Chokolade Doughnut escrita por Poteto


Capítulo 1
Chocolate dinamarquês


Notas iniciais do capítulo

A Asobi-chan sabe que a gente dá chocolates no dia de são Valetin, não no nosso dia dos namorados, mas ela teve essa ideia hoje na aula de gramática...
Antes de ler, um pequeno dicionário:
Bror - Irmão, em norueguês
Hej, bróðir- Ei, irmão, em islandês
Ja - Sim, em dinamarquês e norueguês também.
Dum - Idiota



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Seu sorriso idiota e onipresente me irrita. Sempre que olho para seu rosto, começo a me perguntar se ele não faz de propósito. Talvez ele faça. Tenho as minhas dúvidas se alguém sozinho consegue reunir tantas características irritantes. Toda e cada atitude que ele toma parece ter sido cuidadosamente planejada para me tirar o juízo. Sei que isso não é uma paranóia minha, não pode ser. Ele simplesmente desvia do próprio caminho para me deixar irritado.

Mesmo sua aparência me tira do sério. Ele tem o tipo de cabelo que já deveria ter sido raspado. Os fios finos demais apontam em todas as direções do jeito que eu mais detesto. Sob as sobrancelhas espessas, seus olhos estão sempre cintilando e mudando de tom de acordo com a luminosidade. Fico furioso porque, não importa para que tom de azul eu olhe, é sempre um tom que me lembra dele. De sua boca sorridente só saem palavras confiantes que eu não quero ouvir. Sua voz sozinha é capaz de me tirar do sério.

Mathias.

Não importa que ele me chame de melhor amigo ou seja meu irmão de criação.

Eu o odeio.

É dia dos namorados e estou no terraço da escola na esperança de evitar tudo e  todos. Todos os anos são a mesma coisa: dezenas de garotas bobas vêm atrás de mim e dos meus irmãos querendo - na verdade, exigindo - que aceitemos seus chocolates e sentimentos. A maioria delas chora quando eu as recuso. Uma boa quantidade sequer sabe direito quem nós somos, apenas tem um fetiche estranho por estudantes de intercâmbio. Para evitar o estresse, evito o máximo que posso as áreas comuns da escola durante esta data.

De onde estou, sentado no chão, avisto duas silhuetas familiares atravessando o pátio discretamente. Tino e Berwald. Eles caminham pelas sombras das árvores rumo a algum lugar reservado da escola, tentando não ser notados pelos outros alunos que podem estar passando por ali também. Não posso vê-los com tanta clareza, mas sei, de algum modo, que Berwald deve estar segurando chocolates feitos em casa pelo próprio Tino. Sei também que eles estão escapando para passar o intervalo do almoço juntos e sozinhos. Imagino que Tino deve estar corado, mas sorridente, enquanto monopoliza a conversa e é atentamente ouvido por seu precioso Berwald. Sei de tudo isso porque conheço bem os dois.

De alguma forma distorcida, sinto inveja deles.

– Lukas! Luuuuukas! - a voz que eu tanto detesto corta o silêncio do terraço, desesperadoramente feliz.

Continuo sentado onde estou, ignorando-o mesmo que ele chame meu nome repetidas vezes. Eu posso fugir de todos os chocolates no mundo e me esconder de tudo e todos, menos de uma pessoa. Mathias. Não importa o quão bom seja o meu esconderijo ou o quão discreta seja a minha presença, ele sempre me encontra. Eu ouço o som conhecido de seus passos atrás de mim. Continuo olhando fixamente para o ponto onde Tino e Berwald sumiram da minha vista, mas minha visão periférica teima em registrar com o máximo de detalhes possíveis que ele senta ao meu lado. Olho-o pelo canto do olho e noto que ele tem uma pilha de chocolates no colo. O agastamento que a presença dele me causa não é nada comparado à fúria gelada que brota dentro de mim ao ver a montanha de doces embalados em papel cor de rosa. É uma mistura de cólera, desejo e inveja.

Inveja? ... Não, não é esse o nome. Ciúmes.

– Eu sabia que você estaria aqui se escondendo! No fundo você é bem tímido, não mesmo? - ele ri, abrindo uma das embalagens estampadas com corações.

– Não tem problema aceitar todos estes chocolates, bror?

– Que problema poderia ter? - ele ri - Não estou encontrando ninguém agora. Também não estou aceitando sair com elas e nem nada do tipo, elas sabem disso. São só por amizade.

Finalmente viro o rosto para olhá-lo propriamente. O pacote que ele está abrindo aparentemente contém muitos mini donuts feitos em casa, para os quais ele olha com uma expressão muito satisfeita. Alguma garota fez aquilo para ele - e eu sei que não foi por amizade - e eu simplesmente não quero que ele coma.

– Passe esses chocolates para cá. - ordeno.

– De jeito nenhum. - ele ergue as sobrancelhas - Foram feitos para mim, você recusou os seus porque quis.

– Não quero que você coma o que elas fizeram! - surpreendo a mim mesmo dizendo a verdade, mas não acrescento meu delírio momentâneo de que pode ter uma poção do amor lá dentro - E você não conseguirá comer tudo isso, de qualquer jeito.

– Isso é um desafio? - ele passa os chocolates do colo para o chão ao seu lado, onde eu não posso alcançá-los com facilidade - É chocolate, Lukas. Eu poderia comer pra sempre.

– E eu estou dizendo para não comer - sibilo, friamente.

– Me obrigue a não comer. - ele faz menção de colocar um mini donut na boca.

– Eu não vou permitir. - Estreito os olhos.

Como sempre, ele acha que não passa de uma brincadeira. Deliberadamente, abre a boca e coloca o doce inteiro lá dentro. Como eu disse, ele faz de propósito. A culpa é dele, não minha.

Conforme prometi, não permito que ele coma: seguro seu rosto com as duas mãos e trago-o para mim, colando nossas bocas uma na outra. Os lábios dele são estúpidamente macios em contato com os meus e, neste instante, deixo de lado qualquer hesitação que possa ter sentido e exploro sua boca com a língua até ter certeza de que peguei todos os vestígios do infame chocolate. Mesmo depois disso, o gosto continua bom e eu reluto em me afastar.

Os olhos dele, que neste instante estão claros como duas piscinas, estão arregalados de choque. Passo a mão pelo queixo a fim de limpar algum chocolate que possa ter ficado ali, sem nada expressar no meu rosto.

– Lukas... Agora há pouco você... ?

– Eu beijei você, é. - falo, com alguma impaciência.

Meus batimentos cardíacos estão acelerados. Meu estômago parece estar dando saltos ornamentais. Cada célula do meu corpo está ardendo de vergonha, gritando para que eu fuja dali o mais rápido possível. Estou consciente de que não quero ouvir a resposta dele - estou com medo -, mas tudo o que faço é continuar sentado no terraço sem demonstrar nada na expressão, como se eu não estivesse derretendo lentamente por dentro.

– Lukas.

Mathias põe as mãos nos meus ombros. O tom que ele usa ao dizer o meu nome - aquele tom sério tão, mas tão diferente do usual. - me faz sentir um calafrio quando eu o encaro. Pela primeira vez desde que eu o conheci, ele está completamente austero, nenhuma sombra de sorriso bobo no rosto. Ainda estou com medo da resposta.

– Ja? - fico surpreso do quão firme minha voz está.

– Você não pode beijar os amigos desse jeito.

Era bom demais para ser verdade. Solto um suspiro, incapaz de colocar em palavras a minha frustração, tamanha ela é. Mathias é completamente sem jeito.

– Você... Não vai entender nunca, não é, bror?

Olhando para seu rosto preocupado, tenho que admitir para mim mesmo que ele não faz de propósito. Ele é idiota de nascimento e é apenas natural para ele estar sempre feliz e confiante. Não são as atitudes dele que são planejadas para me tirar do sério, sou eu que sou excessivamente sensível a tudo o que ele faz. É egocentrismo meu achar que ele mudaria qualquer coisa apenas para me tirar a paciência, pois não devo ser importante o suficiente.

Eu solto-o, pois não tem mais sentido continuar segurando-o. Já levei um fora bem no dia dos namorados. Ou... Pode ser considerado um fora quando seus sentimentos simplesmente não alcançam a pessoa? Levanto e deixo-o sozinho com os chocolates, ainda com aquela expressão atônita. Eu, por outro lado, estou tão frustrado e emanando uma aura de mau humor tão nítida, que nenhuma garota ousa se aproximar de mim nos corredores, apesar de muitas olharem e cochicharem.

Sem pensar, vou para o banheiro masculino e acabo ficando por lá pelo resto das aulas. Apenas quando já passou meia hora desde o sinal que anuncia que é hora de ir para casa, eu finalmente deixo meu cúbiculo - agora carinhosamente apelidado de cubículo emo do Lukas - e vou embora. Meus pés fazem o caminho familiar para um parquinho que fica nos arredores da minha casa, sem pressa e nem ânimo. É naquele parquinho onde costumo matar o tempo sempre que quero ficar sozinho, especialmente ao por do sol, quando não tem nenhuma criança por lá.

Para a minha surpresa, encontro meu irmão Emil sentado num dos balanços. Para o meu desgosto, ele estava comendo uma barra de chocolate. Para o meu desespero, ele me viu antes que eu pudesse fugir.

– Hej, bróðir. - ele me cumprimenta, mordendo seu chocolate.

– Hallo. - suspiro, indo sentar ao seu lado. - Achei que você nunca aceitasse chocolates.

– Este aqui é diferente. - ele desvia o rosto, um pouco corado.

– Este aí seria um chocolate importado de Hong Kong? - pergunto acidamente, fazendo uma referência ao rapaz com quem Emil tem passado tanto tempo ultimamente.

– Ei! - ele ergueu as mãos como quem se rende, estranhando minha resposta ferina. Normalmente, eu nunca uso de ironia o sarcasmo com ele. - Alguém aí está descontando no irmão mais novo por ter tido um dia dos namorados ruim.

– Você nem faz ideia do quanto.

Ele olha para mim, curioso. Não é sempre que eu faço esse tipo de reclamação. Entretanto, não sinto a menor vontade de continuar a falar. Não quero sequer lembrar da existência daquele estúpido dinamarquês. Mas, como não posso nunca ter o que eu quero, mal esse pensamento me ocorreu, ouço aquela voz de que tanto desgosto.

– Lukas! LUKAS! Ah! Até que enfim te encontrei! - Mathias vem correndo com uma sacola na mão. - Puxa, revirei a escola atrás de você até que o Tino disse que você já tinha saído.

– Como você sabia que eu estava aqui?

– Como? - enquanto tenta recuperar o fôlego, ele me olha como se eu tivesse perguntado quanto é dois mais dois. - Você costuma vir aqui sempre que está chateado.

Emil olha de mim, ainda sentado no balanço, para Mathias, que ainda está respirando com dificuldade por ter corrido da escola até ali. Por fim, ele levanta.

– Vou mais cedo para casa. Vejo vocês depois. - diz ele, me lançando um olhar significativo.

Fico olhando meu irmão ir embora, e Mathias, por sua vez, fica me olhando. Assim como mais cedo, sua expressão está incomumente séria e eu sei que ele está esperando que eu faça o primeiro movimento. Suspiro antes de encará-lo.

– O que você quer?

– Eu entendi. - diz ele em tom grave - Desculpe por fazer você esperar, mas eu entendi. E eu devolvi todos os chocolates.

– Devolveu todos... ?

– Ja. - curta pausa. - Bom, não todos, só os que eu não tinha comido ainda, mas acho que as garotas iam ficar bravas se eu vomitasse ou coisa assim, então... Mais cedo eu fiquei surpreso com o que você fez, mas eu não queria me iludir e nem nada, então achei que você não sabia o que significava...

– Você acha que eu sou um dum como você? - sibilo. - Acha que eu não penso antes de agir?

– Por isso... - ele mete a mão na sacola e tira de lá uma embalagem de bombons dinamarqueses - Desculpe por não serem feitos em casa, como deveriam, mas eu quero que você aceite isto. Desculpe por fazer você esperar, mas eu entendi. Então, me entenda também, por favor.

Levanto do balanço e estendo a mão para a caixa de bombons, pegando-a. Meus olhos vão da caixa para a expressão determinada de Mathias. Sei que ele não está brincando, mas meu cérebro não consegue processar o que aquele idiota irritante está dizendo.

– Você... Diz que eu sou um dos seus irmãos. E o seu melhor amigo. - Digo, a troco de nada.

– Ja. - ele sorri - Mas eu gosto de você de outro jeito. E tem chocolate no seu rosto, Lukas. Vou tirar pra você.

Tudo nele me irrita. A forma como seus olhos azuis ficam arroxeados sob a luz do por do sol. Como seu rosto enrubesce ligeiramente antes que seus lábios toquem o canto da minha boca em conjunto com a língua, onde ele diz ter ainda um vestígio do desgraçado mini donut. Também me exaspera a maneira com que ele usa a mesma desculpa estúpida que eu usei mais cedo para roubar um beijo. O mero fato de eu corresponder o beijo com avidez, independente da minha vontade, é inteiramente culpa dele e isso me deixa encarnecido.

Eu não quero que ele me chame de melhor amigo ou me considere seu irmão.

Eu o amo.


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Notas finais do capítulo

Espero que tenham gostado... Qualquer comentário vai ser apreciado x3