandonem!
Agora tenho uma ótima notícia: Estou de férias! Capítulos choverão aqui até fevereiro, rá!
Acho que é só, então... Até outro dia (: