Coletânea escrita por Luana Santiago


Capítulo 3
Terceiro


Notas iniciais do capítulo

Quero reclamar de uma coisa: No primeiro capítulo recebi 14 reviews e no segundo recebi apenas 5. Qual é, pessoal! Eu sei que vocês conseguem fazer melhor do que isso, né! Onde vocês estão? Já vou avisando que não posto mais se não tiver pelo menos uns 8 comentários ou então poucos comentários só que BEM CAPRICHADOS. Ou é isso ou não é nada! Vocês deram sorte é que eu estou de férias e com bom humor! Ah, e também porque seria falta de consideração com as meninas que comentaram. Quero que saibam que este capítulo é para vocês, sim?



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– Você fez isso! - Praguejo limpando a boca sem olhar em seus grandes olhos claros. Peeta continua parado, terminando de fazer o coque frouxo em meus longos cabelos. É o que está a seu alcance: Segurá-los enquanto coloco toda a comida para fora. Está se tornando rotineiro e assim será por mais longos sete meses.

Você não pode só me culpar... - Faz uma careta forçada, fingindo estar ofendido. Cerro os olhos em sua direção depois de fazer um bochecho rápido e simplesmente me sento no chão, trazendo meus joelhos para perto de mim. Peeta tomba a cabeça para o lado, confuso com o que estou fazendo.

– Você é quem quer crianças!

Ele suspira e vem sentar ao meu lado, no piso frio do banheiro. Nós já tivemos esta conversa antes, não só uma, mas várias vezes desde que descobri que estou grávida. Eu sei que Peeta fica magoado toda vez que falo esta frase, dando a entender que minha vontade de ter filhos é zero, como se eu estivesse grávida por obrigação. Bom, nós dois sabemos que não é verdade. Esta criança foi meticulosamente planejada por ele e depois de mais de uma década tentando me convencer, finalmente cedi. O tempo fez sua parte e tratou de deixar claro que os Jogos não vão voltar, nem a antiga Capital cruel que destruiu minha vida.

– Katniss... - Peeta sussurra, segurado minha mão. Eu sei a pergunta que virá a seguir - Você não quer este bebê. Real ou não real?

Se eu realmente quisesse evitar este tipo de pergunta, controlaria minhas crises e respiraria fundo todas as vezes. Entretanto, nenhum homem entende o que é estar grávida, nem algumas mulheres entendem. Passar pelos Jogos duas vezes não é nada comparado à enjoos matinais, tonturas, calor excessivo, dores no corpo, olfato e paladar incrivelmente aguçados, mudanças de humor incontroláveis, fome incontrolável, mais horas de sono que uma pessoa normal precisaria e outras desvantagens que não consigo lembrar. E claro, todas elas indo diretamente contra meus hábitos e me deixando fragilizada.

Fecho os punhos e mais uma vez, encaro Peeta com raiva. Nós não precisamos mais de palavras para nos entendermos, ele pode ler nos meus olhos que quero que desapareça e me deixe sozinha lidando com tudo isto. Porém, estamos falando de Peeta – O ser humano mais gentil e altruísta que tive a sorte de conhecer – e ao invés disso, ele me pega no colo e me leva até a cama.

– Eu não vou dormir, está muito cedo... - Falo com carranca e começo a me levantar. Sua mão segura meu pulso, me mantendo atada a ele.

– Descanse – Sussurra com os olhos fechados. Não há escapatória e em um combate corpo a corpo, Peeta sairia vitorioso. - Você não quer prejudicar nosso filho, quer? - Seu hálito quente sopra levemente contra minha testa e sua mão desliza até parar em minha barriga. Tento não parecer incomodada com o contato – não é que eu não esteja habituada, Peeta é meu marido afinal de contas, porém, ainda tenho a sensação de que em qualquer momento ele pode enlouquecer e me ferir, e, como consequência, ferir o bebê também.

Eu confio nele e em seu autocontrole, só que as coisas mudaram e não posso pensar apenas em mim. Eu tenho outra vida para proteger e não vou falhar novamente. Cometer o mesmo erro duas vezes seria minha sentença de morte.

– Tudo bem! - Murmuro e reviro os olhos antes de me encolher contra seu peito. Ele passa os braços em torno da minha cintura, zelando meu sono até mesmo na inconsciência.

[...]

– Katniss? - Pulo com a presença repentina de Peeta na cozinha escura. Ele não deveria estar acordado a esta hora, mas provavelmente notou minha ausência e imaginou o óbvio:

– Pesadelos? - Esfrega os olhos e sacode os cabelos emaranhados. Volto a olhar a dispensa, procurando por algum pão de queijo que tenha sobrado do café da manhã anterior. Nada.

– Sim, é um pesadelo ficar sonhando justamente com isto... - Resmungo para mim mesma ainda com os olhos fixos nos cantos escuros do armário. Eu. Realmente. Preciso. Disso. Como. Preciso. De. Ar!

– O que você está procurando? - Coloca as mãos nas minhas costas, pedindo atenção. Tento ignorar o salivar da minha boca enquanto minha mente teimosa imagina os pães de queijo de Peeta mergulhados em molho de ameixa, chocolate quente com pedaços de ensopado de carneiro. Que tipo de combinação é esta? Bom, eu não sei. Deve ser algum desejo de grávida sobre os quais minha mãe me alertou dias atrás pelo telefone.

– Pães de queijo e ameixas e ensopado de carneiro e chocolate quente. Tudo junto.

Meu desespero torna-se interessante para ele, pois o mesmo deixou a sonolência para trás assim que entendeu o que está acontecendo aqui. Peeta tenta esconder um sorriso antes que provoque minha fúria, mas é tarde demais. Eu, por outro lado, estou tão focada em conseguir esta estranha mistura que o ignoro.

– Vá dormir, Katniss. - Sugere e acende a luz.

– Não consigo... - Mordo os lábios e o encaro com desespero. Peeta suspira e me dá um beijo rápido, depois, para meu alívio, começa a pegar os ingredientes para todos os meus pedidos. Apoio a cabeça na bancada, observando silenciosamente Peeta se movimentar pela cozinha. Depois de anos, entendi que uma de minhas atividades preferidas é admirá-lo. Eu adoro prestar atenção nos seus mínimos detalhes, como por exemplo, a ruga de concentração que se forma entre as sobrancelhas louras ou o tom platinado que sua pele adquire sob a luz da lua. Talvez isto tudo soe muito piegas, porém, superamos há tempos as barreiras de romantismo e como não somos diferentes de outras pessoas, também nos rendemos a ele. Panem inteira sabia que terminaríamos juntos, de uma forma ou de outra, então não é nenhuma vergonha que eu fique falando dele como uma estúpida apaixonada.É no minimo justo e aceitável.

Meus olhos ficam pesados depois de alguns minutos e tudo se escurece com o cheiro de comida na ponta do meu nariz.

Eu não sei como exatamente vim parar no meio da Capital. Ela está coberta por neve e o corpo da menininha com casaco berrante que me reconheceu está sob meus pés. Aqui deveria estar um caos, como estava na verdadeira lembrança do último dia de guerra na cidade. Esfrego minhas mãos e quando vou tomar o primeiro passo em direção à mansão de Snow, uma mão pequena segura a barra da minha capa vermelha. Olho para baixo, encarando apavorada o corpo que deveria estar imóvel.

– Não me deixe, mamãe... - E no momento que ela diz estas palavras, reconheço o rosto da minha criança. Eu sei que é minha filha, com olhos azuis de Peeta e meus cabelos escuros, quase sem vida e deitada em uma poça de sangue. Ajoelho-me ao seu lado, sentindo um medo que só senti quando tiraram Prim de mim.

Pego-a com cuidado, manchando minha própria roupa com o líquido quente e choro como um animal que sofre depois de ser flechado em algum lugar que não o mata de uma vez.

– Katniss! - Olho para trás, encontrando minha irmã com a trança loura e o uniforme branco. Ela está correndo em nossa direção com um paraquedas prateado nas mãos. Eu estou em estado de choque e não consigo mandá-la parar. Prim já está ajoelhada ao nosso lado, encarando confusa a menininha que protejo contra meu peito. As íris claras voltam-se para mim, com um sorriso ingênuo – Temos patrocinadores!

– Não Prim! - Entretanto, é tarde demais. As chamas nos envolvem e as duas desaparecem, deixando-me sozinha para suportar o fogo lambendo cada parte possível do meu corpo.

– Katniss, acorde! - A voz urgente de Peeta me resgata do sofrimento. Estou na cozinha de novo, lágrimas encharcando meu rosto e ele está bem a minha frente, segurando minha mão. - Não era real... - Assegura enquanto desliza os dedos da mão livre nas minhas madeixas. O tremor não para e só quando o abraço com força é que começo a me acalmar. Geralmente não compartilho meus sonhos com Peeta, mas desta vez sinto necessidade em fazê-lo. Ele tenta não parecer horrorizado com a cena que sua imaginação pintou em sua cabeça e o aperto em torno de mim fica mais forte.

– Você está bem, assim como nosso filho... - Beija minha testa e depois que eu paro de soluçar, coloca pães de queijo, um ensopado de carneiro com ameixas e uma caneca de chocolate quente na minha frente. Meus olhos devem ter brilhado, pois ele não segura o riso.

– Por sua causa, estou tendo que fazer o café da manhã e o almoço juntos e fora do horário! - Ele brinca e faz uma careta quando mergulho o pão no molho do ensopado e depois no chocolate quente. Quase explodo de felicidade quando o gosto exótico toma minha boca e ataco o resto da comida. Coloco tudo para dentro em menos de quinze minutos, sob os avisos de Peeta para ir mais devagar ou então posso me engasgar, mas não estou nem aí para o que está dizendo.

Esfrego a barriga e agradeço a Peeta com meu melhor sorriso.

– E você dizendo que só você sofre, uh? E eu? Tendo que acordar de madrugada para saciar seus desejos... - Franze as sobrancelhas – Estranhos.

– Para não falar nojento, certo? - Completo o pensamento que não teve coragem de falar – É maravilhoso, se quer saber.

– Eu imagino... - Murmura e me puxa pela mão, disposto a voltar para a cama. É claro que Peeta está exausto, não é qualquer um que acorda três da manhã para preparar comida para a esposa grávida e continua ativo. Mas ele o fez, mesmo assim. Nos deitamos e ele cai no sono, eu demoro um pouco mais, com medo de continuar aquele pesadelo. Por fim, quando a alvorada se infiltra pelas frestas da cortina, desisto e começo a me arrumar para ir para a floresta. Quando estou devidamente limpa e pronta, com a jaqueta de caça, Peeta fica em pé ao meu lado:

– Eu vou com você.

– Não! - Determino. Nós sabemos que não sabe fazer silêncio na floresta e afasta todas as minhas presas. As poucas vezes que me convenceu de ir junto, foi quando eu sabia que não haveria nenhum animal lá, por causa do inverno rigoroso. O problema é que estamos na primavera, minha época favorita e também a melhor época para caçar.

– Eu vou – E então ele sai para se aprontar. Eu poderia aproveitar a chance para deixá-lo para trás, mas Peeta é persistente e com certeza me seguiria. No fim, eu voltaria para casa sã e salva e não o encontraria aqui pois ele estaria perdido no meio das árvores, como uma criança que se distanciou da mãe em uma multidão.

Saímos não muito tempo depois e Peeta vem me seguindo um pouco desengonçado até mesmo na hora de pular a cerca que delimita o Distrito. Sou obrigada a voltar porque uma parte de sua perna falsa ficou presa lá, e enquanto o ajudo a sair, reviro os olhos e dou algumas risadas, fazendo-o se arrepender por ter vindo comigo. Ele, como sempre, não desiste.

Abato dois coelhos e avisto um ganso silvestre. Engulo seco, recordando-me de Rue e sua rápida explicação sobre como seu povo ficava feliz quando algum escapava para os pomares. Essas aves passaram a vir também para o Distrito 12, e não são mais exclusivas de apenas uma região.

Quando estou subindo o primeiro galho para colocá-lo na mira, Peeta começa:

– Você sabe que se cair, vai matar meu filho, não sabe?

E eu sei que tem razão, e não penso nem duas vezes antes de desistir do pássaro. Depois do pesadelo, não há chance de arriscar a vida desta criança. Ela está sob minha responsabilidade, Peeta também está fazendo sua parte vindo até aqui comigo e tomando conta de nós. Encontramos outro adiante e este não tem para onde fugir, acerto-o bem no meio dos olhos. Vou buscá-lo e quando retorno, meu corpo congela:

– Não se atreva!

Ele levanta os olhos azuis para mim, desviando a atenção da pequena fruta entre seus dedos. Nightlock. Por causa delas que tudo começou, quando decidi desafiar a Capital com uma proposta de suicídio e nenhum vitorioso. Peeta sabe muito bem o que está segurando e sabe o valor sentimental que o fruto têm para ambos.

– Eu sei, mas... - Espreme-a – A cor é muito bonita e talvez eu poderia levar algumas para poder usar nas minhas p...

Corto-o ríspida, repetindo o aviso:

– Não se atreva!

Ficamos nos encarando pelo que parecem ser horas, até que, lembrando de Cara de Raposa, Peeta quase caindo na própria armadilha e o fim, com nós dois colocando as malditas na boca, dispostos a morrer. A água dos nos meus olhos transborda. São muitas recordações dos primeiros Jogos de uma vez só. Eu não choraria em outra ocasião, mas não é uma coisa que eu possa controlar. Meus hormônios e nervos estão completamente fora de controle.

– Katniss! - Peeta corre até mim e me pega no colo, levando-nos até a raiz de uma grande árvore e nos sentando lá. Ele tenta limpar minhas lágrimas, que não acabam nunca, e assobia a nossa canção para os tordos. A Canção do Vale. Porque cantar é o único dote artístico fora do alcance de Peeta. Eu mesma termino a melodia, cantando os últimos versos e silenciando os pássaros que me deram um nome.

Voltamos à casa e só lembro de deitar na cama e apagar. A exaustão não me deixa ter sonhos, é apenas a escuridão plena, como se fosse a morte. Peeta me acorda rapidamente no meio da tarde, comentando que convidou Greasy Sae e Haymitch para jantarem conosco. Eu devo ter respondido alguma coisa, mas voltei a dormir logo em seguida.

A noite chega rápida e depois de tomar banho, coloco um vestido solto que não mostra o pouco de barriga que já está aparecendo. Eu não quero que saibam ainda, na verdade, nem mesmo pretendo fazer um anúncio formal de que teremos um filho. Desço e meu mentor já está lá, com a famosa garrafinha de bebida junto à boca.

– Finalmente, docinho! Já estávamos achando que você tinha morrido lá em cima!

– Boa noite para você também, Haymitch... - Resmungo e puxo uma cadeira ao lado de Peeta, que estranhamente está aqui e não na cozinha.

– Ela não deixou você fazer as honras, não é? - Aponto para a cozinha e Peeta concorda com um sorriso. Ninguém vai contra as ordem de Greasy Sae, que só porque é mais velha, se sente na obrigação de cuidar de nós e isto inclui empurrar comida na nossa goela abaixo. Ela ainda aparece aqui de vez em quando, mas depois que teve certeza que Peeta e eu estávamos bem e que ele não tentaria me matar de novo, resolveu nos dar alguma privacidade.

E é aí que começam minhas tentativas de sabotar o jantar. No fim, eu vou e volto da cozinha mais de dez vezes e sem nenhum pedaço do ganso na boca. Bom, aposto que Haymitch vai ter um colapso achando que estamos assando outro ganso de sua criação.

– Menina! - Greasy Sae bate com a colher em minha mão levemente – O jantar vai estar pronto logo! Vá para a sala com seu marido e deixe que eu tomo conta da cozinha! - Cerro os olhos para a senhora, meu estômago está roncando alto e tenho certeza que mesmo com a audição gasta, ela consegue ouvir muito bem. O preocupante é que não faz nem meia hora que coloquei para dentro alguns pães de queijo e um pacote de biscoitos – ela só me deixou comê-los depois de muito insistir e explicar que não comi nada desde que cheguei da caçada. Ainda assim, eu não deveria estar tão faminta assim!

– Não conseguiu nada desta vez? - Peeta pergunta antes mesmo que eu chegue na sala. Ele está lá, concentrado, enquanto Haymitch vai descrevendo com dificuldade alguém de sua família. É árduo para ele, assim como teria sido se eu fosse obrigada a descrever Prim. É um alívio Peeta tê-la conhecido.

– Não... - Resmungo e me encolho como uma bola de lã no sofá, tentando não pensar na janta. - Eu poderia comer toda a comida estocada e ainda assim conseguiria engolir o jantar. - E claro, falho. Estou delirando com os poucos ingredientes que vi Greasy Sae separar. Enquanto há anos atrás era um sacrifício me fazer comer, hoje é um sacrifício me fazerem parar de comer.

– Isso é algum tipo de doença, docinho? - Meu mentor resolve que está na hora de zombar de mim. Reviro os olhos e os fecho, pronta para um cochilo. Escuto vagamente Peeta comentado que é normal. Ambos sabemos o porquê disso, e, sem que ninguém perceba, enrolo meus braços em torno do meu ventre.

Não me permito adormecer completamente, meus ouvidos ainda estão atentos na voz de Greasy Sea e assim que ela anunciar o jantar, estarei mais disposta do que nunca. Não leva muito tempo para a notícia chegar, só que todos quase todos estão reunidos na mesa, apenas esperando minha boa vontade de levantar. Fico descansando um pouco mais, a comida já não tão mais atraente comparada à minha vontade de dormir.

– Vem, Katniss... - Peeta entrelaça os dedos nos meus cabelos cuidadosamente. - Eu sei que você está com fome.

– Bom, a fome pode esperar... - É irônico e errado para mim, que já sofri tanto para ter uma mísera refeição diária, recusar comida. Mas este é um capricho recente, logo depois que essa tal 'doença' se apossou do meu corpo, deixando-o preguiçoso e dolorido.

– Não pode, não – Ele retruca e ameaça me levar para a mesa à força. Haymitch se intromete, falando palavras que me fazem levantar de maneira automática:

– Deixe-a dormir! É bom que sobra mais para nós! - Um sentimento possessivo me deixa subitamente furiosa. É melhor eles guardarem um pouco para mim ou sentirão a ira de Katniss Everdeen em um dia ruim.

Entretanto, no curto caminho do sofá para a mesa, tudo muda. O cheiro da comida alcança minhas narinas e me causa repulsa, pior que isso, ânsia. Arregalo os olhos e encontro com os de Peeta, pouco mais a frente de mim. Nós sabemos exatamente o que vem a seguir: Minha corrida para o banheiro e mais uma vez jogo para fora qualquer coisa que têm no meu estômago.

Fico tremendo por alguns segundos, jogando água gelada no rosto e fazendo um bochecho rápido para tirar o gosto amargo. Abro a porta no mesmo momento que Peeta está pronto para bater nela. Ao ver seu rosto, solto um muxoxo, colocando novamente a culpa nele.

– O que aconteceu, garota? - A senhora averígua meu estado, certamente sem imaginar nada.

– Katniss está tendo alguns... - Meu marido começa, hesitando – Problemas com comida.

– Oh, por favor, docinho. Não me diga que é um daqueles transtornos documentados na TV, não é? - Haymitch chega, apoiando-se em uma parede próxima. Franzo a sobrancelhas, sem saber do que está falando – Umas mulheres loucas da Capital que ficavam vomitando para ficarem magras... - Ele ri sozinho e aponta para mim – Se for isso, você não está conseguindo, queridinha.

Ótimo. Ele me chamou de gorda. Eu ainda não cheguei a este ponto. Ainda. Logo, logo serei uma imensa e redonda pessoa.

– É, estou seguindo a mesma dieta que você – Rebato com raiva. Haymitch nunca perde a oportunidade, uh? Eu aprendi a lidar com ele e seu humor ácido, mas não estou respondendo por mim agora.

– Ah, deixe disso! Eu sempre achei que Katniss precisava de um pouco mais de carne! Estava muito magra! - A idosa se intromete - Olhe só para essa menina! - Greasy Sae pega meu rosto, apertando e girando-o em todas direções possíveis – Ela não é linda?

Haymitch gargalha, achando a situação hilária demais. É claro que eu e ele não concordamos. Eu não sou bonita, talvez tenha sido quando fui cuidada pelas mãos de Cinna, mas não agora. Eu estou ficando velha e com o passar dos anos, voltei à imagem selvagem que tinha antes dos Jogos.

– Por que você ainda não fez alguns bebês com ela? - Ela insiste, fuzilando Peeta com o olhar. Ele me encara alarmado e movo os lábios, exigindo seu silêncio. - Depois de tudo que ela passou, temos certeza que é uma mulher forte. Pode ter uns cinco filhos. Seriam crianças lindas, não seriam?

– E irritantes! - Haymitch adiciona – Duplamente irritantes! Já pensou, docinho? Se eles puxam a sua personalidade... Serão pessoas adoráveis – Ironiza, fazendo-me bufar. Não é verdade! Tudo bem, não sou a pessoa mais simpática e amável de Panem, mas eu melhorei muito de uns tempos para cá! Ele é que não deixou esse espírito insuportável e sarcástico de sempre.

– Eu realmente espero que sejam como você, garoto... - Dá tapinhas nas costas de Peeta, que força uma risada. Nosso mentor não deixa nosso desconforto passar em branco e cutuca a ferida – O que há de errado com vocês dois?

Corro para Peeta, escondendo meu rosto em seu peito quando meus olhos ficam úmidos. Eu estou irritantemente sentimental. E nós dois sabemos o motivo disto.

– Haymitch... - Diz em um tom calmo, porém, repreensivo – Não diga essas coisas para Katniss – E então envolve os braços em torno de mim, afagando meus cabelos - Ele é um idiota... - Sussurra perto do meu ouvido, arrancando um sorriso contido de mim.

– Por que? - Posso sentir a desconfiança em sua voz e, sendo um homem inteligente, Haymitch já deve estar desconfiando do que está realmente acontecendo comigo. São muitas pistas: Meu apetite e cansaço exagerados, meu enjoos e tonturas sem explicação, Peeta sendo dez vezes mais protetor comigo e agora o fato de eu estar praticamente chorando por causa de uma provocação comum.

Finalmente, decido que é a melhor hora para contar a novidade. Aproveito a oportunidade que Greasy Sae me deu e olho diretamente para ela quando digo:

– Você não deveria se preocupar com isso – Ela franze o cenho, confusa com minhas palavras. - Peeta já o providenciou.

– Providenciou o quê?

Fito meu marido por alguns segundos, assegurando-lhe silenciosamente que está tudo bem. Eles vão descobrir mais cedo ou mais tarde, quando a barriga começar a aparecer. Que diferença faz, então?

O problema é que não quero compartilhar estes segredos tão pessoais com eles, por mais que sejam praticamente parte da minha nova família no 12. Haymitch já entrou nela ainda na época em que Prim era viva e Greasy Sae ocupou as lacunas deixadas por minha mãe. Por isso, quando conto a novidade soa um pouco rude, como se eu estivesse falando mal da Capital:

– O bebê – Minhas mãos voam por conta própria para meu ventre liso. É um gesto que repito diversas vezes ao dia, para ter certeza que meu filho está bem e seguro. E, claro, para também convencer a mim mesma que serei mãe daqui a alguns meses e que isto é real.

Um silêncio pesado perpetua no ambiente, como se eu tivesse acabado de comunicar a morte de alguém. Como eu esperava, Haymitch é aquele corajoso o suficiente para fazer o primeiro comentário:

– Vou precisar de um banho de uísque hoje. Ah, se vou! - Poucas vezes o vi tão assustado e pálido. Eu acho que não esperava que eu cedesse ao desejo de Peeta quanto à paternidade. Ninguém, nem mesmo eu, esperava.

– Oh! Finalmente! - Greasy Sae comenta, vindo nos parabenizar. Ouço-a murmurar para Peeta que ele finalmente tomou as rédeas da relação e fez sua parte. Ele ri, passando as mãos pelos fios louros nervosamente. Quando chega perto de mim, levantando as mãos enrugadas para tocar minha barriga, minha primeira ação é recuar, mas então lembro que ela não pretende machucá-lo.

Ninguém vai machucá-lo, Katniss.

Snow o faria, se estivesse vivo. Até mesmo Peeta pode fazer isso, quando estiver no auge de um de seus ataques. Preciso redobrar minha atenção, mesmo sabendo que os episódios são raríssimos. Sei que ele fará de tudo para se controlar, ainda mais sabendo que estou carregando seu tão esperado filho.

Vou para o sofá, cansada demais para ouvir os conselhos de Greasy Sae. Deixe que Peeta tome nota deles, penso, ele parece muito mais interessado nisso. Para minha surpresa, Haymitch senta ao meu lado com um sorriso convencido:

– Eu sabia que ele iria te convencer.

– Peeta é bom com palavras – Respondo simplesmente, colocando mais uma vez as mãos no meu estômago levemente protuberante.

– Quantas semanas?

– Três meses... - Meu mentor não esconde o espanto e dá um risadinha. Acho que ele murmurou algo como "Agora eu entendo porque você engordou tanto nos últimos meses, ah, e porque o garoto está sendo insuportavelmente protetor."

– Eu não estou tão... - Enrugo o nariz, imaginando os próximos meses – Assim.

– Você é que pensa – Dá um gole em seu estoque particular de aguardente branca e acrescenta: - Eu não vou ficar de babá. Sei cuidar de gansos, não de crianças barulhentas.

– Você não cuida nem dos próprios gansos, Haymitch... - Dou um tapinha em suas costas e ele fica quieto, concordando. - E eu não seria louca de deixá-lo – Aponto para meu ventre – com você. Aposto que daria licor para ele beber, não é?

– Para deixá-lo apagado por boas horas? Com certeza. É uma técnica que aprendi com você, docinho – Nós dois rimos alto demais, atraindo os outros dois.

– O que é engraçado? - Peeta chega animado, querendo compartilhar a brincadeira.

São doces como xarope... Xarope! - Eu o imito na primeira arena, quando foi enganado por mim e pelo nosso mentor. - Sugar berries, as preferidas de Peeta – Cutuco Haymitch e damos mais risadas. Meu marido fecha a cara, bravo por estarmos tirando sarro dele. Fazemos coisas como esta de vez em quando, agora que estamos vivos e fora de perigo, encarar algumas coisas ridículas que fizemos nas duas arenas é uma ótima terapia. Passou-se tanto tempo que são memórias confusas e imprecisas, ainda assim, sentimos mais medo do que achamos engraçado.

– Certo, certo... - Peeta revira os olhos, rindo um pouquinho também.

– Vamos comer, vocês três! - E com uma tremenda força que uma mulher da sua idade não deveria ter, Greasy Sae nos reboca até a mesa, depois de declarar que eu só vou poder comer os legumes. Sem carne gordurosa para a Katniss hoje.

Nossa "visita" vai embora minutos antes da meia-noite. Peeta carrega Haymitch pelos ombros até a porta de sua casa para ter certeza que ele não vai desabar no gramado e dormir ali. Ele também oferece companhia à Greasy Sae, mas ela logo recusa, falando que puxará sua orelha se ousar sair de perto de mim pelo menos por um segundo.

Ainda estamos elétricos da noite de conversas e histórias, por isso, lavamos a louça de uma vez antes de dormir; É sempre bom rir à toa, mesmo que seja um luxo que não merecemos. Quando terminamos, seco as mãos no vestido e fico brincando com uma maçã perdida na bancada até sentir os braços firmes envolta da minha cintura. Viro-me para ele e encontro-o alegre e radiante.

– Não foi tão difícil assim, foi?

– O quê?

– Contar sobre a gravidez... - Seu olhar escorrega para minha barriga e volta para meu rosto no mesmo instante.

– Você sabe que essa não é a pior parte, não mesmo – Um ruído parecido com um rosnado sai de minha boca quando deixo a maça de lado e envolvo meus braços em torno do pescoço de Peeta. - Você não sabe de parte nenhuma. Por que eu concordei com isso mesmo?

– Porque você também queria ter filhos? - Soa mais como uma pergunta, mas serve como justificativa.

– Errado. Você quer e ficou insistindo nisso.

– Katniss... - Coloco o indicador em seus lábios, calando-o antes que recomecemos discussão. Substituo meu dedo pela minha boca, silenciando-o de qualquer jeito. A chama começa a se alastrar e a noite tem o mesmo desfecho de muitas outras que já vivenciamos: Peeta me segura nos braços e nos leva para o quarto, sempre trancando a porta atrás dele para o caso de um Haymitch enxerido aparecer. Bom, tenho certeza que não vou ter pesadelos esta noite, afinal, provavelmente nem vou chegar a dormir.


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Notas finais do capítulo

Comentários a se fazer: Primeiro, a Katniss comenta no final de 'Mockingjay' que demorou quinze anos para ter um filho do Peeta, certo? Bem, na fanfic eu comento ser 'mais de uma década', mas não dou um tempo específico. Então, podemos dizer que estão com mais ou menos 26, 27 ou 28 anos. Afinal, quem consegue imaginar Katniss e Peeta com 30 e poucos anos? Eu não consigo.
Ah, outro ponto também é que este conto pode parecer um pouco OOC (Out of Character), mas pensem só comigo, depois de mais de dez anos de convivência entre os personagens os tornaria mais confortáveis e amáveis, não é? Pois bem, não estranhem.
Ah, o esquema de 'peçam por temas específicos' ainda está de pé. Escolham um tema de preferência, ok?
E LEMBRANDO. SÓ TEM COISA NOVA SE TIVEREM COMENTÁRIOS O SUFICIENTE! Eu não vou abrir mão dessa vez, ok? Estão avisadas. Enfim, espero vê-las novamente, sim? Não me decepcionem!



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