Coletânea escrita por Luana Santiago


Capítulo 2
Segundo


Notas iniciais do capítulo

Wow, tipo, wow. Vocês nem imaginam como estou feliz pelos comentários! 14 reviews em um só capítulo! E ainda recebi uma recomendação (Muito obrigado, Katniss Mellark! Estou lisonjeada, de verdade).

Enfim, desta vez decidi sair um pouquinho do ambiente dramático e abordei um assunto muito comum que dá nome ao conto: Ciúmes.

Ah, vale lembrar que este capítulo é dedicado à uma amiga, tributo nata, Juliana. Ela me deu a ideia para a história de hoje, e mesmo não entendendo muito bem, saiu isso.

Preciso falar mais umas coisinhas com vocês, mas deixa isso lá pra nota final, ok? Mais uma vez um MUITO OBRIGADO de coração e tenham uma boa leitura!



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Ciúmes

Depois de tempo demais confinada em prisões – Distrito 13, que é parecido o suficiente com um presídio de segurança máxima – e na Capital, durante meu julgamento após ter assassinado a presidente Coin, ainda está sendo complicado reconhecer a floresta do 12 como minha. Mais difícil ainda porque o outro frequentador assíduo dela não está em nenhum lugar por perto. Respiro fundo, tendo uma vontade inversa: Ao invés de querer ficar aqui, desejo fortemente voltar para casa. Para isso, preciso buscar Peeta do lado de fora da quase completa padaria – Um lugar simbólico que ainda me traz lembranças desagradáveis.

Escondo meu arco no tronco e volto pelo caminho que fazia todos os dias, sem necessidade, uma vez que tenho permissão para ir e voltar da floresta quando quero. Mas é bom manter os costumes, me traz a sensação de estar realmente em casa, de que quase tudo está como era antes dos Jogos. Vida que antes eu desprezava e hoje daria tudo para ter de volta.

No trajeto, as pessoas que estão trabalhando arduamente na reconstrução do Distrito – com a ajuda pesada de mão de obra da Capital - me cumprimentam. As que estão mais longe apenas acenam, felizes por verem com os próprios olhos o Tordo e o rosto da revolução. Meu Distrito virou uma espécie de ponto turístico para as pessoas da Capital, mesmo não havendo nada para se ver aqui. É apenas um monte de cinzas daquilo que um dia já foi o lugar mais pobre e vergonhoso de Panem.

E é quando sento em um ponto vulnerável, bem aos olhos de todos, que parece que lhes concedi uma dádiva. Depois de três meses me acostumei com o fato de que minha figura corajosa não será esquecida por um longo tempo, ou talvez nunca mais. Eu já enfrentei problemas muito piores, e enfrento todos os dias ao procurar motivos para não abandonar o mundo e ir para o lado de Prim e meu pai, seja lá onde estão.

Apoio o queixo nas mãos depois de vinte minutos esperando Peeta do lado de fora. É estranho, o garoto sempre costuma ser irritantemente pontual. Decido ver o que está acontecendo, se não está morto ou tendo uma crise mental, mas a cena a seguir me deixa estatelada e muito – muito – confusa.

Peeta está sentado na bancada cheia de mistura de pós, com a postura relaxada e uma garota está bem ao seu lado, os pés balançando por não tocarem o chão. Eles estão dando boas risadas juntos, com alguma cores pintando o canto de suas bocas e a bochecha de Peeta. Quando ela vê seu estado, passa o dedo em sua pele e depois o coloca na boca. Parece que são... Algo no nível do que eu tive com Peeta – ou todos imaginam que tive – uma vez.

Reconheço-a apenas observando seu perfil, sem perceber que já estou dentro do ambiente empoeirado:

– Delly? - Junto as sobrancelhas, sobressaltada com sua presença repentina. Eu nem sabia que ela tinha voltado para o 12.

– Ah, Katniss! - Ela acena e desce da bancada – Bom te ver e... Ah, sinto muito pelo que aconteceu com Prim – Encolhe os ombros, querendo não tocar no assunto. Eu queria que não tivesse tocado mesmo, porque isso me deixa irritadiça.

Não sente, não - Penso - Você não sabe pelo que passei. Sem ter uma resposta pronta, dou de ombros e encaro um Peeta absorto, com uma ruga de preocupação na testa, até que percebe que estou esperando por ele.

– Você voltou cedo... - Reflete.

– Voltei, sim – Me aproximo, desconfiada – E o que vocês estavam fazendo aqui? - Passo meu dedo no lugar onde Peeta ainda está. Há farinha, açúcar e cal em toda parte. A padaria ainda está sendo reconstruída, mas nem isto impede Peeta de trabalhar.

– Ah, Peeta estava me mostrando algumas misturas novas com glacê. É delicioso! - Delly vira-se para Peeta, agitando os cachos platinados – O que acha de fazermos aqueles biscoitos de menino e menina? Você lembra? - Seus olhos claros brilham em expectativa.

Me encosto em uma parede e fico os observando. Não faço parte da cena, mas Peeta está incomodado com meu olhar hostil sobre ambos.

– Lembro sim, Delly – Sorri para ela e depois vira para mim – Quer ir agora? - Mantenho os braços cruzados, dando-lhe opções. Tanto faz.

Por fim, o ambiente não continua alegre por muito tempo depois de minha chegada e Delly dá um tchau rápido para nós assim que entramos no caminho exclusivo que vai para a Aldeia dos Vitoriosos. Peeta vem andando alegre do meu lado, sem perceber meu estado de espírito. Entramos em casa e não digo uma palavra sequer.

Peeta faz algumas perguntas, porém, fico lá no meu canto, como uma avox mental. Meu olhar se perde na parede e vou fazendo o que é necessário: Um banho, comida e mais um milhão de pensamentos. Pode não parecer, mas minha mente está trabalhando muito bem esta noite.

Quando vamos dormir, ele me dá boa noite e demonstra cansaço, cai no sono em menos de meia hora. Sem conseguir ficar do seu lado, vou para o sofá e tento dormir ali. Entretanto, é na alta madrugada que uma mão com manchas rosadas – queimaduras – afaga meu rosto. É o mesmo pesadelo de todas as noites: Todos os mortos me jogando na cova, colocando terra na minha boca, mesmo que eu implore e chore para que parem. Quando é a vez de Prim me prender eternamente no subsolo, eu acordo.

– Não real, Katniss. - Peeta fala baixinho e afaga meus cabelos embolados – Não é real.

Coloco-me sentada, fuzilando-o com os olhos. Como ele consegue ser tão bom ator? Me consola de noite enquanto passa os dias sorrindo ao lado de uma garota definitivamente mais bonita e mais agradável do que eu. Eu tenho raiva de Peeta Mellark. E do que a Capital fez com ele, até que chegasse a este ponto.

– O que você está fazendo aqui? - Como sempre, finjo não ter escutado. Me levanto sem olhar para sua cara, porém, antes disso, sussurro um inaudível insulto:

Traidor.

Será mesmo? Será que não é minha imaginação? Não. Eu ainda não estou neste estágio de loucura.

Vou correndo para a floresta e Peeta não tenta me impedir. É bastante arriscado, já que os predadores estão acordados agora, mas é o único lugar capaz de me trazer sossego, pelo menos de noite, onde se parece muito com a Arena. Assim que atravesso a cerca – desativada para sempre, eu espero – volto aos velhos tempos dos jogos e durmo em cima de uma árvore, que conheço muito bem, por sinal. É o ponto onde eu me encontrava com Gale.

Fico na floresta tempo o suficiente para saber que Peeta saiu de casa e isso é quase no início da tarde. Tiro as meias, que , de qualquer forma, já estão arruinadas. Antes de entrar e descansar para valer – como estou exausta, sei que não terei pesadelos, pois minha mente se desgastou lembrando-me que eu não podia me remexer muito, ou despencaria e estaria morta. Para minha sorte, a noite de ontem foi incomum: Abafada como as noites do Massacre Quaternário. Um pouco de azar e o dia teria amanhecido comigo morta por causa de uma hipotermia.

Nada disso importa agora, pois vejo-o bem ao longe, rodeado por sua comida de estimação. Tivemos um grande problema quando eu estava sem disposição para ir até a floresta e ali mesmo, em seu quintal, quebrei o pescoço de um de seus gansos e Peeta, inocentemente achando que eu tinha voltado da caça, chamou nosso velho mentor para jantar. Foi cômico para mim, trágico para ele, que só percebeu o que estava comendo depois de ter roído o último osso.

Você. Preciso da sua ajuda. - Digo.

– O que foi, queridinha? - Ele cambaleia na direção dos gansos, dispersando-os para longe de mim. - Sabe, ainda tenho medo que você leve um deles. Não duvido que acertaria algum com seu arco da sua janela... - Cruzo os braços, esperando que termine de me criticar.

– Adivinha só? Problemas com garotos! - Haymitch gargalha enquanto despejo toda a mágoa por ter me dito isso na mansão de Snow. Ele estava bêbado – sempre está – mas naquele dia estava o triplo do que geralmente está.

– E quem seria o garoto em questão? - Pergunta ironicamente. É claro que Haymitch sabe quem é o garoto, só está falando isso para me provocar. - Docinho, eu me pergunto porquê você acha que sou alguma espécie de conselheiro amoroso.

– Você é meu mentor – Retruco, como se fosse o suficiente.

– Correção, - Levanta o indicador – Eu era. Nos Jogos, na guerra, onde fosse. Agora eu não tenho nenhuma responsabilidade com você.

– Claro, e então você veio para o Distrito 12, por quê? - Arqueio uma sobrancelha, disposta a estender a discussão.

– Você levou um tiro na cabeça ou foi telessequestrada também? Até onde eu lembro, moro aqui antes de você.

Suspiro, finalmente desistindo. Enquanto estou aqui perdendo meu tempo com Haymitch, Peeta está lá com Delly Cartwright, fazendo coisas que me embrulham o estômago só por pensar. Toda a fome que eu estava sentindo acaba.

– Ele tem outra – Anuncio firme - Peeta está com outra garota.

– Parabéns para ele, então. Você não fez muito por onde para amarrá-lo com você, não é? - Dá de ombros e toma mais um gole da garrafa quase vazia. Fico em silêncio, fitando a grama e sentindo a ponta do meu nariz queimar. Haymitch percebe que não estou para brincadeiras e respira fundo:

– Certo, e de onde surgiu essa brilhante ideia?

– Ontem. Eu fui buscá-lo na padaria, como sempre faço, e o encontrei com Delly Cartwright. - Sacudo a cabeça, afastando a imagem.

– E por algum acaso ele estava se agarrando com ela? - Ótimo. Tudo o que Haymitch consegue é piorar minha situação. Eu não tenho direito nenhum de julgar Peeta sobre as coisas que ele faz ou com quem ele anda, mas...

– Não. Mas eles estavam perto demais, muito perto – Cerro os olhos, a vontade insana de fuxicar o que está acontecendo lá agora quase me fazendo tomar outro rumo.

– Eles são amigos, Katniss. Peeta nunca reclamou do quão perto você ficava de Gale – Automaticamente me encolho ao ouvir o nome do meu melhor amigo, ou aquele que um dia foi meu melhor amigo. - E cá entre nós, queridinha, Panem inteira sabe que ele não era seu primo...

– É diferente!

– O que é diferente? - Rebate afiado – O que é diferente na relação dele com Delly e a sua com Gale? Vejamos: Amigos de infância, possíveis amantes... Além do mais, garota, você não está em nenhuma relação especial com ele, até onde eu sei.

Certo, Haymitch. Faça-me ficar ainda pior.

O problema é que ele está certo. Quem sou eu para reclamar de Peeta? Se ele está ou não com Delly, não é da minha conta. Assim como não era da conta dele saber se eu estava ou não com Gale. Eu fiz isso uma vez, por que Peeta não poderia retribuir? É um jogo justo.

– Além do mais, aquela garota é bonita.

– Eu sei! Eu sei! - Cruzo os braços, ressentida. Então era assim que Peeta se sentia quando eu estava com Gale por suas costas? É assim? O sentimento de impotência é horrível e qualquer movimento que eu faça, sei que estou fora do meu direito. Mas eu não consigo ignorar... Ainda há, lá no fundo,  aquela sensação de que Peeta me pertence, principalmente depois do que passamos. Se eu não abri mão de sua vida, preservando-o até onde consegui, por que abdicaria dele agora? Justamente agora, onde - na teoria - tudo deveria estar resolvido.

– Ela é tão melhor do que eu... - Sibilo e meu mentor faz questão de exagerar ao concordar. Olho para ele com raiva, marchando para casa. - Obrigado por nada, Haymitch.

– Sempre à disposição, docinho.

Conversar com Haymitch não me ajudou em muita coisa, só serviu para esfregar na minha cara aquilo que eu já sabia: Delly é a melhor opção para Peeta.

Entro em casa e bato a porta, caio no chão por não ter visto o degrau. Normalmente o pulo, só que esqueci completamente dele agora. Berro em plena fúria e vou engatinhando até a cozinha, tendo esperanças de encontrar alguma aguardente branca.

É claro que não encontro, então, fico encarando o teto, tentando não pensar que estou prestes a perder Peeta também; É então que batem na porta.

Se fosse Peeta, ele entraria de uma vez, está é, tecnicamente, sua casa. Deve ser Haymitch, que quer zombar dos meus gritos histéricos. Não vou atender.

Até que a voz feminina atravessa a madeira e chega até mim:

– Katniss? É Delly – Fecho a cara, imaginando o que Delly Cartwright quer comigo. Talvez ela esteja aqui para pedir minha benção, ter certeza que seu caminho está livre e que perdi qualquer interesse que já tive um dia por Peeta. É uma possibilidade, mas será mesmo que ela teria coragem?

Tento não ser grossa com a garota, que até agora não me deu reais motivos para ser alvo da minha raiva. Peeta é o culpado de tudo, pois, infelizmente, não consegue medir as próprias ações e ver o efeito que elas têm sobre mim.

Ela entra e ofereço alguma coisa, a loura apenas sacode a cabeça, recusando educadamente. Enquanto observo Delly, um pensamento ruim me tortura:

Veja Katniss, ela é linda. Loura, olhos claros, irresistível. Ela nunca matou ninguém, é inofensiva e provavelmente amorosa. Delly é tão melhor do que você jamais será, ela é tão certa para Peeta...

Certo! É como se Haymitch estivesse gritando dentro da minha cabeça a mesma frase: "Você podia viver cem vidas e ainda assim não merecer aquele cara, sabia?". E, droga, eu sei que ele está certo! Delly é tão perfeita para Peeta que dói sequer olhar para ela. Aposto que ela não lhe negaria uma família e iria de bom grado ajudá-lo no trabalho. Ela seria exatamente como minha mãe: Uma esposa exemplar.

– Eu achei que tinha que esclarecer algumas coisas... - Começa, olhando para as mãos. Meu olhar está tão intenso que estou deixando-a intimidada.

Vá em frente! - quero gritar - Ele é todo seu!

– Sabe, Peeta sempre foi um grande amigo meu... - Sorri um pouco – Então acho que posso dizer que o conheço bastante.

O que ela pretende me contando isso? Esfregar na minha cara que é mais digna dele do que eu? Ah, claro, dessa parte já estou ciente. Meu mentor bêbado e insuportável e até mesmo minha própria consciência trataram de deixar isso bem claro.

– E é bom vê-lo melhor, você sabe... - Cerra os punhos e morde os lábios, nervosa – O que fizeram com ele na Capital.

Assinto, esperando que a conversa tome um rumo mais produtivo.

– Ah Katniss... - Ela dá um suspiro longo – E eu nunca o vi tão feliz, por estar com você. Ele sempre... Nutriu esse amor platônico por você.

A confissão me pega de surpresa. Não que eu já não saiba, pois Peeta mesmo disse isso nos primeiros Jogos, porém, não achei que ele tinha contado à outras pessoas.

– Nós realmente achamos que ele não iria durar muito tempo... - Finalmente me encara e explica – Eu e nossos outros amigos.

Ah, claro. Peeta sempre foi popular na escola. Eu me lembro disso.

– Quando você se voluntariou por Prim e então o nome dele foi chamado, a gente já sabia que nosso amigo não voltaria. E foi assim mesmo, quando fomos nos despedir. Ele estava tão firme e decido a te proteger... - Delly ajeita a saia amarrotada – Foi realmente um adeus. Peeta estava caminhando dali para a morte, até que aconteceu aquela coisa toda das regras e você sabe melhor do que ninguém... - Gesticula nervosa e suas palavras me deixam mal.

Desde sempre. Peeta queria me manter viva desde sempre. Não foi um acordo que ele fez com Haymitch e sim uma meta que estabeleceu desde que foi sorteado. O destino fora muito mais cruel com ele do que comigo.

– Ele não é mais o mesmo Peeta – Argumento com frieza. E é verdade, ele pode se esforçar para ter suas memórias no lugar, mas nunca mais será o Peeta justo e doce que um dia foi. O garoto inocente e gentil está perdido para sempre.

– Oh não! - Delly eleva a voz, discordando – Pode ter certeza que ele é o mesmo! Talvez um pouco quebrado com o que aconteceu, mas... Quem não estaria? Eu perdi meus pais, então estou assim também. A guerra mudou todo mundo, Katniss.

– Você não entende... - Murmuro e cerro os olhos em sua direção. O que ela sabe? Ficou assistindo a coisa toda acontecer de longe, não sabe nem metade do que sofremos. É fácil falar.

– Katniss, - Ela se arrisca a me balançar pelos ombros, exigindo atenção – Sabe o que me faz acreditar que ele é o mesmo? - Fito sem vontade seu rosto afetado e nego em silêncio – Porque tenho certeza que o Peeta de agora não pensaria duas vezes se tivesse que arriscar a própria vida por você, exatamente como o antigo Peeta fez.

Finjo não estar convencida, mas as palavras me atingem como um tapa na cara. Eu vejo, todos os dias, o esforço de Peeta em se aproximar de mim, mesmo que não seja como antes, mesmo que seja uma relação gelada e distante, ele está tentando.

– O que está querendo ganhar me dizendo isso tudo, Delly?

– Sinceramente? - Ela coloca uma mecha atrás da orelha e volta à sua posição comportada – Eu sou uma pessoa justa, a defendi no Distrito 13 quando Peeta estava cuspindo mentiras sobre você. Então, eu estou aqui para pedir... - Ela hesita, testando uma reação – Pare de ser tão má com ele, sim? Ele está tentando ser uma boa pessoa de novo.

Esta é uma das poucas vezes em que sou reduzida à nada; Eu tenho muitos títulos: Garota em chamas, vitoriosa do Distrito 12, Tordo e rosto da rebelião, assassina da presidente Coin e muitos outros nomes pelo qual me chamam. E cá estou eu, levando lição de moral de uma garota da mesma idade, que não fez nem metade do que fiz.

Entretanto, Delly está certa. E vendo que estou cogitando a ideia, ela continua:

– Ele estava melhorando, mas está triste porque você se afastou. Você precisa parar com isso, Katniss. De afastar as pessoas que a amam... - Respira fundo e seu discurso não cessa – Dê uma chance para ele, tá? Ele passou por tanta coisa ruim, não que você também não tenha passado, mas Peeta mal sabe quem ele é de verdade. E bem, - Dá de ombros – Você é a única coisa importante que restou para ele.

– Então você não está aqui para tirá-lo de mim? - Questiono desconfiada. E, para minha surpresa, Delly explode em uma risada tão alta e demorada que fico sentindo-me uma idiota.

– De onde tirou isso? - Limpa os olhos úmidos – Peeta é meu amigo! Eu nunca me atreveria a tirá-lo de você! Estou cansada de saber que ele a deseja desde... - Conta nos dedos e desiste – Desde quando éramos muito pequenos. Seria frustrante sequer tentar! Eu nunca o olhei dessa forma!

Suspiro aliviada e passo a ter uma razão para gostar de Delly Cartwright. Ela não é uma ameaça, nem perto disso. Este tempo todo, eu estive irritando Haymitch com minhas preocupações estúpidas enquanto eles não estavam sendo nada mais do que amigos. Ótimo, agora sinto-me ridícula.

– Peeta vai ficar feliz em saber que você estava com ciúmes... - Dá mais uma risadinha e perco a respiração por um instante:

– Você não faria isso! - Chego ao ponto de elevar a voz.

Delly fica quieta, levantando-se rapidamente. Estou com os dentes trincados, morrendo de raiva com o que ela está prestes a fazer. As chances de eu gostar dela estão zeradas agora. Sinto-me duplamente ridícula por ter cogitado a ideia de ser legal com ela por um momento.

– Tchau, Katniss. Bem, foi bom te ver – E a garota loura some pela porta antes que eu possa fazer alguma coisa. Imagino que esteja correndo para contar a novidade para Peeta, com um sorriso gigante no rosto por ter resolvido nosso problema. De certa forma, é bom que tudo fique esclarecido.

Não vejo o dia passar, apenas fico encolhida no sofá com olhos de caçadora na porta. Finalmente desisto da ideia de seguir Delly ou sumir na floresta e vou procurar alguma comida. Termino com alguns biscoitos amanteigados, encarando com tédio um programa provavelmente coordenado por Plutarch. Nunca me interessei por isso, minha verdadeira distração é mergulhar na floresta e ficar lá, mas, por alguma razão, perdi a vontade ou estou apenas preguiçosa. Uma noite é o suficiente. Não é muito bom ficar sozinha, pois a qualquer momento minha mente traiçoeira pode me levar à memórias dolorosas, com Prim e os paraquedas prateados.

Fico aliviada quando a maçaneta gira e Peeta aparece bem na hora que a primeira lágrima inconsciente está prestes a cair. Encontro seus olhos azuis e no momento em que dá um sorrisinho convencido, viro a cara, achando o programa de TV subitamente atraente.

Para meu desespero, ele vem sentar do meu lado.

– Katniss... - Começa, mas vou logo cortando-o.

– Não quero saber!

– Tudo bem – Desiste facilmente e vai para a cozinha. Acompanho seus movimentos, ainda em alerta e ele gira nos calcanhares, voltando-se para mim – Delly? Sério? Cara, você é impossível!

– Se você falar mais alguma sobre isso, eu não terei pena em matá-lo, Peeta Mellark – Ameaço, bufando de raiva.

– Você não deveria falar isso para mim, Katniss. Eu poderia ter um ataque agora por causa disso, sabia? - Usa um tom repreensivo e mesmo com razão, não estou nem aí. Eu realmente adoraria arrancar alguns fios louros da sua cabeça agora, ou pior.

Reviro os olhos e volto a encarar o aparelho sem realmente enxergá-lo.

– Mesmo? Eu e Delly? Isso seria cogitável? - Sibila para si mesmo e tento ignorar sua conversa particular, sem sucesso. - Quer dizer, eu tinha motivos para ter ciúmes de você com Gale mas...

– Chega! - Explodo e ele encolhe os ombros – Eu não me importo!

– Não? - Ergue uma das sobrancelhas louras, seu olhos cintilando diversão.

– Não mesmo! - Cuspo de volta, cruzando os braços. Ficamos nos encarando, até que ali, com aquele olhar animado, posso ver o antigo Peeta com facilidade. É quase ele na minha frente, não fosse pelas cicatrizes, agora mais sutis.

Talvez Delly esteja certa, talvez Peeta não tenha mudado realmente. Ele ainda é, de alguma forma, o meu Garoto com o Pão. É por isso que eu deveria dar uma chance... Porque mesmo que não volte, ainda pode ser muito próximo do que um dia já foi.

– Katniss... - Ele me cutuca, agora próximo demais do meu rosto. – Você não precisar ter ciúmes.

– Quem está com ciúmes? - Reviro os olhos de novo, perdendo de vez o pouco de paciência que me restava.

– Você está – Murmura calmamente, vindo sentar-se ao meu lado mais uma vez. Fecho os olhos e respiro fundo, tentando me controlar. Peeta está muito perto de novo. - Admita.

– Não estou, não! - Rosno contra seu rosto, quase tocando nossos lábios.

– Você está com ciúmes. Real ou não real? - Por um segundo, ele me convence de que está perguntando para diferenciar a realidade de uma lembrança falsa, só que seu riso escapa e desmente a si mesmo. 

– Não real! - Insisto.

– Sabe, você pode estar realmente confundindo minha mente... - Usa seu último argumento, o qual não posso ignorar. Parece mentira pelo jeito descontraído que fala, mas também pode ser verdade. Peeta é um manipulador nato, ele já me convenceu com a expressão confusa, fingindo muito bem estar delirando.

– Certo! Certo! - Levanto de súbito e jogo os braços para o ar – Eu estou com ciúmes! Satisfeito?

Peeta coloca as mãos no bolsos, fingindo estar surpreso. Quase vou até ele e o agrido, mas lembro que não posso agir como se ele fosse o antigo Peeta. Se eu levantar a mão contra ele, pode achar que sou uma ameaça e então não hesitaria em me aniquilar, enxergando-me como um bestante.

Olhe para mim agora, com meu corpo de bestante-fogo.

Creio que, para não me irritar ainda mais, Peeta fica calado e apenas assente. Estalo os dedos, querendo espancá-lo para valer por estar rindo de mim – É claro que está, dá para notar a linha contida que são seus lábios.

– Por que? Por que é tão importante saber que estou com... – Resmungo e fito para a parede – Ciúmes?

– Eu não sei... - Franze o cenho, agora sem fingir a confusão – Acho que uma parte de mim fica feliz com isso. É como se... Você estivesse praticamente dizendo que me ama, ou gosta de mim. É tão confuso!

Estremeço com suas palavras, mas tento demonstrar indiferença. Entretanto, Peeta nota meu desconforto e nem isso o impede.

– Bom, você só me disse uma vez. Duas, talvez – Faz uma careta e agora eu é que estou confusa.

– Que você me ama. - Explica.

– Ah, isso – Minha voz fica engasgada e finjo tossir. Uma grande diferença entre o Peeta telessequestrado e o antigo Peeta é que este não tem papas na língua. Ele é curioso, quer recordar de tudo de uma só vez, então, acaba sendo super sincero e nem mesmo se dá conta. Não que o outro fosse um mentiroso, mas ele sempre distorcia as coisas a fim de me fazer me sentir melhor.

– Você disse 'real' uma vez. Real ou não real?

– É isso aí, real. - Uma vez, sim. E depois nunca mais. Passaram-se seis meses desde que voltamos para o 12 e eu só confirmei meu amor por Peeta uma única vez, depois que ele me tranquilizou de um pesadelo. Acho que a provável segunda vez foi no Distrito 13, quando ele me perguntou diretamente e eu respondi algo como "Todo mundo diz que sim". Tecnicamente, essa teria sido a primeira vez.

Evito seus olhos e desabo de volta no sofá. Peeta arruma uma maneira de se aproximar de mim e me abraça. Não é o abraço apertado que eu ainda espero que um dia volte a ser, é o abraço vago e fraco do Peeta que ainda não confia em mim por completo.

– Obrigado, Katniss. Eu acho que... Esta era a única coisa que, nem antes do telessequestro, eu tinha muita certeza – Sussurra suavemente.

Eu entendo o que isso significa para Peeta. Ele não tem mais ninguém com ele, apenas eu. Ele precisava ter certeza que estar comigo é certo, que estou com ele porque quero estar. Eu devia isto a ele, por isso, não fico brava por ter me feito admitir mais uma vez.

Porque é isso que nós fazemos. Protegemos um ao outro. E acho que confissões sentimentais estão, de alguma forma, emboladas nessa relação estranha que só estamos ajeitando agora.


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Notas finais do capítulo

E então? Gostaram? Espero ainda estar dentro dos padrões dos personagens (Eu praticamente escrevo os contos com os livros do lado, se querem saber) e entendam que para mim, Katniss agiria de um jeito parecido caso fosse ter uma crise de ciúmes.

Ah, tenho uma boa notícia: Posso ter demorado um milênio para atualizar, mas, agora estou de férias e com três novos capítulos quase prontos. Mal posso esperar para mostrá-los para vocês!

E queria propor uma coisinha: Sintam-se livres para pedir por temas específicos, tipo "Ah, Luana, quero que você escreva sobre o aniversário da Katniss ou do Peeta" ou sobre... O que vocês quiserem, contanto que esteja nos conformes do livro, ok?

Então, acho que é só isso. Espero vocês nos reviews! Critiquem, elogiem, recomendem... Enfim, só me deixem saber que vocês estão aqui! Obrigado!



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